Language of document : ECLI:EU:C:2017:631

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de setembro de 2017 (*)

Índice


I. Decisão impugnada: contexto, génese e conteúdo

A. Contexto da decisão impugnada

B. Génese da decisão impugnada

C. Conteúdo da decisão impugnada

II. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

III. Quanto aos recursos

A. Resumo dos fundamentos

B. Observação preliminar

C. Quanto aos fundamentos relativos à inadequação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE enquanto base jurídica da decisão impugnada

1. Quanto ao segundo fundamento da República Eslovaca e ao primeiro fundamento da Hungria, relativos à natureza legislativa da decisão impugnada

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

2. Quanto à primeira parte do quinto fundamento da República Eslovaca e ao segundo fundamento da Hungria, relativos ao facto de a decisão impugnada não ter caráter provisório e ao período de aplicação excessivo dessa decisão

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

3. Quanto à segunda parte do quinto fundamento da República Eslovaca, relativo ao facto de a decisão impugnada não preencher os requisitos de aplicação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

D. Quanto aos fundamentos relativos à regularidade do processo de adoção da decisão impugnada e relativos à violação das formalidades essenciais

1. Quanto ao primeiro fundamento da República Eslovaca e ao sétimo fundamento da Hungria, relativos à violação do artigo 68.o TFUE

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

2. Quanto à terceira parte do terceiro fundamento e à primeira parte do quarto fundamento da República Eslovaca, bem como ao quinto fundamento da Hungria, relativos à violação das formalidades essenciais, na medida em que o Conselho não respeitou a obrigação de consultar o Parlamento Europeu prevista no artigo 78.o, n.o 3, TFUE

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

3. Quanto à segunda parte do quarto fundamento da República Eslovaca e ao terceiro fundamento da Hungria, relativos à violação de formalidades essenciais na medida em que o Conselho não deliberou por unanimidade, ao contrário do que prevê o artigo 293.o, n.o 1, TFUE

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

4. Quanto à primeira e segunda partes do terceiro fundamento da República Eslovaca e ao quarto fundamento da Hungria, relativos à violação de formalidades essenciais, na medida em que não foi respeitado o direito dos parlamentos nacionais de emitir um parecer em conformidade com os protocolos (n.o 1) e (n.o 2) e que o Conselho não observou a exigência do caráter público dos debates e do voto no seu seio

a) Argumentação das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

5. Quanto ao sexto fundamento da Hungria, relativo à violação de formalidades essenciais na medida em que, quando da adoção da decisão impugnada, o Conselho não respeitou as regras do direito da União em matéria de uso das línguas

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

E. Quanto aos fundamentos de mérito

1. Quanto ao sexto fundamento da República Eslovaca, bem como ao nono e décimo fundamentos da Hungria, relativos à violação do princípio da proporcionalidade

a) Observações preliminares

b) Quanto ao sexto fundamento da República Eslovaca, relativo à inadequação da decisão impugnada para atingir o objetivo que prossegue

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

c) Quanto ao sexto fundamento da República Eslovaca, relativo ao caráter desnecessário da decisão impugnada tendo em conta o objetivo que a mesma visa atingir

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

d) Quanto ao nono fundamento da Hungria, relativo ao caráter desnecessário da decisão impugnada tendo em conta o objetivo que a mesma visa atingir

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

e) Quanto ao décimo fundamento da Hungria, relativo à violação do princípio da proporcionalidade devido aos efeitos específicos que a decisão impugnada produz em relação à Hungria

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal de Justiça

2. Quanto ao oitavo fundamento da Hungria, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da clareza normativa, bem como da Convenção de Genebra

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal de Justiça

IV. Quanto às despesas


«Recurso de anulação — Decisão (UE) 2015/1601 — Medidas provisórias em matéria de proteção internacional a favor da República Helénica e da República Italiana — Situação de emergência caracterizada por um afluxo súbito de nacionais de países terceiros ao território de certos Estados‑Membros — Recolocação desses nacionais no território desses outros Estados‑Membros — Contingentes de recolocação — Artigo 78.o, n.o 3, TFUE — Base jurídica — Requisitos de aplicação — Conceito de “ato legislativo”— Artigo 289.o, n.o 3, TFUE — Caráter vinculativo para o Conselho da União Europeia das conclusões adotadas pelo Conselho Europeu — Artigo 15.o, n.o 1, TUE e artigo 68.o TFUE —Formalidades essenciais — Modificação da proposta da Comissão Europeia — Exigências de nova consulta do Parlamento Europeu e de votação por unanimidade no seio do Conselho da União Europeia — Artigo 293.o TFUE — Princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade»

Nos processos apensos C‑643/15 e C‑647/15,

que têm por objeto recursos de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE, interpostos respetivamente em 2 e 3 de dezembro de 2015,

República Eslovaca, representada pelo Ministerstvo spravodlivosti Slovenskej republiky (C‑643/15),

e

Hungria, representada por M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes (C‑647/15),

recorrentes,

apoiadas por:

República da Polónia, representada por B. Majczyna e M. Kamejsza, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Chavrier, K. Pleśniak, N. Pethő e Z. Kupčová, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

Reino da Bélgica, representado por J. Van Holm, M. Jacobs e C. Pochet, na qualidade de agentes,

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze, R. Kanitz e J. Möller (C‑647/15), na qualidade de agentes,

República Helénica, representada por M. Michelogiannaki e A. Samoni‑Rantou, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

República Francesa, representada por D. Colas, F.‑X. Bréchot e E. Armoet, na qualidade de agentes,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. D’Ascia, avvocato dello Stato,

GrãoDucado do Luxemburgo, representado por A. Germeaux, C. Schiltz e D. Holderer, na qualidade de agentes,

Reino da Suécia, representado por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, U. Persson, O. Widgren, E. Karlsson e L. Swedenborg, na qualidade de agentes,

Comissão Europeia, representada por M. Condou‑Durand, K. Talabér‑Ritz (C‑647/15), J. Baquero Cruz, A. Tokár (C‑643/15) e G. Wils, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen e A. Prechal (relatora), presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, C. Toader, M. Safjan, E. Jarašiūnas, C. G. Fernlund, C. Vajda, S. Rodin e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de maio de 2017,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        Através das suas petições, a República Eslovaca e a Hungria pedem a anulação da Decisão (UE) 2015/1601 do Conselho, de 22 de setembro de 2015, que institui medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália e da Grécia (JO 2015, L 248, p. 80, a seguir «decisão impugnada»).

I.      Decisão impugnada: contexto, génese e conteúdo

A.      Contexto da decisão impugnada

2        O contexto no qual foi adotada a decisão impugnada é descrito do seguinte modo nos seus considerandos 3 a 7 e 10 a 16:

«(3)      A recente situação de crise vivida no Mediterrâneo levou as instituições da União [Europeia] a reconhecerem imediatamente o caráter excecional dos fluxos migratórios nessa região e requer medidas concretas de solidariedade para com os Estados‑Membros da primeira linha. Em especial, numa reunião conjunta dos ministros dos Negócios Estrangeiros e do Interior, realizada em 20 de abril de 2015, a Comissão apresentou um plano de ação de dez pontos com medidas de resposta imediata à crise, incluindo o compromisso de examinar as opções para criar um mecanismo de recolocação de emergência.

(4)      Na sua reunião de 23 de abril de 2015, o Conselho Europeu decidiu, nomeadamente, reforçar a solidariedade e a responsabilidade internas e comprometeu‑se, em especial, a aumentar a ajuda de emergência a favor dos Estados‑Membros da primeira linha e a analisar opções para a organização da recolocação de emergência entre os Estados‑Membros numa base voluntária, bem como a destacar equipas do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO) para os Estados‑Membros da primeira linha para o tratamento conjunto dos pedidos de proteção internacional, incluindo o registo e a recolha das impressões digitais.

(5)      Na sua resolução de 28 de abril de 2015, o Parlamento Europeu reiterou a necessidade de a União basear a sua resposta às recentes tragédias no Mediterrâneo na solidariedade e na partilha equitativa das responsabilidades, e de intensificar os seus esforços neste domínio para com os Estados‑Membros que acolhem o maior número de refugiados e de requerentes de proteção internacional, tanto em valores absolutos como relativos.

(6)      Para além das medidas no domínio do asilo, os Estados‑Membros da primeira linha deverão intensificar os seus esforços no sentido de estabelecer medidas para fazer face aos fluxos migratórios mistos nas fronteiras externas da União Europeia. Tais medidas deverão salvaguardar os direitos das pessoas com necessidade de proteção internacional e prevenir a migração irregular.

(7)      Na sua reunião de 25 e 26 de junho de 2015, o Conselho Europeu decidiu, nomeadamente, que deveriam ser desenvolvidas em paralelo três dimensões essenciais: recolocação/reinstalação, regresso/readmissão/reintegração e cooperação com os países de origem e de trânsito. O Conselho Europeu acordou, em especial, à luz da atual situação de emergência e do compromisso de reforçar a solidariedade e a responsabilidade, na recolocação temporária e excecional, durante dois anos, de 40 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional, a partir da Itália e da Grécia para outros Estados‑Membros, na qual participariam todos os Estados‑Membros.

[…]

(10)      Entre os Estados‑Membros confrontados com situações de considerável pressão, e tendo em conta os trágicos acontecimentos recentemente ocorridos no Mediterrâneo, a Itália e a Grécia, em especial, têm registado um afluxo sem precedentes de migrantes, incluindo requerentes de proteção internacional que dela claramente necessitam, que chegam aos seus territórios gerando uma pressão significativa sobre os respetivos sistemas de migração e de asilo.

(11)      Em 20 de julho de 2015, e refletindo as situações específicas dos Estados‑Membros, foi adotada por consenso uma resolução dos representantes dos governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho [Europeu], relativa à recolocação, a partir da Grécia e da Itália, de 40 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional. Ao longo de um período de dois anos serão recolocadas 24 000 pessoas a partir da Itália e 16 000 pessoas a partir da Grécia. Em 14 de setembro de 2015, o Conselho adotou a Decisão (UE) 2015/1523, que prevê um mecanismo de recolocação temporária e excecional a partir da Itália e da Grécia para outros Estados‑Membros de pessoas com clara necessidade de proteção internacional.

(12)      Nos últimos meses, a pressão migratória nas fronteiras terrestres e marítimas externas meridionais voltou a aumentar drasticamente, tendo prosseguido a transferência dos fluxos migratórios da rota do Mediterrâneo Central para a rota do Mediterrâneo Oriental e dos Balcãs Ocidentais, em resultado do crescente número de migrantes que chegam à Grécia e partem desse país. Atendendo a esta situação, deverão ser adotadas novas medidas provisórias para aliviar a pressão exercida sobre a Itália e a Grécia em matéria de asilo.

(13)      Segundo dados da Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas (Frontex), as rotas do Mediterrâneo Central e Oriental foram as principais zonas de passagem irregular das fronteiras da União nos primeiros oito meses de 2015. Desde o início do ano, chegaram a Itália em situação irregular cerca de 116 000 migrantes […]. Durante maio e junho de 2015, a Frontex detetou 34 691 passagens irregulares das fronteiras e nos meses de julho e agosto foram detetadas 42 356 passagens irregulares, o que representa um aumento de 20%. Na Grécia verificou‑se igualmente um forte aumento em 2015, com mais de 211 000 migrantes irregulares a entrar no país […]. Durante maio e junho de 2015, a Frontex detetou 53 624 passagens irregulares das fronteiras e nos meses de julho e agosto foram detetadas 137 000 passagens irregulares, o que representa um aumento de 250%. Uma percentagem significativa do número total de migrantes irregulares detetados nestas duas regiões incluía migrantes de nacionalidades que, com base nos dados do Eurostat, beneficiam de uma taxa elevada de reconhecimento a nível da União.

(14)      Segundo os dados do Eurostat e do EASO, entre janeiro e julho de 2015, 39 183 pessoas apresentaram pedidos de proteção internacional em Itália, contra 30 755 no mesmo período de 2014 (um aumento de 27%). Registou‑se um aumento semelhante do número de pedidos apresentados na Grécia, com 7 475 requerentes (um aumento de 30%).

(15)      Até à data, foram empreendidas numerosas ações para apoiar a Itália e a Grécia no quadro da política de migração e asilo, tendo nomeadamente sido disponibilizada ajuda de emergência substancial e apoio operacional do EASO. […].

(16)      Devido à instabilidade e aos conflitos constantes na vizinhança imediata da Itália e da Grécia, e às suas repercussões em termos de fluxos migratórios noutros Estados‑Membros, é muito provável que continue a ser exercida uma pressão importante e crescente sobre os respetivos sistemas de migração e asilo, com uma proporção significativa dos migrantes a necessitar provavelmente de proteção internacional. Esta situação revela que é absolutamente necessário demonstrar solidariedade para com a Itália e a Grécia e complementar as ações adotadas até à data com medidas provisórias de apoio no domínio do asilo e da migração.»

B.      Génese da decisão impugnada

3        Em 9 setembro de 2015, a Comissão apresentou, com fundamento no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, uma proposta de decisão do Conselho que institui medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália, da Grécia e da Hungria [(COM(2015) 451, a seguir «proposta inicial da Comissão»].

4        No mesmo dia, a Comissão apresentou igualmente, com fundamento no artigo 78.o, n.o 2, alínea e), TFUE, uma Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise e altera o Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida [COM(2015) 450].

5        A proposta inicial da Comissão previa a recolocação de 120 000 requerentes de proteção internacional a partir de Itália (15 600 pessoas), da Grécia (50 400 pessoas) e da Hungria (54 000 pessoas) para os outros Estados‑Membros. O anexo que acompanhava a proposta incluía três quadros que repartiam esses requerentes a partir de cada um desses três Estados‑Membros entre os outros Estados‑Membros, à exceção do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca, sob a forma de contingentes fixados para cada um desses Estados‑Membros de acolhimento.

6        Em 13 de setembro de 2015, a Comissão enviou essa proposta aos parlamentos nacionais.

7        Por carta de 14 de setembro de 2015, o Conselho enviou a referida proposta ao Parlamento Europeu para consulta. Nessa carta, o Conselho pedia o parecer do Parlamento Europeu com a maior brevidade possível, tendo em conta a situação de emergência no mar Mediterrâneo e na rota ocidental dos Balcãs, e comprometia‑se a manter o Parlamento Europeu informado de modo informal dos desenvolvimentos do dossiê no Conselho.

8        Em 17 de setembro de 2015, o Parlamento Europeu adotou uma resolução legislativa aprovando essa mesma proposta tendo em conta, designadamente, a «situação de emergência de caráter excecional e […] a necessidade de lhe dar resposta sem tardar», pedindo ao Conselho para ser consultado de novo se entendesse proceder a alterações substanciais da proposta inicial da Comissão.

9        No decurso das diversas reuniões que se realizaram no seio do Conselho entre 17 e 22 de setembro de 2015, a proposta inicial da Comissão foi alterada em certos pontos.

10      Em especial, nessas reuniões, a Hungria comunicou que recusava a ideia de ser qualificada como «Estado‑Membro da primeira linha» e que não desejava figurar entre os Estados‑Membros beneficiários da recolocação ao mesmo título que a Itália e a Grécia. Por conseguinte, no texto final da proposta, incluindo no título desta, foram retiradas todas as referências à Hungria como Estado‑Membro beneficiário. Foi igualmente retirado o anexo III da proposta inicial da Comissão, relativo à repartição de 54 000 requerentes que inicialmente se previa que fossem recolocados a partir da Hungria. Em contrapartida, a Hungria foi incluída nos anexos I e II como Estado‑Membro de recolocação de requerentes de proteção internacional a partir, respetivamente, da Itália e da Grécia e, por conseguinte, nesses anexos, foram‑lhe atribuídos contingentes.

11      Em 22 de setembro de 2015, a proposta inicial da Comissão assim modificada foi adotada pelo Conselho por maioria qualificada. A República Checa, a Hungria, a Roménia e a República Eslovaca votaram contra a adoção dessa proposta. A República da Finlândia absteve‑se.

C.      Conteúdo da decisão impugnada

12      Os considerandos 2, 22, 23, 26, 30, 32, 35 e 44 da decisão impugnada enunciam:

«(2)      Nos termos do artigo 80.o [TFUE], as políticas da União no domínio dos controlos nas fronteiras, do asilo e da imigração, e a sua execução, devem reger‑se pelo princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre Estados‑Membros, e os atos da União adotados neste domínio devem conter medidas adequadas para aplicar esse princípio.

[…]

(22)      Nos termos do artigo 78.o, n.o 3, [TFUE], as medidas previstas a favor da Itália e da Grécia deverão ter natureza provisória. Um período de 24 meses é razoável para assegurar que as medidas previstas na presente decisão tenham um impacto real em termos de apoio à Itália e à Grécia para fazer face aos importantes fluxos migratórios nos seus territórios.

(23)      As medidas de recolocação a partir da Itália e da Grécia previstas na presente decisão implicam uma derrogação temporária da regra estabelecida no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31, a seguir “Regulamento Dublim III”)] segundo a qual a Itália e a Grécia deveriam ter analisado um pedido de proteção internacional com base nos critérios enunciados no capítulo III do referido regulamento, bem como uma derrogação temporária das fases processuais, incluindo os prazos fixados nos artigos 21.o, 22.o e 29.o do referido regulamento. As outras disposições do [Regulamento Dublim III] […] continuam a ser aplicáveis. A presente decisão implica igualmente uma derrogação do consentimento do requerente de proteção internacional referido no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 516/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho[, Regulamento (UE) n.o 516/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que cria o Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, que altera a Decisão 2008/381/CE do Conselho e que revoga as Decisões n.o 573/2007/CE e n.o 575/2007/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Decisão 2007/435/CE do Conselho (JO 2014, L 150, p. 168)].

[…]

(26)      As medidas provisórias visam aliviar a considerável pressão em matéria de asilo exercida sobre a Itália e a Grécia, em especial graças à recolocação de um número significativo de requerentes com clara necessidade de proteção internacional que tiverem chegado ao território da Itália ou da Grécia após a data de aplicação da presente decisão. Com base no número total de nacionais de países terceiros que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em 2015, bem como no número de pessoas que têm clara necessidade de proteção internacional, deverão ser recolocados a partir da Itália e da Grécia um total de 120 000 requerentes com clara necessidade de proteção internacional. Este número corresponde a cerca de 43% do número total de nacionais de países terceiros com clara necessidade de proteção internacional que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em julho e agosto de 2015. A medida de recolocação prevista na presente decisão constitui uma partilha equitativa do ónus entre a Itália e a Grécia, por um lado, e os outros Estados‑Membros, por outro, tendo em conta os dados disponíveis sobre as passagens irregulares das fronteiras em 2015. Considerando os dados em causa, 13% desses requerentes deverão ser recolocados a partir de Itália, 42% a partir da Grécia e 45% deverão ser recolocados conforme previsto na presente decisão.

[…]

(30)      Com vista à aplicação do princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades, e tendo em conta que a presente decisão constitui um novo desenvolvimento político neste domínio, é conveniente assegurar que os Estados‑Membros que recoloquem requerentes com clara necessidade de proteção internacional a partir da Itália e da Grécia ao abrigo da presente decisão recebam um montante fixo por cada pessoa recolocada, idêntico ao montante previsto no artigo 18.o do Regulamento (UE) n.o 516/2014, a saber, 6 000 euros, aplicando‑se os mesmos procedimentos. […]

[…]

(32)      A segurança nacional e a ordem pública deverão ser tidas em conta ao longo de todo o procedimento de recolocação, até à conclusão da transferência do requerente. No pleno respeito dos direitos fundamentais do requerente, incluindo as regras aplicáveis em matéria de proteção de dados, sempre que um Estado‑Membro tenha motivos razoáveis para considerar que o requerente representa um perigo para a sua segurança nacional ou para a ordem pública, deverá informar do facto os demais Estados‑Membros.

