ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção
Alargada)
21 de Outubro de 1997 (1)
«Concorrência Transportes ferroviários de contentores marítimos
Regulamento (CEE) n.° 1017/68 Acordos, decisões de associações de
empresas e práticas concertadas Posição dominante Abuso Multa
Critérios de apreciação Princípio da proporcionalidade Direito de defesa
Acesso aos elementos do processo Princípio da segurança jurídica»
No processo T-229/94,
Deutsche Bahn AG, sociedade de direito alemão, com sede em Frankfurt
(Alemanha), representada por Jochim Sedemund, advogado em Colónia, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Aloyse May, 31, Grand-rue,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Norbert
Lorenz, membro do Serviço Jurídico, e Géraud de Bergues, funcionário nacional
destacado na Comissão, e mais tarde por Klaus Wiedner, membro do Serviço
Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Heinz-Joachim Freund, advogado
em Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos
Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto a anulação da Decisão 94/210/CE da Comissão, de 29 de
Março de 1994, relativa a um processo nos termos dos artigos 85.° e 86.° do
Tratado CE (IV/33.941 HOV/SVZ/MCN, JO L 104, p. 34), ou, a título
subsidiário, a anulação ou a redução da multa aplicada por essa decisão à
recorrente,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção Alargada),
composto por: A. Saggio, presidente, A. Kalogeropoulos, V. Tiili, R. M. Moura
Ramos e M. Jaeger, juízes,
secretário: A. Mair, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 28 de Janeiro de 1997
profere o presente
Acórdão
Factos
- 1.
- Em 1 de Abril de 1988, as empresas Deutsche Bundesbahn (a seguir «DB», à qual
sucedeu, em 1994, a Deutsche Bahn, a seguir «recorrente»), a Société nationale
des chemins de fer belges (a seguir «SNCB»), Nederlandse Spoorwegen, (a seguir
«NS»), Intercontainer e Transfracht concluíram um acordo sobre a criação de uma
rede de cooperação dita «Maritime Container Network (MCN)» (a seguir «acordo
MCN»).
- 2.
- A expressão «contentor marítimo» («conteneur maritime», maritime container)
designa um contentor que é transportado no essencial por via marítima, mas que
exige ser transportado por via terrestre antes e depois do transporte por via
marítima. O acordo MCN dizia respeito aos transportes ferroviários de contentores
marítimos com destino ou provenientes da Alemanha que transitavam, para esse
efeito, por um porto alemão, belga ou neerlandês. Entre os portos alemães,
designados, no contexto do acordo MCN, como os «portos do Norte»,
encontravam-se os de Hamburgo, de Bremen e de Bremerhaven. Entre os portos
belgas e neerlandeses, ditos «portos do Oeste», encontravam-se os de Antuérpia
e de Roterdão.
- 3.
- A DB, presentemente a recorrente, a SNCB e os NS são empresas ferroviárias
nacionais, respectivamente, da Alemanha, da Bélgica e dos Países Baixos. A
Intercontainer e a Transfracht são empresas que operam no sector do transporte
dos contentores marítimos e compram, com essa finalidade, às empresas
ferroviárias, os serviços ferroviários indispensáveis, tais como a tracção ferroviária
e o acesso à infra-estrutura ferroviária. A Intercontainer é uma sociedade de direito
belga, filial comum de 24 empresas ferroviárias europeias. A Transfracht é uma
sociedade de direito alemão com 80% do capital detido pela DB, presentemente
pela recorrente.
- 4.
- Já antes da conclusão do acordo MCN, a organização dos transportes visados pelo
acordo era, de facto, repartida entre as cinco empresas supramencionadas. Segundo
essa repartição, na qual o acordo MCN nada mudou, a Transfracht assegurava os
transportes de contentores marítimos com destino ou provenientes da Alemanha
e transitando por portos alemães. A Intercontainer, por seu lado, assegurava os
transportes de contentores marítimos com destino à ou provenientes da Alemanha
e transitando por portos belgas e neerlandeses. A fim de poder fornecer um serviço
de transporte completo aos seus clientes, a Transfracht e a Intercontainer eram
obrigadas a comprar certos serviços ferroviários à DB (Transfracht), bem como à
SNCB e aos NS (Intercontainer), dado o monopólio legal que estas detinham, cada
uma no seu próprio território, para a prestação desses serviços, tais como a
colocação à disposição de locomotivas e de maquinistas e o acesso à infra-estrutura
ferroviária.
- 5.
- O acordo MCN tinha estabelecido duas estruturas de coordenação, sem
personalidade jurídica, isto é, um Steering Committee e um Bureau Commun. Os
membros e os colaboradores desses dois órgãos eram designados pela Transfracht
e pela Intercontainer. Entre os seis membros do Steering Committee deviam
necessariamente encontrar-se três representantes da DB e/ou da Transfracht, um
representante da SNCB e um representante dos NS. O Committee era concebido
como o órgão de decisão e de controlo do acordo, ao passo que o Bureau Commun
funcionava como o órgão de gestão. Concretamente, o Steering Committee estava
investido do poder de tomar as decisões relativas aos serviços e aos preços a
oferecer para os transportes de contentores marítimos, e o Bureau Commun era
encarregado da elaboração e da comercialização das actividades de compra, de
venda e de fixação de tarifas da Transfracht e da Intercontainer. Algumas outras
actividades, tais como a facturação junto dos clientes, eram realizadas
separadamente pela Transfracht e pela Intercontainer.
- 6.
- Nos termos do § 9 do acordo MCN, as decisões no seio do Steering Committee
deviam ser tomadas por unanimidade.
- 7.
- Por denúncia com data de 16 de Maio de 1991, a associação
Havenondernemersvereniging SVZ (a seguir «HOV-SVZ»), que reagrupa
empresas que operam no porto de Roterdão, assinalou à Comissão que a DB
praticava tarifas muito mais elevadas para os transportes de contentores marítimos
com destino ou provenientes da Alemanha e transitando pelos portos belgas e
neerlandeses que para os transportes de contentores marítimos transitando pelos
portos alemães. Segundo a HOV-SVZ, a DB tinha em vista assim privilegiar os
transportes para os quais fornecia a totalidade dos serviços ferroviários. Essa
prática constituía um abuso de posição dominante contrária às disposições do artigo
86.° do Tratado CE. Além disso, considerava que o acordo MCN era contrário ao
artigo 85.° do Tratado.
- 8.
- Em 31 de Julho de 1992, a Comissão enviou uma comunicação de acusações às
empresas vinculadas pelo acordo MCN, que, em consequência, rescindiram o
referido acordo. Após ter recebido a comunicação de acusações, a DB reconheceu
igualmente que impunha para os transportes que transitavam pelos portos do Norte
tarifas diferentes das que praticava para os que transitavam pelos portos do Oeste,
mas contestou o carácter discriminatório dessas diferenças. Sublinhou que as tarifas
eram objectivamente fixadas tendo em conta a distância do trajecto, os custos de
produção e a situação concorrencial do mercado.
- 9.
- Em 25 de Agosto de 1992, o advogado da DB teve ocasião de consultar os
elementos do processo na Comissão e fez cópias da maior parte das suas peças.
- 10.
- Em 15 de Dezembro de 1992, teve lugar uma audição na Comissão. Nela
participaram representantes da Comissão, da DB e da Transfracht, da SNCB, dos
NS, da Intercontainer e de sete Estados-Membros.
- 11.
- Em 29 de Março de 1994, a Comissão adoptou a Decisão 94/210/CE, relativa a um
processo nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (IV/33.941 HOV
SVZ/MCN) (JO L 104, p. 34; a seguir «decisão»). A decisão é baseada no Tratado
CE e no Regulamento (CEE) n.° 1017/68 do Conselho, de 19 de Julho de 1968,
relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores dos transportes
ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 175, p. 1; EE 08 F1 p. 106; a
seguir «Regulamento n.° 1017/68»).
- 12.
- Quanto à compatibilidade do acordo MCN com as regras comunitárias da
concorrência, a decisão considera que o acordo MCN, em violação das disposições
do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tinha por objecto e por efeito restringir a
concorrência no mercado dos transportes terrestres de contentores marítimos entre
o território alemão e os portos situados entre Hamburgo e Antuérpia, pois que a
eliminava entre a Intercontainer e a Transfracht, na venda dos serviços de
transporte combinado aos carregadores e aos armadores marítimos, entre as
empresas ferroviárias, na venda de serviços de transporte aos carregadores e aos
armadores marítimos, entre as empresas ferroviárias, por um lado, e a
Intercontainer e a Transfracht, por outro, na venda de serviços de transporte aos
carregadores e aos armadores marítimos, e porque tornava mais difícil o acesso ao
mercado de novos concorrentes da Transfracht e da Intercontainer (pontos 76 a
89 da decisão). A este propósito, a decisão acrescenta que o acordo não entra na
excepção legal prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 1017/68, pois não visa nem
aplicar directamente melhoramentos técnicos, nem assegurar directamente uma
cooperação técnica (pontos 91 a 98 da decisão), e que, além disso, uma isenção por
força do artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68 não poderia ser contemplada, pois
que o acordo não ia melhorar a qualidade nos serviços de transportes ferroviários
nem promover a produtividade das empresas ou o progresso técnico e económico
(pontos 99 a 103 da decisão).
- 13.
- Quanto à compatibilidade das práticas de tarifas da DB com as regras comunitárias
da concorrência, a decisão salienta, em primeiro lugar, que, tendo em conta o
monopólio legal de que dispõe, a DB detinha uma posição dominante no mercado
dos serviços ferroviários na Alemanha e reconhece, em seguida, que abusou dessa
posição dominante, agindo por forma a que sejam praticadas tarifas de transporte
sensivelmente mais elevadas para os transportes realizados entre um porto belga
ou neerlandês e a Alemanha que para os transportes realizados entre as
localidades alemãs e os portos alemães. A esse propósito, a decisão especifica que
a DB controlava não somente o nível das tarifas dos transportes de contentores
para e provenientes dos portos do Norte, mas igualmente o nível das tarifas dos
transportes para e provenientes dos portos do Oeste. Com efeito, em primeiro
lugar, a DB, na qualidade de fornecedor obrigatório dos serviços ferroviários para
a parte do trajecto realizado na Alemanha, tinha o poder de controlar o nível das
tarifas de venda praticadas pela Intercontainer; em segundo lugar, tendo em conta
a posição do Steering Committee e pelo facto de o Bureau Commun estar instalado
no seio da sociedade Transfracht, dispunha do poder de bloquear qualquer decisão
no quadro do acordo MCN; em terceiro lugar, tinha unilateralmente introduzido,
fora do quadro do acordo MCN e quase após a conclusão deste, um novo sistema
de tarifas chamado «kombinierter Ladungsverkehr-Neu» (a seguir «sistema
KLV-Neu»), que previa reduções de preços nos trajectos para e provenientes dos
portos do Norte, mas não para os trajectos para e provenientes dos portos do
Oeste (pontos 139 a 187 da decisão).
- 14.
