Language of document : ECLI:EU:T:2019:649

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

20 de setembro de 2019 (*)

«Recurso de anulação — Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas tomadas tendo em conta a situação na Venezuela — Recurso interposto por um Estado terceiro — Falta de afetação direta — Inadmissibilidade»

No processo T‑65/18,

República Bolivariana da Venezuela, representada por F. Di Gianni e L. Giuliano, advogados,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por P. Mahnič e L. Ozola e, em seguida, por P. Mahnič e A. Antoniadis, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado a obter a anulação, em primeiro lugar, do Regulamento (UE) 2017/2063 do Conselho, de 13 de novembro de 2017, que impõe medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2017, L 295, p. 21), em segundo, do Regulamento de Execução (UE) 2018/1653 do Conselho, de 6 de novembro de 2018, que dá execução ao Regulamento 2017/2063 (JO 2018, L 276, p. 1) e, em terceiro, da Decisão (PESC) 2018/1656 do Conselho, de 6 de novembro de 2018, que altera a Decisão (PESC) 2017/2074 relativa a medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2018, L 276, p. 10), na parte em que as suas disposições digam respeito à República Bolivariana da Venezuela,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

Composto por: H. Kanninen, presidente, J. Schwarcz, C. Iliopoulos, L. Calvo‑Sotelo Ibáñez‑Martín (relator) e I. Reine, juízes,

secretário: F. Oller, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de fevereiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 13 de novembro de 2017, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão (PESC) 2017/2074 relativa a medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2017, L 295, p. 60). Esta decisão contém, em primeiro lugar, uma proibição da exportação para a Venezuela de armas, equipamento militar ou qualquer outro equipamento que possa ser utilizado para fins de repressão interna, bem como equipamento, tecnologia ou software de vigilância. Contém, em segundo lugar, uma proibição da fornecer à Venezuela serviços financeiros, técnicos ou outros serviços relacionados com esses equipamentos e essas tecnologias. Prevê, em terceiro lugar, o congelamento de fundos e dos recursos económicos de pessoas, de entidades e de organismos. Segundo o seu considerando 1, a Decisão 2017/2074 responde à degradação constante da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos na Venezuela.

2        O artigo 13.o, segundo parágrafo, da Decisão 2017/2074 dispõe que a presente decisão fica sujeita a reapreciação permanente. Pode ser prorrogada ou alterada, conforme adequado, caso o Conselho considere que os seus objetivos não foram atingidos. O primeiro parágrafo do mesmo artigo previa, na sua versão inicial, que a Decisão 2017/2074 era aplicável até 14 de novembro de 2018. Em 6 de novembro de 2018, a Decisão (PESC) 2018/1656 do Conselho, que altera a Decisão 2017/2074 (JO 2018, L 276, p. 10), prorrogou a sua validade até 14 de novembro de 2019 e alterou a menção 7 do anexo I da referida decisão, que diz respeito a uma das pessoas visadas pelo congelamento dos ativos financeiros.

3        Em 13 de novembro de 2017, o Conselho adotou igualmente o Regulamento (UE) 2017/2063, que impõe medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2017, L 295, p. 21), com base no artigo 215.o, n.o 2, TFUE e na Decisão 2017/2074.

4        O artigo 2.o do Regulamento 2017/2063 precisa que é proibido fornecer a qualquer pessoa singular ou coletiva, a qualquer entidade ou organismo na Venezuela ou para fins de utilização nesse país, assistência técnica, serviços de corretagem, financiamento ou assistência financeira e outros serviços relacionados com os bens e tecnologias enumerados na Lista militar comum da União Europeia, adotada pelo Conselho em 17 de março de 2014 (JO 2014, C 107, p. 1).

