Language of document : ECLI:EU:T:2016:483

Processo T‑796/14

Philip Morris Ltd

contra

Comissão Europeia

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Documentos elaborados no âmbito de trabalhos preparatórios de adoção da diretiva relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no que respeita ao fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco e produtos afins — Recusa de acesso — Exceção relativa à proteção dos processos judiciais e das consultas jurídicas — Exceção relativa à proteção do processo decisório — Interesse público superior»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção) de 15 de setembro de 2016

1.      Recurso de anulação — Fundamentos — Falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente — Fundamento distinto daquele que tem por objeto a legalidade quanto ao mérito

(Artigos 263.° TFUE e 296.° TFUE)

2.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Dever de fundamentação — Alcance

(Artigo 296.° TFUE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°)

3.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Interpretação e aplicação estritas — Obrigação de exame concreto e individual para os documentos abrangidos por uma exceção — Alcance

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 1, 2 e 4 e artigos 1.° e 4.°)

4.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Obrigação de ponderar os interesses em causa — Alcance relativo aos documentos na base do processo legislativo

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 2 e 6 e artigo 4.°)

5.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos pareceres jurídicos — Obrigação de a instituição examinar a natureza de parecer jurídico do ato e de verificar a inexistência de um interesse público superior que justifique a sua divulgação — Divulgação dos pareceres jurídicos relativos a processos legislativos — Obrigação de a instituição fundamentar qualquer decisão de recusa de acesso de forma circunstanciada

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão)

6.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos pareceres jurídicos — Alcance — Recusa de divulgação de um parecer do serviço jurídico de uma instituição relativo a um ato legislativo objeto de recurso nos órgãos jurisdicionais nacionais e nos tribunais da União — Admissibilidade

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão)

7.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos processos judiciais — Alcance — Articulados apresentados pela Comissão nos tribunais da União em processos pendentes — Presunção geral de aplicação da exceção ao direito de acesso — Aplicação aos processos findos — Requisitos

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão)

8.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos processos judiciais — Âmbito de aplicação — Documentos não elaborados exclusivamente para efeitos de um processo judicial, mas suscetíveis de prejudicar a capacidade de defesa da instituição em causa no referido processo — Inclusão — Requisitos

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão)

9.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos processos judiciais — Alcance — Recusa de divulgação de documentos suscetíveis de comprometer a posição da instituição em causa e o princípio da igualdade de armas no âmbito de um processo pendente — Admissibilidade

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 28)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 29‑31)

3.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 50‑54)

4.      Quando uma instituição aplica uma das exceções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, compete‑lhe ponderar o interesse específico que deve ser protegido pela não divulgação do documento em causa e, nomeadamente, o interesse geral em que esse documento se torne acessível, tendo em conta as vantagens que decorrem, como assinala o considerando 2 do Regulamento n.° 1049/2001, de uma transparência mais ampla, concretamente, uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da administração perante os cidadãos num sistema democrático.

Estas considerações são, sem dúvida, particularmente pertinentes no que respeita aos documentos da Comissão elaborados no âmbito de um processo legislativo. Com efeito, como resulta do considerando 6 do Regulamento n.° 1049/2001, deverá ser concedido maior acesso aos documentos precisamente nesse caso. A transparência neste domínio contribui para reforçar a democracia, permitindo aos cidadãos fiscalizar todas as informações que constituíram o fundamento de um ato legislativo. Com efeito, a possibilidade, para os cidadãos, de conhecer os fundamentos dos atos legislativos é uma condição do exercício efetivo, por estes últimos, dos seus direitos democráticos.

(cf. n.os 55, 56)

5.      No que respeita à exceção relativa às consultas jurídicas prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, o exame a efetuar por uma instituição quando lhe é pedida a divulgação de um documento deve desenrolar‑se necessariamente em três tempos, que correspondem aos três critérios previstos nessa disposição. Assim, num primeiro momento, a instituição deve assegurar‑se de que o documento cuja divulgação é pedida diz realmente respeito a uma consulta jurídica. Num segundo momento, deve examinar se a divulgação das partes do documento em questão identificadas como sendo relativas a consultas jurídicas pode prejudicar a proteção de que estas devem beneficiar, no sentido de que prejudica o interesse de uma instituição em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos. O risco de que esse interesse seja prejudicado deve, para poder ser invocado, ser razoavelmente previsível, e não puramente hipotético. Num terceiro e último momento, se a instituição considerar que a divulgação de um documento prejudica a proteção de pareceres jurídicos tal como acaba de ser definida, incumbe‑lhe verificar se não existe um interesse público superior que justifique essa divulgação, pese embora o prejuízo que daí poderia resultar para a sua aptidão em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos.

Na medida em que a divulgação de pareceres do serviço jurídico de uma instituição emitidos no âmbito de processos legislativos seja suscetível de prejudicar o interesse em proteger a independência deste serviço jurídico, esse risco deverá ser ponderado pelos interesses públicos superiores subjacentes ao Regulamento n.° 1049/2001. Constitui tal interesse público superior o facto de a divulgação de documentos que contenham o parecer do serviço jurídico de uma instituição sobre questões jurídicas suscitadas durante o debate sobre iniciativas legislativas ser suscetível de aumentar a transparência e a abertura do processo legislativo e reforçar o direito democrático dos cidadãos europeus de fiscalizar as informações que constituíram o fundamento de um ato legislativo, como consagrado, em particular, nos considerandos 2 e 6 do referido regulamento. Por conseguinte, o referido regulamento impõe, em princípio, um dever de divulgar os pareceres do serviço jurídico de uma instituição relativos a um processo legislativo. Esta afirmação não impede, porém, que a divulgação de um parecer jurídico específico, emitido no contexto de um processo legislativo, mas com um caráter particularmente sensível ou um alcance particularmente amplo que ultrapasse o quadro do processo legislativo em causa, possa ser recusada ao abrigo da proteção dos pareceres jurídicos. Nesse caso, incumbiria à instituição em causa fundamentar a recusa de forma circunstanciada.