- A decisão considera, em seguida, que as diferenças de tarifas salientadas não
podiam justificar-se nem por o transporte rodoviário estar sujeito a uma
concorrência rodoviária e fluvial mais viva nos trajectos via portos do Oeste que
nos trajectos via portos do Norte, nem por os custos de produção serem mais
elevados nos trajectos via portos do Oeste que nos trajectos via portos do Norte.
A esse propósito, a decisão explica que a concorrência mais viva nos trajectos via
portos do Oeste poderia unicamente justificar uma diferença de tarifas em favor
desses trajectos e que a DB não demonstrou a existência de uma relação lógica
entre as diferenças de custos e as diferenças de tarifas (pontos 199 a 234 da
decisão).
- 15.
- Finalmente, a decisão considera que a existência de uma infracção do artigo 86.°
do Tratado pela DB está demonstrada pelo menos relativamente ao período de 1
de Outubro de 1989 a 31 de Julho de 1992 e que lhe deve ser aplicada multa,
tomando em conta o facto de esta não ter assumido qualquer compromisso de
adaptar as suas práticas de tarifas, de a infracção ter sido cometida
deliberadamente e de revestir uma gravidade particular, além do mais, porque
entravou o desenvolvimento do transporte ferroviário, que é um objectivo
importante da política dos transportes da Comunidade (pontos 255 a 263 da
decisão).
- 16.
- No seu artigo 1.°, a decisão declara, em primeiro lugar, que a DB, a SNCB, os NS,
a Intercontainer e a Transfracht infringiram o artigo 85.° do Tratado ao celebrarem
o acordo MCN, que prevê a comercialização de todos os transportes ferroviários
de contentores marítimos a partir de ou com destino à Alemanha e transitando por
um porto alemão, belga ou neerlandês, através de um Bureau Commun com base
em tarifas acordadas no âmbito desse Bureau. No seu artigo 2.°, declara, em
seguida, que a DB infringiu o artigo 86.° do Tratado ao utilizar a sua posição
dominante no mercado dos transportes ferroviários na Alemanha para impor tarifas
de transporte ferroviário discriminatórias no mercado dos transportes terrestres de
contentores marítimos a partir da ou com destino à Alemanha transitando por um
porto alemão, belga ou neerlandês. Finalmente, no seu artigo 4.°, aplica, por força
do artigo 22.° do Regulamento n.° 1017/68, uma multa de 11 000 000 de ecus à DB,
por violação do artigo 86.° do Tratado (v. igualmente os pontos 255 e 256 da
decisão).
- 17.
- A decisão foi notificada à recorrente em 8 de Abril de 1994.
- 18.
- Por carta de 27 de Abril de 1994, o advogado da recorrente pediu à Comissão para
consultar os elementos do processo no qual a decisão era baseada, a fim de melhor
proteger os interesses da sua cliente. Por carta de 5 de Maio de 1994, a Comissão
recusou o pedido por a DB ter já sido autorizada a fazê-lo na fase pré-contenciosa.
Tramitação do processo e pedidos das partes
- 19.
- Foi nestas circunstâncias que a recorrente, por petição apresentada na Secretaria
do Tribunal de Primeira Instância em 14 de Junho de 1994, interpôs o presente
recurso.
- 20.
- Por carta de 31 de Agosto de 1994, a recorrente transmitiu ao Tribunal um
relatório de peritagem intitulado «Kosten- und Marktanalyse für Containerverkehre
in die West- und Nordhäfen ex BRD für den Zeitraum 1989-1992 im Auftrag der
Deutschen Bahn AG» («Análise dos custos e do mercado de tráfego de
contentores provenientes da RFA nos portos do Oeste e do Norte, para o período
de 1989-1992, a pedido da Deutsche Bahn AG»). O Tribunal aceitou juntar esse
relatório aos autos sendo, em 15 de Setembro de 1994, transmitida à recorrida uma
cópia.
- 21.
- Com base em relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu abrir a fase oral do
processo sem proceder a medidas de instrução prévias. No quadro das medidas de
organização do processo, as partes foram todavia convidadas a responder por
escrito a algumas questões antes da audiência.
- 22.
- As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões orais do
Tribunal na audiência pública de 28 de Janeiro de 1997.
- 23.
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão;
a título subsidiário, anular a decisão na medida em que lhe aplica uma
multa;
a título ainda mais subsidiário, reduzir o montante da multa;
condenar a recorrida nas despesas do processo.
- 24.
- A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:
negar provimento ao recurso;
condenar a recorrente nas despesas.
Quanto aos pedidos de anulação da decisão em litígio
- 25.
- Na petição, a recorrente invocou, em substância, quatro fundamentos em apoio dos
seus pedidos de anulação. O primeiro, de violação do artigo 85.° do Tratado e dos
actos adoptados pelo Conselho com vista a precisar o âmbito de aplicação do
artigo 85.° do Tratado no domínio dos transportes. O segundo, de violação do
artigo 86.° do Tratado. O terceiro e quarto fundamentos são, respectivamente, a
violação dos direitos de defesa e a violação dos princípios da segurança jurídica e
da boa administração.
Primeiro fundamento, violação do artigo 85.° do Tratado e dos actos adoptados pelo
Conselho com vista a precisar o âmbito de aplicação do artigo 85.° do Tratado no
domínio dos transportes
Argumentos das partes
- 26.
- A recorrente sustenta que o acordo MCN era um acordo técnico, na acepção do
artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1017/68, e que não caía, por
conseguinte, na alçada da proibição dos acordos, decisões de associações de
empresas e de práticas concertadas prevista no artigo 2.° do Regulamento
n.° 1017/68 e no artigo 85.° do Tratado. Lembra, a esse propósito, que o acordo
tinha por finalidade estabelecer uma cooperação em matérias técnicas, tais como
a fixação dos horários, a mudança das locomotivas e do pessoal nas fronteiras e a
escolha dos terminais.
- 27.
- Na medida em que o acordo visava uma fixação comum das tarifas, a recorrente
observa que o artigo 3.° do Regulamento n.° 1017/68, bem como o artigo 4.° da
Decisão 82/529/CEE do Conselho, de 19 de Julho de 1982, relativa à formação dos
preços para os transportes ferroviários internacionais de mercadorias (JO L 234,
p. 5; EE 07 F3 p. 61; a seguir «Decisão 82/529»), e os artigos 1.° e 4.° da
Recomendação 84/646/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1984, dirigida às
empresas de caminho-de-ferro nacionais dos Estados-Membros relativa ao reforço
da cooperação do tráfego internacional de passageiros e de mercadorias (JO L 333,
p. 63; EE 07 F3 p. 220; a seguir «Recomendação 84/646») permitem
expressamente a formação de tarifas comuns adoptadas entre várias empresas
ferroviárias para os transportes combinados de mercadorias.
- 28.
- A título subsidiário, a recorrente alega que o acordo MCN deveria ter sido isento
da proibição dos acordos, de decisões de associações de empresas e de práticas
concertadas por força do artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68 e que a decisão
não contém qualquer fundamentação quanto à razão pela qual não foi feito uso
dessa disposição.
- 29.
- A título ainda mais subsidiário, a recorrente observa que a conclusão da Comissão
de que o acordo MCN eliminou a concorrência é errónea, pois a Intercontainer e
a Transfracht operam em trajectos diferentes e não são portanto concorrentes, e
as empresas ferroviárias nacionais não se encontram, também elas, num relação de
concorrência.
- 30.
- Segundo a recorrida, o artigo 3.° do Regulamento n.° 1017/68 permite unicamente
a celebração de acordos que têm exclusivamente por objecto e por efeito trazer
melhoramentos técnicos ou estabelecer uma cooperação técnica. O acordo MCN
ultrapassou esse quadro técnico, pois que visava estabelecer um sistema de fixação
de tarifas comum.
- 31.
- A esse propósito, a recorrida sustenta que a autorização, conferida pelo artigo 3.°
do Regulamento n.° 1017/68, a favor da «determinação e aplicação de preços e
condições globais... incluindo os preços de concorrência» não equivale a uma
autorização de concertações sobre os preços que tenham por finalidade eliminar
a concorrência e repartir mercados. Acontecia a mesma coisa em relação ao artigo
4.° da Decisão 82/529. Este artigo não permite às empresas ferroviárias organizar
em comum o conjunto dos transportes rodoviários transfronteiras de contentores,
mas unicamente formas de cooperação com vista a evitar que os monopólio em
matéria de tracção ferroviária e de acesso à rede ferroviária impeçam o bom
funcionamento dos transportes transfronteiras. Quanto à Recomendação 84/646,
a recorrida observa que o acordo MCN não entra no seu âmbito, pois o acordo
dizia respeito não somente a três empresas de caminhos-de-ferro, mas igualmente
a dois operadores de transportes, ao passo que a recomendação é dirigida
unicamente às empresas de caminhos-de-ferro e, de qualquer forma, tem
unicamente por finalidade encorajar as formas de cooperação transfronteiras
tornadas necessárias pela existência dos monopólios.
- 32.
- Quanto ao argumento da recorrente de que o acordo MCN deveria ter sido isento
por força do artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68, a recorrida observa que as
condições de aplicação definidas pela referida disposição não estavam preenchidas
por causa de importantes restrições de concorrência acarretadas pelo acordo MCN.
- 33.
- Finalmente, a recorrida observa que existia uma verdadeira concorrência entre a
DB, a SNCB e os NS, e entre a Intercontainer e a Transfracht, nomeadamente na
medida em que a DB e a Transfracht tinham interesse em realizar tantas
operações de transporte quantas as possíveis nos trajectos para os portos do Norte,
ao passo que a SNCB, os NS e a intercontainer tinham um interesse comercial
numa concentração do tráfego para o Oeste. A recorrida fala, neste contexto, de
uma «concorrência nos eixos de transporte».
Apreciação do Tribunal
- 34.
- Deve reconhecer-se, a título preliminar, que o acordo MCN tinha, nomeadamente,
por objecto estabelecer uma gestão comum da fixação de tarifas dos transportes
ferroviários de contentores marítimos com destino à ou provenientes da Alemanha
e transitando por portos alemães, belgas e neerlandeses. Resulta com efeito da
própria redacção do acordo que este atribuía ao Steering Committee «a definição
e a modificação da política comercial a longo, médio e curto prazos para o tráfego
sujeito ao presente acordo, em particular a definição e a modificação da política
de vendas e da política de preços» e ao Bureau Commun a de assegurar «a função
'compras/formação dos preços/vendas».
- 35.
- O Tribunal considera que essa iniciativa comum consistia em «fixar de forma
directa ou indirecta os preços» na acepção do artigo 85.°, n.° 1, alínea a), do
Tratado e do artigo 2.°, alínea a), do Regulamento n.° 1017/68. Resulta com efeito
da jurisprudência que um acordo que estabelece um regime comum de fixação de
preços releva das referidas disposições [quanto ao artigo 85.°, n.° 1, alínea a), do
Tratado, v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1972,
Cementhandelaren/Comissão, 8/72, Colect. 1972, p. 333, n.os 18 e 19, e o acórdão
do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Enichem
Anic/Comissão, T-6/89, Colect., p. II-1623, n.° 198; quanto ao artigo 2.°, alínea a),
do Regulamento n.° 1017/68, v. o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6
de Junho de 1995, Union internationale des chemins de fer/Comissão, T-14/93,
Colect., p. II-1503, n.° 50], e isto independentemente de saber em que medida as
disposições do acordo foram de facto respeitadas (v. o acórdão do Tribunal de
Justiça de 11 de Julho de 1989, Belasco e o./Comissão, 246/86, Colect., p. 2117,
n.° 15, bem como o acórdão Cementhandelaren/Comissão, já referido, n.° 16).
