Language of document : ECLI:EU:T:2008:211

Processo T‑410/03

Hoechst GmbH

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado dos sorbatos – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Cálculo do montante das coimas – Dever de fundamentação – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias agravantes – Princípio non bis in idem – Cooperação durante o procedimento administrativo – Acesso ao processo – Duração do processo»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Procedimento administrativo – Violação resultante da obrigação da Comissão – Respeito dos princípios da boa administração e da igualdade de tratamento

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigos 15.°, n.° 2, e 17.°; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão)

2.      Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Acesso ao processo

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigos 19.°, n.° 1, e 20.°)

3.      Concorrência – Procedimento administrativo – Cessação das infracções – Poder da Comissão – Injunções dirigidas às empresas

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 3.°, n.° 1)

4.      Concorrência – Procedimento administrativo – Prescrição em matéria de coimas – Aplicação exclusiva do Regulamento n.° 2988/74

(Regulamento n.° 2988/74 do Conselho, artigos 2.°, n.os 1 e 3)

5.      Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas– Dever de fundamentação – Alcance

(Artigo 253.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

6.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Poder de apreciação da Comissão

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

7.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

8.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Repartição das empresas em causa em categorias com um montante de base específico idêntico

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão 3, ponto 1 A)

9.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Carácter dissuasivo da coima

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A, quarto e quinto parágrafos)

10.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Duração da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 B, primeiro e terceiro parágrafos)

11.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade e duração da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A e B)

12.    Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário – Respeito dos direitos de defesa

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 2)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Reincidência

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

14.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não aplicação ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicações 98/C 9/03 e 2002/C 45/03 da Comissão)

15.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Tomada em consideração da cooperação com a Comissão da empresa acusada

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, título B)

16.    Concorrência – Coimas – Sanções comunitárias e sanções aplicadas num Estado terceiro por violação do direito nacional da concorrência

[Artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°]

1.      No âmbito da aplicação da comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas, a Comissão não observa os princípios da boa administração e da igualdade de tratamento quando garante a uma das empresas cooperantes que será lealmente avisada se outras empresas se lhe tentarem antecipar em matéria de cooperação, mesmo que essa garantia não seja de facto posteriormente cumprida.

Sempre que essa irregularidade processual não seja susceptível de levar a uma anulação da decisão final da Comissão, a importância do respeito por esta instituição dos referidos princípios pode justificar a redução, a favor de uma empresa vítima da referida irregularidade, do montante da coima pelo juiz comunitário, no quadro da sua competência de plena jurisdição.

(cf. n.os 136, 137, 581, 582)

2.      O direito de acesso ao processo, corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, implica, nos processos em matéria de concorrência, que a Comissão faculte à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo de instrução e que possam ser pertinentes para a sua defesa. Estes incluem elementos de prova tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais.

A Comissão não pode entretanto referir‑se, de um modo geral, à confidencialidade para justificar a recusa total de divulgação dos documentos do seu processo. Com efeito, o direito das empresas e associações de empresas à protecção dos seus segredos de negócios deve ser ponderado com a garantia do direito de aceder à totalidade do processo.

A este respeito, o facto de dar acesso à versão não confidencial de um documento que faz parte do processo Comissão, cuja quase totalidade das páginas estão em branco e riscadas com a menção «segredos comerciais», sem que qualquer versão não confidencial mais compreensível, nem mesmo um resumo, seja fornecida, pode assemelhar‑se a uma não divulgação desse documento.

(cf. n.os 145, 152, 153)

3.      A aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 pode compreender a proibição de continuar determinadas actividades, práticas ou de permitir a manutenção de situações cuja ilegalidade tenha sido declarada, mas também a de adoptar um comportamento futuro semelhante. Estas obrigações impostas às empresas não devem, porém, ir além dos limites do que é adequado e necessário para atingir a finalidade prosseguida. Além disso, o poder da Comissão de dirigir injunções deve ser exercido em função da natureza da infracção verificada.