5        O artigo 3.o e o anexo I do Regulamento 2017/2063 dispõem que é igualmente proibido vender, fornecer ou exportar equipamento que possa ser utilizado para fins de repressão interna, como armas, munições, veículos antimotim ou veículos utilizados para a transferência de prisioneiros ou de substâncias explosivas, e prestar assistência técnica, serviços de corretagem, financiamento ou assistência financeira ou outros serviços relacionados com esse equipamento a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Venezuela, ou que se destinem a ser utilizados nesse país.

6        O artigo 4.o do Regulamento 2017/2063 prevê que, em derrogação dos artigos 2.o e 3.o deste regulamento, as autoridades competentes dos Estados‑Membros podem autorizar certas operações nas condições que julguem adequadas.

7        Salvo autorização prévia das autoridades competentes dos Estados‑Membros, os artigos 6.o e 7.o e o anexo II do Regulamento 2017/2063 proíbem a venda, a prestação ou a exportação dos equipamentos, tecnologias ou software de inspeção de pacotes, de interceção de redes, de vigilância, de interferência e de reconhecimento vocal, bem como de prestar assistência técnica, serviços de corretagem, assistência financeira e outros serviços relativos aos referidos equipamentos, tecnologias e software para qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo na Venezuela ou para utilização nesse país.

8        Por força do artigo 20.o do Regulamento 2017/2063, as proibições supramencionadas aplicam‑se:

«a)      No território da União, incluindo o seu espaço aéreo;

b)      A bordo de qualquer aeronave ou navio sob jurisdição de um Estado‑Membro;

c)      A todos os nacionais dos Estado‑Membro, dentro ou fora do território da União;

d)      A todas as pessoas coletivas, entidades ou organismos, dentro ou fora do território da União, registados ou constituídos nos termos do direito de um Estado‑Membro;

e)      A todas as pessoas coletivas, entidades ou organismos no que respeita a qualquer atividade económica exercida, total ou parcialmente, na União.»

9        Os artigos 8.o a 11.o e os anexos IV e V do Regulamento 2017/2063 preveem, além disso, salvo exceções, o congelamento dos ativos financeiros pertencentes a determinadas pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos e a proibição de colocar esses ativos à sua disposição.

10      O artigo 17.o, n.o 4, do Regulamento 2017/2063 precisa que «[a]s listas constantes dos anexos IV e V são reapreciadas a intervalos periódicos e pelo menos de 12 em 12 meses». Em 6 de novembro de 2018, o Regulamento de Execução (UE) 2018/1653 do Conselho que dá execução ao Regulamento 2017/2063 (JO 2018, L 276, p. 1) alterou a menção 7 do anexo IV do referido regulamento, relativa a uma das pessoas abrangidas pelo congelamento de ativos financeiros.

 Tramitação processual e pedidos das partes

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de fevereiro de 2018, a República Bolivariana da Venezuela interpôs o presente recurso contra o Regulamento 2017/2063, na parte em que as suas disposições lhe digam respeito.

12      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de maio de 2018, o Conselho suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 130.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. A República Bolivariana da Venezuela apresentou os seus comentários sobre esta exceção em 27 de junho de 2018.

13      Sob proposta da Quarta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em 17 de outubro de 2018, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

14      Sob proposta do juiz relator, o Tribunal Geral (Quarta Secção alargada) decidiu, em conformidade com o artigo 130.o, n.o 6, do Regulamento de Processo, dar início à fase oral do processo, limitada à admissibilidade do recurso. No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral (Quarta Secção alargada) convidou igualmente as partes a responder por escrito a uma questão. As partes responderam a este pedido por cartas de 14 de dezembro de 2018.

15      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de janeiro de 2019, a República Bolivariana da Venezuela, com fundamento no artigo 86.o do Regulamento de Processo, adaptou o pedido de modo que este vise igualmente a Decisão 2018/1656 e o Regulamento de Execução 2018/1653, na parte em que as disposições destes lhe dizem respeito. O Conselho respondeu ao articulado de adaptação em 5 de fevereiro de 2019.