- 36.
- Isto é assim porque a formação comum de preços restringe o jogo da concorrência,
nomeadamente permitindo a cada participante prever com um grau razoável de
certeza qual será a política de preços prosseguida pelos seus concorrentes ou
co-participantes (acórdão Cementhandelaren/Comissão, já referido, n.° 21). O
acordo MCN não poderá escapar a esta análise. Dado que cada uma das empresas
em causa tem um interesse comercial evidente em que tantas operações detransporte quantas as possíveis sejam efectuadas nos trajectos em que ela é mais
activa, existe uma relação concorrencial entre a DB e os NS, e entre a DB e a
SNCB. Da mesma forma, os NS estão em concorrência com a SNCB, e a
Transfracht com a Intercontainer. Por isso, ao estabelecer um sistema de formação
comum de preços, as referidas empresas restringiram sensivelmente, ou até mesmo
eliminaram, toda a concorrência em matéria de preços na acepção da
jurisprudência já referida.
- 37.
- O Tribunal entende, em seguida, que, contrariamente às alegações da recorrente,
o acordo MCN não releva da excepção legal prevista no artigo 3.°, n.° 1, alínea c),
do Regulamento n.° 1017/68, que autoriza os «acordos, decisões e práticas
concertadas que tenham apenas por objectivo ou efeito a aplicação de
melhoramentos técnicos ou a cooperação técnica mediante... A organização e a
execução de transportes... combinados, bem como a determinação e aplicação de
preços e condições globais para esses transportes, incluindo os preços de
concorrência». Com efeito, a introdução de uma excepção legal a favor de acordos
de ordem puramente técnica não poderá equivaler a uma autorização, por parte
do legislador comunitário, que permite a celebração de acordos que têm por
objecto a formação comum de preços. Se assim não fosse, qualquer acordo que
estabelecesse um sistema de formação comum de preços no sector dos transportes
ferroviários, rodoviários ou fluviais deveria ser considerado como um acordo
técnico na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 1017/68, e o artigo 2.°, alínea
a), do mesmo regulamento seria privado de qualquer utilidade.
- 38.
- Há que salientar, além disso, que a determinação autónoma, por cada operador
económico, da sua política comercial e nomeadamente da sua política de preços
corresponde à concepção inerente às disposições do Tratado relativas à
concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1977,
Metro/Comissão, 26/76, Colect. 1977, p. 659, n.° 21; acórdão do Tribunal de
Primeira Instância de 24 de Outubro de 1991, Rhône-Poulenc/Comissão, T-1/89,
Colect., p. II-867, n.° 121). Segue-se que a excepção prevista no artigo 3.° do
Regulamento n.° 1017/68, nomeadamente os termos «preços globais» e «preços de
concorrência», devem ser interpretados com circunspecção. O Tribunal já
sublinhou que, tendo em conta o princípio geral da proibição dos acordos, decisões
de associações de empresas e práticas concertadas anticoncorrenciais consagrado
no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, as disposições com carácter derrogatório inseridas
num regulamento devem ser objecto de uma interpretação restritiva (acórdãos do
Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime
belge transports e o./Comissão, T-24/93, T-25/93, T-26/93 e T-28/93, Colect.,
p. II-1201, n.° 48, e de 22 de Abril de 1993, Peugeot/Comissão, T-9/92, Colect.,
p. II-493, n.° 37).
- 39.
- À luz das considerações que precedem, o Tribunal entende que a expressão
«preços globais» deve ser compreendida como designando os preços «de uma
extremidade à outra», englobando as diferentes partes nacionais de um trajecto
transnacional, e que a expressão «preço de concorrência», que é ligada, pela
expressão «incluindo», à noção de «preços globais», supra-referida, deve ser
entendida como permitindo às diferentes empresas que operam no mesmo trajecto
transnacional fixar preços globais não somente procedendo à adição das tarifas de
cada uma delas, mas igualmente trazendo a esta adaptações comuns susceptíveis
de garantir o carácter concorrencial dos transportes em causa em relação a outros
modos de transporte, sem todavia ser inteiramente eliminada a autonomia de cada
empresa quanto à fixação das suas próprias tarifas em função dos seus interesses
concorrenciais. Ora, o acordo MCN conduzia a essa eliminação e ultrapassava o
quadro das acções autorizadas pelos termos supra-referidos, pois confiava, sem
qualquer limitação, a política e a formação dos preços a um órgão comum, e, além
disso, os preços globais para cada trajecto coberto pelo acordo MCN eram
co-fixados por uma empresa que não operava mesmo nesse trajecto.
- 40.
- Resulta dos números precedentes que a Comissão concluiu, com razão, que o
acordo MCN ultrapassava o quadro descrito pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do
Regulamento n.° 1017/68.
- 41.
- Esta interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1017/68 não
está em contradição com o artigo 4.° da Decisão 82/529, mas, bem ao contrário, em
conformidade com ele. Com efeito, o artigo 4.° da Decisão 82/529 autoriza o
estabelecimento, pelas empresas de caminhos-de-ferro, de «tabelas tarifárias
comuns com preços para todo o trajecto», acrescentando que «os preços indicados
nessas tarifas podem ser independentes dos que forem obtidos pela soma dos
preços das tarifas nacionais», tendo essa independência por finalidade salvaguardar
a posição concorrencial do transporte ferroviário em relação a outros modos de
transporte tal como o especifica o quarto considerando da Decisão 82/529. Todavia,
o referido artigo 4.° supõe, do mesmo modo, que as empresas ferroviárias tenham
em conta «os seus próprios interesses». Como demonstra o seu segundo
considerando, a Decisão 82/529 atribui um certo valor a uma «autonomia comercial
suficiente» das empresas ferroviárias.
- 42.
- A Recomendação 84/646, igualmente invocada pela recorrente, não poderá pôr em
causa esta conclusão. O seu artigo 4.° confirma de novo a possibilidade de
estabelecer tarifas globais que não sejam iguais à soma das tarifas nacionais e
encoraja o estabelecimento de bureaux communs em função das vendas junto dos
agentes de transporte, mas não permite atribuir a tais órgãos um poder ilimitado
em matéria de gestão comercial e de formação dos preços, como o acordo MCN
o fez.
- 43.
- Finalmente, o Tribunal considera que a Comissão não era de modo algum obrigada
a fazer uso, em relação ao acordo MCN, do artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68,
que prevê que «a proibição prevista no artigo 2.° pode ser declarada inaplicável...
a qualquer acordo ou categoria de acordos entre empresas... que contribuam para
melhorar a qualidade dos serviços de transportes, ou para promover uma maior
continuidade e estabilidade na satisfação das necessidades de transportes em
mercados sujeitos a consideráveis flutuações no tempo da oferta e da procura, ou
para promover o progresso técnico ou económico... sem... dar a essas empresas a
possibilidade de eliminar a concorrência, relativamente a uma parte substancial do
mercado de transportes em causa». A este propósito, deve reconhecer-se
liminarmente que, contrariamente às alegações da recorrente, a Comissão
fundamentou a sua recusa de isentar o acordo MCN, indicando, nos pontos 99 a
103 da decisão, que não estava demonstrado que o referido acordo trouxesse um
progresso técnico ou económico, um melhoramento da qualidade dos serviços
ferroviários ou um aumento da produtividade, sendo certo que impunha restrições
de concorrência importantes, de tal forma que as condições requeridas pelo artigo
5.° do Regulamento n.° 1017/68 não estavam de qualquer forma preenchidas. Em
seguida, força é reconhecer que, tal como resulta das declarações feitas supra
(n.os 30 a 40), declarando inaplicável o artigo 2.° do Regulamento n.° 1017/68 ao
acordo MCN, a Comissão teria dado às empresas em causa a possibilidade de
eliminar a concorrência entre si.
- 44.
- Tendo em conta tudo o que precede, há que concluir que foi com razão que a
Comissão considerou que o acordo MCN era incompatível com o mercado comum.
Por consequência, há que rejeitar o primeiro fundamento.
Segundo fundamento, violação do artigo 86.° do Tratado
- 45.
- Este fundamento articula-se em dois vectores. A recorrente alega, em primeiro
lugar, que a DB não ocupava posição dominante no mercado comum ou numa
parte substancial deste. Sustenta, em seguida, que o comportamento incriminado
na decisão não apresentava um carácter abusivo.
O fundamento tomado no seu primeiro vector, relativo à ausência de posição
dominante
Argumentos das partes
- 46.
- A recorrente entende que a decisão define erradamente o mercado pertinente e
conclui erradamente que a DB possuía uma posição dominante.
- 47.
- O mercado pertinente compreende, segundo a recorrente, o transporte ferroviário
bem como os transportes rodoviário e fluvial de contentores marítimos. A esse
propósito, invoca a jurisprudência segundo a qual a definição material do mercado
deve compreender todos os serviços e bens intermutáveis entre si. Aplicando essa
jurisprudência aos factos do caso concreto, entende que a delimitação do mercado
no qual a Comissão reconheceu a existência de uma posição dominante da DB
comporta dois erros.
- 48.
- Em primeiro lugar, ao limitar o mercado apenas aos serviços ferroviários, a
Comissão não teve em conta o facto de a Transfracht ser uma filial da DB e que,
constituindo as sociedades mãe e filial uma única entidade económica, as
actividades económicas da DB incluíam, em toda a Alemanha, além dos serviços
ferroviários de transporte, tais como o acesso à rede ferroviária e a colocação à
disposição de locomotivas e de maquinistas, as outras componentes do transporte
ferroviário de contentores marítimos.
- 49.
- Em seguida, ao excluir do mercado os transportes rodoviário e fluvial, a Comissão
ignorou o facto de, para quase todas as agências de transporte de contentores,
esses modos de transporte serem intermutáveis com o transporte ferroviário. Esta
intermutabilidade é nomeadamente ilustrada pelo facto de existir entre os
transportadores ferroviários, rodoviários e fluviais uma importante concorrência nos
preços.
- 50.
- Entendendo assim que o mercado pertinente devia compreender todas as
componentes do transporte ferroviário de contentores marítimos tal como os
transportes rodoviário e fluvial, a recorrente conclui que o facto de a DB deter um
monopólio legal no território alemão para o fornecimento dos serviços ferroviários
não bastava para demonstrar a existência de uma posição dominante. Lembra que
a detenção de um monopólio legal só equivale a uma posição dominante na
acepção do artigo 86.° do Tratado se englobar o conjunto do mercado pertinente
e se, nesse mercado, as prestações em causa não estiverem sujeitas a uma
concorrência efectiva. Ora, por causa da concorrência dos transportes rodoviários
e fluviais, a DB só detinha, a despeito do seu monopólio legal, uma quota de 6%
do mercado do transporte de contentores.