O facto de uma empresa que participou em práticas anticoncorrenciais já não exercer actividades no mercado em causa à data da adopção da decisão da Comissão que sanciona essas práticas, ou de estas terem cessado antes da adopção da referida decisão, não implica que a Comissão exceda os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 ao ordenar a essa empresa que se abstenha de qualquer acto ou comportamento anticoncorrencial, porquanto essa injunção é, por natureza, preventiva e não depende da situação das empresas em causa no momento da adopção da decisão.

(cf. n.os 198‑200)

4.      Se a ultrapassagem de um prazo razoável, sob certas condições, pode justificar a anulação de uma decisão que declara uma infracção às regras da concorrência, o mesmo não pode acontecer quando se contesta o montante das coimas aplicadas por essa decisão, pois o poder da Comissão de aplicar coimas rege‑se pelo Regulamento n.° 2988/74, relativo à prescrição em matéria de processos e de execução de sanções no domínio do direito da concorrência, o qual instituiu uma regulamentação completa que rege detalhadamente os prazos em que a Comissão pode, sem pôr em causa a exigência fundamental da certeza do direito, aplicar coimas às empresas objecto de procedimentos de aplicação das regras comunitárias da concorrência. O seu artigo 2.°, n.° 3, prevê que a prescrição opera, de qualquer modo e com ressalva de uma eventual suspensão, após dez anos quando tenha sido interrompida em conformidade com o artigo 2.°, n.° 1, desse regulamento, pelo que a Comissão não pode, sob pena de prescrição, atrasar indefinidamente a sua decisão quanto às coimas. Tendo em conta esta regulamentação, deve ser afastada qualquer consideração relacionada com a obrigação de a Comissão exercer o seu poder de aplicar coimas dentro de um prazo razoável.

(cf. n.os 220, 223, 224)

5.      Uma decisão da Comissão que aplica coimas a várias empresas por infracção das regras comunitárias de concorrência está, no que se refere à classificação das empresas em causa em diferentes categorias para eleitos da determinação do montante de partida da coima, suficientemente fundamentada quando a Comissão precisa ter tomado por base as quotas do mercado mundial obtidas a partir dos dados sobre o volume de negócios mundial referente ao produto em causa, mesmo que, por razões de confidencialidade, não indique esses dados mas apenas leques de quotas de mercado, uma vez que estes elementos são suficientemente compreensíveis.

(cf. n.os 258, 259, 261, 263‑265)

6.      Aquando da determinação do montante de uma coima aplicada por violação das regras comunitárias de concorrência, a Comissão dispõe de um poder de apreciação. Por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o montante da coima é determinado com base na gravidade da infracção e na sua duração. Além disso, o referido montante não é mais do que o resultado de uma série de apreciações numéricas efectuadas pela Comissão em conformidade com as orientações. A determinação deste montante depende, designadamente, de diversas circunstâncias ligadas ao comportamento individual da empresa em causa, tais como a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Não se pode deduzir deste quadro jurídico que a Comissão deve assegurar uma proporção entre o montante da coima, assim calculado, e o volume global do mercado do produto em causa no Espaço Económico Europeu, em relação a um determinado ano da infracção.

(cf. n.° 342)

7.      Os três aspectos a ter em consideração na avaliação da gravidade da infracção nos termos das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, que são o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência, não têm o mesmo peso no âmbito do exame global. A natureza da infracção desempenha um papel primordial, designadamente para caracterizar as infracções qualificadas como «muito graves». A este respeito, resulta da descrição das infracções muito graves nas orientações que os acordos ou práticas concertadas que visam designadamente a fixação de preços ou a atribuição de quotas de venda podem levar, apenas com base na sua própria natureza, à qualificação de «muito grave», sem que seja necessário que esses comportamentos se caracterizem em impactos especiais.

