Language of document : ECLI:EU:T:2007:25

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

31 de Janeiro de 2007 (*)

«Política externa e de segurança comum – Medidas restritivas contra a Libéria – Congelamento de fundos das pessoas associadas a Charles Taylor – Competência da Comunidade – Direitos fundamentais – Recurso de anulação»

No processo T‑362/04,

Leonid Minin, residente em Tel‑Aviv (Israel), representado por T. Ballarino e C. Bovio, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Montaguti, L. Visaggio e C. Brown, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por S. Marquardt e F. Ruggeri Laderchi, e em seguida por S. Marquardt e A.Vitro, na qualidade de agentes,

e por

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por R. Caudwell, e em seguida por E. Jenkinson, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objecto principal, inicialmente, um pedido de anulação do Regulamento (CE) n.° 1149/2004 da Comissão, de 22 de Junho de 2004, que altera o Regulamento (CE) n.° 872/2004 do Conselho que impõe novas medidas restritivas contra a Libéria (JO L 222, p. 17), e, em seguida, um pedido de anulação parcial do Regulamento (CE) n.° 874/2005 da Comissão, de 9 de Junho de 2005, que altera o Regulamento (CE) n.° 872/2004 (JO L 146, p. 5),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, N. J. Forwood e S. Papasavvas, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 24.°, n.° 1, da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco (Estados Unidos), em 26 de Junho de 1945, os membros da Organização das Nações Unidas (ONU) «conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que, no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade, o Conselho de Segurança aja em nome deles».

2        Nos termos do artigo 25.° da Carta das Nações Unidas, «[o]s membros [da ONU] concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta».

3        Nos termos do artigo 41.° da Carta das Nações Unidas:

«O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efectivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioeléctricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas.»

4        Por força do artigo 48.°, n.° 2, da Carta das Nações Unidas, as decisões do Conselho de Segurança para a manutenção da paz e da segurança internacionais «serão executadas pelos membros das Nações Unidas directamente e, mediante a sua acção, nos organismos internacionais apropriados de que façam parte».

5        Segundo o artigo 103.° da Carta das Nações Unidas, «[n]o caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta».

6        Nos termos do artigo 11.°, n.° 1, UE:

«A União definirá e executará uma política externa e de segurança comum extensiva a todos os domínios da política externa e de segurança, que terá por objectivos:

–        a salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais, da independência e da integridade da União, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas;

–        o reforço da segurança da União, sob todas as formas;

–        a manutenção da paz e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas [...]»

7        Nos termos do artigo 301.º CE:

«Sempre que uma posição comum ou uma acção comum adoptada nos termos das disposições do Tratado da União Europeia relativas à política externa e de segurança comum prevejam uma acção da Comunidade para interromper ou reduzir, total ou parcialmente, as relações económicas com um ou mais países terceiros, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, toma as medidas urgentes necessárias.»

8        O artigo 60.° CE dispõe:

«1. Se, no caso previsto no artigo 301.°, for considerada necessária uma acção da Comunidade, o Conselho, de acordo com o procedimento previsto no artigo 301.°, pode tomar, relativamente aos países terceiros em causa, as medidas urgentes necessárias em matéria de movimentos de capitais e de pagamentos.

2. Sem prejuízo do disposto no artigo 297.°, e enquanto o Conselho não tiver tomado medidas ao abrigo do n.° 1, um Estado‑Membro pode, por razões políticas graves e por motivos de urgência, tomar medidas unilaterais contra um país terceiro relativamente aos movimentos de capitais e aos pagamentos. A Comissão e os outros Estados‑Membros serão informados dessas medidas, o mais tardar na data da sua entrada em vigor.

[…]»

9        Por último, o artigo 295.° CE dispõe:

«O presente Tratado em nada prejudica o regime da propriedade nos Estados‑Membros.»

 Antecedentes do litígio

10      Face às graves ameaças à paz existentes na Libéria e tendo em conta o papel desempenhado neste contexto por Charles Taylor, o seu ex‑Presidente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (a seguir «Conselho de Segurança») adoptou, a partir de 1992, uma série de resoluções relativas a esse país, com base no capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

11      A primeira dessas resoluções é a Resolução 788 (1992), adoptada em 19 de Novembro de 1992 e cujo parágrafo 8 dispõe que, «tendo em vista a instauração da paz e da estabilidade na Libéria, todos os Estados aplicarão imediatamente um embargo geral e completo a todas os fornecimentos de armas e de material militar à Libéria até que o Conselho [de Segurança] decida noutro sentido».

12      Em 7 de Março de 2001, verificando que o conflito na Libéria tinha sido resolvido, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1343 (2001), mediante a qual decidiu pôr termo às interdições impostas pelo parágrafo 8 da Resolução 788 (1992). Todavia, o Conselho de Segurança constatou igualmente que o Governo liberiano apoiava activamente grupos rebeldes armados em países vizinhos, tendo, portanto, adoptado uma nova série de sanções contra a Libéria. Nos termos dos parágrafos 5 a 7 dessa resolução, todos os Estados deveriam, designadamente, tomar as medidas necessárias para impedir a venda ou o fornecimento de armamento e material afins à Libéria, a importação directa ou indirecta a partir da Libéria de todos os diamantes brutos e a entrada ou o trânsito pelo seu território de certas pessoas ligadas ao Governo liberiano ou apoiantes do mesmo.

13      O parágrafo 19 da Resolução 1343 (2001) prevê a criação de um grupo de peritos encarregados, designadamente, de fazer um inquérito sobre o respeito ou a violação das medidas impostas por essa resolução e de elaborar um relatório sobre esta matéria para o Conselho de Segurança. Esse relatório, com o número S/2001/1015, foi transmitido ao presidente do Conselho de Segurança em 26 de Outubro de 2001.

14      Em 22 de Dezembro de 2003, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1521 (2003). Tendo considerado que as alterações verificadas na Libéria, em particular a saída do ex‑Presidente Charles Taylor e a formação do Governo nacional de transição na Libéria assim como os progressos realizados no processo de paz na Serra Leoa, necessitavam que revisse a sua acção ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança decidiu levantar as interdições impostas, designadamente, nos parágrafos 5 a 7 da sua Resolução 1343 (2001). Todavia, essas medidas foram substituídas por medidas revistas. Deste modo, nos termos dos parágrafos 2, 4, 6 e 10 da Resolução 1521 (2003), todos os Estados deveriam, designadamente, tomar as medidas necessárias para impedir a venda ou o fornecimento de armamento e de material afins à Libéria, a entrada ou o trânsito pelo seu território dos indivíduos designados pelo Comité de Sanções referido no n.º 15 infra, a importação directa ou indirecta para o seu território de todos os diamantes brutos provenientes da Libéria e a importação para o seu território de toros redondos e de madeira para construção com origem na Libéria.