- 51.
- A recorrida lembra que o Tribunal de Justiça declarou, em várias ocasiões, que
uma empresa que beneficie de um monopólio legal num Estado-Membro detém,
por essa razão, uma posição dominante e que o território de um Estado-Membro
deve ser considerado uma parte substancial do mercado comum na acepção do
artigo 87.° do Tratado.
- 52.
- O argumento da recorrente de que a DB só detinha uma quota de 6% do mercado
do transporte de contentores assentava numa delimitação totalmente diferente do
mercado, não conforme com a jurisprudência. A recorrida sublinha, a este
propósito, que a jurisprudência exige que a intermutabilidade das prestações de
serviços seja avaliada do ponto de vista dos consumidores e em função das
propriedades das prestações em questão e da estrutura da oferta e da procura.
Ora, em todos esses aspectos, os serviços ferroviários fornecidos pela DB
apresentam-se como não intermutáveis com as outras prestações fornecidas no
quadro do transporte de contentores marítimos.
Apreciação do Tribunal
- 53.
- Com vista a estabelecer se a DB dispunha, à data dos factos, de uma posição
dominante, é necessário examinar, em primeiro lugar, a delimitação do mercadodas prestações em causa. Para esse efeito, deve recordar-se que a Comissão
delimitou o mercado no qual reconheceu uma posição dominante como sendo, do
ponto de vista material, o dos serviços ferroviários que são vendidos pelas empresas
ferroviárias às empresas de transporte e que consistem essencialmente na
colocação à disposição de locomotivas, no fornecimento da tracção destas e no
acesso à infra-estrutura ferroviária e, do ponto de vista geográfico, como cobrindo
o território alemão. A despeito da utilização, no artigo 2.° da decisão, de uma
definição material do mercado mais extensa («transportes ferroviários»), a
delimitação supra-referida corresponde à empregada nos considerandos da decisão
e à que foi compreendida pela recorrente. A Comissão, por outro lado, confirmou
essa definição em resposta a uma questão formulada pelo Tribunal antes da
audiência.
- 54.
- Quanto à delimitação material do mercado, o Tribunal recorda que, para ser
considerado como constituindo objecto de um mercado suficientemente distinto, o
serviço ou o bem em causa deve poder ser individualizado por características
particulares que o diferenciem de outros serviços ou bens a ponto de ser pouco
intermutável com eles e sofrer a sua concorrência apenas de maneira pouco
sensível (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 1989, Ahmed
Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro, 66/86, Colect., p. 803, n.os 39 e 40, e de
14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect. 1978, p. 277,
n.os 11 e 12, e o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de
1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect., p. II-1439, n.° 64). Neste quadro, o grau de
intermutabilidade entre produtos deve ser avaliado em função das características
objectivas destes, bem como em função da estrutura da procura, da oferta no
mercado e das condições de concorrência (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de
9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 37, e o
acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra
Pak/Comissão, T-83/91, Colect., p. II-755, n.° 63).
- 55.
- O Tribunal declara que o mercado dos serviços ferroviários constitui um
submercado distinto do mercado dos transportes ferroviários em geral. Oferece um
conjunto específico de prestações, nomeadamente a colocação à disposição de
locomotivas, a sua tracção e o acesso à infra-estrutura ferroviária, que é, por certo,
fornecido em função dos pedidos dos operadores de transporte ferroviário, mas que
não é de modo algum intermutável nem está em concorrência com as prestações
destes últimos. O carácter distinto dos serviços ferroviários resulta, além disso, do
facto de relevarem de uma procura e de uma oferta específicas. Com efeito, os
operadores de transporte encontram-se na impossibilidade de fornecer as suas
prestações se não dispuserem dos serviços ferroviários. As empresas ferroviárias,
por seu lado, dispunham, no momento dos factos incriminados, de um monopólio
legal quanto ao fornecimento dos serviços ferroviários no território dos seus países
respectivos. Assim, não é contestado entre as partes que, até 31 de Dezembro de
1992, a DB dispunha de um monopólio legal quanto ao fornecimento dos serviços
ferroviários no território alemão.
- 56.
- Tal como resulta da jurisprudência, um submercado que tem características
específicas do ponto de vista da procura e da oferta e que oferece produtos que
ocupam um lugar indispensável e não intermutável no mercado mais geral do qual
faz parte deve ser considerado como um mercado de produto distinto (v. o acórdão
do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1991, RTE/Comissão, T-69/89,
Colect., p. II-485, n.os 61 e 62). À luz desta jurisprudência e tendo em conta as
considerações que precedem, a Comissão tinha fundamento para não tomar em
consideração, na delimitação material do mercado, as prestações dos operadores
de transporte ferroviário, nem a fortiori as prestações dos operadores de
transportes rodoviário e fluvial.
- 57.
- Resulta, em seguida, da jurisprudência que, se, como no caso vertente, as
prestações que relevam do submercado constituem objecto de um exclusivo legal,
que faz com que aqueles que as procuram se encontrem numa situação de
dependência económica em relação ao fornecedor, a existência de uma posição
dominante num mercado distinto não poderá ser negada, mesmo que as prestações
fornecidas em exclusivo apresentem uma ligação com um produto que está, ele
próprio, em concorrência com outros produtos (acórdãos do Tribunal de Justiça
de 13 de Novembro de 1975, General Motors Continental/Comissão, 26/75,
Recueil, p. 1367, n.os 5 a 10, Colect. 1975, p. 467, e de 11 de Novembro de 1986,
British Leyland/Comissão, 226/84, Colect., p. 3263, n.os 3 a 10).
- 58.
- Quanto à delimitação geográfica do mercado, basta recordar que um
Estado-Membro pode constituir, só por si, uma parte substancial do mercado
comum em que uma empresa pode deter uma posição dominante, e isto
nomeadamente quando é titular nesse território de um monopólio legal (acórdão
General Motors Continental/Comissão, já referido, n.° 9; acórdão do Tribunal de
Justiça de 21 de Março de 1974, BRT/Sabam e Fonior, 127/73, Colect. 1974, p. 165,
n.° 5).
- 59.
- Resulta do conjunto das considerações que precedem que o primeiro vector do
fundamento deve ser rejeitado.
O fundamento tomado do segundo vector, relativo à ausência de exploração
abusiva
Argumentos das partes
- 60.
- A recorrente alega que, mesmo supondo que o Tribunal considere existir uma
posição dominante, deveria, em todo o caso, concluir que a DB não abusou dessa
posição. Com efeito, na medida em que a decisão impugnada se baseia no nível das
tarifas dos transportes ferroviários para e provenientes dos portos do Oeste,
afirmando que este é mais elevado que o dos transportes ferroviários para e
provenientes dos portos do Norte, censurava, em substância, as práticas de tarifas
da Intercontainer e não as da DB. Nesse contexto, a recorrente sublinhou, aquando
da audiência, que as tarifas facturadas pela DB pelas suas prestações de serviços
ferroviários à Intercontainer foram sempre inferiores às facturadas pela DB à
Transfracht bem como às praticadas pelos NS em relação à Intercontainer, quando,
na sua petição, ela tinha declarado não contestar que o nível das suas tarifas pelo
tráfego que transita pelos portos do Oeste era superior ao nível das praticadas para
o tráfego que transita pelos portos do Norte (petição, p. 25). A recorrente conclui
que o nível médio mais elevado das tarifas aplicadas aos transportes para e
provenientes dos portos do Oeste, comparadas com as tarifas aplicadas aos
transportes para e provenientes dos portos do Norte, não podia ser imputada à
DB. Observa, além disso, que, para um grande número de trajectos via portos do
Oeste, uma parte importante da componente das tarifas relativas aos serviços
ferroviários não tinha nada a ver com a DB, mas dizia respeito às prestações
fornecidas quer pelas NS quer pela SNCB (réplica, pp. 31 e 32).
- 61.
- No mesmo contexto, a recorrente contesta que a DB tenha bloqueado, no quadro
do acordo MCN, qualquer diminuição das tarifas da Intercontainer e que tenha,
de facto, imposto a manutenção dessas tarifas. Quanto a este ponto, sublinha que,
por força do acordo MCN, toda a modificação do preço exigia a unanimidade no
seio do Steering Committee, incluindo, portanto, o acordo das outras sociedades de
caminhos-de-ferro e da Intercontainer, e que não foi demonstrado que foi a DB
que impediu uma redução da diferença entre as tarifas de transporte ferroviário
praticadas nos trajectos do Oeste e as praticadas nos trajectos do Norte.
- 62.
- A recorrente acrescenta que, de qualquer forma, cada uma das partes no acordo
MCN tinha o direito, nos seus termos, de o rescindir. Conclui daí que estavam em
condições de se subtrair à influência da DB, se o desejassem (réplica, p. 31).
- 63.
- A recorrente afirma, em seguida, que a diferença entre as tarifas praticadas nos
trajectos do Oeste e as praticadas nos trajectos do Norte era, de qualquer forma,
objectivamente justificada por uma diferença de situação concorrencial e de custos.
- 64.
- A fim de ilustrar essa diferença quanto à situação concorrencial, a recorrente indica
que, nos trajectos do Norte, a concorrência fluvial era fraca e a concorrência
rodoviária limitada aos camiões alemães, enquanto, nos trajectos do Oeste, a
navegação fluvial é o modo de transporte mais barato e a concorrência rodoviária
igualmente muito forte. Nomeadamente, as tarifas praticadas pelos transportadores
rodoviários e fluviais nos trajectos do Oeste eram inferiores em 20 a 40% às
praticadas pela DB/Transfracht nos trajectos do Norte. A recorrente sustenta que
não lhe é possível, enquanto pequeno concorrente no mercado dos transportes nos
trajectos do Oeste, fazer face a tais preços e cobrir ao mesmo tempo os seus
próprios custos. O seu saldo financeiro é deficitário desde há anos no que toca aos
trajectos do Oeste, e esse défice é ainda agravado desde que a DB tomou a
iniciativa, em 1989 e 1991, de aproximar um pouco as tarifas praticadas nos
trajectos do Oeste das praticadas nos trajectos do Norte. Uma iniciativa comum
temporária da DB e dos NS, nos finais de 1993, tendente a praticar os mesmos
preços que os concorrentes rodoviários num dos trajectos do Oeste, frustrou-se por
completo, na medida em que não permitiu ganhar novos clientes para o transporte
ferroviário.
- 65.
- A recorrente entende, por outro lado, que a diferença entre a situação
concorrencial existente nos trajectos do Oeste e a existente nos trajectos do Norte
tem por consequência que a definição, pela Comissão, do mercado em que a DB
pretensamente abusou da sua posição dominante está afectada de um erro
fundamental. Observa, quanto a este ponto, que a Comissão definiu um mercado
que abrange os transportes terrestres de contentores marítimos, tanto nos trajectos
do Oeste como nos do Norte, quando, segundo uma jurisprudência bem assente,
só as zonas territoriais em que as condições objectivas de concorrência forem
similares podem ser consideradas como constituindo um mercado uniforme. A
recorrente entende que esse erro na delimitação do mercado basta por si só para
justificar a anulação da decisão impugnada.