(cf. n.os 343, 345)

8.      Uma decisão de sanção da Comissão dirigida a diferentes empresas que participaram num cartel ilícito, embora redigida sob a forma de uma única decisão, deve ser analisada como um feixe de decisões individuais que reconhecem relativamente a cada uma das empresas destinatárias, a ou as infracções que lhe são imputadas e lhe aplicam uma coima. A Comissão pode, portanto, examinar a situação das diferentes empresas em causa em separado e reparti-las em categorias a fim de determinar a contribuição individual de cada empresa para o êxito do cartel, mesmo quando, no interior deste, o comportamento de um conjunto de empresas tenha sempre sido concertado.

(cf. n.os 308, 360, 365)

9.      Na determinação do montante de uma coima por violação das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a Comissão pode aplicar um factor de majoração ao montante de base para ter em conta a dimensão e os recursos globais da empresa.

Com efeito, por um lado, a necessidade de assegurar que a coima tem um efeito dissuasivo suficiente, este exige que o montante da coima seja modulado de forma a levar em conta o impacto pretendido na empresa à qual é aplicada, e isto para que a coima não se torne irrisória ou, pelo contrário, excessiva, face, nomeadamente, à capacidade financeira da empresa em questão, de acordo com as exigências relativas, por um lado, à necessidade de garantir a eficácia da coima e, por outro, ao respeito do princípio da proporcionalidade. A Comissão pode ter em conta o facto de que, devido ao seu enorme volume de negócios global relativamente ao dos outros membros do cartel, a empresa em causa mobilizaria mais facilmente os fundos necessários ao pagamento da sua coima, o que justifica, na perspectiva de um efeito dissuasivo suficiente desta última, a aplicação de um coeficiente multiplicador. Neste âmbito, os recursos globais de uma empresa devem ser avaliados, para alcançar correctamente o objectivo de dissuasão, e isso com observância do princípio da proporcionalidade, no dia em que a coima é aplicada. A este respeito e pelos mesmos motivos, assinale‑se que, no âmbito do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o limite superior da coima fixado em 10% do volume de negócios da empresa interessada é determinado em função do volume de negócios realizado durante o exercício social anterior à adopção da decisão.

Por outro lado, a Comissão pode ter em conta as infra‑estruturas jurídico‑económicas de que dispõem as empresas para melhor poderem apreciar o carácter de infracção do seu comportamento. Este elemento destina-se a punir mais severamente as grandes empresas, relativamente às quais se presume que possuem os conhecimentos e os meios estruturais suficientes para ter consciência do carácter de infracção do seu comportamento e avaliar os seus eventuais benefícios. Nesta hipótese, o volume de negócios com base no qual a Comissão determina a dimensão das empresas em causa e, portanto, a sua capacidade para determinar o carácter e as consequências do seu comportamento, deve estar relacionado com a sua situação no momento da infracção.

A aplicação de um coeficiente de majoração de 100% ao montante de base da coima para ter em conta a dimensão e os recursos globais da empresa em causa não excede os limites fixados pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelas orientações.

(cf. n.os 374, 379, 382, 387)

10.    Embora seja verdade que o ponto 1 B, terceiro parágrafo, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA menciona, no que respeita a infracções de longa duração às regras de concorrência, um «risco de uma forte majoração» do montante de base da coima, o, emprego dessas expressões não permite, porém, concluir que uma majoração que exceda 100% no caso de uma infracção de duração superior a dez anos seja contrária ao método de cálculo previsto por essas orientações ou que exceda os limites fixados por estas ou pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Com efeito, ainda que o ponto 1 B, primeiro parágrafo, terceiro travessão, das orientações não preveja uma majoração automática de 10% ao ano para as infracções de longa duração, deixa, porém, a este respeito, uma margem de apreciação à Comissão, que pode fixar essa majoração sem violar o princípio da proporcionalidade.

(cf. n.os 395, 396)

11.    Mesmo admitindo que certos acordos sobre os preços e sobre os volumes de vendas são intrinsecamente concebidos para durar, importa sempre proceder a uma distinção, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, entre a duração do seu funcionamento efectivo e a sua gravidade, tal como resulta da sua própria natureza. Por conseguinte, a majoração pela duração da infracção não tem em conta, uma segunda vez, a gravidade da infracção.