[…]

(35)      As garantias jurídicas e processuais estabelecidas no Regulamento (UE) n.o 604/2013 continuarão a aplicar‑se aos requerentes abrangidos pela presente decisão. Além disso, os requerentes deverão ser informados sobre o procedimento de recolocação estabelecido na presente decisão e notificados da decisão de recolocação, que constitui uma decisão de transferência na aceção do artigo 26.o do Regulamento [Dublim III]. Uma vez que um requerente não tem o direito, ao abrigo do direito da União, de escolher o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido, deverá ter o direito de recurso efetivo da decisão de recolocação, nos termos do Regulamento [Dublim III], tendo unicamente em vista garantir o respeito dos seus direitos fundamentais. Em sintonia com o artigo 27.o desse regulamento, os Estados‑Membros poderão prever no seu direito nacional que o recurso da decisão de transferência não suspenda automaticamente a transferência do requerente, mas que a pessoa em causa tenha a oportunidade de solicitar a suspensão da aplicação da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso que interpôs.

[…]

(44)      Atendendo a que os objetivos da presente decisão não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados‑Membros mas podem, devido à dimensão e aos efeitos da ação prevista, ser mais bem alcançados a nível da União, a União pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado da União Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, consagrado no mesmo artigo, a presente decisão não excede o necessário para alcançar esses objetivos.»

13      Nos termos do artigo 1.o da decisão impugnada, intitulado «Objeto»:

«1.      A presente decisão estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália e da Grécia, a fim de ajudar estes países a enfrentarem melhor uma situação de emergência caracterizada pelo súbito afluxo de nacionais de países terceiros a esses Estados‑Membros.

2.      A Comissão acompanha permanentemente a situação no que respeita ao afluxo maciço de nacionais de países terceiros aos Estados‑Membros.

A Comissão apresenta, se necessário, propostas de alteração da presente decisão a fim de ter em conta a evolução da situação no terreno e o seu impacto no mecanismo de recolocação, bem como da pressão sobre os Estados‑Membros, nomeadamente sobre os Estados‑Membros da primeira linha.»

14      O artigo 2.o dessa decisão, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente decisão, entende‑se por:

[…]

e)      “Recolocação”, a transferência de um requerente a partir do território do Estado‑Membro que os critérios enunciados no capítulo III do Regulamento (UE) n.o 604/2013 indicam como responsável pela análise do pedido de proteção internacional para o território do Estado‑Membro de recolocação;

f)      “Estado‑Membro de recolocação”, o Estado‑Membro que se torna responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento (UE) n.o 604/2013, apresentado por um requerente, na sequência da sua recolocação no território desse Estado‑Membro.»

15      O artigo 3.o da referida decisão, intitulado «Âmbito de aplicação», prevê:

«1.      A recolocação ao abrigo da presente decisão apenas se aplica aos requerentes que tenham apresentado o seu pedido de proteção internacional em Itália ou na Grécia e pela análise de cujo pedido esses Estados teriam sido responsáveis, em aplicação dos critérios para a determinação do Estado‑Membro responsável estabelecidos no capítulo III do Regulamento [Dublim III].

2.      A recolocação ao abrigo da presente decisão só é aplicada aos requerentes de nacionalidades em relação às quais a percentagem de decisões de concessão de proteção internacional relativamente às decisões adotadas em primeira instância sobre pedidos de proteção internacional […] for igual ou superior a 75%. […]»

16      O artigo 4.o da mesma decisão, intitulado «Recolocação de 120 000 requerentes nos Estados‑Membros», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.      São recolocados nos outros Estados‑Membros 120 000 requerentes, do seguinte modo:

a)      15 600 requerentes que se encontram em Itália são recolocados no território de outros Estados‑Membros nos termos do quadro constante do anexo I;

b)      50 400 requerentes que se encontram na Grécia são recolocados no território de outros Estados‑Membros nos termos do quadro constante do anexo II;

c)      54 000 requerentes são recolocados no território de Estados‑Membros proporcionalmente aos valores estabelecidos nos anexos I e II, quer nos termos do n.o 2 do presente artigo, quer através da alteração da presente decisão, conforme referido no artigo 1.o, n.o 2, e no n.o 3 do presente artigo. A Comissão apresenta uma proposta ao Conselho relativa aos valores a atribuir por Estado‑Membro.

2.      A partir de 26 de setembro de 2016, são recolocados 54 000 requerentes, tal como referido no n.o 1, alínea c), a partir da Itália e da Grécia, na proporção resultante do n.o 1, alíneas a) e b), no território de outros Estados‑Membros, proporcionalmente aos valores estabelecidos nos anexos I e II.

3.      Se até 26 de setembro de 2016, a Comissão considerar que se justifica uma adaptação do mecanismo de recolocação devido à evolução da situação no terreno ou que um Estado‑Membro se encontra confrontado com uma situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros em virtude de uma forte mudança dos fluxos migratórios, e tendo em conta a opinião do provável Estado‑Membro beneficiário, pode apresentar, se necessário, propostas ao Conselho, conforme referido no artigo 1.o, n.o 2.

Da mesma forma, um Estado‑Membro pode, apresentando razões devidamente justificadas, notificar o Conselho e a Comissão de que se encontra confrontado com uma situação de emergência similar. A Comissão avalia as razões invocadas e, se adequado, apresenta propostas ao Conselho, conforme referido no artigo 1.o, n.o 2.»

17      O artigo 1.o da Decisão (UE) 2016/1754 do Conselho, de 29 de setembro de 2016 (JO 2016, L 268, p. 82), completou o artigo 4.o da decisão impugnada introduzindo o seguinte parágrafo:

«3‑A. No que se refere à recolocação dos requerentes referidos no n.o 1, alínea c), os Estados‑Membros podem optar pelo cumprimento das suas obrigações através da admissão, no seu território, de nacionais sírios presentes na Turquia ao abrigo de regimes de admissão nacionais ou multilaterais legais de pessoas com clara necessidade de proteção internacional que não o regime de reinstalação que foi objeto das Conclusões dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, de 20 de julho de 2015. O número de pessoas assim admitidas por um Estado‑Membro conduz a uma redução correspondente da obrigação do Estado‑Membro em causa.

[…]»

18      Resulta do artigo 2.o da Decisão n.o 2016/1754 que esta entrou em vigor em 2 de outubro de 2016 e é aplicável até 26 de setembro de 2017 a todas as pessoas que, para efeitos do artigo 4.o, n.o 3‑A, da decisão impugnada, tenham sido admitidas do território da Turquia pelos Estados‑Membros desde 1 de maio de 2016.

19      O artigo 4.o, n.o 4 da decisão impugnada visa a possibilidade de uma participação na execução da decisão impugnada, a título voluntário, da Irlanda e do Reino Unido. Tendo a participação da Irlanda sido confirmada, em seguida, pela Comissão, o Conselho fixou um número de requerentes que devem ser recolocados nesse Estado‑Membro e adaptou os contingentes dos outros Estados‑Membros em conformidade.

20      O artigo 4.o, n.o 5, da referida decisão prevê que, em circunstâncias excecionais, um Estado‑Membro pode, nas condições previstas por esta disposição, pedir, o mais tardar até 26 de dezembro de 2015, para beneficiar da suspensão temporária da recolocação de, no máximo, 30% dos requerentes do contingente que lhe tenha sido atribuído.

21      Esta disposição foi aplicada a pedido da República da Áustria e foi objeto da Decisão de Execução (UE) 2016/408 do Conselho, de 10 de março de 2016, relativa à suspensão temporária da recolocação de 30% de requerentes do contingente atribuído à República da Áustria ao abrigo da decisão [impugnada] (JO 2016, L 74, p. 36). O artigo 1.o da Decisão 2016/408 prevê que a recolocação para esse Estado‑Membro de 1 065 requerentes do contingente que lhe foi atribuído ao abrigo da decisão [impugnada] é suspensa até 11 de março de 2017.

22      O artigo 5.o da decisão impugnada, intitulado «Procedimento de recolocação», prevê:

«[…]

2.      Os Estados‑Membros indicam periodicamente e, pelo menos, de três em três meses, o número de requerentes que podem ser recolocados rapidamente no seu território e quaisquer outras informações pertinentes.

3.      Com base nessas informações, a Itália e a Grécia, com a assistência do EASO e, se for caso disso, dos agentes de ligação dos Estados‑Membros a que se refere o n.o 8, identificam cada um dos requerentes suscetíveis de serem recolocados noutros Estados‑Membros e, logo que possível, apresentam todas as informações pertinentes aos pontos de contacto desses Estados‑Membros. Para esse efeito, é dada prioridade aos requerentes vulneráveis, na aceção dos artigos 21.o e 22.o da Diretiva 2013/33/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96)].

4.      Após aprovação do Estado‑Membro de recolocação, a Itália e a Grécia tomam, o mais rapidamente possível, a decisão de recolocar cada um dos requerentes identificados num Estado‑Membro específico de recolocação, em consulta com o EASO, e notificam cada requerente nos termos do artigo 6.o, n.o 4. O Estado‑Membro de recolocação só pode decidir não autorizar a transferência de um requerente se existirem motivos razoáveis para o fazer, tal como referido no n.o 7 do presente artigo.

[…]

6.      A transferência do requerente para o território do Estado‑Membro de recolocação é realizada o mais rapidamente possível após a data da notificação à pessoa em causa da decisão de transferência a que se refere o artigo 6.o, n.o 4, da presente decisão. A Itália e a Grécia comunicam ao Estado‑Membro de recolocação a data e hora da transferência, bem como quaisquer outras informações pertinentes.

7.      Os Estados‑Membros só têm o direito de recusar a recolocação de um requerente se houver motivos razoáveis para considerar que este constitui um perigo para a sua segurança nacional ou ordem pública […]

[…]»

23      O artigo 6.o da decisão impugnada, intitulado «Direitos e obrigações dos requerentes de proteção internacional abrangidos pela presente decisão», dispõe:

«1.      O interesse superior da criança constitui uma preocupação primordial dos Estados‑Membros na aplicação da presente decisão.

2.      Os Estados‑Membros asseguram que os membros da família abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente decisão sejam recolocados no território do mesmo Estado‑Membro.

3.      Previamente à decisão de recolocar um requerente, a Itália e a Grécia informam‑no, numa língua que o requerente compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, sobre o procedimento de recolocação estabelecido pela presente decisão.

4.      Após ter sido adotada a decisão de recolocação de um requerente e antes da sua recolocação efetiva, a Itália e a Grécia notificam por escrito a pessoa em causa da referida decisão. Essa decisão especifica o Estado‑Membro de recolocação.

5.      O requerente ou o beneficiário de proteção internacional que entra no território de um Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro de recolocação sem preencher as condições de estadia nesse outro Estado‑Membro é obrigado a regressar imediatamente. O Estado‑Membro de recolocação deve, sem demora, voltar a tomar a cargo essa pessoa.»

24      O artigo 7.o da decisão impugnada contém disposições no domínio do apoio operacional a favor da República Helénica e da República Italiana.

25      O artigo 8.o dessa decisão prevê medidas complementares a tomar por esses dois Estados‑Membros.

26      O artigo 9.o da decisão referida habilita o Conselho a tomar medidas provisórias em virtude do artigo 78.o, n.o 3, TFUE se estiverem reunidas as condições previstas nessa disposição e indica que tais medidas podem incluir, se necessário, a suspensão da participação na recolocação prevista na decisão impugnada do Estado‑Membro que se vê confrontado com um súbito afluxo de nacionais de países terceiros.

27      Essa disposição foi aplicada a pedido do Reino da Suécia e foi objeto da Decisão (UE) 2016/946 do Conselho, de 9 de junho de 2016, que institui medidas provisórias a favor da Suécia no domínio da proteção internacional, nos termos do artigo 9.o da Decisão 2015/1523 e do artigo 9.o da decisão 2015/1601 (JO 2016, L 157, p. 23). O artigo 2.o da Decisão 2016/946 dispõe que as obrigações que incumbem a esse Estado‑Membro enquanto Estado‑Membro de recolocação previstas na Decisão 2015/1523 e na decisão impugnada são suspensas até 16 de junho de 2017.

28      O artigo 10.o da decisão impugnada prevê um apoio financeiro por cada pessoa recolocada em virtude dessa decisão, e isso tanto para o Estado‑Membro de recolocação como para a República Helénica ou para a República Italiana.

29      O artigo 11.o da decisão impugnada prevê que, com a assistência da Comissão, podem ser celebrados convénios bilaterais entre esses dois Estados‑Membros e os Estados ditos «associados», designadamente, a República da Islândia, o Principado do Listenstaine, o Reino da Noruega e a Confederação Suíça, e que, se forem celebrados tais convénios bilaterais, o Conselho adapta, em conformidade, sob proposta da Comissão, os contingentes dos Estados‑Membros, reduzindo‑os proporcionalmente. Esses convénios foram celebrados, em seguida, e os Estados associados participam, portanto, na recolocação prevista pela decisão impugnada.

30      O artigo 12.o da decisão impugnada prevê, designadamente, que a Comissão apresente de seis em seis meses ao Conselho relatórios sobre a aplicação dessa decisão. A Comissão comprometeu‑se, em seguida, a apresentar relatórios mensais sobre a execução das diversas medidas de recolocação e de reinstalação dos requerentes de proteção internacional tomadas ao nível da União, entre as quais a decisão impugnada.

31      Por fim, em conformidade com o seu artigo 13.o, n.os 1 e 2, a decisão impugnada, entrou em vigor em 25 de setembro de 2015 e é aplicável até 26 de setembro de 2017. O artigo 13.o, n.o 3, dessa decisão dispõe que esta se aplica às pessoas que cheguem ao território da Itália e da Grécia desde 25 de setembro de 2015 até 26 de setembro de 2017, assim como aos requerentes que tenham chegado ao território desses Estados‑Membros a partir de 24 de março de 2015.

II.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

32      No processo C‑643/15, a República Eslovaca pede que o Tribunal de Justiça se digne anular a decisão impugnada e condenar o Conselho nas despesas.

33      No processo C‑647/15, a Hungria pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        a título principal, anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular essa decisão na medida em que se refere à Hungria, e

–        condenar o Conselho nas despesas.

34      Nos processos C‑643/15 e C‑647/15, o Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne julgar os recursos improcedentes por infundados e condenar respetivamente a República Eslovaca e a Hungria nas despesas.

35      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2016, o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Francesa, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino da Suécia e a Comissão Europeia foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos do Conselho nos processos C‑643/15 e C‑647/15.

36      Através dessa mesma decisão, a República da Polónia foi admitida a intervir, no processo C‑643/15, em apoio dos pedidos da República Eslovaca e, no processo C‑647/15, em apoio dos pedidos da Hungria.

37      Tendo as partes e o advogado‑geral sido ouvidos sobre essa questão, há que apensar os presentes processos, por razões de conexão, para efeitos do acórdão, nos termos do artigo 54.o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

III. Quanto aos recursos

A.      Resumo dos fundamentos

38      Em apoio do seu recurso no processo C‑643/15, a República Eslovaca invoca seis fundamentos, relativos à violação, o primeiro, do artigo 68.o TFUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE, bem como do princípio do equilíbrio institucional; o segundo, do artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE, do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, dos artigos 3.o e 4.o do Protocolo (n.o 1) relativo ao papel dos parlamentos nacionais na União Europeia, anexo aos Tratados UE e FUE [a seguir «Protocolo n.o 1»], e dos artigos 6.o e 7.o do Protocolo (n.o 2) relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo aos Tratados UE e FUE [a seguir «Protocolo n.o 2»], bem como dos princípios da segurança jurídica, da democracia representativa e do equilíbrio institucional; o terceiro, das formalidades essenciais relativas ao processo legislativo, bem como do artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE e dos princípios da democracia representativa, do equilíbrio institucional e da boa administração (a título subsidiário); o quarto, das formalidades essenciais, bem como do artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE e dos princípios da democracia representativa, do equilíbrio institucional e da boa administração (a título parcialmente subsidiário); o quinto, das condições de aplicação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE (a título subsidiário); e o sexto, à violação do princípio da proporcionalidade.

39      Em apoio do seu recurso no processo C‑647/15, a Hungria invoca dez fundamentos.

40      O primeiro e segundo fundamentos são relativos à violação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, na medida em que essa disposição não fornece ao Conselho uma base jurídica adequada para adotar medidas que, no caso em apreço, derrogam de forma vinculativa as disposições de um ato legislativo, que são aplicáveis durante um período de 24 meses, ou de 36 meses em determinados casos, e cujos efeitos ultrapassam esse período, o que é contrário ao conceito de «medidas provisórias».

41      Os fundamentos terceiro a sexto são relativos à violação de formalidades essenciais, na medida em que, em primeiro lugar, quando da adoção da decisão impugnada, o Conselho violou as disposições do artigo 293.o, n.o 1, TFUE ao se afastar da proposta da Comissão sem ter alcançado a unanimidade (terceiro fundamento); em segundo lugar, a decisão impugnada contém uma derrogação às disposições de um ato legislativo e constitui, ela própria, pelo seu conteúdo, um ato legislativo, pelo que, mesmo que fosse possível adotá‑lo com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, teria sido necessário, ao proceder à sua adoção, respeitar o direito de os parlamentos nacionais emitirem um parecer sobre os atos legislativos, previsto no Protocolo n.o 1 e no Protocolo n.o 2 (quarto fundamento); em terceiro lugar, após a consulta do Parlamento, o Conselho alterou substancialmente o texto da proposta sem consultar de novo o Parlamento a este respeito (quinto fundamento); e, em quarto lugar, no momento da adoção, pelo Conselho, da decisão impugnada, as versões linguísticas do projeto de decisão não estavam disponíveis nas línguas oficiais da União (sexto fundamento).

42      O sétimo fundamento é relativo à violação do artigo 68.o TFUE e das conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015.

43      O oitavo fundamento é relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da clareza normativa, dado que, em vários pontos, as condições de execução da decisão impugnada não são claras, tal como não é clara forma de articulação das suas disposições com as do Regulamento Dublim III.

44      O nono fundamento é relativo à violação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, na medida em que, tendo a Hungria deixado de figurar entre os Estados‑Membros beneficiários, não se justifica que a decisão impugnada preveja a recolocação de 120 000 pessoas que solicitam proteção internacional.

45      O décimo fundamento, apresentado a título subsidiário, é relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do artigo 78.o, n.o 3, TFUE no que se refere à Hungria, uma vez que a decisão impugnada lhe atribui um contingente obrigatório como Estado‑Membro de acolhimento, apesar de se reconhecer que um grande número de migrantes em situação irregular penetrou no território desse Estado‑Membro e aí apresentou pedidos de proteção internacional.

B.      Observação preliminar

46      Uma vez que a base jurídica de um ato determina o procedimento a seguir para adotar esse ato (v., nesse sentido, acórdão de 10 de setembro de 2015, Parlamento Europeu/Conselho, C‑363/14, EU:C:2015:579, n.o 17), importa examinar, em primeiro lugar, os fundamentos relativos à inadequação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE como base jurídica da decisão impugnada, em segundo lugar, os fundamentos relativos a irregularidades processuais cometidas na adoção dessa decisão e constitutivas de violações de formalidades essenciais e, em terceiro lugar, os fundamentos quanto ao mérito.

C.      Quanto aos fundamentos relativos à inadequação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE enquanto base jurídica da decisão impugnada

1.      Quanto ao segundo fundamento da República Eslovaca e ao primeiro fundamento da Hungria, relativos à natureza legislativa da decisão impugnada

a)      Argumentos das partes

47      A República Eslovaca e a Hungria alegam que a decisão impugnada, ainda que tenha sido adotada segundo o procedimento não legislativo e constitua, portanto, formalmente um ato não legislativo, deve, no entanto, ser qualificada como ato legislativo pelo seu conteúdo e pelos seus efeitos, uma vez que, tal como confirma expressamente o considerando 23 da referida decisão, altera muito significativamente vários atos legislativos do direito da União.