- 66.
- No que toca aos custos de transporte, nomeadamente das prestações de serviços
ferroviários, a recorrente sublinha que não são determinados exclusivamente pela
distância dos trajectos, mas dependem igualmente de outros elementos, tais como
o número e a duração das operações de triagem, as formalidades aduaneiras, o
tempo de serviço do pessoal e a duração de utilização das locomotivas e dos
vagões. Daí resultava que os custos de transporte podem ser muito diferentes em
trajectos cuja distância é idêntica. No caso concreto, as diferenças de custos
provinham do facto de o tráfego rodoviário ser mais intenso nos trajectos do Norte
e de, nos trajectos do Oeste, as passagens dos comboios nas fronteiras belgas e
neerlandesas gerarem despesas.
- 67.
- Em particular, a importância do volume dos transportes nos trajectos do Norte
permitia a utilização de comboios completos transportando contentores que têm
todos o mesmo destino, e esses comboios não necessitam portanto de qualquer
triagem. Além disso, nos trajectos do Norte, as locomotivas dos comboios não têm
necessidade de ser mudadas, pois que a DB é responsável pela tracção na
totalidade desses trajectos. Assim, os custos eram mais baixos nos trajectos do
Norte, o que permitia praticar tarifas mais reduzidas nesses trajectos.
- 68.
- Finalmente, a circunstância de, com a introdução do sistema KLV-Neu, a DB ter
ainda reduzido os custos e, por isso, os preços dos serviços ferroviários nos trajectos
do Norte não alterava em nada o facto de, na sua decisão, a Comissão ter baseado
as suas conclusões numa comparação das tarifas da Intercontainer com as da
Transfracht e, além disso, a Comissão não provou que a redução dos preços na
Alemanha devido ao sistema KLV-Neu não era justificada de um ponto de vista
económico.
- 69.
- A recorrida lembra, a título preliminar, que, segundo jurisprudência constante,existe um abuso na acepção do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do
Tratado quando uma empresa utiliza a sua posição dominante para aplicar
condições desiguais a prestações equivalentes, a fim de favorecer assim as suas
próprias prestações.
- 70.
- A recorrida precisa, em primeiro lugar, que considerou como «prestações
equivalentes» os transportes de contentores provenientes dos e com destino aos
portos do Oeste efectuados pela Intercontainer, por um lado, e os transportes de
contentores provenientes e com destino aos portos do Norte efectuados pela
Transfracht, por outro.
- 71.
- A recorrida afirma, em seguida, que considerou como «condições desiguais» as
diferenças entre os preços por quilómetro facturados pelas prestações da
Intercontainer e da Transfracht. Essas diferenças variavam entre 2 e 77% para o
transporte de contentores vazios e entre 4 e 42% para o de contentores carregados,
segundo os dados fornecidos pelas empresas em causa com base nas tarifas da
Intercontainer para os transportes de contentores para o porto de Roterdão, por
um lado, e das tarifas da Transfracht para os transportes para o porto de
Hamburgo, por outro, dados que figuram nos anexos 3 a 9 da decisão e são
analisados nos pontos 162 a 171 desta. A recorrida indica que constatou essas
diferenças com base em comparações que tinham como única variável a distância
dos trajectos. Justifica esse método de comparação com referência a uma
informação fornecida pela Transfracht aquando do inquérito segundo a qual a
distância dos trajectos constitui o critério decisivo.
- 72.
- Segundo a recorrida, não existe qualquer justificação objectiva para as diferenças
de preços verificadas.
- 73.
- No que respeita à situação concorrencial, a recorrida observa que a existência de
uma concorrência intermodal mais forte nos trajectos do Oeste poderia explicar
tarifas menos elevadas da Intercontainer em relação às da Transfracht, mas não
uma diferença ao contrário. A recorrida lembra, além disso, que a DB não estava
em concorrência com os transportadores rodoviários e fluviais, pois as suas
prestações são por natureza ferroviárias e não são portanto, do ponto de vista da
Intercontainer e da Transfracht, intermutáveis com as oferecidas pelos transportes
rodoviários e fluviais.
- 74.
- No que respeita aos custos de produção, a recorrida entende que a recorrente não
demonstrou que o tráfego via portos do Oeste implique custos mais elevados que
o tráfego via portos do Norte. Nomeadamente, não está demonstrado que as
passagens nas fronteiras aumentem de forma significativa os custos de transporte,
e os dados disponíveis sobre o volume do tráfego e os tipos de envios não
revelavam proporção lógica com os custos e as tarifas de transporte. A recorrida
observa, além disso, que o preço médio por quilómetro facturado pela DB à
Intercontainer é inferior ao preço médio exigido pela DB à Transfracht e que isto
deixa supor que os custos dos serviços ferroviários fornecidos para os transportes
para e provenientes dos portos do Oeste são inferiores aos custos dos serviços
ferroviários fornecidos para os transportes para e provenientes dos portos do Norte
(contestação, pp. 38 e 39).
- 75.
- Quanto à imputabilidade à DB das diferenças de tarifas supra-referidas, a recorrida
retoma a sua análise já exposta nos pontos 143 a 156 da decisão, segundo a qual
a DB dispunha de um poder de bloqueio no seio dos órgãos criados pelo acordo
MCN e utilizou-o para impedir uma baixa das tarifas da Intercontainer, ao aplicar,
nos trajectos do Norte, um sistema de tarifas novo, criado unilateralmente por ela.
A recorrida lembra também que o descontentamento da Intercontainer, dos NS e
da SNCB face à atitude adoptada pela DB no seio do acordo MCN resulta
claramente das actas das reuniões tidas pela Intercontainer bem como pela
Intercontainer bem como de reuniões havidas no quadro do acordo MCN.
- 76.
- A recorrida conclui que a DB impôs diferenças de tarifas e que estas constituem
discriminações. Sublinha que os efeitos económicos dessas discriminações não
devem ser procurados nas relações entre os transportadores ferroviários e os outros
transportadores, mas nas relações da DB com os NS e com a SNCB e nas da
Transfracht com a Intercontainer. Segundo a recorrida, é claro que, nestas relações,
a DB e a Transfracht tiraram proveito das referidas discriminações de tarifas.
Apreciação do Tribunal
- 77.
- Há que salientar, a título preliminar, que o artigo 8.°, primeiro parágrafo e segundo
parágrafo, alínea c), do Regulamento n.° 1017/68 retoma a redacção do artigo 86.°,
primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, alínea c), do Tratado, proibindo, na
medida em que o comércio entre Estados-Membros é susceptível de ser afectado
por isso, a exploração abusiva de uma posição dominante numa parte substancial
do mercado comum, pela aplicação em relação aos parceiros comerciais de
«condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse
facto, em desvantagem na concorrência». Além disso, nenhum considerando nem
qualquer disposição do Regulamento n.° 1017/68 atribui ao artigo 8.° do
regulamento uma finalidade substancialmente diferente da do artigo 86.° do
Tratado. Por conseguinte, ao reconhecer uma infracção ao artigo 86.° do Tratado
e não ao artigo 8.° do Regulamento n.° 1017/68, a Comissão não cometeu um erro
sem o qual a decisão poderia ter tido um conteúdo diferente. A escolha do artigo
86.° do Tratado como artigo de referência na decisão não foi, de resto, criticada
pela recorrente.
- 78.
- Deve recordar-se, em seguida, que a noção de exploração abusiva de posição
dominante equivale a proibir a uma empresa dominante reforçar a sua posição ao
recorrer a meios diferentes dos que relevam de uma concorrência pelos méritos (v.,
neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991,
AKZO/Comissão, C-62/86, Colect., p. I-3359, n.° 70). Assim, uma empresa não
poderá praticar diferenças artificiais de preços de natureza a provocar uma
desvantagem para os seus clientes e a falsear a concorrência (acórdão Tetra
Pak/Comissão, já referido, n.° 160).
- 79.
- Há que recordar também que a existência e uma exploração abusiva de posição
dominante não poderá ser excluída pelo facto de a empresa que detém a posição
dominante ter aderido formalmente a um acordo que tem por objecto a fixação
comum de tarifas e que releva assim da proibição de acordos, decisões ou práticas
concertadas. Com efeito, a presença de um tal acordo não exclui a hipótese de uma
das empresas vinculada por ele poder impor unilateralmente tarifas discriminatórias
(v., por analogia, o acórdão Ahmed Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro, já
referido, n.os 34 e 37).
- 80.
- No caso concreto, o Tribunal entende que vários elementos do processo permitiam
à Comissão concluir que a DB, a despeito do acordo MCN e do objectivo
prioritário deste, que consistia, como a recorrente o confirmou aquando da
audiência, em fazer baixar as tarifas da Intercontainer e restabelecer assim a
posição concorrencial dos transportes ferroviários nos trajectos do Oeste, agiu
unilateralmente de uma forma que contrariou esse objectivo.
- 81.
- Em primeiro lugar, a Comissão dispunha de um conjunto de documentos, que cita
nos pontos 152 a 154 da decisão, cuja existência não foi contestada pela recorrente
e cujo conteúdo leva à confirmação de que a DB era, na realidade, responsável
pela fixação das tarifas no seio do acordo MCN e, portanto, da manutenção das
diferenças de tarifas. Assim, a acta de uma sessão plenária do conselho de
administração da Intercontainer dá conta de uma declaração de um representante
da SNCB segundo a qual o Steering Committee «foi posto em curto-circuito pela
DB». Da mesma forma, uma nota interna da Intercontainer indica que «os tráfegos
dos portos do Norte se desenrolam sob o domínio directo e exclusivo da
Transfracht e da DB sem participação do [Steering Committee]. Na prática,
verificou-se além disso que o poder decisório em matéria de tarifas não emana do
[Steering Committee]». Finalmente, certas propostas formuladas pela DB,
consignadas na acta de uma reunião entre os representantes dos portos do Oeste
e da DB, da SNCB e das NS, implicam sem ambiguidade que a DB dispunha de
um poder que lhe permitia controlar o nível das tarifas tanto nos trajectos do Oeste
como nos do Norte. A DB, nomeadamente, propôs, aquando da referida reunião,
«[reexaminar] o nível dos preços [...] tendo em conta o contexto político alemão»
com vista a obter assim uma «redução da diferença de 50% em 1 de Janeiro de
1990» e uma «nova redução em 1 de Julho de 1990».
- 82.
- Vários indícios apoiavam portanto a apreciação da Comissão segundo a qual a DB
e a Transfracht se tinham servido da posição de bloqueio que lhes conferia a
exigência de unanimidade aplicável ao processo decisório no seio do Steering
Committee (v. n.° 6 supra) para impedir uma baixa das tarifas da Intercontainer.
Contrariamente ao que sustenta a recorrente, a SNCB, os NS e a Intercontainer
não estavam em condições de se subtrair a um tal bloqueio rescindindo o acordo
MCN. Em primeiro lugar, uma rescisão do acordo MCN não teria alterado em
nada o facto de, em cada trajecto que liga o porto de Antuérpia ou de Roterdão
a uma cidade alemã, as empresas ferroviárias e de transporte que operam nos
territórios belga e neerlandês dependiam da cooperação da DB para o seguimento
do trajecto no território alemão. Em seguida, uma rescisão do acordo não teria
alterado em nada o facto de a DB fixar, com toda a independência, o nível das
tarifas dos transportes nos trajectos do Norte e de influenciar assim a diferença
entre as tarifas nos trajectos do Oeste e as praticadas nos trajectos do Norte.