15      No parágrafo 21 da Resolução 1521 (2003), o Conselho de Segurança decidiu criar, nos termos do artigo 28.º do seu regulamento interno provisório, um comité do Conselho de Segurança, composto por todos os membros do Conselho (a seguir «Comité de Sanções»), encarregado, nomeadamente, de designar e de actualizar a lista de pessoas que, nos termos do parágrafo 4 dessa resolução, representem uma ameaça para o processo de paz na Libéria ou que realizem actividades que prejudiquem a paz e a estabilidade na Libéria e na sub‑região, aí incluindo os altos responsáveis do Governo do ex‑Presidente Charles Taylor e seus cônjuges, os membros das antigas forças armadas liberianas que mantenham ligações com este último, as pessoas que actuem em violação das proibições relativas ao tráfico de armas, bem como todas as pessoas associadas a entidades que fornecem apoio financeiro ou militar a grupos rebeldes armados na Libéria ou em países da região.

16      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade para dar execução a essa resolução, o Conselho adoptou, em 10 de Fevereiro de 2004, a Posição Comum 2004/137/PESC, que impõe medidas restritivas contra a Libéria e revoga a Posição Comum 2001/357/PESC (JO L 40, p. 35). O artigo 2.º desta posição comum dispõe que, nas condições estabelecidas na Resolução 1521 (2003) do Conselho de Segurança, os Estados‑Membros devem adoptar as medidas necessárias para impedir a entrada ou o trânsito no seu território dos indivíduos designados pelo Comité de Sanções.

17      Em 10 de Fevereiro de 2004, o Conselho adoptou, com base nos artigos 60.º CE e 301.º CE, o Regulamento (CE) n.° 234/2004, relativo a certas medidas restritivas aplicáveis à Libéria e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1030/2003 (JO L 40, p. 1).

18      Em 12 de Março de 2004, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1532 (2004), destinada, designadamente, a congelar os fundos de Charles Taylor e de determinados membros da sua família, bem como dos seus aliados e associados. Nos termos no parágrafo 1 desta resolução, o Conselho de Segurança «[d]ecide que, para impedir que o ex‑Presidente da Libéria, Charles Taylor, os seus familiares próximos, em particular Jewell Howard Taylor e Charles Taylor Jr., altos funcionários do antigo regime Taylor, ou membros do seu círculo, aliados ou associados, identificados pelo [Comité de Sanções] utilizem os fundos e bens indevidamente apropriados para dificultar o restabelecimento da paz e da estabilidade na Libéria e na sub‑região, todos os Estados devem congelar imediatamente os fundos, outros activos financeiros e recursos económicos que se encontrem no seu território à data da adopção da presente resolução ou posteriormente, que se encontrem na posse ou sob o controlo directo ou indirecto das pessoas mencionadas ou de outras pessoas acima identificadas pelo [Comité de Sanções], incluindo os fundos, outros activos financeiros e recursos económicos detidos por entidades que pertençam ou sejam directa ou indirectamente controladas por uma de entre elas ou por qualquer pessoa que aja por sua conta ou sob as suas ordens identificada pelo [Comité de Sanções], e impedir que estes ou quaisquer outros fundos, activos financeiros ou recursos económicos sejam postos, por seus nacionais ou qualquer outra pessoa que se encontre no seu território, directa ou indirectamente, à disposição ou por conta dessas pessoas.

19      O parágrafo 2 da Resolução 1532 (2004) prevê um determinado número de derrogações às medidas previstas no parágrafo 1, designadamente no que respeita aos fundos, outros activos financeiros e recursos económicos necessários para cobrir as despesas essenciais ou extraordinárias das pessoas em causa. Essas derrogações podem ser concedidas pelos Estados sem prejuízo, consoante os casos, da não oposição ou da aprovação do Comité de Sanções.

20      No parágrafo 4 da Resolução 1532 (2004), o Conselho de Segurança encarregou o Comité de Sanções de identificar as pessoas e entidades visadas no parágrafo 1 e de comunicar a lista respectiva a todos os Estados, de elaborar e de actualizar regularmente essa lista e de a reexaminar semestralmente.

21      No parágrafo 5 da Resolução 1532 (2004), o Conselho de Segurança decidiu reexaminar as medidas impostas no parágrafo 1 pelo menos uma vez por ano, devendo o primeiro exame ter lugar, o mais tardar, em 22 de Dezembro de 2004, e adoptar nesse momento as novas medidas a tomar.

22      Tendo considerado que era necessária uma acção da Comunidade para dar execução a essa resolução, o Conselho adoptou, em 29 de Abril de 2004, a Posição Comum 2004/487/PESC, que impõe novas medidas restritivas contra a Libéria (JO L 162, p. 116). Esta posição comum prescreve o congelamento dos fundos e dos recursos económicos directa ou indirectamente detidos pelas pessoas e entidades visadas no parágrafo 1 da Resolução 1532 (2004), nas mesmas condições que as enunciadas nesta resolução.

23      Em 29 de Abril de 2004, o Conselho adoptou, com base nos artigos 60.º CE e 301.º CE, o Regulamento (CE) n.° 872/2004, que impõe novas medidas restritivas contra a Libéria (JO L 162, p. 32).

24      Nos termos do quarto considerando desse regulamento, o congelamento dos fundos de Charles Taylor e dos seus associados é necessário «[dado] [o] impacto negativo, na Libéria, da transferência para o estrangeiro de capitais e activos indevidamente apropriados, e a utilização desses fundos por Charles Taylor e pelos seus associados para comprometer a paz e a estabilidade na Libéria e na região».

25      Nos termos do sexto considerando desse regulamento, essas medidas «são abrangidas pelo âmbito do Tratado e por isso, a fim de evitar qualquer distorção de concorrência, é necessário aprovar legislação comunitária para as aplicar no que diz respeito à Comunidade».

26      O artigo 1.º do Regulamento n.º 872/2004 define o que se deve entender por «fundos», «congelamento de fundos», «recursos económicos» e «congelamento de recursos económicos».

27      Nos termos do artigo 2.º do Regulamento n.º 872/2004:

«1. Ficam congelados todos os fundos e recursos económicos detidos ou controlados, directa ou indirectamente, pelo ex‑Presidente da Libéria, Charles Taylor, por Jewell Howard Taylor e por Charles Taylor Jr. e ainda pelas seguintes pessoas e entidades designadas pelo Comité de Sanções e enumeradas no Anexo I:

a)      Outros familiares próximos do ex‑Presidente da Libéria, Charles Taylor;

b)      Altos funcionários do antigo regime de Charles Taylor e outros seus aliados e associados próximos;

c)      Pessoas colectivas, organismos ou entidades detidas ou controladas directa ou indirectamente pelas pessoas acima referidas; e

d)      Qualquer pessoa singular ou colectiva que actue em nome ou sob as instruções das pessoas acima referidas.

2.      É proibido colocar, directa ou indirectamente, fundos ou recursos económicos à disposição ou por conta das pessoas singulares ou colectivas, ou entidades e organismos, tal como enumerados no Anexo I.

3.      É proibida a participação, intencional e com conhecimento de causa, em actividades cujo objectivo ou efeito sejam, directa ou indirectamente, contornar as medidas referidas nos n.os 1 e 2.»

28      O Anexo I do Regulamento n.º 872/2004 contém a lista de pessoas singulares ou colectivas, dos organismos e das entidades visados no artigo 2.º O nome do recorrente não consta da versão inicial dessa lista.

29      Nos termos do artigo 11.º, alínea a), do Regulamento n.º 872/2004, a Comissão é competente para alterar o Anexo I deste regulamento, com base em decisões do Conselho de Segurança ou do Comité de Sanções.