48      É o caso sobretudo do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, em virtude do qual a República Helénica ou a República Italiana, conforme o caso, são em princípio responsáveis pela análise do pedido de proteção internacional, regra à qual derroga o artigo 3.o, n.o 1, da decisão impugnada.

49      A decisão impugnada qualifica essas alterações como simples «derrogações», mas a distinção entre uma derrogação e uma alteração é artificial, dado que em ambos os casos essas intervenções têm por efeito afastar a aplicação de uma disposição normativa e, desse modo, afetam a sua efetividade.

50      Em contrapartida, decorre do caráter provisório e urgente das medidas visadas no artigo 78.o, n.o 3, TFUE que essa disposição se destina a fornecer uma base jurídica a medidas de apoio que podem acompanhar atos legislativos adotados com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE. Trata‑se, designadamente, de medidas que visam gerar ou aliviar rapidamente uma situação de crise, nomeadamente a concessão de um auxílio financeiro ou técnico ou a colocação à disposição de pessoal qualificado.

51      O artigo 78.o, n.o 3, TFUE não fornece, assim, uma base jurídica para a adoção de medidas legislativas, dado que essa disposição não contém nenhuma indicação segundo a qual as medidas tomadas em virtude desta devem ser adotadas segundo um processo legislativo.

52      A República Eslovaca sustenta, em especial, que um ato não legislativo baseado no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, tal como a decisão impugnada, não pode em caso nenhum derrogar um ato legislativo. O alcance da derrogação e o caráter fundamental ou não da disposição que é derrogada não têm importância. Qualquer derrogação, por ínfima que seja, de um ato legislativo por um ato não legislativo é proibida porque equivale a um desvio do processo legislativo, no caso vertente, do procedimento previsto no artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

53      A Hungria sustenta que, de qualquer modo, as derrogações a atos legislativos que a decisão impugnada prevê, ainda que sejam limitadas no tempo, operam uma ingerência nas disposições fundamentais de atos legislativos existentes que se referem aos direitos e obrigações fundamentais das pessoas em questão.

54      Por último, a Hungria sustenta que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE pode ser interpretado no sentido de que a exigência de uma consulta do Parlamento prevista por essa disposição deve ser considerada como uma «participação» do Parlamento, na aceção do artigo 289.o, n.o 2, TFUE, de modo que se aplica o processo legislativo especial. Nesse caso, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE pode efetivamente constituir uma base jurídica válida da decisão impugnada, enquanto ato legislativo.

55      Todavia, admitindo‑se tal interpretação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, devem ser respeitadas as exigências processuais da adoção de um ato legislativo, em especial a participação do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais no processo legislativo, o que não foi manifestamente o caso.

56      O Conselho sustenta que decorre do artigo 289.o, n.o 3, TFUE que o critério de identificação da natureza legislativa ou não de um ato é exclusivamente processual, no sentido de que, sempre que uma base jurídica do Tratado prevê expressamente que um ato é adotado «nos termos do processo legislativo ordinário» ou «nos termos de um processo legislativo especial», trata‑se de um ato legislativo. O Conselho contesta que a decisão impugnada tenha alterado vários atos legislativos do direito da União, e nesse sentido deva ser qualificada como ato legislativo pelo seu conteúdo. Também não pode alegar‑se que as derrogações efetuadas pela decisão impugnada constituem um desvio do processo legislativo ordinário, tal como previsto no artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

57      Há que analisar, em primeiro lugar, se, como a Hungria sustenta, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE deve ser interpretado no sentido de que os atos adotados em virtude dessa disposição devem ser qualificados como «atos legislativos» por constituir a exigência de uma consulta do Parlamento Europeu prevista pela referida disposição uma forma de participação dessa instituição da União, na aceção do artigo 289.o, n.o 2, TFUE, daí resultando que a adoção de tais atos deve obedecer ao processo legislativo especial, que não foi utilizado para adotar a decisão impugnada.

58      Nos termos do artigo 289.o, n.o 3, TFUE, os atos jurídicos adotados por processo legislativo constituem atos legislativos. Portanto, os atos não legislativos são aqueles que são adotados por um processo diferente do processo legislativo.

59      A distinção entre atos legislativos e não legislativos é certamente importante, porque só a adoção de atos legislativos está sujeita ao respeito de certas obrigações relativas, designadamente, à participação dos parlamentos nacionais nos termos dos artigos 3.o e 4.o do Protocolo (n.o 1) e aos artigos 6.o e 7.o do Protocolo (n.o 2), bem como à exigência, decorrente do artigo 16.o, n.o 8, TUE e do artigo 15.o, n.o 2, TFUE, segundo a qual são públicas as reuniões do Conselho em que este delibere e vote sobre um projeto de ato legislativo.

60      Além disso, resulta da leitura conjugada do disposto no artigo 289.o, n.o 1, e no artigo 294.o, n.o 1, TFUE que o processo legislativo ordinário, caracterizado pela adoção conjunta de um ato do direito da União pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho sob proposta da Comissão, aplica‑se unicamente se a disposição dos Tratados que constitui a base jurídica do ato em causa «faz referência» a tal processo legislativo.

61      Tratando‑se do processo legislativo especial, caracterizado pelo facto de prever a adoção de um ato da União quer pelo Parlamento com a participação do Conselho quer pelo Conselho com a participação do Parlamento, o artigo 289.o, n.o 2, TFUE dispõe que se aplica «nos casos específicos previstos pelos Tratados».

62      Daí resulta que um ato jurídico só pode ser qualificado como ato legislativo da União se for adotado com base numa disposição dos Tratados que se refira expressamente ao processo legislativo ordinário ou ao processo legislativo especial.

63      Tal abordagem sistémica assegura a segurança jurídica necessária nos processos de adoção de atos da União, na medida em que permite identificar com segurança as bases jurídicas que habilitam as instituições da União a adotar atos legislativos e distinguir essas bases daquelas que só podem servir de base à adoção de atos não legislativos.

64      Por conseguinte, ao contrário do que a Hungria sustenta, não pode deduzir‑se da referência à exigência de uma consulta do Parlamento Europeu, que consta da disposição dos Tratados que serve de base jurídica do ato em causa, que o processo legislativo especial se aplica à adoção desse ato.

65      No caso vertente, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE prevê que o Conselho adota as medidas provisórias aí visadas sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento, mas não contém nenhuma referência expressa ao processo legislativo ordinário nem ao processo legislativo especial. Em contrapartida, o artigo 78.o, n.o 2, TFUE dispõe expressamente que as medidas enumeradas nas alíneas a) a g) dessa disposição são adotadas «nos termos do processo legislativo ordinário».

66      À luz do exposto, deve considerar‑se que as medidas suscetíveis de serem adotadas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE devem ser qualificadas como «atos não legislativos», porque não são adotadas na sequência de um processo legislativo.

67      O Conselho, ao adotar a decisão impugnada, entendeu, com razão, que essa decisão devia ser adotada na sequência de um processo não legislativo e constituía, portanto, um ato não legislativo da União.

68      Por conseguinte, coloca‑se, em segundo lugar, a questão de saber se, tal como sustentam a República Eslovaca e a Hungria, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não podia servir de base jurídica à adoção da decisão impugnada, porque essa decisão constitui um ato não legislativo que derroga vários atos legislativos, quando só um ato legislativo pode derrogar outro ato legislativo.

69      A esse respeito, o considerando 23 da decisão impugnada indica que a recolocação a partir de Itália e da Grécia prevista por essa decisão implica uma «derrogação temporária» de certas disposições de atos legislativos do direito da União, entre os quais o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, em virtude do qual a República Helénica ou a República Italiana eram em princípio responsáveis pela análise dos pedidos de proteção internacional com base nos critérios enunciados no capítulo III do referido regulamento, e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 516/2014, que exige o consentimento do requerente de proteção internacional.

70      O artigo 78.o, n.o 3, TFUE não define a natureza das «medidas provisórias» que podem ser adotadas em virtude dessa disposição.

71      Assim, o texto da referida disposição não pode, ao contrário do que sustentam a República Eslovaca e a Hungria, apoiar, em si mesmo, uma interpretação estrita do conceito de «medidas provisórias», no sentido de que este apenas visa medidas de acompanhamento de um ato legislativo adotado com base do artigo 78.o, n.o 2, TFUE e abrangendo, em especial, um apoio financeiro, técnico ou operacional concedido aos Estados‑Membros que se encontram numa situação de emergência caracterizada por um afluxo súbito de nacionais de países terceiros.

72      Esta afirmação é corroborada pela economia geral e pelos objetivos do disposto no artigo 78.o, n.os 2 e 3, TFUE.

73      Trata‑se, com efeito, de duas disposições de direito primário da União distintas, com objetivos diferentes e tendo condições de aplicação próprias que fornecem uma base jurídica para a adoção, no caso do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, de medidas provisórias de caráter não legislativo a fim de dar resposta em curto prazo a uma dada situação de emergência com a qual os Estados‑Membros se confrontam e, no que respeita ao artigo 78.o, n.o 2, TFUE, de atos de natureza legislativa que visam regular por um período indeterminado e de modo geral, um problema estrutural que se coloca no quadro da política comum da União em matéria de asilo.

74      Portanto, as referidas disposições são de caráter complementar, permitindo à União adotar, no quadro dessa política comum, medidas diversificadas a fim de se dotar dos instrumentos necessários, designadamente, para responder de maneira efetiva, quer a curto quer a longo prazo, a situações de crise migratória.

75      A esse respeito, uma interpretação estrita do conceito de «medidas provisórias» do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, segundo a qual este só permite a adoção de medidas de acompanhamento que se juntam aos atos legislativos adotados com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE, e não medidas que derroguem tais atos, além de não encontrar apoio no texto do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, reduz igualmente de modo significativo o seu efeito útil, porque os referidos atos abrangeram ou podem abranger os diferentes aspetos do sistema europeu comum de asilo, enumerados nas alíneas a) a g) do artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

76      O mesmo se diga especificamente da matéria visada no artigo 78.o, n.o 2, alínea e), TFUE, relativa aos critérios e aos mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo ou de proteção subsidiária, que é objeto de um conjunto de regras, entre as quais constam em primeiro lugar as previstas pelo Regulamento Dublim III.

77      À luz do exposto, o conceito de medidas provisórias, na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, deve ter um alcance suficientemente amplo para permitir que as instituições da União tomem todas as medidas provisórias necessárias para dar resposta efetiva e rápida a uma situação de emergência caracterizada por um afluxo súbito de nacionais de países terceiros.

78      Nessa perspetiva, embora deva admitir‑se que as medidas provisórias adotadas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE podem em princípio derrogar igualmente as disposições de atos legislativos, tais derrogações devem, no entanto, ser enquadradas quanto ao seu âmbito de aplicação material e temporal, de maneira a limitarem‑se a dar resposta rápida e efetiva, por meio de um dispositivo provisório, a uma determinada situação de crise, o que exclui que essas medidas possam ter por objeto ou por efeito substituir ou alterar de modo geral e permanente esses atos legislativos, contornando assim o processo legislativo ordinário previsto no artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

79      Ora, no caso vertente, há que constatar que as derrogações previstas pela decisão impugnada obedecem a essa exigência de enquadramento do seu âmbito de aplicação material e temporal e que não têm por objeto nem por efeito substituir ou alterar de modo permanente as disposições de atos legislativos.

80      Com efeito, as derrogações a disposições especiais de atos legislativos que a decisão impugnada prevê apenas se aplicam durante um período de dois anos, com ressalva da possibilidade de uma prorrogação desse prazo prevista no artigo 4.o, n.o 5, da decisão impugnada, e expiram, no caso vertente, em 26 de setembro de 2017. Acresce que dizem respeito a um número limitado de 120 000 nacionais de certos países terceiros, que apresentaram pedidos de proteção internacional na Grécia ou em Itália, que possuem uma das nacionalidades visadas no artigo 3.o, n.o 2, da decisão impugnada, que serão recolocados a partir de um desses dois Estados‑Membros e que chegaram ou chegarão aos referidos Estados‑Membros entre 24 de março de 2015 e 26 de setembro de 2017.

81      Nestas condições, não pode alegar‑se que, com a adoção da decisão impugnada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, o processo legislativo ordinário previsto no artigo 78.o, n.o 2, TFUE foi contornado.

82      À luz das considerações precedentes, a circunstância de que a decisão impugnada, cuja qualificação como ato não legislativo não pode ser posta em causa, implica derrogações a disposições especiais de atos legislativos não era suscetível de impedir a sua adoção com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

83      Pelas mesmas razões, há que rejeitar igualmente a argumentação da República Eslovaca relativa à violação do artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE, bem como dos princípios da segurança jurídica, da democracia representativa e do equilíbrio institucional.

84      Portanto, o segundo fundamento da República Eslovaca e o primeiro fundamento da Hungria devem ser julgados improcedentes por infundados.

2.      Quanto à primeira parte do quinto fundamento da República Eslovaca e ao segundo fundamento da Hungria, relativos ao facto de a decisão impugnada não ter caráter provisório e ao período de aplicação excessivo dessa decisão

a)      Argumentos das partes

85      A República Eslovaca e a Hungria sustentam que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não fornece uma base jurídica adequada para a adoção da decisão impugnada, uma vez que esta não é de natureza provisória, ao contrário do que essa disposição exige.

86      A decisão impugnada, dado que se aplica, em virtude do seu artigo 13.o, n.o 2, até 26 de setembro de 2017, ou seja, durante um período de dois anos, período esse que pode aliás ser prorrogado por um ano em virtude do artigo 4.o, n.os 5 e 6, da mesma decisão, não podia ser qualificada como «medida provisória», na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

87      Isso é tanto mais verdade que, segundo a República Eslovaca e a Hungria, os efeitos temporais da decisão impugnada relativamente aos requerentes de proteção internacional em questão excedem largamente esse período de dois ou até de três anos. Com efeito, essa decisão conduz segundo todas as probabilidades a criar ligações duradouras entre os requerentes de proteção internacional e os Estados‑Membros de recolocação.

88      O Conselho precisa que, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, da decisão impugnada, esta se aplica durante 24 meses, ou seja, até 26 de setembro de 2017. Uma prorrogação por um período máximo de 12 meses no quadro específico do mecanismo de suspensão previsto no artigo 4.o, n.o 5, da decisão impugnada já não é possível. A duração dos efeitos que a decisão impugnada é suscetível de produzir relativamente às pessoas que foram recolocadas não é um elemento pertinente para determinar a natureza provisória dessa decisão. Essa natureza deve ser apreciada à luz da aplicação no tempo do mecanismo de recolocação que essa decisão prevê, ou seja, um período de 24 meses.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

89      O artigo 78.o, n.o 3, TFUE só permite a adoção de «medidas provisórias».

90      Um ato só pode ser qualificado como «provisório» no sentido habitual desse termo se não visa regular de modo permanente uma matéria e só se aplicar durante um período limitado.

91      Assim sendo, ao contrário do artigo 64.o, n.o 2, CE, nos termos do qual o período de aplicação das medidas adotadas com base nessa disposição não podia exceder seis meses, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE, que sucedeu a essa disposição, já não prevê essa limitação temporal.

92      Daí resulta que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE, embora exija que as medidas aí visadas sejam temporárias, reserva ao Conselho uma margem de apreciação para fixar, caso a caso, o seu período de aplicação em função das circunstâncias do caso e, em especial, à luz das especificidades da situação de emergência que justificam essas medidas.

93      Ora, resulta do artigo 13.o da decisão impugnada que esta é aplicável de 25 de setembro de 2015 a 26 de setembro de 2017, ou seja, durante um período de 24 meses, às pessoas que chegam à Grécia e a Itália no decurso desse mesmo período, bem como aos requerentes de proteção internacional que chegaram ao território desses Estados‑Membros a partir de 24 de março de 2015.

94      Quanto ao artigo 4.o, n.o 5, da decisão impugnada, prevê, «em circunstâncias excecionais», e em função de uma notificação de um Estado‑Membro que deve ser efetuada o mais tardar em 26 de dezembro de 2015, a possibilidade de uma prorrogação do período de 24 meses visado no artigo 13.o, n.o 2, dessa decisão por um período máximo de 12 meses no quadro do mecanismo de suspensão temporária e parcial da obrigação de recolocação dos requerentes de proteção internacional que incumbe ao Estado‑Membro em questão. Confirma, assim, o caráter temporário das diferentes medidas contidas na referida decisão. Aliás, esse mecanismo já não pode ser desencadeado após 26 de dezembro de 2015, e a decisão impugnada expira definitivamente em 26 de setembro de 2017.

95      Portanto, há que concluir que a decisão impugnada se aplica durante um período limitado.

96      Aliás, o Conselho não excedeu manifestamente o seu poder de apreciação ao fixar a duração das medidas que a decisão impugnada comporta, tanto mais que entendeu, no considerando 22 dessa decisão, que um «período de vinte e quatro meses constitui um prazo razoável para assegurar que as medidas previstas pela presente decisão produzem um efeito real para os fins do auxílio concedido a Itália e à Grécia para gerir os importantes fluxos migratórios no seu território».

97      Essa escolha de um período de aplicação de 24 meses parece justificada tendo em conta o facto de que uma recolocação de um grande número de pessoas, tal como a prevista pela decisão impugnada, é uma operação inédita e complexa que requer um certo tempo de preparação e de execução, designadamente no plano da coordenação entre as administrações dos Estados‑Membros, antes de produzir efeitos concretos.

98      Há que rejeitar igualmente o argumento da República Eslovaca e da Hungria segundo o qual a decisão impugnada não é de natureza provisória porque terá efeitos a longo termo, pois numerosos requerentes de proteção internacional permanecerão, após a sua recolocação, no território do Estado‑Membro de recolocação muito para além do período de aplicação de 24 meses da decisão impugnada.

99      Com efeito, se se tivesse em conta a duração dos efeitos de uma medida de recolocação sobre as pessoas recolocadas a fim de apreciar a sua natureza provisória na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, nenhuma medida de recolocação de pessoas que têm clara necessidade de proteção internacional pode ser tomada em virtude dessa disposição, porque tais efeitos a mais ou menos longo termo são inerentes a essa recolocação.

100    O argumento da República Eslovaca e da Hungria segundo o qual, a fim de poder ser considerada como sendo de natureza provisória, na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, a duração de aplicação da medida em causa não deve ser superior à duração mínima necessária para a adoção de um ato legislativo adotado com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE, também não pode ser acolhido.

101    Com efeito, além do facto de essa interpretação do artigo 78.o, n.os 2 e 3, TFUE não se basear em nenhum argumento textual e desrespeitar a complementaridade das medidas visadas, respetivamente, nos n.os 2 e 3 desse artigo, afigura‑se muito difícil, ou mesmo impossível, fixar antecipadamente o prazo mínimo necessário no qual um ato legislativo pode ser adotado com base do artigo 78.o, n.o 2, TFUE, pelo que esse critério se afigura impraticável.

102    Isso é, aliás, demonstrado pelo facto de, no caso vertente, a proposta de regulamento que contém um mecanismo de recolocação permanente, tendo sido apresentada em 9 de setembro de 2015, ou seja, no mesmo dia em que foi apresentada a proposta inicial da Comissão que se tornou em seguida a decisão impugnada, não foi adotada até à data da prolação do presente acórdão.

103    À luz das considerações precedentes, a primeira parte do quinto fundamento da República Eslovaca e o segundo fundamento da Hungria devem ser considerados improcedentes por infundados.