- 83.
- Em segundo lugar, é claro que a DB estabeleceu unilateralmente, em 1 de Junho
de 1988, isto é, três meses apenas após a entrada em vigor do acordo MCN, um
novo sistema de tarifas, isto é, o sistema KLV-Neu. Isto foi confirmado pela
recorrente em resposta a uma questão formulada pelo Tribunal antes da audiência.
Nessa resposta, a recorrente confirmou igualmente que o sistema KLV-Neu levou
a uma baixa dos preços apenas em proveito dos agentes dos transportes
ferroviários de contentores marítimos que transitam pelos portos alemães, dado
que esse sistema de tarifas era baseado em medidas de racionalização que, na
prática, foram aplicadas apenas ao tráfego de contentores que transitam pelos
portos do Norte.
- 84.
- Decorre das declarações feitas nos pontos precedentes que os comportamentos da
DB durante o período de inquérito contribuíram directamente para a manutenção
de uma diferença entre os preços por quilómetro aplicáveis aos transportes que
transitam pelos portos do Oeste e os aplicáveis aos transportes que transitam pelos
portos do Norte.
- 85.
- Deve nesta altura examinar-se se a referida diferença dos preços por quilómetro
era de natureza discriminatória e afectou assim a posição concorrencial de alguns
operadores.
- 86.
- Para o efeito devem analisar-se os números reproduzidos nos anexos 3 a 9 da
decisão. Esses números mostram que, fora o destino de Saarbrucken, para cada
destino claramente mais próximo de Roterdão que de Hamburgo e para o qual o
transporte por Roterdão era portanto objectivamente mais vantajoso, essa
vantagem comercial em relação ao transporte por Hamburgo era sempre
contrabalançada ou por preços absolutos mais elevados para os transportes para
Roterdão, ou por uma prática de preços absolutos iguais. Entre os preços absolutos
desiguais encontram-se, por exemplo, os praticadas para os transportes de
contentores vazios entre 1 de Outubro de 1990 e 31 de Dezembro de 1991 (anexo
3) para Duisburg, Bochum, Wuppertal, Mannheim e Karlsruhe. Estes preços
absolutos traduzem-se em diferenças por quilómetro de 77,6% (Duisburg), 56,5%
(Bochum), 42% (Wuppertal), 15,5% (Mannheim) e 22,6% (Karlsruhe). Entre os
preços absolutos iguais encontram-se, por exemplo, os praticados a partir de 1 de
Janeiro de 1992 (anexo 7) para os transportes de contentores carregados para
Frankfurt, Karlsruhe, Duisburg, Düsseldorf, Wuppertal e Bochum. Esses preços
traduzem-se em diferenças de preços por quilómetro de 4,6% (Frankfurt), 11,35%(Karlsruhe), 58% (Düsseldorf), 28% (Wuppertal) e 20,9% (Bochum). Além disso,
verifica-se que, com a única excepção do destino de Saarbrucken, os preços
absolutos aplicados aos transportes provenientes de ou com destino a Roterdão
não eram para nenhuma cidade na Alemanha, que tenha sido mais próxima de
Roterdão ou de Hamburgo, inferiores aos preços absolutos aplicados aos
transportes provenientes de ou com destino a Hamburgo. Acontecia assim, por
exemplo, com os preços KLV praticados para os transportes de contentores a
partir de 1 de Julho de 1991 (anexo 9) para Frankfurt (preço absoluto de 857 DM
para Roterdão, contra 833 DM para Hamburgo), Düsseldorf (653 DM, contra
618 DM) e Mayence (867 DM, contra 843 DM), por um lado (cidades mais
próximas de Roterdão que de Hamburgo), e para Augsburg (1 456 DM, contra
1 415 DM), Munique (1 520 DM, contra 1 410 DM) e Ratisbonne (1 386 DM,
contra 1 334 DM), por outro (cidades mais próximas de Hamburgo). O Tribunal
considera que essa prática consolidou artificialmente uma situação de tarifas
proteccionista dos transportes ferroviários que transitam pelos portos do Norte e
deve ser considerada como a imposição de condições de tarifas desiguais, em
detrimento da posição concorrencial das empresas que operam nos trajectos
ferroviários do Oeste face às que operam nos trajectos ferroviários do Norte.
- 87.
- A recorrente declarou que as diferenças de preços por quilómetro deviam-se ao
facto de os custos de prestação serem mais elevados nos trajectos do Oeste que nos
do Norte, bem como ao facto de o transporte ferroviário estar sujeito a uma
concorrência intermodal mais forte nos trajectos do Oeste que nos do Norte.
- 88.
- O Tribunal declara, em primeiro lugar, que a diferença de custos invocada pela
recorrente foi parcialmente criada pela própria DB. Esta tomou, nomeadamente,
no seio do sistema de tarifas KLV-Neu, várias medidas de racionalização, tais como
um aumento da utilização de comboios directos e completos, uma concentração no
tráfego nocturno e nos transportes para certos terminais com exploração
racionalizada. Essas medidas permitiram uma redução dos custos, mas unicamente
no tráfego para e proveniente dos portos alemães (v. o n.° 83).
- 89.
- Deve precisar-se, a este propósito, que a recorrente não avançou qualquer
argumento susceptível de demonstrar que as prestações de serviços ferroviários
para os transportes para os portos belgas e neerlandeses deviam necessariamente
ser excluídos das medidas de racionalização tomadas no quadro do sistema
KLV-Neu e, assim, do conjunto das medidas de redução de custos tomadas pela
DB. O argumento de que as medidas de racionalização introduzidas pelo sistema
KLV-Neu não podiam ser aplicadas ao tráfego via portos do Oeste em virtude do
fraco volume deste e da impossibilidade que daí resultava de constituir comboios
directos e completos não poderá convencer. A recorrente declarou, por outro lado,
em duas ocasiões, em resposta a questões do Tribunal formuladas aquando da
audiência, que comboios completos eram constituídos nos trajectos do Oeste.
- 90.
- Na medida em que a recorrente invocou um custo específico dos trajectos do
Oeste, a saber, o resultante da mudança de locomotiva e da reconstituição de
vagões na fronteira, o Tribunal considera que tal custo pode representar apenas
uma parte restrita dos custos suportados para a prestação do conjunto dos serviços
em questão (a colocação à disposição de locomotivas e a tracção dos comboios sob
todos os seus aspectos), e que não é por isso susceptível de justificar as diferenças
de preços constatadas. Resulta, além disso, dos números que figuram no anexo 15
da decisão e que não são contestados entre as partes que o total das tarifas
exigidas pela DB, por um lado, e pelos NS, por outro, à Intercontainer pelas suas
prestações de serviços ferroviários nos trajectos que ligam as cidades alemãs e o
porto de Roterdão era, em média, inferior à tarifa reclamada pela DB da
Transfracht pelas suas prestações de serviços ferroviários nos trajectos do Norte.
Nessas condições, os custos directamente atinentes aos serviços prestados pelas
empresas ferroviárias deviam logicamente ser inferiores nos trajectos do Oeste aos
suportados nos trajectos do Norte.
- 91.
- Em segundo lugar, o Tribunal considera que o grau mais intenso de concorrência
entre os transportes ferroviários, por um lado, e os transportes rodoviários e
fluviais, por outro, nos trajectos do Oeste não poderá explicar o nível mais elevado
das tarifas praticadas pela Intercontainer nesses trajectos, comparadas com as
tarifas praticadas pela Transfracht nos trajectos do Norte. Com efeito, a supor que
o carácter mais intenso da concorrência intermodal nos trajectos do Oeste possa
justificar uma diferença de preços, forçoso é declarar que, de um ponto de vista
comercial, só uma diferença a favor das tarifas praticadas nos trajectos do Oeste
poderia logicamente daí decorrer.
- 92.
- Na medida em que a recorrente afirma que a diferença de situação concorrencial
vicia, além disso, a definição geográfica do mercado feita pela Comissão, basta
reconhecer que a definição do mercado geográfico não exige que as condições
objectivas de concorrência entre os operadores económicos sejam perfeitamente
homogéneas, mas unicamente que sejam «similares» ou «suficientemente
homogéneas», e que, portanto, só as zonas em que as condições objectivas de
concorrência são «heterogéneas» não podem ser consideradas como constituindo
um mercado uniforme (acórdãos United Brands/Comissão, já referido, n.os 11 e 53
e Tetra Pak/Comissão, já referido, n.os 91 e 92). No caso em apreço, o grau mais
intenso da concorrência intermodal nos trajectos do Oeste não poderá conduzir a
qualificar as condições objectivas de concorrência existentes nesses trajectos de
«heterogéneas» em relação às existentes nos trajectos do Norte.
- 93.
- Resulta do que antecede que a Comissão forneceu provas bastantes em apoio das
suas conclusões quanto ao comportamento da DB e que foi de forma juridicamente
satisfatória que considerou ter esta empresa, pela sua actuação, imposto condições
desiguais para prestações equivalentes, desta forma colocando os seus parceiros
comerciais que operavam nos trajectos do Oeste em desvantagem, em termos de
concorrência, em relação a si e à sua filial Transfracht. Por conseguinte, o segundo
vector do fundamento deve ser igualmente desatendido.
- 94.
- Segue-se que o segundo fundamento deve ser rejeitado na sua integralidade.
- 95.
- Esta conclusão não poderá ser infirmada pela alegação suplementar da recorrente,
na réplica e na fase oral do processo, de que as conclusões da Comissão na
declaração de abuso de posição dominante pela DB eram insuficientemente
fundamentadas, o que constituía violação do artigo 190.° do Tratado. A este
propósito, deve recordar-se que, por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de
Processo, a dedução de um fundamento novo no decurso da instância é proibida
a menos que tenha origem em elementos de direito e de facto que se tenham
revelado durante o processo. O Tribunal considera que a acusação de violação do
artigo 190.° do Tratado constitui um fundamento novo que não assenta em
elementos que se revelaram durante o processo, de forma que não podia ser
invocado pela primeira vez no decurso da instância.
- 96.
- De qualquer forma, ao proceder, sucessivamente à análise do «papel determinante
da DB para a fixação das tarifas de transporte dos contentores marítimos a partir
da ou com destino à Alemanha» (pontos 143 a 156 da decisão), das «tarifas da
Transfracht e da Intercontainer» (pontos 162 a 177 da decisão), da «posição das
empresas em causa quanto à natureza discriminatória das diferenças de tarifas» e
nomeadamente da «posição do grupo DB/Transfracht» (pontos 185 a 190 da
decisão), e das situações concorrenciais e dos custos de produção (pontos 199 a 248
da decisão) e ao estabelecer uma ligação entre essas análises, a Comissão explicou
de forma circunstanciada na sua decisão a razão pela qual entendeu que a DB
abusou da sua posição dominante, o que permitiu ao Tribunal exercer o seu
controlo de legalidade. Da mesma forma, tanto na sua petição como durante o
seguimento do processo, a recorrente respondeu a raciocínios desenvolvidos pela
Comissão na decisão quanto à declaração de abuso de posição dominante, o que
demonstra que a decisão lhe forneceu as indicações necessárias que lhe permitem
defender os seus direitos. Nestas circunstâncias, não pode conclui-se pela falta de
fundamentação (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990,
Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colect., p. I-395, n.° 15; e o acórdão do Tribunal
de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colect.,
p. II-1165, n.° 65).