30      Nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 872/2004:

«1.      Em derrogação do artigo 2.º, as autoridades competentes dos Estados‑Membros, tal como enumeradas no Anexo II podem autorizar o desbloqueamento ou a disponibilização de certos fundos ou recursos económicos congelados, se concluírem que a utilização desses fundos ou recursos económicos é:

a)      Necessária para cobrir as despesas de base, incluindo os pagamentos de géneros alimentícios, rendas ou empréstimos hipotecários, medicamentos e tratamentos médicos, impostos, apólices de seguro e serviços públicos;

b)      Se destina exclusivamente ao pagamento de honorários profissionais razoáveis e ao reembolso de despesas associadas com a prestação de serviços legais;

c)      Se destina exclusivamente ao pagamento de encargos ou taxas correspondentes à manutenção ou gestão normal de fundos ou de recursos económicos congelados,

desde que tenham notificado o Comité de Sanções da intenção de autorizar o acesso a esses fundos e recursos económicos e não tenham recebido uma decisão negativa do Comité de Sanções nos dois dias úteis subsequentes a essa notificação.

2.      Em derrogação do artigo 2.º, as autoridades competentes dos Estados‑Membros, tal como enumeradas no Anexo II, podem autorizar o desbloqueamento ou a disponibilização de certos fundos ou recursos económicos congelados, se determinarem que esses fundos ou recursos económicos são necessários para cobrir despesas extraordinárias, desde que esse propósito tenha sido notificado pela autoridade competente em causa ao Comité e por este aprovado.»

31      Em 15 de Junho de 2004, o Comité de Sanções adoptou directivas para a aplicação dos parágrafos 1 e 4 da Resolução 1532 (2004) (a seguir «directivas do Comité de Sanções»).

32      O n.º 2 dessas directivas, intitulado «Actualização e teor da lista de pessoas visadas pelo congelamento dos activos», prevê, na alínea b), que o Comité de Sanções examina diligentemente os pedidos de actualização dessa lista apresentados pelos Estados‑Membros e, na alínea d), que o Comité de Sanções revê essa lista semestralmente, tendo em conta, designadamente, todos os pedidos pendentes relativos à exclusão do nome de indivíduos e/ou entidades (v. número seguinte).

33      O n.º 4 das directivas do Comité de Sanções, intitulado «Exclusão da lista», prevê:

«a)      sem prejuízo dos procedimentos em vigor, um requerente (pessoa(s), e/ou entidades visados na lista definida pelo [Comité de Sanções]) pode apresentar ao governo do país em que reside e/ou de que é cidadão um pedido para que o seu caso seja reexaminado. Para esse efeito, o requerente deve justificar o seu pedido de exclusão da lista, fornecer as informações pertinentes e pedir apoio para esse pedido;

b)      o governo ao qual foi feito o pedido (o ‘governo requerido’) deve examinar todos os elementos de informação pertinentes e, depois, contactar bilateralmente o(s) governo(s) que propôs(propuseram) a inscrição na lista (o(s) ‘governo(s) identificador(es)’) para pedir informações complementares e proceder a consultas sobre o pedido de exclusão da lista;

c)      o(s) governo(s) que inicialmente pediu(pediram) a inscrição pode(m) igualmente pedir informações complementares ao país da residência ou da nacionalidade do requerente. O governo requerido e o(s) governo(s) identificador(es) podem, se necessário, consultar o presidente do [Comité de Sanções] durante essas consultas bilaterais;

d)      se, depois de ter examinado as informações complementares, o governo requerido quiser dar seguimento a um pedido de exclusão da lista, deve tentar convencer o(s) governo(s) identificador(es) a apresentarem ao [Comité de Sanções], conjunta ou separadamente, um pedido de exclusão. O governo requerido pode apresentar ao [Comité de Sanções] um pedido de exclusão, sem que esse pedido seja acompanhado de um pedido do(s) governo(s) identificador(es), no âmbito do procedimento de aprovação tácita descrito nas alíneas b) e c) do parágrafo 3, supra;

e)      O presidente dá uma resposta provisória aos pedidos de exclusão da lista que não forem examinados dentro do prazo normal de dois dias ou durante o período de prorrogação desse prazo.»

34      Em 14 de Junho de 2004, o Comité de Sanções decidiu alterar a lista de pessoas e entidades às quais se aplicam as medidas enunciadas no parágrafo 1 da Resolução 1532 (2004) do Conselho de Segurança. O nome do recorrente consta dessa lista alterada, onde é designado como proprietário da empresa Exotic Tropical Timber Enterprises e um dos principais doadores de fundos do ex‑Presidente Charles Taylor.

35      Através do Regulamento (CE) n.º 1149/2004 da Comissão, de 22 de Junho de 2004, que altera o Regulamento (CE) n.° 872/2004 (JO L 222, p. 17), o Anexo I do Regulamento n.º 872/2004 foi substituído pelo anexo do Regulamento n.º 1149/2004. Este novo anexo inclui, no n.º 13, o nome do recorrente, identificado como se segue:

«Leonid Minin [também designado a) Blavstein, b) Blyuvshtein, c) Blyafshtein, d) Bluvshtein, e)Blyufshtein, f) Vladimir Abramovich Kerler, g) Vladimir Abramovich Popiloveski, h) Vladimir Abramovich Popela, i) Vladimir Abramovich Popelo, j) Wulf Breslan, k) Igor Osols. Data de nascimento: a) 14 de Dezembro de 1947, b) 18 de Outubro de 1946, c) desconhecida]. Nacionalidade: Ucraniana. Passaportes alemães (nome: Minin): a) 5280007248D, b) 18106739D; passaportes israelitas: a) 6019832 (6/11/94‑5/11/99), b) 9001689 (23/1/97‑22/1/02), c) 90109052 (26/11/97); passaporte russo: KI0861177; passaporte boliviano: 65118; passaporte grego: dados não disponíveis. Proprietário das Exotic Tropical Timber Enterprises.»

36      Em 21 de Dezembro de 2004, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1579 (2004). Depois de ter, designadamente, examinado as medidas previstas no parágrafo 1 da Resolução 1532 (2004) e considerado que a situação na Libéria continuava a ameaçar a paz e a segurança internacionais na região, o Conselho de Segurança determinou que essas medidas continuariam em vigor para impedir o ex‑Presidente Charles Taylor, os seus familiares imediatos, os altos responsáveis do antigo regime Taylor ou outros aliados próximos e associados de utilizar os fundos de que indevidamente se apropriaram para dificultar o restabelecimento da paz e da estabilidade na Libéria e na sub‑região e voltou a confirmar a sua intenção de rever essas medidas, pelo menos, uma vez por ano.

37      Em 2 de Maio de 2005, o Comité de Sanções decidiu acrescentar dados pessoais suplementares à lista das pessoas, grupos e entidades visados no parágrafo 1 da Resolução 1532 (2004) do Conselho de Segurança.