3.      Quanto à segunda parte do quinto fundamento da República Eslovaca, relativo ao facto de a decisão impugnada não preencher os requisitos de aplicação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE

a)      Argumentos das partes

104    A República Eslovaca sustenta que, em três aspetos, a decisão impugnada não respeita o requisito de aplicação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, segundo o qual o Estado‑Membro beneficiário das medidas provisórias deve encontrar‑se «numa situação de emergência caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros».

105    Em primeiro lugar, a República Eslovaca sustenta que o afluxo de nacionais de países terceiros na Grécia e em Itália no momento da adoção da decisão impugnada ou imediatamente antes da sua adoção era razoavelmente previsível e não podia, portanto, ser qualificado como «súbito».

106    A esse respeito, os dados estatísticos relativos aos anos de 2013 e 2014 e aos primeiros meses de 2015 indicam que o número de nacionais de países terceiros que se dirigiam para a Grécia e a Itália aumentou continuamente e que, desde finais de 2013 e do início de 2014, esse aumento foi considerável. Além disso, no que se refere à Itália, os dados de 2015 indicaram antes uma redução interanual do número de migrantes.

107    Em segundo lugar, a República Eslovaca alega que, pelo menos no que diz respeito à situação na Grécia, não existe nexo de causalidade entre a situação de emergência e o afluxo de nacionais de países terceiros a esse Estado‑Membro, quando a existência desse nexo é exigida pela junção do qualificativo «caracterizada» à situação de emergência visada no artigo 78.o, n.o 3, TFUE. Com efeito, é pacífico que a organização da política de asilo da República Helénica acusa desde há muito tempo graves deficiências, que não têm nexo de causalidade direto com o fenómeno migratório característico do período no decurso do qual foi adotada a decisão impugnada.

108    Em terceiro lugar, a República Eslovaca sustenta que, ao passo que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE visa resolver situações de emergência existentes ou iminentes, a decisão impugnada regula, pelo menos em parte, situações hipotéticas futuras.

109    Com efeito, o período de aplicação de dois, ou até de três anos da decisão impugnada é muito longo para se poder afirmar que, durante todo esse período, as medidas adotadas respondem à situação de emergência, atual ou iminente, que afeta a Grécia e a Itália. Assim, no decurso do referido período, a situação de emergência pode desaparecer nesses Estados‑Membros. Acresce que o mecanismo de recolocação de 54 000 pessoas previsto no artigo 4.o, n.o 3, da decisão impugnada visa responder a situações totalmente hipotéticas noutros Estados‑Membros.

110    A República da Polónia apoia esse ponto de vista alegando que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE visa uma situação de crise simultaneamente preexistente e atual que exige a adoção de medidas corretivas imediatas e não, como faz a decisão impugnada, situações de crise que possam produzir‑se no futuro mas cujo surgimento, natureza e amplitude são incertos e dificilmente previsíveis.

111    O Conselho e os Estados‑Membros que o apoiam alegam que a situação de emergência sem precedentes que está na origem da decisão impugnada, expressa pelos dados estatísticos mencionados nos considerandos 13 a 26 dessa decisão, foi caracterizada e principalmente causada por um afluxo súbito e maciço de nacionais de países terceiros, em especial nos meses de julho e agosto de 2015.

112    O Conselho alega além disso que o facto de a decisão impugnada se referir a acontecimentos ou a situações futuras não é incompatível com o artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

113    Há que analisar, em primeiro lugar, o argumento da República Eslovaca segundo o qual o afluxo de nacionais de países terceiros aos territórios grego e italiano no decurso de 2015 não podia ser qualificado como «súbito», na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, porque se inseria no prolongamento de um afluxo já importante verificado durante o ano de 2014, de modo que era previsível.

114    A esse respeito, há que considerar que pode ser qualificado de «súbito», na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, um afluxo de nacionais de países terceiros de uma amplitude tal que era imprevisível, e ainda que ocorra num contexto de crise migratória que se estenda por vários anos, tornando impossível o funcionamento normal do sistema comum de asilo da União.

115    No caso vertente, tal como salientou o advogado‑geral no n.o 3 das suas conclusões, a decisão impugnada surgiu no contexto da crise migratória, evocada no considerando 3 dessa decisão, que atingiu a União a partir de 2014 e depois aumentou em 2015, em especial durante os meses de julho e agosto desse ano, bem como da situação humanitária catastrófica a que essa crise deu lugar nos Estados‑Membros, em especial os situados na primeira linha, tais como a República Helénica e a República Italiana, que se viram confrontados com um afluxo maciço de migrantes cuja maioria é proveniente de países terceiros como a República Árabe Síria, a República Islâmica do Afeganistão, a República do Iraque e o Estado da Eritreia.

116    Segundo dados estatísticos da agência Frontex, fornecidos em anexo ao articulado de intervenção do Grão‑Ducado do Luxemburgo, no decurso do ano 2015, em toda a União, ocorreram 1,83 milhões de passagens irregulares das fronteiras externas da União, contra 283 500 em 2014. Aliás, segundo os dados estatísticos do Eurostat, em 2015, mais de 1,3 milhões de migrantes solicitaram proteção internacional na União, contra 627 000 no ano anterior.

117    Resulta, além disso, especificamente dos dados estatísticos mencionados no considerando 13 da decisão impugnada, que provêm da agência Frontex, que a República Helénica e a República Italiana se viram confrontadas, nos primeiros oito meses de 2015 e, em especial, nos meses de julho e agosto desse ano, com um afluxo maciço de nacionais de países terceiros ao seu território, em especial de nacionais da nacionalidade visada no artigo 3.o, n.o 2, dessa decisão, de modo que a pressão migratória sobre os regimes de asilo italiano e grego aumentou fortemente durante esse período.

118    Assim, segundo esses dados, no caso da República Italiana, durante os primeiros oito meses de 2015, foram detetadas 116 000 passagens irregulares das fronteiras externas desse Estado‑Membro. Nos meses de julho e agosto de 2015, 34 691 migrantes chegaram a Itália de maneira irregular, ou seja, um aumento de 20% em relação aos meses de maio e de junho de 2015.

119    Os dados estatísticos relativos à República Helénica, mencionados no considerando 13 da decisão impugnada, são ainda mais reveladores desse forte aumento do afluxo de migrantes. Nos primeiros oito meses de 2015, mais de 211 000 migrantes em situação irregular chegaram ao território grego. Só nos meses de julho e agosto desse ano, a agência Frontex recenseou 137 000 passagens irregulares das fronteiras, ou seja, um aumento de 250% relativamente aos meses de maio e junho de 2015.

120    Aliás, resulta do considerando 14 da decisão impugnada que, segundo os números provenientes do Eurostat e do EASO, 39 183 pessoas pediram proteção internacional em Itália entre os meses de janeiro e julho de 2015, contra 30 755 no decurso do mesmo período de 2014 (ou seja, uma progressão de 27%) e que foi registado um aumento semelhante do número de pedidos na Grécia, que recenseou 7 475 requerentes (ou seja, um aumento de 30%).

121    Resulta, além disso, do considerando 26 da decisão impugnada que o Conselho fixou precisamente o número total de 120 000 pessoas a recolocar com base no número global de nacionais de países terceiros que entraram irregularmente na Grécia ou em Itália nos meses de julho e agosto de 2015 e que têm manifestamente necessidade de proteção internacional.

122    Daqui resulta que o Conselho verificou, com base em dados estatísticos incontestados pela República Eslovaca, um forte aumento do afluxo de nacionais de países terceiros na Grécia e em Itália num curto lapso de tempo, em especial durante os meses de julho e agosto de 2015.

123    Ora, há que considerar que, nessas condições, o Conselho podia qualificar, sem cometer nenhum erro manifesto de apreciação, tal aumento como «súbito», na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, ainda que se insira no prolongamento de um período de chegadas já maciças de migrantes.

124    A esse respeito, há que recordar que deve ser reconhecido às instituições da União um amplo poder de apreciação quando estas adotam medidas em domínios que implicam da parte destas opções, designadamente, de natureza política e a efetuar apreciações complexas (v., neste sentido, acórdão de 4 de maio de 2016, República da Polónia/Parlamento Europeu e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 79 e jurisprudência referida).

125    No que respeita, em segundo lugar, ao argumento suscitado pela República Eslovaca, relativo à interpretação estrita da palavra «caracterizada» que qualifica a «situação de emergência» visada no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, há que salientar que, embora uma minoria das versões linguísticas do artigo 78.o, n.o 3, TFUE utilize não o termo «caracterizada» mas o termo «causada», esses dois termos devem, no contexto dessa disposição e à luz do seu objetivo que visa permitir a adoção rápida de medidas provisórias destinadas a reagir de maneira eficaz a uma situação de emergência migratória, ser compreendidos no mesmo sentido da exigência de um nexo suficientemente estreito entre a situação de emergência em causa e o afluxo súbito de nacionais de países terceiros.

126    Ora, resulta dos considerandos 12, 13 e 26 da decisão impugnada, bem como dos dados estatísticos aí mencionados, que se verificou um nexo suficientemente estreito entre a situação de emergência na Grécia e em Itália, a saber, a considerável pressão exercida sobre os regimes de asilo desses Estados‑Membros, e o afluxo de migrantes em 2015 e em especial nos meses de julho e agosto desse ano.

127    Essa verificação de facto não pode ser posta em causa pela existência de outros fatores que puderam contribuir igualmente para essa situação de emergência, entre os quais as deficiências estruturais desses regimes em termos de falta de capacidade de alojamento e de tratamento dos pedidos.

128    Aliás, a amplitude do afluxo de migrantes com que foram confrontados os regimes de asilo grego e italiano em 2015 era tal que teria perturbado qualquer regime de asilo, incluindo um regime que não sofresse de fraquezas estruturais.

129    Em terceiro lugar, há que rejeitar o argumento da República Eslovaca, apoiado pela República da Polónia, segundo o qual a decisão impugnada não podia ser validamente adotada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, porque visava resolver não uma situação de emergência repentina ou iminente que afetava a República Helénica e a República Italiana, mas, pelo menos em parte, situações hipotéticas e futuras, ou seja, situações relativamente às quais, aquando da adoção dessa decisão, não era possível afirmar com um grau de probabilidade suficiente que se produziriam.

130    Com efeito, resulta do considerandos 13 e 26 da decisão impugnada que esta foi adotada em razão de uma situação de emergência com a qual a República Helénica e a República Italiana foram confrontadas em 2015, mais precisamente nos meses de julho e agosto desse ano, e que, portanto, ocorreu antes da data da adoção dessa decisão, embora resulte do considerando 16 desta que o Conselho teve igualmente em conta o facto de essa situação de emergência persistir muito provavelmente em razão da instabilidade e dos conflitos constantes na vizinhança imediata da Itália e da Grécia.

131    Além disso, tendo em conta o facto de ser inerente aos fluxos migratórios que estes podem evoluir rapidamente, designadamente deslocando‑se para outros Estados‑Membros, a decisão impugnada inclui diversos mecanismos, em especial no seu artigo 1.o, n.o 2, no seu artigo 4.o, n.os 2 e 3, e no seu artigo 11.o, n.o 2, que visam ajustar o seu dispositivo à luz de uma eventual mudança da situação de emergência inicial, nomeadamente se esta se vier a manifestar noutros Estados‑Membros.

132    O artigo 78.o, n.o 3, TFUE não se opõe a que tais mecanismos de ajustamento se adicionem às medidas provisórias tomadas a título dessa disposição.

133    Com efeito, a referida disposição confere um amplo poder de apreciação ao Conselho na escolha das medidas que podem ser tomadas a fim de responder de maneira rápida e eficaz a uma situação de emergência especial bem como a possíveis evoluções de que esta possa ser objeto.

134    Tal como salientou o advogado‑geral no n.o 130 das suas conclusões, responder à emergência não exclui o caráter evolutivo e adaptado da resposta, desde que esta conserve o seu caráter provisório.

135    Portanto, a segunda parte do quinto fundamento da República Eslovaca deve ser julgada improcedente.

D.      Quanto aos fundamentos relativos à regularidade do processo de adoção da decisão impugnada e relativos à violação das formalidades essenciais

1.      Quanto ao primeiro fundamento da República Eslovaca e ao sétimo fundamento da Hungria, relativos à violação do artigo 68.o TFUE

a)      Argumentos das partes

136    A República Eslovaca e a Hungria sustentam que, dado que a decisão impugnada foi adotada por maioria qualificada quando decorria das conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015 que esta devia ser adotada «consensualmente» e «tendo em conta as situações particulares de cada Estado‑Membro», o Conselho infringiu o artigo 68.o TFUE e violou formalidades essenciais.

137    A República Eslovaca e a Hungria entendem que, na adoção da decisão impugnada, o Conselho deveria ter respeitado as orientações decorrentes dessas conclusões, em especial a exigência de repartição dos requerentes com clara necessidade de proteção internacional entre os Estados‑Membros por decisão adotada por unanimidade, ou seja, sob a forma de contingentes voluntariamente consentidos pelos Estados‑Membros.

138    O respeito das conclusões do Conselho Europeu por parte do Conselho era tanto mais importante que o Conselho deveria ter tido em conta o facto de a recolocação de requerentes de proteção internacional ser uma questão politicamente sensível para vários Estados‑Membros, uma vez que essa medida afeta fortemente o atual sistema decorrente da aplicação do Regulamento Dublim III.

139    A Hungria entende, em especial, que, uma vez que as conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015 apenas previam expressamente uma tomada de decisão do Conselho para a recolocação de 40 000 requerentes de proteção internacional, o Conselho não podia decidir sobre a recolocação de 120 000 requerentes suplementares sem ter obtido um acordo de princípio do Conselho Europeu para esse efeito. Portanto, quer a apresentação pela Comissão de uma proposta de decisão comportando tal recolocação suplementar quer a adoção pelo Conselho constituem uma violação do artigo 68.o TFUE e das formalidades essenciais.

140    O Conselho sustenta que não há contradição entre a decisão impugnada e as conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015.

141    Além disso, essa instituição sustenta que as conclusões pelas quais o Conselho Europeu define orientações, ainda que estas se imponham à União em virtude do artigo 15.o TUE e não sejam, portanto, de natureza puramente política, não fornecem à ação das outras instituições nenhuma base jurídica nem regras e princípios à luz dos quais pode ser exercida a fiscalização jurisdicional da legalidade dos atos das outras instituições da União.

142    A Comissão sustenta que não tendo as conclusões do Conselho Europeu caráter vinculativo, mas unicamente incidência no plano político, tais conclusões não podem condicionar nem limitar, do ponto de vista jurídico, o direito de iniciativa da Comissão de propor medidas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE ou o poder de decisão de que dispõe o Conselho em virtude dessa disposição após consulta do Parlamento Europeu.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

143    As conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015 enunciam que os Estados‑Membros devem decidir «por consenso» sobre a repartição «tendo em conta a situação particular de cada Estado‑Membro». Quanto a esse ponto, essas conclusões visam expressamente «a recolocação temporária e excecional por dois anos, a partir de Itália e da Grécia para outros Estados‑Membros, de 40 000 pessoas que têm clara necessidade de proteção internacional» por via da «adoção rápida pelo Conselho de uma decisão para esse efeito».

144    Ora, esse mecanismo de recolocação de 40 000 pessoas foi objeto da Decisão 2015/1523 que foi adotada em 14 de setembro de 2015, por consenso. Deste modo, quanto a esse ponto, essa decisão executou integralmente as referidas conclusões.

145    Quanto à alegada incidência da natureza dita «política» das conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015, quer quanto ao poder de iniciativa legislativa da Comissão quer quanto às regras de voto no seio do Conselho previstas no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, uma incidência dessa natureza, ainda que se suponha confirmada e deliberada no seio do Conselho Europeu, não pode constituir um motivo de anulação da decisão impugnada pelo Tribunal de Justiça.

146    Com efeito, por um lado, o poder de iniciativa legislativa reconhecido à Comissão pelo artigo 17.o, n.o 2, TUE e pelo artigo 289.o TFUE, que se inscreve nos princípios da atribuição dos poderes consagrados no artigo 13.o, n.o 2, TUE e, de modo mais amplo, no princípio do equilíbrio institucional, característico da estrutura institucional da União, implica que compete à Comissão decidir sobre a apresentação de uma proposta de ato legislativo. Nesse contexto, compete igualmente à Comissão, que, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, TUE, promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas a esse fim, determinar o objeto, a finalidade e o conteúdo dessa proposta (v., nesse sentido, acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 64 e 70).

147    Esses princípios aplicam‑se igualmente ao poder de iniciativa da Comissão no quadro da adoção, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, de atos não legislativos, tais como a decisão impugnada. A esse respeito, tal como observou igualmente o advogado‑geral no n.o 145 das suas conclusões, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não subordina o poder de iniciativa da Comissão à existência prévia de orientações definidas pelo Conselho Europeu a título do artigo 68.o TFUE.

148    Por outro lado, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE permite que o Conselho adote medidas por maioria qualificada, tal como fez o Conselho ao adotar a decisão impugnada. O princípio do equilíbrio institucional proíbe que o Conselho Europeu altere essa regra de voto impondo ao Conselho, através de conclusões tomadas nos termos do artigo 68.o TFUE, uma regra de voto por unanimidade.

149    Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça já decidiu, uma vez que as regras relativas à formação da vontade das instituições da União estão estabelecidas nos Tratados e não estão à disposição dos Estados‑Membros nem das próprias instituições, apenas os Tratados podem, em casos especiais, autorizar uma instituição a alterar um processo decisório neles previsto (acórdão de 10 de setembro de 2015, Parlamento Europeu/Conselho, C‑363/14, EU:C:2015:579, n.o 43).

150    Por conseguinte, o primeiro fundamento da República Eslovaca e o sétimo fundamento da Hungria devem ser julgados improcedentes por infundados.

2.      Quanto à terceira parte do terceiro fundamento e à primeira parte do quarto fundamento da República Eslovaca, bem como ao quinto fundamento da Hungria, relativos à violação das formalidades essenciais, na medida em que o Conselho não respeitou a obrigação de consultar o Parlamento Europeu prevista no artigo 78.o, n.o 3, TFUE

a)      Argumentos das partes

151    A República Eslovaca e a Hungria sustentam que, uma vez que o Conselho introduziu alterações substanciais à proposta inicial da Comissão e adotou a decisão impugnada sem consultar novamente o Parlamento Europeu, incorreu numa violação das formalidades essenciais previstas no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, a qual deve levar à anulação da decisão impugnada. A República Eslovaca considera que, ao proceder dessa forma, o Conselho violou igualmente o artigo 10.o, n.os 1 e 2, e o artigo 13.o, n.o 2, TUE, bem como os princípios da democracia representativa, do equilíbrio institucional e da boa administração.

152    As alterações mais importantes da proposta inicial da Comissão diziam respeito ao facto de, na decisão impugnada, a Hungria não constar entre os Estados‑Membros beneficiários da recolocação ao mesmo título que a República Helénica e a República Italiana, mas entre os Estados‑Membros de recolocação, o que conduziu designadamente à supressão do anexo III da proposta inicial da Comissão, relativa aos contingentes de recolocação a partir da Hungria, e à inclusão deste último Estado‑Membro nos anexos I e II da decisão impugnada.

153    A República Eslovaca refere outras alterações realizadas sobre a proposta inicial da Comissão que figuram na decisão impugnada, entre as quais o facto de que, em vez de incluir uma lista exaustiva dos Estados‑Membros que podem beneficiar do regime de recolocação que a mesma instaura, esta decisão prevê, no seu artigo 4.o, n.o 3, que outros Estados‑Membros possam beneficiar desse regime se preencherem as condições previstas nessa disposição.

154    As recorrentes acusam o Conselho de não ter consultado novamente o Parlamento Europeu depois de ter introduzido essas alterações à proposta inicial da Comissão, apesar de na sua resolução de 17 de setembro de 2015 o Parlamento ter pedido ao Conselho para ser novamente consultado se este entendesse alterar substancialmente a proposta da Comissão.

