Language of document : ECLI:EU:T:2021:445

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

14 de julho de 2021 (*)

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Normas harmonizadas — Documentos relativos a quatro normas harmonizadas aprovadas pelo CEN — Recusa de acesso — Exceção relativa à proteção dos interesses comerciais de um terceiro — Proteção decorrente dos direitos de autor»

No processo T‑185/19,

Public.Resource.Org, Inc., com sede em Sebastopol, Califórnia (Estados Unidos),

Right to Know CLG, com sede em Dublim (Irlanda),

representadas por F. Logue, solicitor, A. Grünwald, J. Hackl e C. Nüßing, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Gattinara, F. Thiran e S. Delaude, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Comité Europeu de Normalização (CEN), e os outros intervenientes cujos nomes figuram em anexo (1), representados por U. Karpenstein, K. Dingemann e M. Kottmann, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão C(2019) 639 final da Comissão, de 22 de janeiro de 2019, que indefere o pedido de acesso a quatro normas harmonizadas adotadas pelo CEN,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada),

composto por: S. Papasavvas, presidente, D. Spielmann, U. Öberg, O. Spineanu‑Matei (relatora) e R. Norkus, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de novembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

I.      Factos na origem do litígio

1        Em 25 de setembro de 2018, as recorrentes, Public.Resource.Org, Inc. e Right to Know CLG, organizações sem fins lucrativos, cuja missão prioritária consiste em tornar o direito de livre acesso a todos os cidadãos, apresentaram à Direção‑Geral do Mercado Interno, Indústria, Empreendedorismo e PME da Comissão Europeia, com base no Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), e no Regulamento (CE) n.o 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO 2006, L 264, p. 13), um pedido de acesso a documentos na posse da Comissão (a seguir «pedido de acesso»).

2        O pedido de acesso dizia respeito a quatro normas harmonizadas adotadas pelo Comité Europeu de Normalização (CEN), em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 1025/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à normalização europeia, que altera as Diretivas 89/686/CEE e 93/15/CEE do Conselho e as Diretivas 94/9/CE, 94/25/CE, 95/16/CE, 97/23/CE, 98/34/CE, 2004/22/CE, 2007/23/CE, 2009/23/CE e 2009/105/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Decisão 87/95/CEE do Conselho e a Decisão n.o 1673/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2012, L 316, p. 12), a saber, a norma EN 71‑5:2015, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 5: Brinquedos químicos (conjuntos), excluindo os conjuntos de experiências químicas», a norma EN 71‑4:2013, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 4: Estojos de experiências químicas e atividades conexas», a norma EN 71‑12:2013, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 12: N‑Nitrosaminas e substâncias N‑nitrosáveis», e a norma EN 12472:2005+A 1:2009, sob a epígrafe «Método para a simulação do desgaste e corrosão para a deteção da libertação de níquel em objetos revestidos» (a seguir «normas harmonizadas pedidas»).

3        Por carta de 15 de novembro de 2018, a Comissão indeferiu o pedido de acesso, com fundamento no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 (a seguir «decisão inicial de indeferimento»).

4        Em 30 de novembro de 2018, as recorrentes apresentaram à Comissão, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, um pedido confirmativo. Por Decisão de 22 de janeiro de 2019, a Comissão confirmou a recusa de acesso às normas harmonizadas pedidas (a seguir «decisão confirmativa»).

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

5        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de março de 2019, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

6        Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de julho de 2019, o CEN e catorze organismos nacionais de normalização, a saber, a Asociación Española de Normalización (UNE), a Asociaţia de Standardizare din România (ASRO), a Association française de normalisation (AFNOR), a Austrian Standards International (ASI), a British Standards Institution (BSI), o Bureau de normalisation/Bureau voor Normalisatie (NBN), o Dansk Standard (DS), o Deutsches Institut für Normung eV (DIN), o Koninklijk Nederlands Normalisatie Instituut (NEN), a Schweizerische Normen‑Vereinigung (SNV), o Standard Norge (SN), a Suomen Standardisoimisliitto ry (SFS), o Svenska institutet för standarder (SIS) e o Institut za standardizaciju Srbije (ISS), pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

7        Por Despacho de 20 de novembro de 2019, Public.Resource.Org e Right to Know/Comissão (T‑185/19, não publicado, EU:T:2019:828), o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral admitiu o pedido de intervenção. Os intervenientes apresentaram as alegações de intervenção e as partes principais apresentaram as suas observações sobre estas alegações nos prazos fixados.

8        Sob proposta da juíza‑relatora, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

9        Por Despacho de 17 de junho de 2020, o Tribunal Geral (Quinta Secção), com base no artigo 91.o, alínea c), do artigo 92.o, n.o 1, e do artigo 104.o do seu Regulamento de Processo, ordenou à Comissão que apresentasse as normas harmonizadas pedidas e decidiu que estas não seriam comunicadas às recorrentes. A Comissão cumpriu esta diligência de instrução no prazo fixado.

10      Sob proposta da Quinta Secção do Tribunal Geral, este decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo à Quinta Secção alargada.