38      Através do Regulamento (CE) n.º 874/2005 da Comissão, de 9 de Junho de 2005, que altera o Regulamento (CE) n.° 872/2004 (JO L 146, p. 5, a seguir «regulamento impugnado»), o Anexo I do Regulamento n.º 872/2004 foi substituído pelo anexo do regulamento impugnado. Este novo Anexo I inclui, no seu n.º 14, o nome do recorrente, identificado como se segue:

«Leonid Yukhimovich Minin [também designado por: a) Blavstein; b) Blyuvshtein; c) Blyafshtein; d) Bluvshtein; e) Blyufshtein; f) Vladamir Abramovich Kerler; g) Vladimir Abramovich Kerler; h) Vladimir Abramovich Popilo‑Veski; i) Vladimir Abramovich Popiloveski; j) Vladimir Abramovich Popela; k) Vladimir Abramovich Popelo; l) Wulf Breslan; m) Igor Osols]. Data de nascimento: a) 14.12.1947; b) 18.10.1946. Local de nascimento: Odessa, URSS (actualmente Ucrânia). Nacionalidade: israelita. Passaportes alemães falsos (nome: Minin): a) 5280007248D; b) 18106739D; passaportes israelitas: a) 6019832 (validade 6.11.1994‑5.11.1999); b) 9001689 (validade 23.1.1997‑22.1.2002); c) 90109052 (emitido em 26.11.1997); passaporte russo: KI0861177; passaporte boliviano: 65118; passaporte grego: dados não disponíveis. Informações suplementares: proprietário das Exotic Tropical Timber Enterprises.»

39      Em 20 de Dezembro de 2005, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1647 (2005). Depois de ter, designadamente, examinado as medidas previstas no parágrafo 1 da Resolução 1532 (2004) e considerado que a situação na Libéria continuava a ameaçar a paz e a segurança internacionais na região, o Conselho de Segurança determinou que essas medidas continuariam em vigor e voltou a confirmar a sua intenção de rever essas medidas, pelo menos, uma vez por ano.

 Tramitação do processo

40      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 3 de Setembro de 2004, registada sob o número T‑362/04, L. Minin interpôs o presente recurso ao abrigo do artigo 230.º, quarto parágrafo, CE.

41      Por despachos do presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, de 8 de Dezembro de 2004 e de 21 de Fevereiro de 2005, foram admitidas as intervenções do Conselho e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em apoio dos pedidos da Comissão. O Conselho apresentou as suas alegações de intervenção nos prazos fixados. Por carta entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Abril de 2005, o Reino Unido informou o Tribunal de que prescindia de apresentar alegações de intervenção, reservando‑se, todavia, o direito de participar numa eventual audiência.

42      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Primeira Instância, colocou por escrito questões às partes convidando‑as a responder‑lhes por escrito para a audiência. As partes recorrente e recorrida atenderam a esse pedido.

43      Com excepção do Reino Unido, dispensado, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 13 de Setembro de 2006.

 Pedidos das partes

44      Na petição, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o n.º 13 do anexo do Regulamento n.º 1149/2004;

–        anular o referido regulamento na sua totalidade;

–        declarar a inaplicabilidade dos Regulamentos n.os 872/2004 e 1149/2004 por força do artigo 241.º CE.

45      Na contestação, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente;

–        julgar inadmissíveis ou improcedentes os fundamentos invocados na réplica;

–        condenar o recorrente nas despesas.

46      Nas alegações de intervenção, o Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

47      Na resposta escrita às questões do Tribunal, o recorrente afirma que, dada a adopção do Regulamento n.º 874/2005, pretende alterar os seus pedidos iniciais. Conclui, assim, pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o n.º 14 do anexo do regulamento impugnado;

–        anular o Regulamento n.º 872/2004, na versão alterada pelo regulamento impugnado, na medida em que prevê, no seu artigo 2.º, o congelamento dos fundos e dos recursos económicos do recorrente.

48      Na audiência, o recorrente, por um lado, desistiu do segundo dos seus pedidos assim alterados e, por outro, pediu a condenação da recorrida no pagamento das despesas, o que ficou a constar da acta da audiência.

 Quanto à admissibilidade e ao objecto do recurso

49      O primeiro dos pedidos iniciais do recorrente, formulado da forma referida no n.º 44 supra, visava a anulação do n.º 13 do anexo do Regulamento n.º 1149/2004, que tinha substituído o Anexo I do Regulamento n.º 872/2004.

50      Tendo o Anexo I do Regulamento n.º 872/2004, assim substituído, sido por sua vez substituído, no decurso da instância, pelo anexo do regulamento impugnado, as partes foram convidadas a apresentar as suas observações escritas sobre as consequências que resultam desse elemento novo para o prosseguimento do presente recurso.

51      Por conseguinte, o recorrente reformulou os seus pedidos da forma referida no n.º 47 supra. Tendo em conta as circunstâncias do caso vertente, a Comissão não levantou objecções de princípio quanto à reformulação. Em princípio, esta está, efectivamente, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual, quando uma medida de congelamento de fundos de um particular é substituída, no decurso da instância, por uma medida com o mesmo objecto, esta deve ser considerada como um elemento novo que permite ao recorrente adaptar os seus pedidos, fundamentos e argumentos de modo a abrangerem a medida posterior (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Setembro de 2005, Yusuf e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, T‑306/01, Colect., p. II‑3533, actualmente objecto de recurso, a seguir «acórdão Yusuf», n.os 71 a 74, e Kadi/Conselho e Comissão, T‑315/01, Colect., p. II‑3649, actualmente objecto de recurso, a seguir «acórdão Kadi», n.os 52 a 55 e jurisprudência referida).

52      Por outro lado, tendo o recorrente desistido, na audiência, do segundo dos seus pedidos assim reformulados, importa registar que o recurso passou a ter por único objecto um pedido de anulação do n.º 14 do anexo do regulamento impugnado, que mantém o nome do recorrente na lista de pessoas cujos fundos devem ser congelados em conformidade com o Regulamento n.º 872/2004.

53      A este respeito, há que observar que o regulamento impugnado é, de facto, um regulamento na acepção do artigo 249.º CE (v., neste sentido e por analogia, acórdão Yusuf, n.os 184 a 188) e não um feixe de decisões individuais, como erradamente sustentado pelo recorrente. O n.º 14 do anexo do referido regulamento participa dessa mesma natureza regulamentar e, como tal, não constitui uma decisão individual dirigida ao recorrente, contrariamente ao sustentado pela Comissão. Não é menos verdade que o recorrente é directa e individualmente afectado por esse acto, na medida em que é nomeado no referido n.º 14 do seu anexo (v., neste sentido e por analogia, acórdão Yusuf, n.º 186, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2006, Ayadi/Conselho, T‑253/02, Colect., p. II‑0000, actualmente objecto de recurso, a seguir «acórdão Ayadi», n.º 81). Nesta medida, o pedido da sua anulação deduzido pelo recorrente é admissível.

 Quanto ao mérito

1.     Alegações de facto das partes

54      O recorrente declara chamar‑se Leonid Minin e ser cidadão israelita domiciliado em Tel‑Aviv (Israel), apesar de residir em Itália à época dos factos na origem do presente recurso. O recorrente acrescenta que o conjunto dos seus fundos e recursos económicos na Comunidade foram congelados na sequência do Regulamento n.º 1149/2004, de modo que deixou de estar em condições de cuidar do seu filho e não pôde prosseguir as suas actividades de gerente de uma empresa de importação e exportação de madeira. O recorrente sublinha, por outro lado, ter sido absolvido das acusações por tráfico de armas de que era objecto em Itália.