16      A República Bolivariana da Venezuela conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular, em primeiro lugar, o Regulamento 2017/2063, em segundo lugar, o Regulamento de Execução 2018/1653 e, em terceiro lugar, a Decisão 2018/1656, na parte em que as disposições destes lhe dizem respeito;

–        condenar o Conselho nas despesas.

17      No âmbito da sua exceção de inadmissibilidade, o Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Bolivariana da Venezuela nas despesas.

18      Nas suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade, a República Bolivariana da Venezuela conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne a rejeitar a exceção de inadmissibilidade.

19      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal Geral relativas à admissibilidade na audiência de 8 de fevereiro de 2019.

 Questão de direito

 Quanto ao recurso, na parte em que visa o Regulamento 2017/2063

 Observações preliminares

20      Na petição, a República Bolivariana da Venezuela pediu a anulação do Regulamento 2017/2063, na medida em que as suas disposições lhe dizem respeito.

21      No seu pedido para que se conheça da admissibilidade sem pronúncia quanto ao mérito, o Conselho considerou que, ao formular o seu pedido deste modo, a República Bolivariana da Venezuela visava os artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do Regulamento 2017/2063. A República Bolivariana da Venezuela nem refutou esta interpretação do pedido nos seus articulados processuais nem na audiência.

22      Por conseguinte, há que considerar que, na medida em que é dirigido contra o Regulamento 2017/2063, o recurso apenas tem por objeto os seus artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o (a seguir «disposições impugnadas»).

 Quanto à admissibilidade

23      O Conselho suscita três fundamentos de inadmissibilidade, a saber, em primeiro lugar, a República Bolivariana da Venezuela não tem interesse em agir, em segundo lugar, as disposições impugnadas não lhe dizem diretamente respeito e, em terceiro lugar, não é uma «pessoa singular ou coletiva» na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

24      O Tribunal Geral considera que há que conhecer da admissibilidade do recurso, começando por examinar o segundo fundamento de inadmissibilidade invocado pelo Conselho e relativo ao facto de as disposições impugnadas não dizerem diretamente respeito à República Bolivariana da Venezuela.

25      O Conselho sustenta que, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, as disposições impugnadas não dizem diretamente respeito à República Bolivariana da Venezuela.

26      O Conselho alega, a este respeito, que a República Bolivariana da Venezuela não pode afirmar que as disposições impugnadas lhe dizem diretamente respeito argumentando que estas têm por objetivo forçá‑la a pôr termo à sua política. Com efeito, a questão de saber se um ato diz diretamente respeito à situação jurídica de um recorrente depende do conteúdo desse ato, e não do seu objetivo.

27      Além disso, um ato que proíbe uma atividade só produz efeito direto na situação daqueles que exercem essa atividade. Não se pode considerar que as repercussões desta proibição sobre outras pessoas decorram diretamente do ato em causa. Ora, as disposições impugnadas não impõem proibição nenhuma à República Bolivariana da Venezuela. Por força do artigo 20.o do Regulamento 2017/2063, limitam‑se a proibir às pessoas singulares ou coletivas sob jurisdição da União Europeia a venda à Venezuela ou a exportação para esse país, direta ou indiretamente, dos equipamentos e da tecnologia e de lhe fornecerem certos serviços conexos.

28      A República Bolivariana da Venezuela responde que a circunstância de o artigo 20.o do Regulamento 2017/2063 a subtrair a priori do seu âmbito de aplicação não impede que este artigo produza efeitos jurídicos a seu respeito. Os artigos 75.o e 215.o TFUE conferem precisamente poderes à União para adotar sanções económicas destinadas a produzir efeitos em países terceiros. As disposições impugnadas proíbem, no caso vertente, que lhe sejam fornecidos equipamento militar, tecnologia, software e serviços conexos, a fim de evitar que os utilize, por assim dizer, para fins de repressão interna e de a levar a alterar a sua pretensa política de repressão. Para alcançar esse objetivo, as disposições impugnadas restringem o exercício de certos direitos de que a República Bolivariana da Venezuela poderia ter beneficiado por força do direito internacional, como o direito de negociar ou celebrar contratos com os fornecedores europeus de serviços e de equipamentos.