11      Sob proposta da juíza‑relatora, o Tribunal Geral (Quinta Secção alargada), no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou questões escritas às partes, convidando‑as a responder‑lhes tanto antes como aquando da audiência. As partes responderam por escrito a determinadas questões no prazo fixado e foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às outras questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 10 de novembro de 2020. Nesta, as recorrentes indicaram ao Tribunal que, através do recurso, pedem unicamente a anulação da decisão confirmativa, o que ficou registado na ata da audiência.

12      As recorrentes concluem pedindo, na sequência dos esclarecimentos acima referidos no n.o 11, que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão confirmativa;

–        condenar a Comissão nas despesas.

13      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

14      Os intervenientes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade

15      Os intervenientes alegam a inadmissibilidade do recurso, por falta de interesse em agir das recorrentes. Segundo eles, na medida em que estas últimas, em primeiro lugar, podem aceder gratuitamente às normas harmonizadas pedidas para fins não comerciais por intermédio das bibliotecas, em segundo lugar, podem ter acesso às referidas normas e utilizá‑las para qualquer fim, mediante o pagamento de uma taxa «razoável», e, em terceiro lugar, detêm de facto desde 2015 (ou seja, muito antes do seu pedido de acesso aos documentos de 2019) uma cópia de pelo menos três das quatro normas harmonizadas pedidas, não têm qualquer interesse em instaurar o presente processo.

16      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que todo o recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva deve basear‑se num interesse em agir da mesma (v., neste sentido, Despacho de 24 de setembro de 1987, Vlachou/Tribunal de Contas, 134/87, EU:C:1987:388, n.o 8) e que o desrespeito dessa condição essencial, que incumbe a essa pessoa singular ou coletiva demonstrar, constitui um fundamento de inadmissibilidade de ordem pública que pode, a qualquer momento, ser invocado oficiosamente pelo juiz da União Europeia (v., neste sentido, Despachos de 7 de outubro de 1987, G. d. M./Conselho e CES, 108/86, EU:C:1987:426, n.o 10, e de 21 de julho de 2020, Abaco Energy e o./Comissão, C‑436/19 P, não publicado, EU:C:2020:606, n.o 80).

17      A este propósito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse na anulação do ato recorrido. Tal interesse pressupõe que a anulação do ato recorrido seja, por si própria, suscetível de ter consequências jurídicas e que o recurso possa, assim, pelo seu resultado, proporcionar um benefício à parte que o interpôs. Este interesse em agir deve existir e ser atual, e é apreciado na data em que o recurso é interposto. Deve perdurar até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, XG/Comissão, T‑504/18, EU:T:2019:883, n.os 30, 31 e jurisprudência referida).

18      No contexto específico de litígios relativos ao acesso a documentos com base no Regulamento n.o 1049/2001, uma pessoa a quem tenha sido recusado o acesso a um documento ou a uma parte de um documento tem já, só por esse facto, um interesse na anulação da decisão de indeferimento (v. Acórdão de 5 de dezembro de 2018, Falcon Technologies International/Comissão, T‑875/16, não publicado, EU:T:2018:877, n.o 29 e jurisprudência referida).

19      No caso em apreço, é pacífico que o acesso às normas harmonizadas pedidas não foi concedido às recorrentes pela Comissão.

20      Nestas condições, tendo em conta a jurisprudência acima recordada no n.o 18, supra, as recorrentes beneficiam de um interesse em obter a divulgação das normas harmonizadas pedidas ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001 e, logo, em pedir a anulação da decisão confirmativa. Com efeito, no caso em apreço, as recorrentes podem, apesar da possibilidade de consultar in loco, nas bibliotecas públicas, cópias das normas harmonizadas pedidas, invocar um interesse em agir na medida em que, com essa consulta, não obtêm plena satisfação à luz dos objetivos que prosseguem com o seu pedido de acesso (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 47) e conservam, portanto, um interesse real em obter o acesso às referidas normas harmonizadas com base no Regulamento n.o 1049/2001.

21      É tanto mais assim quanto, como afirmam as recorrentes sem serem contestadas neste ponto pela Comissão ou pelos intervenientes, as normas harmonizadas pedidas só estão disponíveis num número muito limitado de bibliotecas, por vezes apenas numa biblioteca de um Estado‑Membro ou em bibliotecas não abertas ao público, e que a sua acessibilidade é excessivamente difícil na prática.

22      Quanto ao acesso mediante pagamento às normas harmonizadas pedidas através do intermediário dos pontos de venda geridos pelos organismos de normalização nacionais, há que observar que não cumpre de modo algum o objetivo prosseguido pelas recorrentes de obter o acesso livre e gratuito às referidas normas e não evidencia uma falta, ou mesmo uma perda de interesse em agir (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 47).

23      Tendo em conta o que precede, há que rejeitar os argumentos dos intervenientes relativos à falta de interesse em agir das recorrentes, sem que seja necessário examinar a sua admissibilidade.