55      A este respeito, a Comissão e o Conselho remetem, todavia, para o relatório de 26 de Outubro de 2001 do grupo de peritos visado no parágrafo 19 da Resolução 1343 (2001) (v. n.º 13 supra). Segundo estas instituições, resulta, designadamente, dos parágrafos 15 a 17 e 207 desse relatório que, no momento da sua detenção pelas autoridades italianas, em 5 de Agosto de 2000, o recorrente foi encontrado na posse de vários documentos que o implicavam num tráfico de armas com destino à Libéria. Interrogado na prisão pelo grupo de peritos, o recorrente admitiu ter participado em várias transacções desse tráfico. Por outro lado, os motivos da absolvição do recorrente em Itália basearam‑se na incompetência territorial dos órgãos jurisdicionais italianos para conhecer do processo‑crime contra ele instaurado nesse Estado‑Membro.

2.     Questão de direito

56      Em apoio dos seus pedidos, o recorrente invoca dois fundamentos, relativos, o primeiro, à incompetência da Comunidade para adoptar o Regulamento n.º 872/2004, o Regulamento n.º 1149/2004 e o regulamento impugnado (a seguir, tomados em conjunto, «regulamentos impugnados») e, o segundo, à violação dos seus direitos fundamentais.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência da Comunidade para adoptar os regulamentos impugnados

57      Este fundamento subdivide‑se em duas partes, sendo a segunda parte desenvolvida na réplica.

 Quanto à primeira parte

–       Argumentos das partes

58      Em primeiro lugar, com a primeira parte do fundamento, o recorrente alega que as resoluções do Conselho de Segurança dizem exclusivamente respeito aos países a que se dirigem e que não têm por objecto aplicar‑se directamente aos particulares, contrariamente ao que se passa com os regulamentos comunitários, que produzem efeitos directos erga omnes nos Estados‑Membros. Os regulamentos impugnados conferiram assim um «valor acrescentado» às sanções previstas pelas resoluções do Conselho de Segurança cujas disposições adoptaram, designadamente, o efeito directo no território da União, o que do ponto de vista normativo não é justificável. Com efeito, a Comunidade dispõe apenas de competências de atribuição. Em particular, resulta do artigo 295.º CE que a Comunidade não dispõe de competências próprias no que respeita ao regime da propriedade. Por conseguinte, ela não é competente para adoptar actos que privem os particulares da sua propriedade. Este papel incumbe aos Estados‑Membros, únicos competentes, segundo o recorrente, para conferir efeito directo e vinculativo às sanções económicas individuais adoptadas pelo Conselho de Segurança.

59      Em segundo lugar, o recorrente alega que os destinatários das medidas previstas nos artigos 60.º CE e 301.º CE são os países terceiros. Portanto, estes artigos não constituem uma base jurídica adequada para efeitos da adopção de medidas punitivas ou preventivas que visem os particulares e sobre eles produzam efeitos directos. A adopção destas medidas não é da competência da Comunidade, ao contrário, em primeiro lugar, das medidas restritivas de natureza comercial adoptadas contra a Libéria pelo Regulamento n.º 234/2004 e, em segundo lugar, das medidas de embargo comercial contra o Iraque examinadas pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão de 28 de Abril de 1998, Dorsch Consult/Conselho e Comissão (T‑184/95, Colect., p. II‑667).

60      O carácter arbitrário do regime instituído pelos regulamentos impugnados resulta de uma comparação entre este e o regime instituído pelo Regulamento (CE) n.° 1294/1999 do Conselho, de 15 de Junho de 1999, relativo ao congelamento de fundos e à proibição de investimentos na República Federativa da Jugoslávia (RFJ) e que revoga os Regulamentos (CE) n.° 1295/98 e (CE) n.° 1607/98 (JO L 153, p. 63). O recorrente afirma que, nos termos do seu artigo 2.º, se considera que as pessoas a que se referia este último regulamento «agi[am] ou pretend[iam] agir em nome ou por conta» dos governos em causa. Acrescenta que esse regulamento continha normas dirigidas aos Estados‑Membros e que reformulava medidas de congelamento de fundos já aplicadas pelos Estados‑Membros a nível nacional.

61      Na audiência, o recorrente desenvolveu uma variante deste segundo ponto da sua argumentação alegando que, na medida em que Charles Taylor tinha sido deposto na Libéria antes da adopção dos regulamentos impugnados, estes já não se podiam basear unicamente nos artigos 60.º CE e 301.º CE, carecendo da base jurídica complementar do artigo 308.º CE. Invocou, neste sentido, os n.os 125 e seguintes do acórdão Yusuf.

62      Em terceiro lugar, o recorrente alega que o congelamento dos seus activos não tem nenhuma relação com o objectivo «de evitar qualquer distorção de concorrência», enunciado no sexto considerando do Regulamento n.º 872/2004, uma vez que não estava em causa qualquer acordo entre empresas. Do mesmo modo, o recorrente declara não compreender como é que capitais indevidamente adquiridos, mas de um montante irrisório face à economia da União, podem prejudicar o regime da livre circulação de capitais.

63      A Comissão e o Conselho contestam o mérito dos argumentos avançados pelo recorrente durante a fase escrita do processo. Argumentos idênticos ou similares já foram aliás rejeitados pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos Yusuf, Kadi e Ayadi.

64      Quanto à argumentação desenvolvida pelo recorrente na audiência, com base nos n.os 125 e seguintes do acórdão Yusuf (v. n.º 61 supra), a Comissão considera que ela constitui um fundamento novo, cuja produção no decurso da instância é proibida pelo artigo 48.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, uma vez que não se baseia em elementos de facto e de direito suscitados durante o processo.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

65      O recorrente sustenta, em substância, que os Estados‑Membros são os únicos com competência para aplicar, mediante a adopção de medidas de efeito directo e vinculativo em relação aos particulares, sanções económicas decretadas contra estes últimos pelo Conselho de Segurança.

66      Há que rejeitar liminarmente esta argumentação por motivos idênticos, no essencial, aos indicados nos acórdãos Yusuf (n.os 107 a 171), Kadi (n.os 87 a 135) e Ayadi (n.os 87 a 92) (v., no que se refere à faculdade de o juiz comunitário fundamentar um acórdão mediante remissão para um acórdão anterior que decide sobre questões substancialmente idênticas, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2005, Crailsheimer Volksbank, C‑229/04, Colect., p. I‑9273, n.os 47 a 49, e acórdão Ayadi, n.º 90; v., igualmente, neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2002, Aalborg Portland/Comissão, C‑204/00 P, não publicado na Colectânea, n.º 29, e, por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1999, Alexopoulou/Comissão, C‑155/98 P, Colect., p. I‑4069, n.os 13 e 15).

67      Por um lado, com efeito, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos acórdãos Yusuf, Kadi e Ayadi, que, na medida em que, por força do Tratado CE, a Comunidade assumiu competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros no domínio de aplicação da Carta das Nações Unidas, as disposições desta Carta têm por efeito vincular a Comunidade (acórdão Yusuf, n.º 253), e que esta tem a obrigação, nos termos do próprio Tratado através do qual foi instituída, de adoptar, no exercício das suas competências, todas as disposições necessárias para permitir que os Estados‑Membros cumpram as obrigações que lhes incumbem por força da referida Carta (acórdão Yusuf, n.º 254).