155    Embora a Presidência da União tenha regularmente informado o Parlamento, em especial a Comissão Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento, sobre a evolução do dossiê no Conselho, essas informações não poderiam substituir uma resolução formal do Parlamento Europeu adotada em sessão plenária.

156    A Hungria refere‑se a esse respeito a dois ofícios dirigidos pelo presidente da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu ao Presidente do Parlamento Europeu, nos quais chegou à conclusão de que o Conselho tinha alterado substancialmente a proposta inicial da Comissão ao retirar a Hungria do círculo dos Estados‑Membros beneficiários, de modo que o Parlamento Europeu deveria ter sido novamente consultado.

157    O Conselho sustenta a título principal que, tendo em consideração nomeadamente a urgência do dossiê, procedeu a uma consulta suficiente do Parlamento permitindo a essa instituição tomar conhecimento, em tempo útil, do conteúdo do texto final da decisão impugnada e pronunciar‑se a esse respeito. De qualquer modo, o texto da decisão impugnada, na versão final que foi adotada, e considerado no seu conjunto, não se afasta substancialmente do texto acerca do qual o Parlamento Europeu havia sido consultado em 14 de setembro de 2015.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

158    A título preliminar, saliente‑se que o Conselho sustenta que os ofícios da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu que a Hungria anexou à sua réplica, e que são visados no n.o 156 do presente acórdão, constituem elementos de prova inadmissíveis uma vez que foram obtidos de forma irregular. O Conselho pede que o Tribunal de Justiça, a título cautelar, os elimine dos presentes autos. À semelhança da Hungria, o Conselho solicita ao Tribunal de Justiça a adoção de uma medida instrutória no sentido de convidar o Parlamento Europeu a confirmar a autenticidade desses ofícios e, se for caso disso, a clarificar o seu estatuto jurídico, bem como a informar o Tribunal de Justiça do seu eventual acordo para que a Hungria os utilize como elementos de prova.

159    A esse respeito, o Tribunal de Justiça entende que, uma vez que foi suficientemente informado dos elementos factuais relativos à questão de saber se, no caso em apreço, o Conselho se conformou com a sua obrigação de consulta do Parlamento Europeu, tal como previsto no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, está em posição de decidir essa questão de direito sem que seja necessário impor ao Parlamento Europeu a medida instrutória solicitada.

160    Quanto ao mérito, há que de recordar que a consulta regular do Parlamento Europeu nos casos previstos pelo Tratado constitui uma formalidade essencial cuja inobservância implica a nulidade do ato em questão. A participação efetiva do Parlamento no processo legislativo, segundo os procedimentos previstos no Tratado, representa verdadeiramente um elemento essencial do equilíbrio institucional pretendido por este Tratado. A competência do Parlamento constitui a expressão de um princípio democrático fundamental, segundo o qual os povos participam no exercício do poder por intermédio de uma assembleia representativa (v., nesse sentido, designadamente, acórdãos de 11 de novembro de 1997, Eurotunnel e o., C‑408/95, EU:C:1997:532, n.o 45, e de 7 de março de 2017, RPO, C‑390/15, EU:C:2017:174, n.os 24 e 25).

161    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a obrigação de consulta do Parlamento durante o processo legislativo, nos casos previstos pelo Tratado, implica que este seja novamente consultado sempre que o texto finalmente adotado, considerado no seu conjunto, se afaste na sua substância daquele sobre o qual já foi consultado o Parlamento, com exceção dos casos em que as modificações correspondam, na essência, a uma pretensão formulada pelo próprio Parlamento (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de novembro de 1997, Eurotunnel e o., C‑408/95, EU:C:1997:532, n.o 46, e de 7 de março de 2017, RPO, C‑390/15, EU:C:2017:174, n.o 26).

162    Constituem alterações essenciais que exigem uma nova consulta do Parlamento as alterações que afetam a própria essência das disposições adotadas ou que afetam o sistema do projeto no seu conjunto (v., nesse sentido, acórdão de 1 de junho de 1994, Parlamento Europeu/Conselho, C‑388/82, EU:C:1994:213, n.os 13 e 18).

163    A esse respeito, embora as diferentes alterações da proposta inicial da Comissão relativas à mudança de estatuto da Hungria tenham sido efetuadas pelo Conselho na sequência da recusa desse Estado‑Membro de beneficiar do mecanismo de recolocação tal como previsto por essa proposta, não deixa de ser verdade que, tendo especialmente em conta o facto de que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE visa a adoção de medidas provisórias em benefício de um ou de vários Estados‑Membros que se encontrem numa situação de emergência na aceção dessa disposição, a determinação dos Estados‑Membros beneficiários das referidas medidas provisórias constitui um elemento essencial de qualquer medida adotada com base nessa mesma disposição.

164    Deve, portanto, considerar‑se que o texto da decisão impugnada, tal como foi finalmente adotado, considerado no seu conjunto, se afasta substancialmente do texto da proposta inicial da Comissão.

165    Há que salientar, todavia, que, em 16 de setembro de 2015, a Presidência do Conselho declarou, numa sessão plenária extraordinária do Parlamento que:

«Dada a urgência da situação e conforme anunciado no ofício de consulta ao Parlamento, aproveito a ocasião para vos informar que haverá uma alteração importante relativamente à proposta inicial [da Comissão].

A Hungria não se considera como um país de primeira linha e informou‑nos que não deseja ser beneficiária da recolocação.

O Parlamento poderá ter em conta este elemento no seu parecer.»

166    Portanto, na sua resolução legislativa de 17 de setembro de 2015, que exprime o seu apoio à proposta inicial da Comissão, o Parlamento teve forçosamente de ter em conta essa alteração fundamental do estatuto da Hungria que se impunha ao Conselho.

167    Além disso, apesar de o Conselho ter introduzido outras alterações à proposta inicial da Comissão após a adoção pelo Parlamento da referida resolução legislativa, essas alterações não afetaram a própria substância dessa proposta.

168    Aliás, a Presidência do Conselho informou plenamente o Parlamento dessas alterações, no quadro dos contactos informais anunciados no ofício de consulta.

169    Por conseguinte, a obrigação de consulta do Parlamento prevista no artigo 78.o, n.o 3, TFUE foi respeitada.

170    À luz da exposição precedente, a terceira parte do terceiro fundamento e a primeira parte do quarto fundamento da República Eslovaca, bem como o quinto fundamento da Hungria, devem ser julgados improcedentes por infundados.

3.      Quanto à segunda parte do quarto fundamento da República Eslovaca e ao terceiro fundamento da Hungria, relativos à violação de formalidades essenciais na medida em que o Conselho não deliberou por unanimidade, ao contrário do que prevê o artigo 293.o, n.o 1, TFUE

a)      Argumentos das partes

171    A República Eslovaca e a Hungria sustentam que o Conselho, ao adotar a decisão impugnada, violou a formalidade essencial prevista no artigo 293.o, n.o 1, TFUE, na medida em que alterou a proposta da Comissão sem respeitar a exigência de unanimidade imposta por essa disposição. A República Eslovaca considera que, ao agir dessa forma, o Conselho violou igualmente o artigo 13.o, n.o 2, TUE e os princípios do equilíbrio institucional e da boa administração.

172    A exigência de unanimidade prevista no artigo 293.o, n.o 1, TFUE aplica‑se a qualquer alteração da proposta da Comissão, incluindo em caso de alterações de menor importância e independentemente da questão de saber se a Comissão aceitou explícita ou implicitamente as alterações introduzidas na sua proposta quando das discussões no Conselho.

173    As recorrentes alegam igualmente que nada indica que, durante o processo de adoção da decisão impugnada, a Comissão tenha retirado a sua proposta e apresentado uma nova proposta redigida em termos idênticos aos do texto que viria a ser finalmente adotado. Pelo contrário, decorre da ata da sessão do Conselho de 22 de setembro de 2015 que a Comissão não apresentou qualquer nova proposta nem fez qualquer declaração prévia a propósito do projeto modificado tal como acabou por ser adotado pelo Conselho.

174    Ora, é exigido que a Comissão adira ativa e expressamente às alterações em questão para se poder considerar que esta alterou a sua proposta na aceção do artigo 293.o, n.o 2, TFUE. O caso em apreço é diferente do que estava em causa no processo que deu origem ao acórdão de 5 de outubro de 1994, Alemanha/Conselho (C‑280/93, EU:C:1994:367).

175    O Conselho responde que, em 22 de setembro de 2015, quando da reunião do Conselho na qual a decisão impugnada foi adotada, a Comissão, representada pelo seu primeiro vice‑presidente e pelo comissário competente em matéria de asilo e de imigração, aceitou todas as alterações introduzidas pelo Conselho à proposta inicial da Comissão. Esse acordo, ainda que fosse considerado como sendo tácito, equivalia a uma alteração da sua proposta por esta última instituição.

176    Do mesmo modo, a Comissão sustenta que alterou a sua proposta nos termos das alterações adotadas em seu nome pelos comissários competentes a fim de facilitar a sua adoção.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

177    O artigo 293.o TFUE confere ao poder de iniciativa da Comissão, no caso em apreço o poder conferido pelo artigo 78.o, n.o 3, TFUE no quadro de um processo não legislativo, uma dupla garantia. Por um lado, o artigo 293.o, n.o 1, TFUE dispõe que, exceto nos casos previstos pelas disposições do TFUE aí referidas e que não são pertinentes para o caso específico, o Conselho, sempre que, por força dos Tratados, delibere sob proposta da Comissão, só pode alterar a proposta deliberando por unanimidade. Por outro lado, nos termos do artigo 293.o, n.o 2, TFUE, enquanto o Conselho não tiver deliberado, a Comissão pode alterar a sua proposta em qualquer fase dos procedimentos que conduzam à adoção de um ato da União (v., nesse sentido, acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 71 a 73).

178    Daí resulta que, caso a Comissão, em conformidade com o artigo 293.o, n.o 2, TFUE, altere a sua proposta no decurso do procedimento de adoção de um ato da União, a exigência de unanimidade prevista no artigo 293.o, n.o 1, TFUE não se impõe ao Conselho.

179    Quanto ao artigo 293.o, n.o 2, TFUE, o Tribunal de Justiça já decidiu que as propostas alteradas que a Comissão adota não têm obrigatoriamente de revestir a forma escrita, dado que fazem parte do processo de adoção de atos da União que se caracteriza por uma certa flexibilidade, necessária para alcançar uma convergência de posições entre as instituições (v., nesse sentido, acórdão de 5 de outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, EU:C:1994:367, n.o 36).

180    Ora, tais considerações de flexibilidade devem a fortiori prevalecer no âmbito do procedimento de adoção de um ato com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, uma vez que essa disposição visa permitir que as medidas provisórias sejam tomadas rapidamente a fim de remediar sem demora e de maneira efetiva uma «situação de emergência», na aceção dessa disposição.

181    Daí decorre que, no âmbito especial do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, pode considerar‑se que a Comissão exerceu o seu poder de alteração visado no artigo 293.o, n.o 2, TFUE quando resulta claramente da participação dessa instituição no processo de adoção do ato em questão que a proposta alterada foi aprovada pela Comissão. Tal interpretação corresponde ao objetivo do artigo 293.o, n.o 2, TFUE que visa proteger o poder de iniciativa da Comissão.

182    No caso vertente, a Comissão entende que o poder de iniciativa que lhe é reconhecido pelo artigo 78.o, n.o 3, TFUE não foi violado.

183    A esse respeito, essa instituição sustenta que alterou a sua proposta inicial dado que aprovou as alterações introduzidas a esse texto quando das diferentes reuniões realizadas no seio do Conselho.

184    Salienta, nesse contexto, que estava representada nas referidas reuniões por dois dos seus membros, a saber, o seu primeiro vice‑presidente e o comissário encarregado, nomeadamente, da imigração, que se encontravam devidamente mandatados pelo colégio de comissários, nos termos do artigo 13.o do seu regulamento interno, para aprovar as alterações à sua proposta inicial no respeito do objetivo prioritário, fixado pelo colégio de comissários quando da sua reunião de 16 de setembro de 2015, a saber, a adoção pelo Conselho de uma decisão vinculativa e aplicável sem demora implicando a recolocação de 120 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional.

185    A esse respeito, resulta do artigo 13.o do regulamento interno da Comissão, interpretado à luz do objetivo do artigo 293.o, n.o 2, TFUE, que visa proteger o poder de iniciativa da Comissão, que o colégio de comissários pode encarregar alguns dos seus membros de proceder à alteração, no decurso do procedimento, da proposta da Comissão dentro dos limites por ele previamente determinados.

186    Embora a República Eslovaca e a Hungria contestem o facto de os dois membros da Comissão em causa terem sido devidamente autorizados pelo colégio de comissários, em conformidade com o artigo 13.o do regulamento interno dessa instituição, a aprovar as alterações introduzidas à sua proposta, impõe‑se observar que esses Estados‑Membros não apresentam nenhum elemento de prova suscetível de fazer duvidar da veracidade dos propósitos da Comissão e dos elementos de prova que esta juntou aos autos.

187    À luz desses elementos, deve considerar‑se que, no caso vertente, a Comissão exerceu o seu poder de modificação visado no artigo 293.o, n.o 2, TFUE, uma vez que resulta claramente da participação dessa instituição no procedimento de adoção da decisão impugnada que a proposta alterada foi aprovada pela Comissão por intermédio de dois dos seus membros que estavam autorizados pelo colégio de comissários a adotar as alterações em questão.

188    Por conseguinte, a exigência de unanimidade prevista no artigo 293.o, n.o 1, TFUE não se impunha ao Conselho.

189    À luz do exposto, há que afastar a segunda parte do quarto fundamento da República Eslovaca e o terceiro fundamento da Hungria por serem infundados.

4.      Quanto à primeira e segunda partes do terceiro fundamento da República Eslovaca e ao quarto fundamento da Hungria, relativos à violação de formalidades essenciais, na medida em que não foi respeitado o direito dos parlamentos nacionais de emitir um parecer em conformidade com os protocolos (n.o 1) e (n.o 2) e que o Conselho não observou a exigência do caráter público dos debates e do voto no seu seio

a)      Argumentação das partes

190    A República Eslovaca, a título subsidiário, e a Hungria sustentam que, aquando da adoção da decisão impugnada, o direito dos parlamentos nacionais de emitir um parecer sobre qualquer projeto de ato legislativo, tal como previsto pelo Protocolo (n.o 1) e pelo Protocolo (n.o 2), não foi respeitado.

191    Além disso, a República Eslovaca sustenta, a título subsidiário, que se o Tribunal de Justiça julgar que a decisão impugnada devia ser adotada segundo o procedimento legislativo, o Conselho violou uma formalidade substancial, na medida em que foi adotada em círculo fechado, nos termos da regra aplicável no exercício das suas atividades não legislativas, quando o artigo 16.o, n.o 8, TUE e o artigo 15.o, n.o 2, TFUE preveem que as reuniões do Conselho são públicas aquando da deliberação e do voto sobre um projeto de ato legislativo.

192    O Conselho sustenta que, dado que a decisão impugnada é um ato não legislativo, essa decisão não estava sujeita às condições que estão ligadas à adoção de um ato legislativo.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

193    Uma vez que, como resulta do n.o 67 do presente acórdão, a decisão impugnada deve ser qualificada como ato não legislativo, a adoção desse ato no quadro de um procedimento não legislativo não estava sujeita às exigências relativas à participação dos parlamentos nacionais previstas pelos protocolos (n.o 1) e (n.o 2) nem às exigências relativas ao caráter público da deliberação e do voto no seio do Conselho, que só prevalecem no quadro da adoção de projetos de atos legislativos.

194    Daí resulta que a primeira e a segunda partes do terceiro fundamento da República Eslovaca e o quarto fundamento da Hungria devem ser julgados improcedentes por infundados.

5.      Quanto ao sexto fundamento da Hungria, relativo à violação de formalidades essenciais na medida em que, quando da adoção da decisão impugnada, o Conselho não respeitou as regras do direito da União em matéria de uso das línguas

a)      Argumentos das partes

195    A Hungria sustenta que a decisão impugnada enferma de uma irregularidade processual substantiva na medida em o Conselho não respeitou o direito da União em matéria de uso das línguas.

196    Em especial, o Conselho violou o artigo 14.o, n.o 1, do seu regulamento interno, na medida em que os textos que retomam as alterações sucessivamente introduzidas à proposta inicial da Comissão, incluindo, in fine, o texto da decisão impugnada na versão adotada pelo Conselho, foram dirigidos aos Estados‑Membros unicamente em língua inglesa.

197    Na sua réplica, a República Eslovaca suscita um fundamento semelhante, que qualifica como sendo de ordem pública, relativo à violação das formalidades essenciais, na medida em que o Conselho não respeitou o regime de uso das línguas, em especial o artigo 14.o, n.o 1, do seu regulamento interno, aquando da adoção da decisão impugnada.

198    O Conselho sustenta que as deliberações do Conselho foram efetuadas no pleno respeito da regulamentação da União em matéria de uso das línguas e, em especial, do regime linguístico simplificado aplicável às retificações, nos termos do artigo 14.o, n.o 2, do seu regulamento interno.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

199    A título preliminar, há que de salientar, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a admissibilidade do fundamento suscitado pela República Eslovaca e relativo à violação do direito da União em matéria de uso das línguas, que esse fundamento se confunde com o sexto fundamento apresentado pela Hungria, que importa apreciar quanto ao mérito.

200    O referido sexto fundamento da Hungria é relativo à violação do artigo 14.o do regulamento interno do Conselho, intitulado «Deliberações e decisões com base em documentos e projetos redigidos nas línguas previstas no regime linguístico em vigor», e, em especial, do artigo 14.o, n.o 1, desse regulamento, que dispõe que, salvo decisão em contrário do Conselho, tomada por unanimidade e motivada pela urgência, este só delibera e decide com base em documentos e projetos redigidos nas línguas previstas no regime linguístico em vigor. Nos termos do artigo 14.o, n.o 2, do referido regulamento, qualquer membro do Conselho pode opor‑se à deliberação se o texto das eventuais alterações não estiver redigido nas línguas referidas no n.o 1 que ele designar.

201    O Conselho sustenta que o referido artigo deve ser interpretado e é aplicado na prática por essa instituição no sentido de que, ao passo que o seu n.o 1 requer que os projetos que estão na «base» das deliberações do Conselho, no caso vertente, a proposta inicial da Comissão, devem, em princípio, ser redigidos em todas as línguas oficiais da União, o n.o 2 do mesmo artigo prevê um regime simplificado para as alterações que não têm imperativamente de estar disponíveis em todas as línguas oficiais da União. Apenas em caso de oposição de um Estado‑Membro é que as versões linguísticas designadas por este devem igualmente ser submetidas ao Conselho antes que este possa continuar a deliberar.

202    O comentário do Conselho relativo ao seu regulamento interno precisa, no mesmo sentido, que o artigo 14.o, n.o 2, desse regulamento permite, em especial, a cada membro do Conselho opor‑se ao deliberado se o texto das eventuais alterações não for redigido em todas as línguas oficiais da União.

203    Ainda que, tal como o Tribunal de Justiça já salientou, a União se preocupe com a preservação do multilinguismo, cuja importância é recordada no artigo 3.o, n.o 3, quarto parágrafo, TUE (v., nesse sentido, acórdão de 5 de maio de 2015, Espanha/Conselho, C‑147/13, EU:C:2015:299, n.o 42), deve ser seguida a interpretação feita pelo Conselho do seu regulamento interno. Essa interpretação procede, com efeito, de uma abordagem equilibrada dos trabalhos do Conselho que são de uma importância singular no contexto especial de emergência que caracteriza o procedimento de adoção das medidas provisórias tomadas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

204    É incontroverso que, no caso vertente, a proposta inicial da Comissão foi colocada à disposição de todas as delegações dos Estados‑Membros em todas as línguas oficiais da União. Além disso, a Hungria também não contestou o facto de nenhum Estado‑Membro se ter oposto a uma deliberação com base em textos que retomam as alterações acordadas redigidos em inglês e que, aliás, todas as alterações foram lidas pelo Presidente do Conselho e interpretadas simultaneamente em todas as línguas oficiais da União.