29      Recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, a condição segundo a qual a decisão que é objeto de recurso deve dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, tal como prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, exige que estejam reunidos dois critérios cumulativos, a saber, que a medida contestada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente e, por outro, que não deixe nenhuma margem de apreciação aos seus destinatários que estão incumbidos da sua aplicação, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre exclusivamente da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (Despacho de 8 de outubro de 2015, Agrotikos Synetairismos Profitis Ilias/Conselho, T‑731/14, não publicado, EU:T:2015:821, n.o 26, e Acórdão de 13 de setembro de 2018, Almaz‑Antey/Conselho, T‑515/15, não publicado, EU:T:2018:545, n.o 62).

30      Recorde‑se igualmente que, para determinar se um ato produz efeitos jurídicos, importa ter em conta, designadamente, o seu objeto, o seu conteúdo, o seu alcance, a sua substância assim como o contexto jurídico e factual no qual esse ato foi adotado (v. Despacho de 8 de março de 2012, Octapharma Pharmazeutika/EMA, T‑573/10, EU:T:2012:114, n.o 30 e jurisprudência referida).

31      No presente caso, as disposições impugnadas contêm, em primeiro lugar, uma proibição de vender ou de fornecer a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Venezuela armas, equipamento militar ou qualquer outro equipamento que possa ser utilizado para fins de repressão interna, bem como equipamento, tecnologia ou software de vigilância. As disposições impugnadas contêm, em segundo lugar, uma proibição de fornecer a essas mesmas pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos na Venezuela serviços financeiros, técnicos ou outros relacionados com esses equipamentos e tecnologias.

32      O artigo 20.o do Regulamento 2017/2063 limita a aplicação das proibições acima referidas ao território da União, às pessoas singulares que sejam nacionais de um Estado‑Membro e às pessoas coletivas constituídas em conformidade com o direito de um deles, bem como às pessoas coletivas, entidades e organismos no que diz respeito a qualquer operação comercial realizada integralmente ou em parte na União.

33      Em contrapartida, as disposições impugnadas não impõem proibições à República Bolivariana da Venezuela. Quando muito, as disposições impugnadas são suscetíveis de ter efeitos indiretos nesta, uma vez que as proibições impostas às pessoas singulares nacionais de um Estado‑Membro e às pessoas coletivas constituídas em conformidade com o direito de um deles podem ter por consequência limitar as fontes junto das quais a República Bolivariana da Venezuela pode obter os bens e os serviços em causa.

34      É certo que, no seu Acórdão de 13 de setembro de 2018, Almaz‑Antey/Conselho (T‑515/15, não publicado, EU:T:2018:545), o Tribunal Geral rejeitou o argumento segundo o qual a situação jurídica de uma entidade estabelecida fora da União não era diretamente afetada por medidas que visavam proibir os operadores da União de com ela efetuarem certos tipos de operações. Com efeito, o Tribunal Geral considerou que proibir os operadores da União de efetuar essas operações equivalia a proibir o recorrente de efetuar com eles as operações em causa (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, Almaz‑Antey/Conselho, T‑515/15, não publicado, EU:T:2018:545, n.o 65).

35      No entanto, note‑se que, no processo que conduziu ao Acórdão de 13 de setembro de 2018, Almaz‑Antey/Conselho (T‑515/15, não publicado, EU:T:2018:545), o recorrente foi expressamente visado pelo ato impugnado. Com efeito, o seu nome figurava no anexo da decisão impugnada enquanto empresa à qual era proibido vender ou fornecer os produtos e os serviços em causa.