68      Por outro lado, o Tribunal decidiu, nesses mesmos acórdãos, que a Comunidade tem competência para adoptar medidas restritivas que afectem directamente os indivíduos, com base nos artigos 60.º CE e 301.º CE, quando tal estiver previsto numa posição comum ou numa acção comum adoptadas em virtude de disposições do Tratado relativas à PESC, desde que essas medidas visem efectivamente interromper ou reduzir, total ou parcialmente, as relações económicas com um ou vários países terceiros (acórdão Yusuf, n.os 112 a 116). Em contrapartida, medidas restritivas que não apresentem nenhuma ligação com o território ou o regime dirigente de um país terceiro não se podem basear unicamente nessas disposições (acórdão Yusuf, n.os 125 a 157). Todavia, a Comunidade tem competência para adoptar esse tipo de medidas com base nos artigos 60.º CE, 301.º CE e 308.º CE (acórdão Yusuf, n.os 158 a 170, e acórdão Ayadi, n.os 87 a 89).

69      Ora, no caso vertente, o Conselho declarou, na Posição Comum 2004/487, adoptada em virtude das disposições do título V do Tratado UE, que era necessária uma acção da Comunidade para executar determinadas medidas restritivas contra Charles Taylor e os seus associados, em conformidade com a Resolução 1532 (2004) do Conselho de Segurança, e a Comunidade deu execução a essas medidas mediante a adopção dos regulamentos impugnados (v., neste sentido e por analogia, acórdão Yusuf, n.º 255).

70      Nas circunstâncias específicas do caso vertente, há todavia que observar que os regulamentos impugnados têm por base legal apenas os artigos 60.º CE e 301.º CE. Seja qual for a qualificação como fundamento novo ou não da argumentação desenvolvida a este respeito pelo recorrente na audiência, com base nos n.os 125 e seguintes do acórdão Yusuf (v. n.º 61 supra), é pois necessário verificar se as sanções aplicadas ao recorrente, na sua qualidade de associado do ex‑Presidente da Libéria Charles Taylor, visam efectivamente interromper ou reduzir, total ou parcialmente, as relações económicas com um país terceiro, o que se traduz em verificar se apresentam uma relação suficiente com o território ou o regime que dirige esse país.

71      O Tribunal de Primeira Instância considera que é esse o caso, à luz das resoluções do Conselho de Segurança, das posições comuns PESC e dos actos comunitários em causa no caso vertente, apesar de Charles Taylor ter sido deposto do cargo de Presidente da Libéria em Agosto de 2003.

72      Com efeito, segundo a apreciação constante do Conselho de Segurança, que não compete ao Tribunal de Primeira Instância pôr em causa, a situação na Libéria continua a ameaçar a paz e a segurança internacionais na região, e as medidas restritivas adoptadas contra Charles Taylor e os seus associados continuam a ser necessárias para os impedir de utilizarem os fundos e os bens de que indevidamente se apropriaram para dificultar o restabelecimento da paz e da estabilidade nesse país e na região (v., designadamente, n.os 12, 14, 15, 18 e 36 supra, no que respeita ao período de 2001‑2005, e n.º 39 supra, no que respeita ao período posterior a 20 de Dezembro de 2005).

73      Do mesmo modo, nos termos do quarto considerando do Regulamento n.º 872/2004, o congelamento dos fundos de Charles Taylor e dos seus associados é necessário «[dado o] impacto negativo, na Libéria, da transferência para o estrangeiro de capitais e activos indevidamente apropriados, e a utilização desses fundos por Charles Taylor e pelos seus associados para comprometer a paz e a estabilidade na Libéria e na região».

74      O Tribunal de Primeira Instância considera que, na medida em que o órgão ao qual a comunidade internacional confiou o papel principal de manutenção da paz e da segurança internacionais considera que Charles Taylor e os seus associados continuam a poder comprometer a paz na Libéria e nos países vizinhos, as medidas restritivas contra eles adoptadas apresentam uma relação suficiente com o território ou o regime dirigente desse país para se considerar que têm como objectivo «[…] interromper ou reduzir, total ou parcialmente, as relações económicas com um […] país […] terceiro […]», na acepção dos artigos 60.º CE e 301.º CE. Portanto, a Comunidade é competente para adoptar as medidas em questão com base nessas disposições.

75      Os outros argumentos especificamente invocados pelo recorrente no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento não são susceptíveis de pôr em causa esta apreciação.

76      No que diz respeito ao argumento segundo o qual os regulamentos impugnados conferiram indevidamente um «valor acrescentado» às resoluções em causa do Conselho de Segurança, em virtude do efeito directo que produzem no território da Comunidade, é com razão que a Comissão o refuta observando, por um lado, que os artigos 60.º CE e 301.º CE não limitam a escolha de actos que asseguram a sua aplicação e, por outro, que a Resolução 1532 (2004) não impõe limites específicos suplementares à forma que podem tomar as medidas que os Estados‑Membros da ONU devem adoptar, directamente ou, como no caso vertente, por intermédio de organismos internacionais de que façam parte. Pelo contrário, essa resolução pede a adopção de «medidas necessárias» para efeitos da sua aplicação. A este respeito, a Comissão e o Conselho sustentam com razão que a adopção de um regulamento comunitário se justifica por razões óbvias de uniformidade e de eficácia e permite evitar que os fundos dos interessados sejam transferidos ou dissimulados durante o período de tempo necessário para os Estados‑Membros transporem uma directiva ou uma decisão para o direito nacional.

77      No que respeita ao argumento segundo o qual a Comunidade violou o artigo 295.º CE ao ordenar o congelamento de fundos de particulares, mesmo partindo do princípio de que as medidas em causa no caso vertente interferem com o regime da propriedade (v., a este respeito, acórdão Yusuf, n.º 299), basta referir que, não obstante a disposição em questão, outras disposições do Tratado habilitam a Comunidade a adoptar medidas de sanção ou de defesa com incidência no direito de propriedade dos particulares. É esse, designadamente, o caso em matéria de concorrência (artigo 83.º CE) e de política comercial (artigo 133.º CE). É igualmente o caso de medidas tomadas, como no caso vertente, a título dos artigos 60.º CE e 301.º CE.

78      Por último, no que respeita ao argumento segundo o qual o congelamento dos activos do recorrente não tem qualquer relação com o objectivo de «evitar qualquer distorção de concorrência», enunciado no sexto considerando do Regulamento n.º 872/2004, é verdade que não é convincente a afirmação de que existe um risco de distorção da concorrência que, segundo esse considerando, esse regulamento tinha por objectivo prevenir (v., neste sentido e por analogia, acórdãos Yusuf, n.os 141 a 150, e Kadi, n.os 105 a 114).

79      Contudo, como o Tribunal de Primeira Instância recordou no n.º 165 do acórdão Ayadi, a fundamentação de um regulamento deve ser apreciada globalmente. Nos termos da jurisprudência, o vício de forma constituído pelo facto de um dos considerandos de um regulamento conter uma menção de facto errada não pode dar origem à sua anulação se os outros considerandos fornecerem uma fundamentação por si só suficiente (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 1987, Espanha/Conselho e Comissão, 119/86, Colect., p. 4121, n.° 51, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Janeiro de 1999, Neue Maxhütte Stahlwerke e Lech‑Stahlwerke/Comissão, T‑129/95, T‑2/96 e T‑97/96, Colect., p. II‑17, n.° 160). É o que se verifica no caso em apreço.