(cf. n.os 397, 398)

12.    No quadro de um procedimento administrativo em matéria de concorrência, a Comissão não respeita os direitos de defesa de uma empresa quando lhe imputa uma circunstância com base em elementos factuais que, embora mencionados em diversos pontos da comunicação de acusações, não eram, considerados no seu conjunto, suficientemente precisos quanto ao seu alcance e à sua qualificação, pelo que só na fase da decisão é que estes elementos foram reunidos num elemento único e surgiu claramente a acusação.

(cf. n.os 424, 431, 433)

13.    As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, visam a reincidência da mesma empresa «relativamente a uma infracção do mesmo tipo». Nestas condições e a partir do momento em que uma empresa comete uma infracção do mesmo tipo, mesmo sendo o sector económico em causa diferente, a Comissão pode daí extrair uma circunstância agravante.

A este respeito, a Comissão não pode concluir pela existência de reincidência por parte de uma empresa reportando-se a uma decisão anterior que sanciona essa empresa por uma infracção do mesmo tipo, quando esta decisão tenha sido anulada pelo juiz comunitário antes da adopção da decisão que declara a reincidência. Com efeito, o artigo 231.° CE prevê que, se o recurso de anulação tiver fundamento, o juiz anulará o acto impugnado.

Em contrapartida, pode basear-se numa decisão anterior que sanciona a referida empresa por uma infracção do mesmo tipo e que foi objecto de um recurso de anulação perante os tribunais comunitários, quando a suspensão da execução não tenha sido solicitada. Efectivamente, essa decisão constitui, em conformidade com o artigo 256.°, primeiro parágrafo, CE, um título executivo, uma vez que implica uma obrigação pecuniária a pessoas e não a Estados, e isto não obstante a interposição de um recurso de anulação, porquanto, nos termos do artigo 242.° CE, um recurso perante os tribunais comunitários não tem efeito suspensivo.

Embora, para concluir pela existência de reincidência, a Comissão se tenha baseado em diversas decisões anteriores que sancionam a empresa em causa, uma das quais foi anulada antes da adopção da decisão que declara a reincidência, o erro cometido pela Comissão não é susceptível de pôr em causa nem a qualificação de reincidência, porquanto esta encontra suficiente apoio nas outras decisões anteriores, nem a taxa de majoração aplicada, porque nada indica que a conclusão da Comissão de que a reincidência resultou de diversos precedentes conduziu a um aumento do montante da coima, com base na circunstância agravante, superior àquele que teria sido determinado caso apenas tivesse sido identificado um único precedente.

(cf. n.os 465, 466, 468‑470, 474)

14.    Quando a cooperação das empresas envolvidas num processo relativo a carteis com a Comissão tenha tido início antes da adopção da comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis de 2002 e essas empresas se tenham prevalecido da anterior comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas de 1996, esta comunicação é a única aplicável, mesmo que a Comissão só se tenha pronunciado definitivamente após a adopção da comunicação sobre a cooperação de 2002 e, designadamente, sobre a questão de saber que empresa podia, eventualmente, beneficiar de uma imunidade em matéria da aplicação de coimas. Efectivamente, embora seja verdade que, nesta hipótese, os efeitos dos actos de cooperação se tenham produzido após a adopção da comunicação sobre a cooperação de 2002, a regra futura apenas se aplica imediatamente aos efeitos futuros de uma situação nascida na vigência da norma anterior na ausência de disposições transitórias. Ora, o ponto 28 da comunicação sobre a cooperação de 2002 prevê claramente que essa comunicação se aplica a partir de 14 de Fevereiro de 2002 a todos os processos relativamente aos quais nenhuma empresa tenha invocado a comunicação sobre a cooperação de 1996.