205    À luz das considerações precedentes, há que julgar improcedentes o fundamento suscitado pela República Eslovaca, bem como o sexto fundamento da Hungria, relativos à violação do regime linguístico da União, por infundados.

E.      Quanto aos fundamentos de mérito

1.      Quanto ao sexto fundamento da República Eslovaca, bem como ao nono e décimo fundamentos da Hungria, relativos à violação do princípio da proporcionalidade

a)      Observações preliminares

206    A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União sejam adequados a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do necessário à realização desses objetivos, sendo que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, há que recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desmedidos face aos objetivos prosseguidos (v., designadamente, acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 78 e jurisprudência referida).

207    Quanto à fiscalização jurisdicional do respeito desse princípio, importa igualmente recordar, como foi indicado no n.o 124 do presente acórdão, que há que reconhecer às instituições da União um amplo poder de apreciação quando adotam medidas em domínios que implicam da sua parte opções de natureza política e apreciações complexas. Por conseguinte, só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada num desses domínios, em relação ao objetivo que essas instituições competentes pretendem prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (v., nesse sentido, designadamente, acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 79 e jurisprudência referida).

208    Os princípios consagrados nessa jurisprudência do Tribunal de Justiça aplicam‑se plenamente às medidas adotadas no domínio da política comum da União em matéria de asilo e, em especial, às medidas provisórias tomadas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, tais como as previstas pela decisão impugnada, que implicam escolhas essencialmente de natureza política e apreciações complexas que devem, além disso, ser efetuadas sem demora a fim de responder de forma rápida e concreta a uma «situação de emergência», na aceção dessa disposição.

b)      Quanto ao sexto fundamento da República Eslovaca, relativo à inadequação da decisão impugnada para atingir o objetivo que prossegue

1)      Argumentos das partes

209    A República Eslovaca, apoiada pela República da Polónia, alega que a decisão impugnada não é adequada para atingir o objetivo que prossegue e que essa decisão é, portanto, contrária ao princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5.o, n.o 4, TUE, bem como nos artigos 1.o e 5.o do Protocolo (n.o 2).

210    A decisão impugnada não é adequada para realizar esse objetivo porque o mecanismo de recolocação que prevê não é suscetível de remediar as deficiências estruturais dos regimes de asilo grego e italiano. Essas deficiências, ligadas à falta de capacidade de acolhimento e de tratamento dos pedidos de proteção internacional, devem ser resolvidas antes que essa recolocação possa efetivamente ser executada. Aliás, o número pouco elevado de recolocações efetuadas até ao presente demonstra que o mecanismo de recolocação previsto pela decisão impugnada era, desde a sua adoção, impróprio para atingir o objetivo visado.

211    O Conselho e os Estados‑Membros que o apoiam sustentam que, embora os regimes de asilo grego e italiano possuam deficiências estruturais, o mecanismo de recolocação que prevê a decisão impugnada é adequado para realizar o seu objetivo, na medida em que alivia a pressão insuportável que é exercida sobre os regimes de asilo da República Helénica e da República Italiana na sequência do afluxo sem precedentes de migrantes aos seus respetivos territórios em 2015, que seria aliás insuportável para qualquer Estado‑Membro, incluindo aqueles cujo regime de asilo não apresenta fraquezas estruturais. Aliás, esse mecanismo de recolocação faz parte de um largo leque de medidas financeiras e operacionais que visam auxiliar os regimes de asilo da República Helénica e da República Italiana. Além disso, a decisão impugnada impõe obrigações a esses dois Estados‑Membros, destinadas a melhorar a eficácia do seu regime de asilo respetivo.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

212    O objetivo do mecanismo de recolocação que a decisão impugnada prevê, à luz do qual a proporcionalidade deste deve ser examinada, é nos termos de artigo 1.o, n.o 1, dessa decisão, lido à luz do seu considerando 26, auxiliar a República Helénica e a República Italiana a enfrentar uma situação de emergência, caracterizada por um afluxo súbito, no seu território respetivo, de nacionais de países terceiros com clara necessidade de proteção internacional, aliviando a considerável pressão exercida sobre os regimes de asilo desses dois Estados‑Membros.

213    Ora, não pode considerar‑se que o mecanismo de recolocação de um número importante de requerentes que têm clara necessidade de proteção internacional que prevê a decisão impugnada é uma medida manifestamente imprópria para contribuir para esse objetivo.

214    Também parece dificilmente contestável que qualquer regime de asilo, mesmo um regime que não possua fraquezas estruturais em termos de acolhimento e de capacidade de tratamento dos pedidos de proteção internacional, seria gravemente perturbado pelo afluxo sem precedentes de migrantes que ocorreu na Grécia e em Itália em 2015.

215    Além disso, o mecanismo de recolocação que prevê a decisão impugnada faz parte de um conjunto de medidas que visam aliviar a carga que onera esses dois Estados‑Membros, das quais algumas têm precisamente por objeto melhorar o funcionamento do seu regimes de asilo respetivo, de modo que a adequação desse mecanismo para atingir esses objetivos não pode ser avaliada isoladamente, mas deve ser apreendida no âmbito do conjunto das medidas de que faz parte.

216    Assim, a decisão impugnada prevê no seu artigo 8.o medidas complementares, designadamente em matéria de reforço da capacidade, da qualidade e da eficácia dos regimes de asilo que devem ser tomadas pela República Helénica e pela República Italiana, que se juntam às medidas já impostas pelo artigo 8.o da Decisão 2015/1523, e cujo objetivo consiste, segundo o considerando 18 da decisão impugnada, em obrigar esses Estados‑Membros a «apresentarem soluções estruturais para fazer face às pressões excecionais exercidas sobre os respetivos sistemas de asilo e migração, mediante a criação de um quadro estratégico sólido para dar resposta à situação de crise e a intensificação do processo de reformas em curso neste domínio».

217    Além disso, o artigo 7.o da decisão impugnada prevê a prestação de um apoio operacional aos referidos Estados‑Membros e o seu artigo 10.o prevê um apoio financeiro em seu benefício por cada pessoa recolocada.

218    O mecanismo de recolocação que prevê a decisão impugnada acresce de resto a outras medidas que visam aliviar os regimes de asilo italiano e grego que foram gravemente perturbados pelos afluxos maciços sucessivos verificados a partir de 2014. Foi o caso do programa europeu de reinstalação de 22 504 pessoas com necessidade de proteção internacional, no qual os Estados‑Membros e os Estados associados ao sistema que decorre da aplicação do regulamento de Dublim III acordaram em 20 de julho de 2015, da Decisão 2015/1523 relativa à recolocação de 40 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional, ou ainda da implementação de «hotspots» em Itália e na Grécia no âmbito dos quais o conjunto das agências da União competentes em matéria de asilo e peritos dos Estados‑Membros trabalham concretamente com as autoridades nacionais e locais para auxiliar os Estados‑Membros em questão a cumprir as suas obrigações previstas pelo direito da União para com essas pessoas, em termos de controlo, de identificação, de registo de testemunhos e de recolha de impressões digitais.

219    Aliás, tal como recorda o considerando 15 da decisão impugnada, a República Helénica e a República Italiana puderam beneficiar de um apoio operacional e de auxílios financeiros importantes da União no quadro da política de migração e de asilo.

220    Enfim, não pode deduzir‑se a posteriori do número pouco elevado de recolocações efetuadas até à data em aplicação da decisão impugnada que esta era desde a sua origem inadequada para atingir o objetivo prosseguido, tal como sustentam a República Eslovaca e a Hungria no quadro do seu nono fundamento.

221    Com efeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a validade de um ato da União não pode depender de considerações retrospetivas relativas ao seu grau de eficácia. Quando o legislador da União é levado a apreciar os efeitos futuros de uma regulamentação a adotar quando esses efeitos não podem ser previstos com exatidão, a sua apreciação só pode ser censurada se se afigurar manifestamente errada à luz dos elementos de que dispunha no momento da adoção da regulamentação em causa (v., designadamente, acórdãos de 12 de julho de 2001, Jippes e o., C‑189/01, EU:C:2001:420, n.o 84, e de 9 de junho de 2016, Pesce e o., C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 50).

222    No caso em apreço, tal como resulta designadamente considerandos 13, 14 e 26 da decisão impugnada, o Conselho, quando adotou o mecanismo de recolocação de um número importante de requerentes de proteção internacional, procedeu, com fundamento numa análise pormenorizada dos dados estatísticos disponíveis na época, a uma análise prospetiva dos efeitos dessa medida na situação de emergência em causa. Ora, à luz desses dados, essa análise não parece manifestamente errónea.

223    Além disso, parece que o número pouco elevado de recolocações efetuadas até à data em aplicação da decisão impugnada pode explicar‑se por um conjunto de elementos que o Conselho não podia prever no momento da adoção desta, designadamente, a falta de cooperação de certos Estados‑Membros.

224    À luz das considerações precedentes, há que afastar o sexto fundamento da República Eslovaca, relativo à inadequação da decisão impugnada para atingir o objetivo que prossegue, por infundado.

c)      Quanto ao sexto fundamento da República Eslovaca, relativo ao caráter desnecessário da decisão impugnada tendo em conta o objetivo que a mesma visa atingir

1)      Argumentos das partes

225    A República Eslovaca, apoiada pela República da Polónia, alega, antes de mais, que o objetivo que prossegue a decisão impugnada podia ser realizado de maneira igualmente eficaz com recurso a outras medidas que poderiam ter sido tomadas no quadro de instrumentos existentes e que teriam sido menos restritivas para os Estados‑Membros e menos intrusivas relativamente ao direito «soberano» de cada um deles de decidir livremente sobre a admissão de nacionais de países terceiros no seu território e do direito dos Estados‑Membros, enunciado no artigo 5.o do Protocolo (n.o 2), de que o encargo financeiro e administrativo seja o menos elevado possível.

226    Com efeito, em primeiro lugar, era possível aplicar o mecanismo previsto pela Diretiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de julho de 2001, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de proteção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados‑Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento (JO 2001, L 212, p. 12).

227    A Diretiva 2001/55/CE visava, em substância, responder às mesmas situações de afluxo maciço de migrantes que a decisão impugnada, prevendo um procedimento de recolocação das pessoas que beneficiam de proteção temporária. Todavia, essa diretiva é menos atentatória do direito soberano de cada Estado‑Membro de decidir livremente sobre a admissão de nacionais de países terceiros no seu território, sobretudo na medida em que permite que os próprios Estados‑Membros decidam quanto ao número de pessoas a recolocar no seu território tendo em conta a suas capacidades de acolhimento. Além disso, o estatuto de proteção temporária confere menos direitos que o estatuto de proteção internacional que a decisão impugnada visa conceder, designadamente quanto à duração de tal proteção, e impõe, assim, nitidamente menos encargos ao Estado‑Membro de recolocação.

228    Em segundo lugar, a República Eslovaca sustenta que a República Helénica e a República Italiana podiam ter ativado o mecanismo dito de «proteção civil da União», previsto no artigo 8.o‑A do Regulamento (CE) n.o 2007/2004 do Conselho, de 26 de outubro de 2004, que cria uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia (JO 2004, L 349, p. 11). Este mecanismo era suscetível de lhes fornecer a assistência material necessária.

229    A República Helénica e a República Italiana também podiam, em terceiro lugar, pedir assistência à agência Frontex sob a forma de «intervenções rápidas». Do mesmo modo, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alínea f), e o artigo 9.o, n.os 1 e 1‑B, do Regulamento n.o 2007/2004, esses dois Estados‑Membros podiam ter solicitado a agência Frontex a fim de lhes prestar a assistência necessária para a organização das operações de regresso.

230    Tal assistência pela agência Frontex é suscetível de aliviar diretamente os regimes de asilo e de migração dos dois Estados‑Membros em questão, permitindo‑lhes concentrar os seus meios nos migrantes que pedem a concessão de proteção internacional.

231    Em seguida, não teria sido necessário adotar outras medidas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, uma vez que a Decisão 2015/1523 deixa aos Estados‑Membros o cuidado de decidir, num espírito de solidariedade, em que medida entendem participar no compromisso comum. Essa decisão seria, portanto, menos atentatória da sua soberania. Dado que a decisão impugnada só foi adotada oito dias após a Decisão 2015/1523 que prevê a recolocação de 40 000 pessoas, teria sido impossível, num lapso de tempo tão curto, concluir que a Decisão 2015/1523 era inadequada para responder à situação que prevalecia naquele momento. Com efeito, aquando da adoção da decisão impugnada, o Conselho não podia prever que as medidas de acolhimento contidas na Decisão 2015/1523 seriam rapidamente insuficientes e que seriam necessárias medidas suplementares.

232    Além disso, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE permitia igualmente adotar medidas menos restritivas para os Estados‑Membros, mas adequadas para atingir o objetivo prosseguido, tais como a prestação de uma ajuda para facilitar o regresso e o registo ou um apoio financeiro, material, técnico e pessoal aos regimes de asilo italiano e grego. Os Estados‑Membros podiam igualmente tomar, numa base voluntária, iniciativas bilaterais a fim de fornecer esse apoio, iniciativas essas que, aliás, foram tomadas.

233    Por último, a recolocação dos requerentes prevista pela decisão impugnada implicaria inevitavelmente encargos financeiros e administrativos para os Estados‑Membros. Ora, a imposição de tal encargo não era necessária porque poderiam ter sido ponderadas outras medidas menos restritivas. Por conseguinte, essa decisão constituía uma medida supérflua e prematura, contrária ao princípio da proporcionalidade e ao artigo 5.o do Protocolo (n.o 2).

234    O Conselho sustenta que, na adoção da decisão impugnada, assegurou‑se de que, nos termos do princípio da proporcionalidade, não existia nenhuma medida alternativa que permitisse atingir de maneira tão eficaz o objetivo visado nessa decisão, afetando o menos possível a soberania dos Estados‑Membros ou os seus interesses financeiros. As medidas alternativas enumeradas pela República Eslovaca não iriam, no entanto, nesse sentido.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

235    Antes de analisar os diferentes argumentos que a República Eslovaca suscita para demonstrar que a decisão impugnada não era necessária, porque o Conselho podia atingir o objetivo visado nessa decisão tomando medidas menos restritivas e atentatórias do direito dos Estados‑Membros de decidir, no respeito das regras adotadas pela União no domínio da política comum em matéria de asilo, sobre o acesso ao seu território de nacionais de países terceiros, há que recordar o contexto particularmente delicado no qual foi tomada a decisão impugnada, a saber, a situação de emergência grave, na Grécia e em Itália, caracterizada por um afluxo maciço e súbito de nacionais de países terceiros durante os meses de julho e agosto de 2015.

236    Nesse contexto específico, tendo em conta os princípios já recordados nos n.os 206 a 208 do presente acórdão, deve admitir‑se que a decisão de adotar um mecanismo restritivo de recolocação de 120 000 pessoas a título do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, devendo basear‑se em critérios objetivos, só pode ser censurada pelo Tribunal de Justiça se se verificar que, no momento da adoção da decisão impugnada, à luz das informações e dos dados disponíveis nesse momento, o Conselho cometeu um erro manifesto de apreciação, no sentido de que nenhuma outra medida menos restritiva, mas igualmente eficaz, poderia ter sido tomada nos mesmos prazos.

237    Ora, a esse respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que, sendo certo que a Decisão 2015/1523 foi adotada em 14 de setembro de 2015, ou seja, oito dias antes da decisão impugnada, existe uma ligação entre esses atos.

238    Com efeito, a Decisão 2015/1523 visava executar as conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015, bem como o acordo entre os Estados‑Membros que assumiu a forma de uma resolução datada de 20 de julho de 2015. Tal como resulta dos dados estatísticos mencionados nos considerandos 10 e 11 da Decisão 2015/1523, esta visava remediar uma situação de emergência que se manifestou no decurso do primeiro semestre de 2015.

239    Resulta, além disso, do considerando 21 dessa mesma decisão que o número total de 40 000 requerentes foi fixado com base, por um lado, no número global de nacionais de países terceiros que entraram irregularmente na Grécia ou em Itália em 2014 e, por outro, no número daqueles que tinham clara necessidade de proteção internacional, que representavam cerca de 40% do número global de nacionais de países terceiros. É com base nesses dados estatísticos relativos a 2014 que foi decidido que 60% dessas 40 000 pessoas deviam ser recolocadas a partir de Itália e 40% a partir da Grécia.

240    Em contrapartida, resulta das considerações e dos dados estatísticos nos quais o Conselho se baseou para a adoção da decisão impugnada e que resultam, em especial, dos considerandos 12, 13 e 26 desta, que essa instituição entendeu que um mecanismo de recolocação de 120 000 pessoas, acrescendo ao previsto pela Decisão 2015/1523, devia ser instaurado para aliviar a pressão que se exercia sobre a República Italiana e sobretudo a República Helénica no contexto de uma nova situação de emergência resultante do afluxo maciço de migrantes em situação irregular nesses Estados‑Membros, que tinha ocorrido nos oito primeiros meses de 2015 e, em especial, em julho e agosto desse ano.

241    Esse novo afluxo, de uma amplitude sem precedentes, era igualmente caracterizado pelo facto de resultar, tal como refere o considerando 12 da decisão impugnada, de uma deslocação dos fluxos migratórios que tinha prosseguido da rota do Mediterrâneo Central para a rota do Mediterrâneo Oriental e dos Balcãs Ocidentais. Essa deslocação parcial da crise de Itália para a Grécia explica, aliás, por que motivo, num total de 120 000 requerentes de proteção internacional, se decidiu que 13% destes seriam recolocados a partir de Itália e 42% a partir da Grécia.

242    Nestas circunstâncias, não pode considerar‑se que o Conselho cometeu um erro manifesto de apreciação ao entender, tendo em conta os dados mais recentes que estavam à sua disposição, que a situação de emergência existente em 22 de setembro de 2015 justificava a recolocação de 120 000 pessoas e que a recolocação de 40 000 pessoas já prevista pela Decisão 2015/1523 não era suficiente.

243    Em segundo lugar, quanto à incidência da decisão impugnada no quadro jurídico que regula a admissão de nacionais de países terceiros, há que salientar que o mecanismo de recolocação que prevê essa decisão, embora seja de caráter vinculativo, apenas se aplica durante um período de dois anos e diz respeito a um número limitado de migrantes com clara necessidade de proteção internacional.

244    O efeito vinculativo da decisão impugnada é igualmente limitado pelo facto de essa decisão estabelecer como condição da recolocação que os Estados‑Membros indiquem periodicamente e, pelo menos, de três em três meses, o número de requerentes que podem rapidamente ser recolocados no seu território (artigo 5.o, n.o 2, da decisão impugnada) e que estejam de acordo com a recolocação da pessoa em questão (artigo 5.o, n.o 4, dessa decisão), entendendo‑se, todavia, que, nos termos do artigo 5.o, n.o 7, da referida decisão, um Estado‑Membro só tem o direito de recusar a recolocação de um requerente por motivos razoáveis de ordem pública e de segurança nacional.

245    Em terceiro lugar, quanto ao argumento da República Eslovaca segundo o qual a decisão impugnada constitui uma medida desproporcionada porque impõe sem necessidade um mecanismo vinculativo que implica uma repartição numérica e obrigatória, sob a forma de contingentes, das pessoas recolocadas entre os Estados‑Membros, não parece que o Conselho, ao ter decidido impor tal mecanismo vinculativo de recolocação, tenha cometido um erro manifesto de apreciação.