80      A este respeito, há que observar que a fundamentação exigida pelo artigo 253.º CE deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Conselho, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões que justificaram as medidas adoptadas e possibilitar ao juiz comunitário o exercício da sua fiscalização. Por outro lado, o respeito do dever de fundamentação deve ser apreciado em função não apenas do texto do acto mas também do seu contexto, bem como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa. Quando se trata, como no caso vertente, de um acto de aplicação geral, a fundamentação pode limitar‑se a indicar, por um lado, a situação de conjunto que levou à sua adopção e, por outro, os objectivos gerais que se propõe atingir (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2006, International Air Transport Association e o., C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.os 66 e 67 e jurisprudência referida).

81      No caso vertente, a fundamentação do Regulamento n.º 872/2004 e os seus primeiro a quinto considerandos, em particular, satisfazem plenamente essas exigências, designadamente na medida em que remetem, por um lado, para os artigos 60.º CE e 301.º CE e, por outro, para as Resoluções 1521 (2003) e 1532 (2004) do Conselho de Segurança e para as Posições Comuns 2004/137 e 2004/487.

82      Além disso, na medida em que o regulamento impugnado menciona expressamente o recorrente, no seu anexo, e que este deve ser objecto de uma medida individual de congelamento de fundos, está suficientemente fundamentado pela remissão feita no seu segundo considerando para a designação correspondente operada pelo Comité de Sanções.

83      Resulta do exposto que a primeira parte do primeiro fundamento é improcedente.

 Quanto à segunda parte

–       Argumentos das partes

84      Com a segunda parte do fundamento, desenvolvida na réplica, o recorrente alega a violação do princípio da subsidiariedade que, na sua opinião, é o elemento fulcral do presente litígio.

85      A Comissão considera esta acusação inadmissível como fundamento novo invocado pela primeira vez na réplica, sustentando além disso, que, de qualquer forma, o recorrente não fundamentou as suas alegações.

86      Segundo a Comissão, os artigos 60.º CE e 301.º CE operaram uma transferência de competência unívoca e sem reservas a favor da Comunidade. Uma vez que essa competência tem natureza exclusiva, o princípio da subsidiariedade não é aplicável ao caso vertente.

87      Por último, a Comissão e o Conselho sustentam que, mesmo supondo que o princípio da subsidiariedade fosse aplicável no caso vertente, o papel inteiramente secundário reservado aos Estados‑Membros pelo artigo 60.º CE implica o reconhecimento de que os objectivos de uma medida de congelamento de fundos podem ser mais eficazmente realizados a nível comunitário. É esta manifestamente a situação no caso vertente.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

88      Há que recordar, a título preliminar, que o juiz comunitário pode apreciar, consoante as circunstâncias de cada caso, se uma boa administração da justiça justifica julgar um fundamento improcedente quanto ao mérito, sem decidir previamente quanto à sua admissibilidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Setembro de 2006, Sinaga/Comissão, T‑217/99, T‑321/99 e T‑222/01, não publicado na Colectânea, n.º 68 e jurisprudência referida).

89      Ora, no caso vertente, a acusação de violação do princípio da subsidiariedade deve, de qualquer modo, ser julgada improcedente por motivos idênticos, no essencial, aos expostos nos n.os 106 a 110, 112 e 113 do acórdão Ayadi, em resposta a um fundamento substancialmente idêntico invocado por C. Ayadi. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância considera que esse princípio não pode ser invocado no domínio de aplicação dos artigos 60.° CE e 301.° CE, mesmo partindo do princípio de que este não se enquadra na competência exclusiva da Comunidade. De qualquer forma, mesmo partindo do pressuposto de que esse princípio era aplicável em circunstâncias como as do presente caso, é evidente que a execução uniforme das resoluções do Conselho de Segurança nos Estados‑Membros, que se impõem indistintamente a todos os membros da ONU, pode ser melhor realizada a nível comunitário do que a nível nacional.

90      Resulta do exposto que a segunda parte do primeiro fundamento não colhe, pelo que há que julgá‑lo improcedente no seu conjunto.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação de direitos fundamentais

91      Este fundamento subdivide‑se em três partes, tendo a terceira sido desenvolvida na réplica.

 Quanto às primeira e segunda partes

–       Argumentos das partes

92      Através da primeira parte do fundamento, o recorrente invoca uma violação do direito de propriedade que, segundo ele, figura entre os direitos fundamentais que a Comunidade é obrigada a respeitar (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1979, Hauer, 44/79, Recueil, p. 3727), designadamente, tendo em conta o Primeiro Protocolo adicional à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»).

93      O recorrente reconhece que, segundo a jurisprudência, esse direito pode ser objecto de restrições se e na medida em que estas prossigam um objectivo de interesse geral da Comunidade. Todavia, afirma que os regulamentos impugnados não mencionam qualquer objectivo deste tipo. Segundo o recorrente, não se pode considerar como tal, em particular, o objectivo de evitar a distorção da concorrência, que não tem qualquer pertinência para o caso vertente (v. n.º 61 supra). Quanto ao objectivo que visa punir os roubos cometidos pelo «ditador Taylor e os seus ‘homens de mão’», a sua prossecução compete aos Estados, como destinatários das resoluções do Conselho de Segurança, e não à Comunidade.

94      Na réplica, o recorrente sustenta que os princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 30 de Julho de 1996, Bosphorus (C‑84/95, Recueil, p. I‑3953), invocado pela Comissão, não são aplicáveis ao caso vertente. Em primeiro lugar, ao contrário das medidas em causa no processo que deu lugar a esse acórdão, a proporcionalidade das medidas previstas nos regulamentos impugnados não foi examinada antes da sua adopção. Em segundo lugar, a situação da República Federativa da Jugoslávia (Sérvia e Montenegro), onde grassava a guerra civil, não é, segundo o recorrente, comparável à da Libéria, onde está em curso um processo de paz. Em terceiro lugar, segundo os artigos 46.º e 53.º do regulamento anexo à Convenção de Haia de 18 de Outubro de 1907 relativa às leis e costumes da guerra terrestre, os meios de transporte, como a aeronave apreendida pelas autoridades irlandesas no processo que deu lugar ao acórdão Bosphorus, já referido, gozam, em tempo de guerra, de um nível de protecção menor do que o concedido a outras formas de propriedade privada.

95      Na sua réplica, o recorrente sustenta ainda que nenhuma das derrogações ao direito de propriedade autorizadas pelo artigo 1.º do Primeiro Protocolo adicional à CEDH se aplica ao caso vertente. De qualquer forma, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem julgou contrária a essa disposição o comportamento de um Estado que criou uma situação de facto que impediu o proprietário de dispor do seu bem de modo absoluto, sem conceder qualquer vantagem para o indemnizar do prejuízo sofrido (v. TEDH, acórdão Papamichalopoulos e Grécia de 24 de Junho de 1993, série A, n.° 260‑B).