De resto, esta conclusão não pode ser posta em causa pela invocação do princípio da disposição mais favorável. Com efeito, sem que haja que determinar se este princípio se pode aplicar às comunicações da Comissão sobre a cooperação, não é possível considerar a comunicação sobre a cooperação de 2002 globalmente mais favorável que a comunicação sobre a cooperação de 1996, que é diferente em diversos pontos, tanto ao nível das regras substantivas como processuais, uma vez que determinadas alterações são mais favoráveis às empresas em causa, ao passo que outras não o são.

Por último, há que afastar a aplicação por analogia da comunicação sobre a cooperação de 2002, pois esta situação distingue‑se dos casos nos quais a comunicação sobre a cooperação de 1996 pôde ser aplicada, por analogia, a situações que tiveram início antes da adopção da referida comunicação, mas que não estavam sujeitas a nenhuma outra regra jurídica.

(cf. n.os 507‑511)

15.    A concessão de imunidade total ou de uma redução do montante da coima em aplicação da Secção B da comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas de 1996 requer, nomeadamente, que a empresa em causa tenha sido a primeira a produzir elementos determinantes que provem a existência do acordo, decisão ou prática concertada. A este respeito, embora esses elementos não devam necessariamente ser, por si sós, suficientes para provar a existência do cartel, devem, não obstante, ser determinantes para esse mesmo efeito. Não deve tratar‑se simplesmente de uma fonte de orientação para as investigações da Comissão, mas de elementos susceptíveis de serem utilizados directamente como base probatória principal para uma decisão de constatação de infracção. Os referidos elementos também podem ser fornecidos verbalmente.

A Comissão dispõe de uma certa margem de apreciação na avaliação da questão de saber se, para a execução da sua tarefa de constatar a existência de uma infracção e de lhe pôr fim, a cooperação em causa foi «determinante», apenas sendo passível de crítica pelo juiz comunitário um excesso manifesto dessa margem de apreciação

A Comissão não comete qualquer erro manifesto de apreciação quando considera que uma empresa que forneceu, numa reunião, uma descrição pormenorizada das actividades e do funcionamento de um cartel, apoiada em elementos documentais pertinentes para a prova da sua existência, foi a primeira na acepção da Secção B da comunicação sobre a cooperação de 1996, quando outra empresa tinha fornecido, numa reunião anterior, uma apresentação menos pormenorizada do cartel, que não reflectia correctamente o objecto e o funcionamento do mesmo e que não estava apoiada por qualquer elemento documental.

(cf. n.os 552‑555, 568, 569)

16.    A aplicação do princípio non bis in idem está sujeita a uma tripla condição de identidade dos factos, de unidade de infractor e de unidade do interesse jurídico protegido. Este princípio proíbe, portanto, punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo bem jurídico.

Em matéria de sanções por violação das regras de concorrência, o princípio não se aplica em situações nas quais os ordenamentos jurídicos e as autoridades da concorrência de Estados terceiros intervieram no quadro das respectivas competências próprias.

No caso de um cartel mundial, sancionado simultaneamente pelas autoridades da concorrência e pela Comissão, esse princípio não se pode, portanto, aplicar, mesmo que os factos em causa perante as primeiras e a segunda tenham a sua origem num mesmo conjunto de acordos, porquanto os interesses jurídicos protegidos são diferentes. Com efeito, a acção da Comissão visa salvaguardar a livre concorrência no interior do mercado comum, o que constitui, por força do artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE, um objectivo fundamental da Comunidade, sendo que, na hipótese de o processo desencadeado pelas autoridades de um Estado terceiro visar aplicações ou efeitos de um cartel diversos dos que se verificaram no seu território, mais especificamente no Espaço Económico Europeu, esse facto teria manifestamente implicado uma usurpação da competência territorial da Comissão.

Pelas mesmas razões, não podem colher as considerações referentes à equidade, que se destinam a deduzir da coima aplicada a sanção imposta pelas autoridades do Estado terceiro.

(cf. n.os 600‑605)