246    Com efeito, o Conselho entendeu com razão, no âmbito da ampla margem de apreciação que lhe deve ser reconhecida a esse respeito, que o caráter vinculativo da repartição das pessoas recolocadas se impunha tendo em conta a situação de emergência em que a decisão impugnada devia ser adotada.

247    O Conselho salientou, aliás, sem ser contrariado nesse ponto, que verificou que a repartição por consenso entre os Estados‑Membros das 40 000 pessoas afetadas pela Decisão 2015/1523 tinha, mesmo após longas conversações, redundado num fracasso, de modo que essa decisão foi finalmente adotada sem se lhe juntar um quadro estabelecendo os compromissos dos Estados‑Membros de recolocação.

248    É pacífico que, no quadro das negociações relativas à decisão impugnada no seio do Conselho, se tornou rapidamente evidente que uma decisão por consenso, em especial sobre a repartição das pessoas recolocadas, se revelava impossível a curto prazo.

249    Ora, o Conselho devia, face à situação de emergência em que se encontravam a República Helénica e a República Italiana na sequência de um afluxo sem precedentes de migrantes durante os meses de julho e agosto de 2015, tomar medidas que pudessem ser executadas rapidamente e produzir um efeito concreto a fim de auxiliar esses Estados‑Membros a dominar os importantes fluxos migratórios no seu território.

250    Além disso, à luz das considerações e dos dados estatísticos visados, designadamente, nos considerandos 12 a 16 da decisão impugnada, não pode alegar‑se que o Conselho cometeu um erro manifesto de apreciação ao entender que essa situação exigia a adoção de uma medida temporária de recolocação de caráter vinculativo.

251    Assim, resulta, por um lado, do considerando 15 da decisão impugnada que o Conselho verificou que já tinham sido tomadas muitas medidas no sentido de auxiliar a República Helénica e a República Italiana no âmbito da política de migração e de asilo, bem como, por outro lado, do considerando 16 dessa decisão que, dado que a pressão significativa e crescente sobre os regimes de asilo grego e italiano se arriscava a perdurar, o Conselho considerou que era essencial demonstrar solidariedade para com esses dois Estados‑Membros e completar as medidas tomadas até então com as medidas provisórias previstas pela referida decisão.

252    A esse respeito, quando da adoção da decisão impugnada, o Conselho era efetivamente obrigado, tal como, de resto, resulta do considerando 2 dessa decisão, a aplicar o princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre Estados‑Membros, incluindo no plano financeiro, que se impõe, em virtude do artigo 80.o TFUE, na execução da política comum da União em matéria de asilo.

253    Assim, no caso vertente, o Conselho não pode ser acusado de ter cometido um erro manifesto de apreciação por ter entendido que devia tomar, tendo em consideração a emergência específica da situação, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, lido à luz do artigo 80.o TFUE, e com o princípio da solidariedade entre Estados‑Membros que nele se encontra consagrado, medidas provisórias que consistem em impor um mecanismo de recolocação obrigatório, tal como o previsto pela decisão impugnada.

254    Em quarto lugar, ao contrário do que sustentam a República Eslovaca e a Hungria, a escolha de um mecanismo de recolocação obrigatório não pode ser criticada pelo motivo de o artigo 78.o, n.o 3, TFUE permitir unicamente a adoção de medidas provisórias que podem ser rapidamente implementadas, quando tal mecanismo de recolocação requer um certo tempo de preparação e de execução até que possa ser atingido um ritmo sustentado de recolocações.

255    Com efeito, uma vez que essa disposição visa a aplicação de medidas úteis e que não fixa para esse fim nenhum prazo no qual as medidas provisórias devam produzir efeitos, há que considerar que o Conselho não excedeu a sua ampla margem de apreciação ao considerar que a situação que dominava em julho e em agosto de 2015 justificava que, para lhe dar resolução, fosse adotado um mecanismo de recolocação restritivo e que este último fosse aplicado o mais rapidamente possível a fim de produzir resultados concretos de modo igualmente rápido, no termo de um eventual período de preparação e de execução.

256    Em especial, no caso da Diretiva 2001/55, o Conselho sustentou, igualmente, sem ser contrariado quanto a esse ponto, que o sistema de proteção temporária previsto por esta diretiva não dava uma resposta efetiva ao problema que se coloca no caso vertente, a saber, a saturação completa das infraestruturas de acolhimento na Grécia e em Itália e a necessidade de aliviar estes dois Estados‑Membros o mais rapidamente possível de um número importante de migrantes já chegados ao seu território, na medida em que esse sistema de proteção temporária prevê que as pessoas elegíveis têm direito a proteção no Estado‑Membro em que se encontram.

257    Em quinto lugar, a escolha operada na decisão impugnada de conceder uma proteção internacional em vez de um estatuto que confere direitos mais limitados, tal como o da proteção temporária previsto pela Diretiva 2001/55, é uma escolha essencialmente política cuja oportunidade não pode ser analisada pelo Tribunal de Justiça.

258    No que respeita, em sexto lugar, às outras medidas que avança a República Eslovaca e que constituem medidas menos restritivas que a decisão impugnada, há que observar, antes de mais, que as medidas que visam o reforço das fronteiras externas ou ainda as medidas que visam conceder um apoio financeiro ou operacional aos regimes de asilo grego e italiano não constituem, ao contrário do mecanismo de recolocação previsto pela decisão impugnada, uma resposta suficiente à necessidade de aliviar a pressão sobre esses regimes ocasionada por um afluxo de migrantes que já se tinha produzido.

259    Trata‑se, com efeito, de medidas complementares que podem contribuir para dominar melhor novos afluxos de migrantes mas que, enquanto tais, não podem remediar o problema existente da saturação dos regimes de asilo grego e italiano por pessoas que já estão presentes no território desses Estados‑Membros.

260    Enfim, em sétimo lugar, quanto ao argumento segundo o qual a aplicação do mecanismo de recolocação previsto pela decisão impugnada implica encargos desproporcionados para os Estados‑Membros, a República Eslovaca não avançou nenhum elemento concreto que demonstre que as medidas alternativas que propõe, tais como o aumento dos meios, designadamente técnicos e financeiros, a favor da República Helénica e da República Italiana, implica manifestamente menos custos que um mecanismo temporário de recolocação.

261    Por conseguinte, os argumentos suscitados pela República Eslovaca que visam contestar a necessidade da decisão impugnada devem ser julgados improcedentes por infundados. Por conseguinte, o sexto fundamento apresentado pela República Eslovaca deve ser julgado improcedente na íntegra.

d)      Quanto ao nono fundamento da Hungria, relativo ao caráter desnecessário da decisão impugnada tendo em conta o objetivo que a mesma visa atingir

1)      Argumentos das partes

262    A Hungria, apoiada pela República da Polónia, sustenta que, uma vez que, ao contrário do que previa a proposta inicial da Comissão, no texto final da decisão impugnada, a Hungria não figura entre os Estados‑Membros beneficiários, não se justificava que a decisão impugnada previsse a recolocação de 120 000 requerentes e que, por isso, a referida decisão é contrária ao princípio da proporcionalidade.

263    Com efeito, a fixação desse número total de 120 000 pessoas cuja recolocação é prevista pela decisão impugnada excede o que é necessário para atingir o objetivo prosseguido por essa decisão porque esse número inclui um número de 54 000 pessoas que, segundo a proposta inicial da Comissão, deviam ser recolocadas a partir da Hungria. Não se justificava que o número total de requerentes que deviam ser objeto de uma operação de recolocação não fosse revisto por baixo, dado que esse número total tinha sido fixado inicialmente com base não em dois mas em três Estados‑Membros beneficiários.

264    Além disso, a repartição dos 54 000 requerentes que se previa inicialmente serem recolocados a partir da Hungria tornou‑se hipotética e incerta, na medida em que a decisão impugnada previa que essa repartição seria objeto de uma decisão definitiva em função de evoluções ulteriores.

265    A Hungria sustenta que, embora o artigo 78.o, n.o 3, TFUE vise reagir rapidamente a uma situação não hipotética, mas existente, não estava claramente estabelecido, aquando da adoção da decisão impugnada, que a recolocação desses 54 000 requerentes era necessária nem, no caso de o ter sido, a partir de que Estados‑Membros beneficiários esta devia operar‑se.

266    O Conselho recusa os argumentos da Hungria e sustenta, designadamente, que, com base em todos os dados estatísticos disponíveis no momento da adoção da decisão impugnada, considerou com razão que, mesmo após a retirada da Hungria como Estado‑Membro beneficiário, havia que manter o total de 120 000 pessoas a recolocar.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

267    Resulta, antes de mais, do considerando 26 da decisão impugnada que o Conselho entendeu que havia que recolocar «um número importante de requerentes com clara necessidade de uma proteção internacional» e que o número de 120 000 requerentes foi fixado «[com] base no número total de nacionais de países terceiros que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em 2015, bem como no número de pessoas que têm clara necessidade de proteção internacional».

268    No considerando 13 da decisão impugnada, o Conselho apresentou, designadamente, com precisão, os dados estatísticos relativos ao número de entradas irregulares na Grécia e em Itália em 2015, especialmente durante os meses de julho e agosto desse mesmo ano, que teve em conta para determinar esse número de 120 000 requerentes.

269    Decorre dessas indicações que o Conselho decidiu, mesmo após a retirada da Hungria enquanto Estado‑Membro beneficiário, manter o número total de 120 000 pessoas que devem ser recolocadas tendo em consideração a gravidade da situação na Grécia e em Itália em 2015, em especial nos meses de julho e agosto desse ano.

270    Pode igualmente deduzir‑se do considerando 26 da decisão impugnada que o Conselho manteve esse número total de 120 000 pessoas porque entendia que só a recolocação de um número «importante» de requerentes com clara necessidade de proteção internacional podia concretamente reduzir a pressão que era exercida, na altura, sobre os regimes de asilo grego e italiano.

271    A necessidade de manter o número de 54 000 requerentes que era inicialmente afetado às recolocações a partir da Hungria pode igualmente apoiar‑se no considerando 16 da decisão impugnada. Daí resulta, com efeito, que, devido à situação de instabilidade e aos conflitos constantes nas vizinhanças próximas da Grécia e da Itália, era muito provável que continuasse a existir uma pressão significativa e crescente sobre os regimes de asilo grego e italiano após a adoção da decisão impugnada.

272    Não tendo a Hungria demonstrado, com base em elementos precisos, que os dados estatísticos tidos em conta pelo Conselho para fixar em 120 000 o número total de pessoas a recolocar não eram pertinentes, há que verificar que o Conselho, ao reter esse número, com base nessas considerações e nesses dados, mesmo após a retirada da Hungria enquanto Estado‑Membro beneficiário da recolocação, não cometeu um erro manifesto de apreciação.

273    Em seguida, a Hungria sustenta que as regras que regulam o número de 54 000 requerentes, que se previa inicialmente ser afetado a recolocações a partir da Hungria, constituem um dispositivo hipotético e incerto, porque a decisão impugnada prevê que as recolocações serão objeto, a esse respeito, de uma decisão definitiva tomada à luz de evoluções ulteriores.

274    Todavia, resulta do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), n.os 2 e 3, da decisão impugnada que a afetação do referido número de 54 000 requerentes é regulada por um dispositivo que contém uma regra principal, enunciada no artigo 4.o, n.o 2, dessa decisão, segundo a qual, a partir de 26 de setembro de 2016, esses requerentes serão objeto de recolocação a partir da Grécia e de Itália, na proporção resultante dos números de requerentes previstos no artigo 4.o, n.o 1, alíneas a) e b), da referida decisão, no território de outros Estados‑Membros.

275    Essa regra principal constitui uma regra por defeito, na medida em que é acompanhada de uma regra de caráter flexível, prevista no artigo 4.o, n.o 3, da decisão impugnada, que permite que a referida regra principal seja adaptada ou alterada, se isso se justificar pela evolução da situação ou pelo facto de um Estado‑Membro ser confrontado com uma situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros em virtude de uma forte mudança dos fluxos migratórios.

276    Tal regra permite reagir, em caso de necessidade, às evoluções futuras e permite, assim, adaptar melhor as recolocações às necessidades mais urgentes.

277    Com efeito, a eficácia de um mecanismo de recolocação de um número importante de requerentes, executado em duas fases num período de dois anos, tal como o que é previsto pela decisão impugnada, exige que esse mecanismo possa, em certas condições, ser adaptado no decurso do seu período de aplicação.

278    Por conseguinte, o nono fundamento da Hungria deve ser julgado improcedente por infundado.

e)      Quanto ao décimo fundamento da Hungria, relativo à violação do princípio da proporcionalidade devido aos efeitos específicos que a decisão impugnada produz em relação à Hungria

1)      Argumentos das partes

279    A Hungria sustenta, a título subsidiário, que se o Tribunal de Justiça não acolher nenhum dos seus fundamentos de anulação, a decisão impugnada é, em qualquer caso, ilegal, na medida em que viola o artigo 78.o, n.o 3, TFUE e o princípio da proporcionalidade no que se refere à Hungria.

280    A Hungria censura o Conselho por a ter incluído entre os Estados‑Membros de recolocação após esta ter renunciado ao estatuto de Estado‑Membro beneficiário tal como previsto pela proposta inicial da Comissão. Ora, é incontestável que esse Estado‑Membro estava sujeito a uma pressão migratória especialmente forte, quer no período que antecedeu a adoção da decisão impugnada quer no momento da adoção dessa decisão. Nessas circunstâncias, a decisão impugnada obriga a Hungria a suportar uma carga desproporcionada, impondo‑lhe contingentes de recolocação obrigatórios ao mesmo título que os outros Estados‑Membros.

281    A imposição de tais contingentes à Hungria, num momento em que a própria Hungria tinha necessidade de ajuda para gerir o fluxo dos migrantes, é contrária ao artigo 78.o, n.o 3, TFUE, uma vez que essa disposição prevê a adoção de medidas provisórias em benefício dos Estados‑Membros confrontados com um súbito afluxo de nacionais de países terceiros e se opõe, por conseguinte, à imposição de um fardo suplementar a um Estado‑Membro que se encontra numa situação de emergência caracterizada por tal afluxo.

282    O Conselho sustenta que esse fundamento é inadmissível, dado que visa a anulação parcial da decisão impugnada na medida em que se refere à Hungria, quando essa mesma decisão forma um todo indivisível. Quanto ao mérito, o Conselho sustenta designadamente que, no momento da adoção da decisão impugnada, a Hungria já não se encontrava numa «situação de emergência», na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, que justificasse a sua inclusão entre os Estados‑Membros beneficiários a título da decisão impugnada. Além disso, o mecanismo de recolocação previsto pela decisão impugnada é acompanhado de mecanismos de ajustamento que permitem que um Estado‑Membro requeira que as suas obrigações de recolocação sejam suspensas em caso de forte mudança dos fluxos migratórios.

2)      Apreciação do Tribunal de Justiça

283    A título preliminar, há que considerar que, para os fins de uma boa administração da justiça, justifica‑se, nas circunstâncias do caso presente, analisar quanto ao mérito o décimo fundamento que a Hungria suscita a título subsidiário, relativo à violação do princípio da proporcionalidade devido aos efeitos particulares da decisão impugnada sobre esse Estado‑Membro, sem decidir sobre a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho, uma vez que esse fundamento deve em qualquer caso ser julgado improcedente (v., nesse sentido, acórdão de 24 de junho de 2015, Fresh Del Monte Produce/Comissão e Comissão/Fresh Del Monte Produce, C‑293/13 P e C‑294/13 P, EU:C:2015:416, n.o 193 e jurisprudência referida).

284    A análise quanto ao mérito desse décimo fundamento da Hungria exige que se recorde a génese da decisão impugnada.

285    Na sua proposta de 9 de setembro de 2015, a Comissão tinha colocado a Hungria entre os Estados‑Membros beneficiários da recolocação uma vez que os dados para os oito primeiros meses de 2015 e, em especial, para os meses de julho e agosto desse ano revelavam uma chegada maciça, pela rota dita dos «Balcãs ocidentais», de migrantes provenientes maioritariamente da Grécia, exercendo assim uma pressão considerável sobre o regime de asilo húngaro, comparável à pressão exercida sobre os regimes de asilo grego e italiano.

286    Todavia, na sequência da construção pela Hungria de uma barreira na fronteira com a Sérvia e do trânsito maciço de migrantes presentes na Hungria para oeste, principalmente para a Alemanha, essa pressão foi consideravelmente reduzida a meio de setembro de 2015, dado que o número de migrantes em situação irregular presentes no território húngaro baixou de modo significativo.

287    Foi no contexto desses acontecimentos, ocorridos no mês de setembro de 2015, que a Hungria pediu formalmente ao Conselho para não ser incluída entre os Estados‑Membros beneficiários da recolocação.

288    O Conselho registou esse pedido e fez a declaração citada no n.o 165 do presente acórdão aquando da sessão plenária do Parlamento Europeu de 16 de setembro de 2015.

289    Ora, segundo a Hungria, a imposição de contingentes obrigatórios constituiria uma carga desproporcionada para a Hungria, tendo em conta o facto de que esta se encontrava, mesmo após meados de setembro de 2015, numa situação de emergência, dado que a pressão migratória sobre as suas fronteiras não tinha diminuído mas se tinha deslocado para a sua fronteira com a Croácia onde ocorriam diariamente passagens irregulares importantes. Por conseguinte, na medida em que a Hungria se confrontou sempre, mesmo aquando da adoção da decisão impugnada, com uma situação de emergência, foi em violação do objetivo do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, que visa ajudar os Estados‑Membros que se encontram em tal situação, que se decidiu incluir a Hungria entre os Estados‑Membros de recolocação e impor‑lhe, a esse título, encargos suplementares sob a forma de contingentes de recolocação.

290    A esse respeito, não pode contestar‑se que a decisão impugnada, na medida em que prevê, designadamente, uma repartição obrigatória entre todos os Estados‑Membros dos migrantes que devem ser relocalizados a partir da Grécia e da Itália, por um lado, tem um impacto no conjunto dos Estados‑Membros de recolocação e, por outro, exige que seja assegurado um equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo, tendo em conta os objetivos prosseguidos por essa decisão. Consequentemente, não pode considerar‑se contrária ao princípio da proporcionalidade a procura desse equilíbrio tomando em consideração não a situação particular de um único Estado‑Membro, mas a de todos os Estados‑Membros (v., por analogia, acórdão de 18 de junho de 2015, Estónia/Parlamento Europeu e Conselho, C‑508/13, EU:C:2015:403, n.o 39).

291    Quando um ou mais Estados‑Membros se encontram numa situação de emergência na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, os encargos que comportam as medidas provisórias adotadas em virtude dessa disposição em benefício desse ou desses Estados‑Membros devem, em princípio, ser repartidos entre todos os outros Estados‑Membros, em conformidade com o princípio da solidariedade e da partilha equitativa das responsabilidades entre os Estados‑Membros, uma vez que, em conformidade com o artigo 80.o TFUE, esse princípio rege a política da União em matéria de asilo.

292    Por conseguinte, foi com razão que, no caso vertente, aquando da adoção da decisão impugnada, a Comissão e o Conselho consideraram que a repartição dos requerentes recolocados entre todos os Estados‑Membros, em conformidade com o princípio consagrado no artigo 80.o TFUE, constituía um elemento fundamental da decisão impugnada. Isso resulta das múltiplas referências ao referido princípio na decisão impugnada, designadamente nos seus considerandos 2, 16, 26 e 30.

293    Ora, perante a recusa da Hungria em beneficiar do mecanismo de recolocação como tinha proposto a Comissão, o Conselho não pode ser criticado, à luz do princípio da proporcionalidade, por ter deduzido do princípio da solidariedade e da partilha equitativa das responsabilidades que impõe o artigo 80.o TFUE que deviam ser atribuídos contingentes de recolocação à Hungria, à semelhança de todos os outros Estados‑Membros que não beneficiam desse mecanismo de recolocação.