96      Com a segunda parte do fundamento, o recorrente invoca uma violação dos direitos de defesa, na medida em que a Comunidade adoptou os regulamentos impugnados, que constituem, no essencial, feixes de decisões administrativas individuais, sem ter realizado um inquérito efectivo sobre os fundos congelados e sem um processo contraditório. A este respeito, o recorrente alega que o respeito dos direitos de defesa se impõe em todos os processos administrativos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Shell/Comissão, T‑11/89, Colect., p. II‑757).

97       A Comissão e o Conselho contestam o mérito dos argumentos avançados pelo recorrente durante a fase escrita do processo. Argumentos idênticos ou similares já tinham, aliás, sido rejeitados pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos Yusuf, Kadi e Ayadi.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

98      No caso vertente, o Regulamento n.º 872/2004, adoptado à luz, designadamente, da Posição Comum 2004/487, constitui a execução, a nível da Comunidade, da obrigação que cabe aos seus Estados‑Membros, enquanto membros da ONU, de dar execução, eventualmente através de um acto comunitário, às sanções contra Charles Taylor e seus associados, que foram decididas e depois reforçadas por várias resoluções do Conselho de Segurança adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Os considerandos do Regulamento n.º 872/2004 fazem expressamente referência às Resoluções 1521 (2003) e 1532 (2004).

99      O mesmo é válido tanto para o Regulamento n.º 1149/2004, adoptado na sequência da inclusão do recorrente na lista de pessoas, grupos e entidades às quais se devem aplicar as sanções em questão, decidida pelo Comité de Sanções em 14 de Junho de 2004 (v. n.os 34 e 35 supra), como para o regulamento impugnado, adoptado após uma alteração a essa lista, decidida em 2 de Maio de 2005 pelo Comité de Sanções (v. n.os 37 e 38 supra).

100    Além disso, as resoluções em questão do Conselho de Segurança e os regulamentos impugnados no caso vertente prevêem medidas de sanções económicas contra as pessoas interessadas (congelamento de fundos e outros recursos económicos) de uma natureza e de um alcance substancialmente idênticos aos que estavam em causa nos processos que deram lugar aos acórdãos Yusuf, Kadi e Ayadi. Todas essas sanções, que são objecto de um reexame periódico pelo Conselho de Segurança ou pelo Comité de Sanções competente (v., designadamente, por um lado, n.os 20, 21, 32, 36 e 39 supra e, por outro, acórdão Yusuf, n.os 16, 26 e 37), são acompanhadas de derrogações similares (v., designadamente, por um lado, n.os 19 e 30 supra e, por outro, acórdão Yusuf, n.os 36 e 40) e de mecanismos análogos que permitem às pessoas interessadas pedir o reexame do seu caso pelo Comité de Sanções competente (v., designadamente, por um lado, n.os 31 a 33 supra e, por outro, acórdão Yusuf, n.os 309 e 311).

101    Nestas condições, em conformidade com a jurisprudência referida no n.º 66 supra, os argumentos do recorrente relativos à alegada violação dos seus direitos fundamentais, direito de propriedade e direitos de defesa, devem ser rejeitados à luz dos acórdãos Yusuf (n.os 226 a 283, 285 a 303 e 304 a 331), Kadi (n.os 176 a 231, 234 a 252 e 253 a 276) e Ayadi (n.os 115 a 157), nos quais foram rejeitados argumentos substancialmente idênticos por motivos relativos, em substância, à primazia da ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas sobre a ordem jurídica comunitária, à correlativa limitação da fiscalização da legalidade que incumbe ao Tribunal de Primeira Instância exercer relativamente aos actos comunitários que executam decisões do Conselho de Segurança ou do seu Comité de Sanções e à inexistência de violação do jus cogens por medidas de congelamento de fundos do tipo das em causa no caso vertente.

102    Por conseguinte, as primeira e segunda partes do segundo fundamento devem ser julgadas improcedentes.

 Quanto à terceira parte


 Argumentos das partes

103    Com a terceira parte do fundamento, desenvolvida na réplica, o recorrente alega uma violação do princípio da territorialidade. Neste sentido, invoca jurisprudência assente segundo a qual o exercício da autoridade coerciva da Comunidade em relação a comportamentos com origem fora do território da mesma está subordinada à condição de esses comportamentos produzirem efeitos nesse território (acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, Colect., p. 5193, e de 24 de Novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation, C‑286/90, Colect., p. I‑6019; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753).

104    Além disso, os regulamentos impugnados visavam efectivamente produzir efeitos no território da Libéria, e não no da Comunidade, como resulta dos terceiro e quarto considerandos do Regulamento n.º 872/2004. Segundo o recorrente, este elemento distingue este regulamento do Regulamento n.º 1294/1999 (v. n.º 60 supra), cujo objectivo consistia em «aumentar consideravelmente a pressão» sobre a Sérvia e que conferiu, pois, uma «finalidade genérica independente de qualquer aspecto de ordem territorial».

105    A Comissão considera inadmissível, como fundamento novo, a acusação do recorrente relativa à alegada extraterritorialidade dos efeitos dos regulamentos impugnados. De qualquer forma, esses regulamentos não tinham qualquer efeito extraterritorial, uma vez que se aplicavam unicamente aos fundos e recursos económicos que se encontrassem no território da Comunidade.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

106    Sem que seja necessário apreciar a sua admissibilidade (v., a este respeito, n.º 88 supra), a acusação de violação do princípio da territorialidade deve ser julgada improcedente, na medida em que os regulamentos impugnados se aplicam unicamente aos fundos e recursos económicos que se encontrem no território da Comunidade não tendo, por conseguinte, qualquer efeito extraterritorial.

107    Quanto ao facto de os comportamentos na origem da adopção dos regulamentos impugnados produzirem os seus efeitos exclusivamente fora da Comunidade, é desprovido de pertinência visto que as medidas adoptadas ao abrigo dos artigos 60.º CE e 301.º CE visam precisamente a aplicação, pela Comunidade, de posições comuns adoptadas em virtude de disposições do Tratado UE relativas à PESC e que prevêem uma acção relativamente a países terceiros. Importa acrescentar que, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, UE, um dos objectivos da PESC consiste na manutenção da paz e no reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas. Este objectivo não podia evidentemente ser atingido se a Comunidade limitasse a sua acção aos casos em que a situação na origem da sua intervenção produzisse efeitos sobre o seu território.

108    O mesmo é válido quanto ao facto de os regulamentos impugnados visarem efectivamente produzir os seus efeitos no território da Libéria, uma vez que os artigos 60.º CE e 301.º CE habilitam precisamente a Comunidade a adoptar medidas com sanções económicas destinadas a produzir os seus efeitos em países terceiros.

109    Resulta das considerações precedentes que a terceira parte do segundo fundamento não colhe, pelo que há que julgá‑lo improcedente no seu conjunto.

110    Uma vez que todos os fundamentos do recurso apresentados pelo recorrente são improcedentes, há que negar‑lhe provimento.

 Quanto às despesas

111    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, conforme foi pedido pela Comissão.

112    Nos termos do artigo 87.º, n.º 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O recorrente é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão.

3)      O Conselho e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportarão as suas próprias despesas.

Pirrung

Forwood

Papasavvas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 31 de Janeiro de 2007.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

      J. Pirrung


* Língua do processo: italiano.