Terceiro fundamento, violação dos direitos de defesa
Argumentos das partes
- 97.
- A recorrente lembra que pediu à Comissão, após a notificação da decisão, para
poder consultar os elementos do processo e que a Comissão desatendeu esse
pedido. Sustenta que a consulta pedida era essencial a fim de permitir ao seu
advogado preparar utilmente o processo contencioso. O facto de uma consulta ter
sido autorizada ao longo do processo pré-contencioso não era, a este propósito,
pertinente, dado que naquela altura tanto a empresa em causa como o advogado
tinham uma outra identidade. De qualquer forma, a recorrente afirma não estar
na posse das cópias feitas pelo advogado da DB aquando do seu exame dos
elementos do processo.
- 98.
- A recorrente precisa também que a lei alemã de 27 de Dezembro de 1993 relativa
à reorganização dos caminhos-de-ferro criou um novo organismo, o
«Bundeseisenbahnvermögen», como sucessor oficial da DB. Deduz daí que nem
a sua identidade nem os seus direitos podem ser assimilados aos da DB. Por
conseguinte, a recusa da Comissão de lhe permitir o acesso aos elementos do
processo privou a recorrente, que existe apenas a partir de Janeiro de 1994, de
todo o direito nesse aspecto. Isto equivale a uma violação dos direitos de defesa,
que afecta a decisão impugnada com um vício de processo substancial.
- 99.
- A recusa da Comissão de ter em conta a mudança de identidade da empresa
acarretou, além disso, o não cumprimento do dever de fundamentação. A
recorrente deduz nomeadamente da jurisprudência do Tribunal que, quando uma
decisão nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado aplica uma multa a uma
empresa por lhe ser imputada infracção cometida por outra empresa, deve conter
uma exposição circunstanciada dos fundamentos que justifiquem a imputabilidade
da infracção à empresa à qual a multa é aplicada (acórdão do Tribunal de Primeira
Instância de 28 de Abril de 1994, AWS Benelux/Comissão, T-38/92, Colect.,
p. II-211, n.os 26 e 27). Ora, a decisão impugnada não continha qualquer
fundamentação dessa natureza.
- 100.
- A recorrida sublinha que o direito de acesso aos elementos do processo se extingue
no momento em que o processo administrativo é encerrado. Especifica que, uma
vez que uma decisão foi adoptada e notificada, os direitos de defesa do destinatário
são garantidos pela possibilidade de impugnar a decisão judicialmente.
- 101.
- A recorrida observa, ademais, que, de qualquer forma, uma mudança de advogado
não pode ter qualquer repercussão no direito de acesso aos elementos do processo,
dado que o acesso aos elementos do processo é um direito conferido à empresa em
causa e não aos advogados individuais desta. A circunstância de que, neste
processo, a empresa mudou ela própria de identidade não seria também pertinente,
dado que a recorrente é o sucessor tanto económico como jurídico da DB e que,
por conseguinte, os seus direitos e obrigações são identificáveis com os direitos e
obrigações da DB, incluindo o direito, que esta exerceu aquando do processo
pré-contencioso, de consultar os elementos do processo.
Apreciação do Tribunal
- 102.
- O Tribunal verifica que o pedido da recorrente de acesso aos elementos do
processo foi formulado à Comissão após a adopção e notificação da decisão, pelo
que se trata de um elemento posterior à adopção desta e, por conseguinte, a
legalidade desta última não pode, em caso algum, ser afectada pela recusa da
Comissão de lhe dar deferimento (v. o acórdão do Tribunal de Primeira Instânciade 6 de Abril de 1995, Baustahlgewebe/Comissão, T-145/89, Colect., p. II-987,
n.° 30, bem como o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, Van
Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 40).
- 103.
- Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser desatendido.
- 104.
- Essa conclusão não poderá ser infirmada pelo facto de a recorrente ter invocado
outro vício de ordem processual, a insuficiência de fundamentação da imputação
que lhe é feita. A esse propósito, deve declarar-se que este vício foi invocado, pela
primeira vez, na réplica. Se bem que apresentado no quadro da argumentação
relativa aos elementos do processo, o Tribunal entende que é, na sua substância,
distinto da questão do acesso aos elementos do processo, bem como das outras
questões suscitadas na petição, e que deve por isso ser considerada como um
fundamento independente e novo. Dado que não assenta em elementos de direito
e de facto que se revelaram no decurso do processo, a recorrente não podia
invocá-lo no decurso da instância (v., a título similar, o n.° 95).
- 105.
- De qualquer forma, a acusação de insuficiência de fundamentação de que a
recorrente se queixa na réplica não poderá ser acolhida. Com efeito, a Comissão
indicou, no ponto 13 da decisão, que a recorrente constitui, desde 1 de Janeiro de
1994, o sucessor da DB. O Tribunal entende que essa precisão explica
suficientemente a razão pela qual considerou que estava no direito de ordenar à
recorrente que pusesse termo à infracção ao artigo 86.° do Tratado cometida pela
DB e de a condenar em multa pela mesma infracção (artigos 3.° e 4.° da decisão).
Este entendimento da Comissão é, aliás, inteiramente correcta no quadro do
presente litígio, pois que resulta da lei alemã relativa à reorganização dos
caminhos-de-ferro e que cria o Bundeseisenbahnvermögen que a recorrente
recebeu, por intermédio do Bundeseisenbahnvermögen, o património da DB na
medida em que tal era necessário para o fornecimento dos serviços ferroviários e
para a exploração da infra-estrutura ferroviária.
- 106.
- O presente caso concreto difere, além disso, dos factos que estiveram na origem
do acórdão AWS Benelux/Comissão, já referido, no qual o Tribunal julgou que
uma fundamentação circunstanciada da imputabilidade da infracção à empresa
sancionada era necessária por os comportamentos incriminados dizerem respeito
a uma pluralidade de empresas. Naquele processo, várias empresas tinham estado
implicadas no processo administrativo, o que tinha acarretado questões complexas
quanto à imputabilidade da infracção quando esta foi finalmente reconhecida. Ora,
no caso concreto, a infracção sancionada pela Comissão foi cometida apenas por
uma só empresa, a DB. A fundamentação da imputabilidade dessa infracção à
recorrente podia portanto reduzir-se à simples declaração de que esta sucedeu à
DB.
Quarto fundamento, violação dos princípios da segurança jurídica e da boa
administração
Argumentos das partes
- 107.
- A recorrente observa que a Comissão conhecia desde há muito tempo a política
de tarifas da DB e que, em várias ocasiões, a considerou conforme ao direito
comunitário.
- 108.
- Neste quadro, a recorrente lembra que, pela questão parlamentar escrita
n.° 1720/81, de 9 de Fevereiro de 1982, tinha sido pedido à Comissão que indicasse
quando e como poria termo «à distorção da concorrência entre os portos
Oeste-alemães e neerlandeses do Mar do Norte devida às tarifas discriminatórias
da sociedade dos caminhos-de-ferro alemães» e que ela respondeu a essa questão
dizendo que, «até ao presente, todos os inquéritos relativos a essas tarifas ou [a]
esse sistema de tarifas conduziu à declaração de que as diferenças entre os preços
de transporte ferroviários para os portos de mar neerlandesas e para os portos de
mar alemães não são devidas à existência de tarifas discriminatórias. Trata-se, na
ocorrência, de tarifas de concorrência correctamente calculadas que a DB adopta
tendo em conta os preços de custo e a situação do mercado no seu próprio
interesse comercial» (JO C 198, p. 2). Na sua resposta a uma nova questão
parlamentar em 1983, a Comissão repetiu essa tomada de posição (resposta à
questão escrita n.° 664/83, JO C 308, p. 13).
- 109.
- Em 1986, por ocasião de uma outra questão parlamentar, a Comissão registou de
novo as diferenças entre os preços praticados no mercado dos transportes em
tráfego nacional alemão e os praticados no mercado dos transportes de tráfego
internacional ao responder que «nesses diferentes mercados, muito
concorrenciados, as sociedades [Transfracht e Intercontainer] aplicam... preços de
transporte tendo em conta os preços praticados pelos transportadores
concorrentes» e que, por conseguinte, «os preços praticados pela sociedade
Transfracht não podem ser considerados como um auxílio de natureza a criar uma
distorção da concorrência» (resposta à questão escrita n.° 911/86, JO 1987, C 198,
p. 6).
- 110.
- A recorrente sublinha que a decisão impugnada está em plena contradição com
essas tomadas de posição perante o Parlamento. Entende que, ao modificar tão
profunda e rapidamente a sua política de transportes, sem mesmo ter anunciado
tal mudança por uma comunicação no Jornal Oficial, a Comissão violou
gravemente os princípios da segurança jurídica e da boa administração.
- 111.
- A recorrida entende que não criou uma situação de confiança na esfera da
recorrente. Sublinha que não se pronunciou, em nenhuma das três tomadas de
posição perante o Parlamento citadas pela recorrente, sobre a legitimidade das
práticas de tarifas da DB à luz das regras comunitárias de concorrência, mas que
indicou unicamente que não dispunha, na altura, de elementos de informação que
lhe permitissem concluir por uma violação dessas regras. A recorrida acrescenta,
por outro lado, que tomou ainda posição perante o Parlamento, sobre o mesmo
objecto, em Abril de 1989, aquando da resposta à questão escrita n.° 2172/88 (JO
1989, C 255, p. 23). Sublinha que, nessa ocasião, ela se absteve de novo, por falta
de informações, de se pronunciar sobre a legitimidade do comportamento da DB
e que notou que, «se as partes interessadas estivessem dispostas a informar a
Comissão das razões pelas quais consideram essas tarifas como discriminatórias, a
questão poderia ser examinada com as autoridades competentes».
- 112.
- A recorrida observa, ademais, que as tomadas de posição citadas não são
pertinentes para o presente processo, pois datam dos anos de 1982, 1983 e 1986,
e de Abril de 1989, ao passo que a decisão impugnada diz respeito aos
comportamentos da DB no quadro do acordo MCN entre 1 de Outubro de 1989
e 31 de Julho de 1992.
Apreciação do Tribunal
- 113.