(cf. n.os 58‑62)

6.      É certo que a recusa de divulgação de um parecer jurídico, pelo facto de a referida divulgação poder prejudicar a capacidade de a instituição defender posteriormente a validade de um ato legislativo perante um órgão jurisdicional, não pode, enquanto argumento de ordem geral, justificar uma exceção à transparência prevista pelo Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.

Todavia, a solução é diferente quando, no momento da adoção da decisão de recusa de divulgação de um parecer jurídico específico, proferido no contexto de um processo legislativo, por um lado, um recurso em que se contesta a validade do ato jurídico em causa e que implica fortes probabilidades de um reenvio prejudicial se encontra pendente nos tribunais de um Estado‑Membro e, por outro, foi interposto um recurso nos tribunais da União por um Estado‑Membro que contesta a validade de um determinado número de disposições do mesmo ato por violação do Tratado FUE e do princípio da proporcionalidade. Com efeito, na medida em que o documento pedido contém certas partes ocultadas que fazem referência ao parecer do serviço jurídico da instituição em causa quanto à falta de competência da União para legislar e ao desrespeito do princípio da proporcionalidade, a divulgação dessas partes poderia comprometer a proteção das consultas jurídicas, ou seja, a proteção do interesse de uma instituição em pedir pareceres jurídicos e receber pareceres francos, objetivos e completos, bem como a posição do referido serviço jurídico na sua defesa da validade do ato legislativo em causa perante o juiz da União, em pé de igualdade com as outras partes. Ora, essa divulgação revelaria a posição do serviço jurídico da instituição em causa ainda antes de ter oportunidade de apresentá‑la durante o processo jurisdicional, ao passo que à outra parte não é imposta nenhuma obrigação semelhante.

(cf. n.os 65‑67, 69, 70)

7.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 77‑83)

8.      O princípio da igualdade de armas e a boa administração da justiça estão no cerne desta exceção relativa à proteção dos processos judiciais prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão. Ora, a necessidade de assegurar a igualdade de armas perante o tribunal justifica a proteção não apenas dos documentos exclusivamente redigidos para efeitos de um litígio concreto, como os articulados, mas também os documentos cuja divulgação é suscetível de comprometer, no âmbito de um litígio concreto, a igualdade em questão, que constitui o corolário do próprio conceito de processo equitativo. Todavia, para que esta exceção se possa aplicar, é necessário que os documentos requeridos, no momento da decisão que recusa acesso aos referidos documentos, tenham uma relação pertinente com o litígio pendente nos tribunais da União, relativamente ao qual a instituição em causa invoca a exceção e que a sua divulgação, embora os referidos documentos não tenham sido elaborados no âmbito de um processo judicial pendente, prejudique o princípio da igualdade de armas e potencialmente a capacidade de defesa da instituição em causa no referido processo. Por outras palavras, é necessário que os documentos divulguem a posição da instituição em causa quanto às questões controvertidas suscitadas no processo judicial invocado.

Estas considerações podem também aplicar‑se a processos pendentes em órgãos jurisdicionais nacionais no momento da adoção de uma decisão que recusa o acesso aos documentos requeridos, desde que suscitem uma questão de interpretação ou de validade de um ato do direito da União, de modo que, atendendo ao contexto do processo, um reenvio prejudicial se afigure particularmente plausível. Em ambos os casos, embora os referidos documentos não tenham sido elaborados no âmbito de um processo judicial concreto, a integridade do processo judicial em causa e a igualdade de armas entre as partes poderiam ser seriamente postas em causa se as partes beneficiassem de um acesso privilegiado às informações internas da outra parte estreitamente relacionadas com os aspetos jurídicos de um litígio pendente ou potencial, mas iminente.

(cf. n.os 88‑90)

9.      O princípio da igualdade de armas exige que a instituição de que emana o ato impugnado esteja em condições de defender em tribunal, de modo eficaz, a legalidade da sua ação. Ora, essa possibilidade seria seriamente posta em causa se a instituição em questão fosse obrigada a defender‑se não apenas quanto aos fundamentos e argumentos invocados pelo recorrente ou, como no caso vertente, no âmbito de um futuro processo prejudicial, mas também em relação às posições adotadas a nível interno quanto à legalidade de diferentes escolhas consideradas no âmbito da elaboração do ato em questão. Em especial, em matéria de acesso aos documentos, a divulgação de documentos que contêm este tipo de posições é suscetível de obrigar, de facto, a instituição em causa a defender‑se das apreciações do seu próprio pessoal, que acabaram por não ser adotadas. Esta situação é suscetível de falsear o equilíbrio indispensável entre as partes num litígio, na medida em que a recorrente não pode ser obrigada a divulgar apreciações internas desse tipo.

Portanto, a divulgação desses documentos ao público na pendência de um processo judicial relativo à interpretação e à legalidade do ato em causa poderia comprometer a posição de defesa da instituição em causa e o princípio da igualdade de armas, na medida em que esta comunicaria posições internas de natureza jurídica que emanam dos seus serviços sobre questões controvertidas, ao passo que à outra parte não seria imposta qualquer obrigação semelhante.

(cf. n.os 97, 98)