294    De resto, convém salientar que a decisão impugnada prevê, no seu artigo 4.o, n.o 5, e no seu artigo 9.o, a possibilidade de um Estado‑Membro, em certas condições, pedir a suspensão das obrigações que lhe incumbem enquanto Estado‑Membro de recolocação a título dessa decisão.

295    Assim, na Decisão 2016/408, adotada em virtude do artigo 4.o, n.o 5, da decisão impugnada, o Conselho, reconhecendo designadamente que a República da Áustria se confrontava com circunstâncias excecionais e com uma situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros ao seu território e que esse Estado‑Membro era, após o Reino da Suécia, o segundo país da União com o maior número de requerentes de proteção internacional por habitante, decidiu que as obrigações que incumbem à República da Áustria a título do contingente de recolocação que lhe tinha sido atribuído deviam ser suspensas até 30% desse contingente durante um ano.

296    Do mesmo modo, na Decisão 2016/946, o Conselho, considerando designadamente que o Reino da Suécia enfrentava uma situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros ao seu território devido a uma importante mudança dos fluxos migratórios e que esse Estado‑Membro tinha, de longe, o maior número de requerentes de proteção internacional por habitante na União, decidiu que as obrigações que lhe incumbiam enquanto Estado‑Membro de recolocação a título da decisão impugnada deviam ser suspensas durante o período de um ano.

297    Sobretudo, decorre do mecanismo de ajustamento previsto no artigo 4.o, n.o 3, da decisão impugnada, que um Estado‑Membro que considera encontrar‑se numa situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros devido a uma mudança importante dos fluxos migratórios pode, invocando motivos devidamente justificados, advertir a Comissão e o Conselho dessa situação de emergência, o que pode conduzir a uma alteração da referida decisão, de modo a que esse Estado‑Membro possa beneficiar, a contar de 26 de setembro de 2016, da recolocação do número de 54 000 requerentes visado no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), dessa mesma decisão.

298    Ora, a existência desses diferentes mecanismos de ajustamento demonstra que o mecanismo de recolocação que prevê a decisão impugnada, considerado no seu conjunto, permite ter em conta, de modo proporcionado, a situação particular de cada Estado‑Membro a esse respeito.

299    O caráter proporcionado do mecanismo de recolocação previsto pela decisão impugnada resulta igualmente da chave de repartição em função da qual foram fixados, respetivamente no anexo I e no anexo II da decisão impugnada, os contingentes de recolocação provenientes da Grécia e de Itália.

300    Com efeito, embora o texto final da decisão impugnada se limite a enunciar, no seu considerando 26, que o mecanismo de recolocação previsto por essa decisão «constitui uma partilha equitativa do ónus entre a Itália e a Grécia, por um lado, e os outros Estados‑Membros, por outro, tendo em conta os dados disponíveis sobre as passagens irregulares das fronteiras em 2015», é pacífico que os contingentes fixados pela decisão impugnada o foram com base numa chave de repartição cujo cálculo é referido no considerando 25 da proposta inicial da Comissão nos seguintes termos:

«[…] A chave de repartição proposta tem por base a) o número de habitantes (ponderação de 40%), b) o PIB global (ponderação de 40%), c) o número médio de pedidos de asilo apresentados por milhão de habitantes durante o período 2010‑2014 (ponderação de 10%, com um limite de 30% para o impacto população/PIB sobre a chave de repartição, a fim de evitar um efeito desproporcionado desse critério na repartição global) e d) a taxa de desemprego (ponderação de 10%, com um limite de 30% para o impacto população/PIB sobre a chave de repartição, a fim de evitar um efeito desproporcionado desse critério na repartição global). […]»

301    Daí resulta que essa chave visa assegurar uma repartição das pessoas recolocadas entre os Estados‑Membros em questão que seja designadamente proporcionada ao peso económico de cada um deles e à pressão migratória exercida sobre o seu regime de asilo.

302    A esse respeito, a República da Polónia desenvolve, com base no décimo fundamento da Hungria, relativo aos efeitos desproporcionados da imposição de contingentes obrigatórios sobre esse Estado‑Membro, uma argumentação genérica que visa criticar os alegados efeitos desproporcionados desses contingentes sobre alguns Estados‑Membros de acolhimento que, a fim de cumprirem as suas obrigações de recolocação, deveriam envidar esforços e suportar encargos muito mais significativos que outros Estados‑Membros de acolhimento. É o caso dos Estados‑Membros que são «quase homogéneos etnicamente como a Polónia» e cuja população difere, do ponto de vista cultural e linguístico, dos migrantes que devem ser recolocados no seu território.

303    Essa argumentação, além de ser inadmissível porque é avançada num articulado de intervenção e vai muito além da argumentação da Hungria que é estritamente limitada à sua própria situação (v., nesse sentido, acórdão de 7 de outubro de 2014, Alemanha/Conselho, C‑399/12, EU:C:2014:2258, n.o 27), deve ser rejeitada.

304    Com efeito, se a recolocação tivesse de ser estritamente condicionada pela existência de ligações culturais ou linguísticas entre cada requerente de proteção internacional e o Estado‑Membro de recolocação, daí decorreria que uma repartição desses requerentes entre todos os Estados‑Membros no respeito do princípio da solidariedade que impõe o artigo 80.o TFUE e, por conseguinte, a adoção de um mecanismo de recolocação obrigatório, seriam impossíveis.

305    Acresce que as considerações ligadas à origem étnica dos requerentes de proteção internacional não podem ser tidas em conta porque são, manifestamente, contrárias ao direito da União e designadamente ao artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

306    Enfim, há que rejeitar o argumento da República da Polónia segundo o qual a decisão impugnada é contrária ao princípio da proporcionalidade, por não permitir que os Estados‑Membros assegurem o exercício efetivo das responsabilidades que lhes incumbem para a manutenção da ordem pública e a salvaguarda da segurança interna a título do artigo 72.o TFUE, o que seria tanto mais grave quanto essa decisão implicaria importantes movimentos ditos «secundários», provocados pela saída de requerentes do seu Estado‑Membro de acolhimento antes de este ter podido decidir definitivamente sobre o seu pedido de proteção internacional.

307    A esse respeito, há que verificar que o considerando 32 da decisão impugnada enuncia, designadamente, que a segurança nacional e a ordem pública deverão ser tidas em conta ao longo de todo o procedimento de recolocação, até à conclusão da transferência do requerente, e que, nesse âmbito, impõe‑se o pleno respeito dos direitos fundamentais do requerente, incluindo as regras aplicáveis em matéria de proteção de dados.

308    Nessa perspetiva, o artigo 5.o da decisão impugnada, intitulado «Procedimento de recolocação», prevê, no seu n.o 7, que os Estados‑Membros só têm o direito de recusar a recolocação de um requerente se houver motivos razoáveis para considerar que este constitui um perigo para a segurança nacional ou ordem pública no seu território.

309    Embora, tal como sustenta a República da Polónia, o mecanismo previsto pelo artigo 5.o, n.o 7, da decisão impugnada fosse ineficaz porque obrigava os Estados‑Membros a fiscalizar muitas pessoas em pouco tempo, essas dificuldades de ordem prática não parecem inerentes ao referido mecanismo e devem, se for caso disso, ser resolvidas no espírito de cooperação e de confiança mútua entre as autoridades dos Estados‑Membros beneficiários da recolocação e as dos Estados‑Membros de recolocação, que deve prevalecer no âmbito da aplicação do procedimento de recolocação previsto no artigo 5.o dessa decisão.

310    À luz das considerações precedentes, o décimo fundamento da Hungria deve ser julgado improcedente por infundado.

2.      Quanto ao oitavo fundamento da Hungria, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da clareza normativa, bem como da Convenção de Genebra

a)      Argumentos das partes

311    A Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, em primeiro lugar, que a decisão impugnada viola os princípios da segurança jurídica e da clareza normativa porque, em vários pontos, não indica claramente de que forma as disposições dessa decisão devem ser aplicadas nem como se articulam com as disposições do Regulamento Dublim III.

312    Assim, embora o considerando 35 da decisão impugnada aborde a questão das garantias jurídicas e processuais relativas às decisões de recolocação, nenhuma das suas disposições normativas regula essa matéria nem faz referência às disposições pertinentes do Regulamento Dublim III. Isso colocaria, designadamente, um problema do ponto de vista do direito de recurso dos requerentes, em especial daqueles cuja recolocação foi recusada.

313    A decisão impugnada também não determina claramente os critérios de escolha para a recolocação dos requerentes. A forma como as autoridades dos Estados‑Membros beneficiários são chamadas a decidir sobre as transferências dos requerentes para um Estado‑Membro de recolocação torna extremamente difícil para esses requerentes saber a priori se farão parte das pessoas recolocadas e, em caso afirmativo, em que Estado‑Membro o serão.

314    Acresce que a decisão impugnada não define de forma adequada o estatuto dos requerentes no Estado‑Membro de recolocação e não assegura que esses requerentes permaneçam efetivamente no Estado‑Membro de recolocação o tempo necessário para que o seu pedido seja decidido. No que se refere aos movimentos ditos «secundários», o artigo 6.o, n.o 5, da decisão impugnada não permite, por si só, assegurar que a decisão impugnada atinja os seus objetivos, designadamente, a repartição dos requerentes entre os Estados‑Membros, se não se garantir que os requerentes permanecem efetivamente nos Estados‑Membros de recolocação.

315    Em segundo lugar, o facto de os requerentes se arriscarem, se for caso disso, a ser recolocados num Estado‑Membro com o qual não têm nenhuma ligação em especial, suscita a questão de saber se a decisão impugnada é, a esse respeito, compatível com a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 [Recueil des Nations Unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados de 31 de janeiro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»).

316    Com efeito, a Hungria sustenta que, segundo a interpretação fornecida no n.o 192 do Manual de Procedimentos e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado de acordo com a Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), maio de 1992], o requerente deve ser autorizado a permanecer no território do Estado‑Membro no qual apresentou o seu pedido até que as autoridades desse país tomem uma decisão sobre esse pedido.

317    Esse direito de permanecer no referido Estado‑Membro é igualmente reconhecido pelo artigo 9.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).

318    Ora, a decisão impugnada priva os requerentes de proteção internacional do referido direito e permite a sua recolocação sem o seu consentimento noutro Estado‑Membro com o qual não têm nenhuma ligação significativa.

319    A República da Polónia sustenta que a decisão impugnada infringe as normas de proteção dos direitos humanos essencialmente porque se substitui ao sistema previsto pelo Regulamento Dublim III, não prevendo nenhum critério claro para determinar o Estado‑Membro no qual o requerente será recolocado em vista da análise do seu pedido de proteção internacional.

320    As pessoas que solicitam proteção internacional podem, em virtude da decisão impugnada, ser recolocadas em regiões afastadas da União com as quais não têm ligações culturais ou sociais, o que torna impossível a sua integração na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento.

321    O Conselho contesta, em primeiro lugar, o facto de a decisão impugnada não respeitar os princípios da segurança jurídica e da clareza normativa. Trata‑se de uma medida de emergência que se insere, por um lado, no acervo relativo ao sistema europeu de asilo, o qual se mantém, em princípio, plenamente aplicável, e, por outro, no ordenamento jurídico criado pelo sistema dos Tratados, bem como pela Carta.

322    Em segundo lugar, quanto à alegada violação do direito de permanecer no território tal como é garantido pela Convenção de Genebra, o Conselho sustenta que esta Convenção e o direito da União não garantem a um requerente de asilo o direito de escolher livremente o seu país de acolhimento.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

323    Em primeiro lugar, quanto ao fundamento relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da clareza normativa, há que recordar que a decisão impugnada é constituída por um conjunto de medidas provisórias, incluindo um mecanismo de recolocação temporária que só derroga o acervo relativo ao sistema comum em matéria de asilo em certos pontos expressamente enumerados. Esse mecanismo insere‑se plenamente nesse acervo, de modo que este último se mantém aplicável, de uma maneira geral.

324    Nessa perspetiva, o Conselho respeitou os princípios da segurança jurídica e da clareza normativa ao precisar, designadamente nos considerandos 23, 24, 35, 36 e 40 da decisão impugnada, a articulação entre as disposições desse ato e as dos atos legislativos adotados no quadro da política comum em matéria de asilo da União.

325    Além disso, no plano nacional, deve ser assegurado um direito de recurso efetivo, em conformidade com o artigo 47.o da Carta, de qualquer decisão tomada por uma autoridade nacional no âmbito do procedimento de recolocação previsto no artigo 5.o da decisão impugnada.

326    A Hungria critica igualmente a decisão impugnada na medida em que esta não contém regras efetivas que assegurem que os requerentes permanecem no Estado‑Membro de recolocação o tempo que demorar a ser decidido o seu pedido ou, por outras palavras, que assegurem que sejam evitados os movimentos ditos «secundários».

327    A esse respeito, há que verificar que os considerandos 38 a 41 da decisão impugnada evocam, de maneira suficientemente circunstanciada e precisa, as medidas que podem ser tomadas pelos Estados‑Membros para evitar esse tipo de movimentos, com base em vários atos legislativos da União que fazem parte do acervo relativo à política comum em matéria de asilo.

328    Além disso, a disposição do artigo 6.o, n.o 5, da decisão impugnada prevê, de maneira clara e precisa, que o requerente ou o beneficiário de proteção internacional que entra no território de um Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro de recolocação sem preencher as condições de estadia nesse outro Estado‑Membro é obrigado a regressar imediatamente ao Estado‑Membro de recolocação.

329    Quanto à censura formulada pela Hungria segundo a qual a decisão impugnada não contém critérios para determinar o Estado‑Membro de recolocação, há que recordar que, tal como resulta do considerando 2 dessa decisão, e como foi salientado, designadamente, nos n.os 253 e 291 a 293 do presente acórdão, a referida decisão teve em conta o artigo 80.o TFUE, que se impõe na execução da política da União em matéria de asilo e, em especial, na adoção de medidas provisórias baseadas no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, do qual decorre que a determinação do Estado‑Membro de recolocação deve ser baseada em critérios ligados à solidariedade e à partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros.

330    Convém acrescentar, por um lado, que o artigo 6.o, n.os 1 e 2, da decisão impugnada prevê certos critérios específicos de determinação do Estado‑Membro de recolocação ligados ao interesse superior da criança e aos vínculos familiares e que, aliás, são análogos aos que prevê o Regulamento Dublim III.

331    Por outro, o considerando 34 da decisão impugnada enumera um conjunto de elementos que visam, designadamente, que os requerentes sejam recolocados num Estado‑Membro com o qual têm ligações familiares, culturais ou sociais e que devem ser tidos especialmente em conta na designação do Estado‑Membro de recolocação e com o objetivo de favorecer a integração dos requerentes no seio deste último.

332    A decisão impugnada não pode, portanto, ser descrita no sentido de que contém um sistema arbitrário que se teria substituído ao sistema objetivo adotado pelo Regulamento Dublim III.

333    Pelo contrário, esses dois sistemas não se distinguem substancialmente um do outro, na medida em que o sistema instituído pela decisão impugnada se baseia, tal como o sistema instituído pelo Regulamento Dublim III, em critérios objetivos, e não na expressão de uma preferência pelo requerente de proteção internacional.

334    Em especial, a regra da responsabilidade do Estado‑Membro de primeira entrada, prevista no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, que é a única regra de determinação do Estado‑Membro responsável prevista por esse regulamento à qual derroga a decisão impugnada, não está ligada às preferências do requerente por um determinado Estado‑Membro de acolhimento e não visa especificamente assegurar que existe uma ligação linguística, cultural ou social entre esse requerente e o Estado‑Membro responsável.

335    Além disso, embora no quadro do procedimento de recolocação não esteja previsto o consentimento do requerente para a sua recolocação, não é menos verdade que o artigo 6.o, n.o 3, da decisão impugnada prevê que, previamente à decisão de recolocação, o requerente é informado sobre o procedimento de recolocação e o artigo 6.o, n.o 4, dessa decisão obriga as autoridades do Estado‑Membro beneficiário em questão a notificar ao requerente a decisão de recolocação antes da recolocação efetiva, devendo essa decisão precisar o Estado‑Membro de recolocação.

336    De resto, tal como resulta do considerando 35 da decisão impugnada, o facto de os requerentes não terem possibilidade de escolher o Estado‑Membro que será responsável pela análise do seu pedido justifica que estes tenham o direito de recurso efetivo da decisão de recolocação tendo em vista garantir o respeito dos seus direitos fundamentais.

337    Enfim, sendo reservada uma certa margem de apreciação às autoridades dos Estados‑Membros beneficiários quando são chamados, em virtude do artigo 5.o, n.o 3, da decisão impugnada, a identificar os requerentes individuais que podem ser recolocados num determinado Estado‑Membro de recolocação, essa margem de apreciação justifica‑se à luz do objetivo dessa decisão que é o de aliviar os regimes de asilo grego e italiano de um número importante de requerentes, recolocando‑os, em prazos curtos e de maneira efetiva, noutros Estados‑Membros em cumprimento do direito da União e, em especial, dos direitos fundamentais garantidos pela Carta.

338    Em segundo lugar, ao contrário do que sustenta a Hungria, não pode sustentar‑se validamente que a decisão impugnada, na medida em que prevê a transferência de um requerente de proteção internacional previamente à tomada de decisão sobre o seu pedido, é contrária à Convenção de Genebra, uma vez que essa convenção prevê o direito de permanecer no Estado de entrada do pedido enquanto este estiver pendente.

339    A esse respeito, o Conselho recordou, com razão, no considerando 35 da decisão impugnada, que o direito da União não permite aos requerentes escolherem o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido. Com efeito, os critérios que prevê o Regulamento Dublim III para determinar o Estado‑Membro responsável pelo tratamento de um pedido de proteção internacional não estão ligados às preferências do requerente por um determinado Estado‑Membro de acolhimento.

340    Em seguida, da passagem do manual dos procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado à luz da Convenção de Genebra de 1951 e do Protocolo de 1967, relativos ao estatuto dos refugiados a que a Hungria faz referência, não pode deduzir‑se que a Convenção de Genebra consagre, em benefício de um requerente de proteção internacional, o direito de permanecer no Estado de entrada do pedido de proteção enquanto este estiver pendente.

341    Com efeito, essa passagem deve ser compreendida como uma expressão particular do princípio de não repulsão que proíbe que um requerente de proteção internacional seja expulso para um Estado terceiro enquanto o seu pedido não tiver sido objeto de decisão.

342    Ora, a transferência no âmbito de uma operação de recolocação de um requerente de proteção internacional de um Estado‑Membro para outro a fim de assegurar uma análise do seu pedido em prazos razoáveis não pode ser considerada como sendo constitutiva de uma repulsão para um Estado terceiro.

343    Trata‑se, pelo contrário, de uma medida de gestão de crise, tomada a nível da União, que visa assegurar o exercício efetivo, em cumprimento da Convenção de Genebra, do direito fundamental de asilo consagrado no artigo 18.o da Carta.

344    Por conseguinte, o oitavo fundamento da Hungria deve ser julgado improcedente.

345    Não podendo ser acolhido nenhum dos fundamentos suscitados pela República Eslovaca e pela Hungria, há que julgar os recursos improcedentes.

IV.    Quanto às despesas

346    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação da República Eslovaca e da Hungria nas despesas e esses Estados‑Membros sido vencidos no seu recurso respetivo, há que condená‑los a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho.

347    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, desse regulamento, o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Francesa, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República da Polónia, o Reino da Suécia e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      A República Eslovaca e a Hungria são condenadas a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia.

3)      O Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Francesa, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República da Polónia, o Reino da Suécia e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Línguas de processo: eslovaco e húngaro.