36      Inversamente, no presente processo, a República Bolivariana da Venezuela não é, enquanto Estado, explicitamente e especificamente visada nas disposições impugnadas de modo comparável à recorrente no processo que deu origem ao acórdão acima referido.

37      Além disso, o Conselho alega, com razão, que a República Bolivariana da Venezuela não pode ser equiparada a um operador como o recorrente no processo T‑515/15. Com efeito, os modos de ação da República Bolivariana da Venezuela não podem ser reduzidos a uma atividade puramente comercial, como admite ela própria. Assim, um Estado é levado a exercer prerrogativas de poder público, especialmente no âmbito de atividades de soberania, tais como missões de defesa, de polícia e de vigilância. Além disso, contrariamente a um operador cuja capacidade é limitada pelo seu objeto, na sua qualidade de Estado, a República Bolivariana da Venezuela dispõe de um campo de ação que se caracteriza por uma extrema diversidade e que não pode ser reduzido a uma atividade específica. Este leque muito vasto de competências distingue‑a, assim, de um operador que exerce habitualmente uma atividade económica específica determinada visada por uma medida restritiva.

38      Acresce que resulta da jurisprudência que proibições como as impostas pelas disposições impugnadas não são suscetíveis de afetar diretamente a situação de operadores que não são ativos nos mercados em causa (v., neste sentido, Despacho de 6 de setembro de 2011, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, T‑18/10, EU:T:2011:419, n.o 79). Assim, no Acórdão de 13 de setembro de 2018, Almaz‑Antey/Conselho (T‑515/15, não publicado, EU:T:2018:545, n.o 66), o Tribunal Geral declarou precisamente que a recorrente era uma sociedade ativa no setor da defesa visado nas disposições pertinentes do ato impugnado.

39      Ora, no presente processo, a República Bolivariana da Venezuela apresentou dados fixados pelo Eurostat dos quais resulta que o valor total das transações comerciais com a Venezuela relativos aos bens abrangidos pelas disposições impugnadas elevava‑se a 76 milhões de euros em 2016, a 59 milhões de euros em 2017 e era nulo em 2018.

40      Porém, estes dados, embora demonstrem a eficácia das disposições impugnadas, não são suscetíveis de demonstrar que a República Bolivariana da Venezuela, ao comprar os produtos e os serviços em causa, agiu na qualidade de entidade equiparada a um operador económico nos mercados em questão e não no âmbito das suas atividades de soberania.

41      Por último, na falta de um título, como um contrato, cuja existência a República Bolivariana da Venezuela demonstrou perante o Tribunal Geral, a possibilidade de estabelecer uma relação de alcance jurídico com operadores da União é puramente especulativa e só pode resultar de negociações futuras e hipotéticas. Por conseguinte, não se pode considerar que as proibições introduzidas pelas disposições impugnadas afetem, enquanto tal, a situação jurídica da República Bolivariana da Venezuela.

42      A República Bolivariana da Venezuela recorda que decorre, é certo, de jurisprudência constante que o facto de um ato da União impedir uma pessoa coletiva pública de exercer como entender as suas competências próprias afeta diretamente a sua posição jurídica, pelo que esse ato lhe diz diretamente respeito.