- Segundo jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica visa garantir
a previsibilidade das situações e das relações jurídicas que relevam do direito
comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e
o., C-63/93, Colect., p. I-569, n.° 20). Para esse efeito, é essencial que as instituições
comunitárias respeitem a intangibilidade dos actos que adoptaram e que afectam
a situação jurídica e material dos sujeitos de direito, de sorte que só poderão
modificar esses actos no respeito das regras de competência e de processo
(acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1992, BASF e
o./Comissão, T-79/89, T-84/89, T-85/89, T-86/89, T-89/89, T-91/89, T-92/89, T-94/89,
T-96/89, T-98/89, T-102/89 e T-104/89, Colect., p. II-315, n.° 35, e de 6 de Abril de
1995, BASF e o./Comissão, T-80/89, T-81/89, T-83/89, T-87/89, T-88/89, T-90/89,
T-93/89, T-95/89, T-97/89, T-99/89, T-100/89, T-101/89, T-103/89, T-105/89, T-107/89
e T-112/89, Colect., p. II-729, n.° 73).
- 114.
- O Tribunal entende que as respostas da Comissão às questões parlamentares
citadas pela recorrente não produziram efeitos jurídicos obrigatórios e não eram
de natureza a afectar a situação jurídica e material da DB. Deve reconhecer-se,
além disso, que as respostas da Comissão, porquanto dizem respeito às práticas de
tarifas da DB, eram formuladas com muita reserva. Nomeadamente, na sua
resposta à questão escrita n.° 1720/81, a Comissão acompanhou a sua apreciação
da política de tarifas da DB da menção «pois que no presente» e sublinhou que
estava «disposta a examinar o caso suscitado pelo digno parlamentar se
informações mais precisas fossem fornecidas, nomeadamente as relações de tráfego
visadas e os preços e condições de transporte aplicados». Por conseguinte, a
decisão impugnada, que assenta precisamente em tais «informações mais precisas»,
não contradiz as respostas dadas pela Comissão ao Parlamento e não modifica
portanto o seu alcance.
- 115.
- Segue-se que a recorrente não podia nem extrair uma exigência de segurança
jurídica das tomadas de posição da Comissão perante o Parlamento, nem pretender
ter posto uma confiança legítima nestas.
- 116.
- Finalmente, o facto de a Comissão ter acompanhado as suas respostas ao
Parlamento de reservas e, em seguida, quando teve à disposição informações mais
precisas pela via de uma denúncia e das medidas de instrução tomadas no quadro
do processo administrativo, ter desenvolvido uma atitude mais firme e crítica não
é incompatível com as exigências de uma boa administração, mas constitui antes
um exemplo ilustrativo desta.
- 117.
- Por conseguinte, o quarto fundamento deve também ser desatendido.
Quanto aos pedidos subsidiários de anulação da multa ou da redução do seu
montante
Argumentos das partes
- 118.
- A recorrente entende que a multa que lhe foi aplicada constitui uma violação do
princípio de proporcionalidade. Assim era, em primeiro lugar, porque a Comissão
não reconheceu, durante vinte anos, qualquer infracção no domínio dos transportes
ferroviários, se bem que tenha tido perfeito conhecimento das práticas das
empresas ferroviárias. Segundo a recorrente, uma multa deve ser anulada, ou pelo
menos reduzida, se a Comissão hesitou em intervir contra pretensas distorções de
concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1974, Istituto
Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect.
1974, p. 119, n.os 51 e 52).
- 119.
- O montante da multa era igualmente desproporcionado em relação à gravidade da
pretensa infracção. Com efeito, as consequências da infracção que a Comissão
considera demonstradas não se produziram na realidade. A recorrente salienta, a
esse propósito, que as práticas de tarifas examinadas não arrastaram qualquer
perda que seja para as empresas reagrupadas na associação denunciante e não
provocaram no mercado dos transportes que transitam pelos portos do Oeste em
geral um deslocamento dos agentes de transporte belgas e neerlandeses para outros
modos de transporte. Acrescenta que tal transferência era mesmo teoricamente
possível com muita dificuldade, dado que os modos de transporte rodoviário e
fluvial eram já os mais utilizados no mercado.
- 120.
- A recorrente censura finalmente à Comissão o facto de esta, contrariamente às
suas práticas administrativas em matéria de cálculo de multas, ter calculado os
limites impostos pelo artigo 22.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1017/68 com base no
volume de negócios total da DB (12,9 mil milhões de ecus no ano de 1993), e não
sobre o volume de negócios realizado no tráfego de contentores (461 milhões de
DM no ano de 1993).
- 121.
- A recorrida confirma que a multa impugnada é a primeira aplicada com base no
Regulamento n.° 1017/68, mas entende que essa circunstância não deve influenciar
a fixação do montante. O montante da multa é plenamente justificado, dado que
a DB estava perfeitamente consciente da discriminação que praticava e não se
mostrou disposta a pôr-lhe termo.
- 122.
- O comportamento da DB teve, além disso, consequências graves. A recorridalembra, a esse propósito, que durante o período de 1989-1991, o tráfego que
transitou pelos portos do Norte aumentou de 20% e o que transitou pelos portos
do Oeste diminuiu 10%. A recorrida admite que o relatório de peritagem
demonstra que os fluxos de tráfego foram mais ou menos constantes ao longo do
período do inquérito, mas acrescenta que, a supor mesmo que esses cálculos sejam
exactos, o comportamento da DB deveria ser sempre considerado como tendente
a impedir um aumento da parte do caminho-de-ferro no transporte de contentores
nos trajectos do Oeste, o que constitui, só por si, uma infracção grave às regras de
concorrência.
- 123.
- A recorrida recorda ainda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Primeira
Instância, a Comissão não é obrigada a anunciar que tem a intenção de aplicar
uma multa. Sublinha igualmente que abriu um inquérito logo que recebeu uma
denúncia. Indica, finalmente, que o montante da multa aplicada se situa nos limites
fixados pelo artigo 22.° do Regulamento n.° 1017/68.
Apreciação do Tribunal
- 124.
- A título liminar, há que salientar que o artigo 22.° do Regulamento n.° 1017/68
confere à Comissão o poder de aplicar uma multa por violação do artigo 8.° do
mesmo regulamento. O Tribunal entende que a circunstância de a Comissão ter
reconhecido uma infracção ao artigo 86.° do Tratado e não ao artigo 8.° do
Regulamento n.° 1017/68 não a impedia de aplicar uma multa por força do artigo
22.° deste regulamento, dado que as disposições aplicáveis do seu artigo 8.° têm a
mesma redacção e o mesmo alcance que as do artigo 86.° do Tratado (v. supra
n.° 77). A escolha do artigo 22.° do Regulamento n.° 1017/68 como base jurídica
para a aplicação da multa não foi, aliás, contestada pela recorrente.
- 125.
- Também a título liminar, há que salientar que, em aplicação do artigo 24.° do
Regulamento n.° 1017/68, o Tribunal decide com plena jurisdição, na acepção do
artigo 172.°do Tratado, sobre os recursos das decisões pelas quais a Comissão fixa
uma multa ou uma adstrição.
- 126.
- No tocante ao cálculo da multa, o Tribunal reconhece que a Comissão respeitou
o limiar máximo de 10% indicado no artigo 22.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1017/68.
Nos termos do referido artigo, a Comissão pode aplicar multas que vão até 10%
do «volume de negócios realizado durante o exercício social anterior por cada uma
das empresas que tenham cometido a infracção». Segundo jurisprudência bem
assente, é permitido, neste quadro, ter em conta tanto o volume de negócios global
da empresa como a parte dele que provém das prestações objecto da infracção
(acórdão Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, n.° 233).
Tendo em conta os dados fornecidos pelas partes, a multa de 11 milhões de ecus
corresponde a menos de 0,1% do volume de negócios realizado pela DB em 1993
e a menos de 5% do volume de negócios realizado pela DB em 1993 no tráfego
de contentores. Segue-se que a Comissão ficou, em todos os aspectos, abaixo do
limiar previsto no artigo 22.° do Regulamento n.° 1017/68.
- 127.
- Quanto à fixação do montante da multa dentro dos limites quantitativos previstos
no artigo 22.° do Regulamento n.° 1017/68, deve recordar-se que as multas
constituem um instrumento da política de concorrência da Comissão e que esta
deve, por isso, dispor de uma margem de apreciação na fixação do seu montante,
a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras
de concorrência (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Martinelli/Comissão,
já referido, n.° 59 e de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão,
T-49/95, Colect., p. II-1799, n.° 53). Incumbe todavia ao Tribunal verificar se o
montante da multa aplicada é proporcionado em relação à duração e aos outros
elementos que influam na apreciação da gravidade da infracção, tais como a
influência que a empresa exerceu no mercado, o proveito que tirou das suas
práticas, o volume e o valor das prestações em causa e o risco que a infracção
representa para os objectivos da Comunidade (v. o acórdão do Tribunal de Justiça
de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion Française e o./Comissão, 100/80, 101/80,
102/80 e 103/80, Recueil, p. 1825, n.os 120 e 129).
- 128.
- No caso em apreço, o Tribunal entende que a DB não podia ignorar que, pela sua
amplitude, pela sua duração e pelo seu carácter sistemático, os seus
comportamentos favoreciam consideravelmente os transportes que transitavam
pelos portos alemães e provocavam assim restrições sérias à concorrência. Daí
resulta que foi legalmente que a Comissão considerou que a infracção tinha sido
cometida deliberadamente (v., a esse propósito, o acórdão do Tribunal de Primeira
Instância de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89,
Colect., p. II-1931, n.° 157). A Comissão teve, além disso, em conta, com razão, a
duração relativamente longa (pelo menos dois anos e dez meses) da infracção, o
facto de a DB não se ter comprometido de modo algum a alterar as suas práticas
a seguir ao envio da comunicação de acusações, e as vantagens comerciais que a
DB podia obter da sua infracção.
- 129.
- Resulta das considerações que precedem que a Comissão dispunha de elementos
que punham em evidência uma gravidade considerável do abuso reconhecido e
que, por isso, o montante da multa aplicada, e nomeadamente a percentagem do
volume de negócios que representa, não se afigura desproporcionado.
- 130.
- Contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão não era obrigada a fixar
um montante mais moderado não ter havido aplicações precedentes de multas no
sector em causa. A esse propósito, deve recordar-se que o carácter inédito de uma
decisão não poderá ser invocado a favor de uma redução da multa, desde que a
gravidade do abuso de posição dominante e das suas restrições à concorrência seja
clara (acórdão Tetra Pak/Comissão, já referido, n.° 239, acórdão do Tribunal de
Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C-333/94 P, Colect.,
p. I-5951, n.os 46 a 49). Assim, a recorrente não poderá reprovar à Comissão ter
hesitado em intervir e ter assim contribuído ela própria para a duração da
infracção. A esse propósito, basta reconhecer que a Comissão abriu um inquérito
após a recepção de uma denúncia relativa às práticas de tarifas da recorrente.
- 131.
- Tendo em conta o que precede, o Tribunal entende que não há que anular a multa
aplicada à recorrente nem que a reduzir.
- 132.
- Decorre de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso.
Quanto às despesas
- 133.
- Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente
sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação, há que condenar a
recorrente nas despesas do processo.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção Alargada),
decide:
- 1.
- É negado provimento ao recurso.
- 2.
- A recorrente é condenada nas despesas do processo.
SaggioKalogeropoulos
Tiili
Moura Ramos Jaeger
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Outubro de 1997.
O secretário
O presidente
H. Jung
A. Saggio