43      No entanto, a jurisprudência à qual a República Bolivariana da Venezuela se refere foi aplicada em processos relativos à concessão de ajudas públicas por entidades infraestatais (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 1988, Exécutif régional wallon e Glaverbel/Comissão, 62/87 e 72/87, EU:C:1988:132, n.os 6 e 8; de 30 de abril de 1998, Vlaamse Gewest/Comissão, T‑214/95, EU:T:1998:77, n.o 29, e de 26 de novembro de 2015, Comunidad Autónoma del País Vasco e Itelazpi/Comissão, T‑462/13, EU:T:2015:902, n.o 34), em matéria agrícola e de direitos aplicáveis aos produtos agrícolas impostos a um futuro Estado‑Membro antes da sua adesão (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2009, Polónia/Comissão, T‑257/04, EU:T:2009:182, n.os 56 a 58), bem como a propósito de uma regulamentação da circulação automóvel (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Ville de Paris, Ville de Bruxelles e Ayuntamiento de Madrid/Comissão, T‑339/16, T‑352/16 e T‑391/16, objeto de recurso, EU:T:2018:927, n.o 50). Ora, em todos estes processos, os atos em causa restringiam diretamente o exercício pelas pessoas coletivas públicas em causa das suas competências materiais. Em contrapartida, no caso em apreço, as disposições impugnadas não proíbem diretamente a República Bolivariana da Venezuela de comprar e de importar o equipamento em questão e de obter os serviços em questão. Não afetam a sua capacidade de exercer os seus direitos soberanos sobre os espaços e bens sob a sua jurisdição e nada no Regulamento 2017/2063 permite considerar que a intenção do Conselho tenha sido reduzir a sua capacidade jurídica. Tendo em conta o direito de qualquer Estado — ou associação de Estados — de decidir soberanamente sobre a forma como tenciona manter as relações económicas com os Estados terceiros, as medidas em questão restringem, quando muito indiretamente, as oportunidades da República Bolivariana da Venezuela a este respeito.

44      Tendo em conta o que precede, importa observar que a situação jurídica da República Bolivariana da Venezuela não é diretamente afetada pelas disposições impugnadas.

45      A República Bolivariana da Venezuela alega, além disso, que as disposições impugnadas reduzem as suas relações económicas e financeiras que mantém com as empresas da União. Sustenta que esse efeito económico deve ser tido em conta para apreciar a sua legitimidade.

46      É verdade que, no seu Acórdão de 3 de maio de 2018, Distillerie Bonollo e o./Conselho (T‑431/12, sob recurso, EU:T:2018:251, n.os 51 a 53), referido pela República Bolivariana da Venezuela, o Tribunal Geral considerou que, se o efeito direto fosse limitado aos efeitos jurídicos, qualquer recurso interposto por um produtor da União contra um regulamento que institui direitos antidumping deveria ser sistematicamente declarado inadmissível, tal como qualquer recurso interposto por um concorrente do beneficiário de um auxílio declarado compatível com o mercado interno pela Comissão em resultado do procedimento formal de investigação e qualquer recurso interposto por um concorrente contra uma decisão que declare uma concentração compatível com o mercado interno. Além disso, nos seus Acórdãos de 13 de setembro de 2018, a NK Rosneft e o./Conselho (T‑715/14, não publicado, sob recurso, EU:T:2018:544, n.os 80 e 81), e de 13 de setembro de 2018, Gazprom Neft/Conselho (T‑735/14 e T‑799/14, EU:T:2018:548, n.os 88, 89 e 97), proferidos precisamente no domínio das medidas restritivas, o Tribunal Geral declarou que, para determinar a afetação direta de pessoas, especificamente designadas nos atos em causa, e tendo demonstrado, através de documentos apresentados ao Tribunal Geral, que estas estavam ativas no mercado afetado por restrições à exportação, importa ter em conta não só os efeitos dessas restrições na situação jurídica dessas pessoas mas também os seus efeitos materiais sobre estas.

47      Todavia, resulta dos n.os 37 a 40, supra, que a República Bolivariana da Venezuela não demonstrou que devia ser equiparada a um operador ativo no domínio dos produtos e serviços visados pelas disposições impugnadas.

48      Consequentemente, a circunstância de as disposições impugnadas proibirem os operadores estabelecidos na União de manter relações económicas e financeiras com qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Venezuela não pode levar à conclusão de que essas disposições dizem diretamente respeito à República Bolivariana da Venezuela, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

49      Por último, a República Bolivariana da Venezuela observa que, se lhe fosse negada legitimidade, ficaria privada de qualquer proteção judicial na medida em que, na falta de medidas nacionais de execução, não poderia recorrer aos tribunais dos Estados‑Membros.

50      Importa, porém, recordar que os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE devem ser interpretados à luz do direito fundamental de proteção jurisdicional efetiva, sem, no entanto, afastar esses requisitos, que são expressamente previstos pelo Tratado FUE (v. Despacho de 28 de setembro de 2016, PAN Europe e o./Comissão, T‑600/15, EU:T:2016:601, n.o 50 e jurisprudência referida).

51      Consequentemente, o recurso deve ser julgado inadmissível na parte em que é dirigido contra as disposições impugnadas.

 Quanto ao recurso, na parte em que tem por objeto a anulação da Decisão 2018/1656 e do Regulamento de Execução 2018/1653 na sequência da adaptação dos pedidos do recurso

52      A República Bolivariana da Venezuela alega que o artigo 1.o, n.o 1, da Decisão 2018/1656 altera o artigo 13.o, primeiro parágrafo, da Decisão 2017/2074 e prorroga, deste modo, o seu período de aplicação até 14 de novembro de 2019. Observa que, em conformidade com o considerando 2 da Decisão 2018/1656, esta prorrogação foi decidida «[c]om base numa reapreciação» da Decisão 2017/2074. A República Bolivariana da Venezuela sustenta igualmente que o Regulamento de Execução 2018/1653 foi adotado na sequência de um reexame da situação na Venezuela, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 4, do Regulamento 2017/2063. Por conseguinte, decorre da Decisão 2018/1656 e do Regulamento de Execução 2018/1653 que a República Bolivariana da Venezuela continua sujeita às medidas restritivas previstas pela Decisão 2017/2074 e pelo Regulamento 2017/2063 durante mais um ano. Ora, quando um ato inicialmente impugnado é prorrogado por um ato subsequente no decurso do processo, esse ato subsequente deveria ser considerado um elemento novo que permite ao recorrente adaptar a sua petição.

53      No entanto, uma vez que as disposições impugnadas não dizem diretamente respeito à República Bolivariana da Venezuela, o mesmo se verifica quanto ao Regulamento de Execução 2018/1653. Com efeito, este regulamento altera o anexo IV do Regulamento 2017/2063 conforme alterado uma primeira vez pelo Regulamento de Execução (UE) 2018/88 do Conselho, de 22 de janeiro de 2018, que dá execução ao referido regulamento (JO 2018, L 16 I, p. 6). Ora, a República Bolivariana da Venezuela não contesta o conteúdo do referido anexo IV.

54      Além disso, resulta do artigo 86.o do Regulamento de Processo que, no âmbito de um articulado de adaptação, uma parte só pode pedir a anulação de um ato que substitua ou altere outro ato se a anulação deste último tiver sido pedida na petição (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Almaz‑Antey Air and Space Defence/Conselho, T‑255/15, não publicado, EU:T:2017:25, n.os 37 a 39 e jurisprudência referida). Ora, como o Conselho observa, a Decisão 2018/1656 altera a Decisão 2017/2074, cuja anulação a República Bolivariana da Venezuela não pediu na sua petição inicial.

55      Consequentemente, o recurso, na parte em que visa a anulação da Decisão 2018/1656 e do Regulamento de Execução 2018/1653, deve ser julgado igualmente inadmissível.

56      Resulta de tudo o que precede que o recurso deve ser julgado integralmente inadmissível, sem que seja necessário decidir quanto aos restantes dois fundamentos de inadmissibilidade suscitados pelo Conselho.

 Quanto às despesas

57      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

58      Tendo a República Bolivariana da Venezuela sido vencida, esta deve ser condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as do Conselho, em conformidade com os seus pedidos.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Bolivariana da Venezuela suportará as suas próprias despesas bem como as do Conselho da União Europeia.



Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de setembro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.