B.      Quanto ao mérito

24      Em apoio do recurso, as recorrentes invocam dois fundamentos relativos, o primeiro, a erros de direito e de apreciação na aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, que visa proteger os interesses comerciais, e, o segundo, a erros de direito quanto à existência de um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do mesmo regulamento, e à violação do dever de fundamentação.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação na aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, que visa proteger os interesses comerciais

25      As recorrentes criticam, no essencial, a aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 no caso em apreço, com o fundamento de que, por um lado, nenhuma proteção pelos direitos de autor pode ser aplicável às normas harmonizadas pedidas e, por outro, não foi demonstrada nenhuma ofensa aos interesses comerciais do CEN e dos seus membros nacionais.

26      As recorrentes dividem o primeiro fundamento em três partes. A primeira e segunda partes são relativas a erros de direito relacionados com a aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. A terceira é relativa a um erro de apreciação da afetação dos interesses comerciais.

a)      Quanto à primeira parte, relativa a erros de direito que consistem na aplicação errada da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001

27      As recorrentes sustentam que, na medida em que as normas harmonizadas pedidas fazem parte do «direito da União», o acesso às mesmas deve ser livre e gratuito, pelo que não lhes pode ser aplicável nenhuma exceção ao direito de acesso. Em seu entender, os direitos privados não podem ser concedidos em relação a um «texto legal» que deve ser livremente acessível a todos e, assim, essas normas não podem ser protegidas pelos direitos de autor. Em apoio da sua argumentação, invocam o Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821).

28      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, refuta a argumentação das recorrentes.

29      A este respeito, importa recordar que, adotado com base no artigo 255.o, n.o 2, CE [atual artigo 15.o, n.o 3, TFUE], o Regulamento n.o 1049/2001 visa, como indicam o seu considerando 4 e o seu artigo 1.o, permitir ao público um direito de acesso aos documentos das instituições da União o mais amplo possível. Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 3, do referido regulamento, este direito abrange tanto os documentos elaborados por essas instituições como os recebidos de terceiros, entre os quais figura qualquer pessoa coletiva, como precisa expressamente o artigo 3.o, alínea b), do mesmo regulamento.

30      O direito de acesso aos documentos na posse das instituições da União está, no entanto, sujeito a certos limites baseados em razões de interesse público ou privado. Mais especificamente, e em conformidade com o seu décimo primeiro considerando, o Regulamento n.o 1049/2001 prevê, no seu artigo 4.o, um regime de exceções que autoriza as instituições a recusar o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar um dos interesses protegidos por esse artigo.

31      Entre as exceções ao direito de acesso figura a enunciada no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, nos termos do qual «[a]s instituições [da União] recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de […] interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual, […] exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação».

32      No que respeita aos documentos emanados de terceiros, o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1049/2001 precisa que a instituição da União consultará os terceiros em causa tendo em vista avaliar se qualquer das exceções previstas no artigo 4.o, n.os 1 ou 2, do referido regulamento se podem aplicar, a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado. Se a instituição em causa considerar que é claro que a recusa de acesso a um documento que emana de um terceiro deve ser oposta com fundamento nas exceções previstas nos n.os 1 ou 2 do mesmo artigo, recusa o acesso ao requerente sem sequer ter de consultar o terceiro de que emana o documento, quer esse terceiro se tenha ou não anteriormente oposto a um pedido de acesso aos mesmos documentos formulado com fundamento nesse regulamento.

33      Por último, quanto à margem de apreciação das instituições da União no âmbito do tratamento dos pedidos de acesso aos documentos provenientes de terceiros, importa precisar que as disposições do Regulamento n.o 1049/2001, que estabelecem, sem prejuízo das exceções nele enunciadas, o direito de acesso a todos os documentos na posse de uma instituição, devem ser efetivamente aplicadas pela instituição à qual o pedido de acesso é dirigido.

34      Assim, em conformidade com o artigo 8.o do Regulamento n.o 1049/2001, a responsabilidade final pela boa aplicação deste regulamento incumbe à instituição da União à qual cabe igualmente defender a validade da decisão que recusa o acesso aos documentos provenientes de terceiros perante os órgãos jurisdicionais da União ou o Provedor de Justiça Europeu. Se, na hipótese de documentos provenientes de terceiros, a instituição tivesse de seguir automaticamente a fundamentação proposta pelo terceiro em causa, seria obrigada a defender perante a pessoa que formulou o pedido de acesso e, eventualmente, perante as instâncias de fiscalização posições que ela própria não considera defensáveis (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Alemanha/Comissão, T‑59/09, EU:T:2012:75, n.o 47).

35      No caso em apreço, resulta dos argumentos aduzidos pelas partes que estas não estão de acordo, em primeiro lugar, quanto ao alcance e à intensidade da fiscalização que a instituição da União em causa, no caso em apreço a Comissão, deve efetuar, no âmbito do procedimento previsto no artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1049/2001, sobre a existência e as consequências de uma alegada proteção pelos direitos de autor dos documentos pedidos provenientes de um terceiro, para efeitos da aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do referido regulamento.

36      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, considera que não tem o direito de pôr em causa, no âmbito do exame de um pedido de acesso aos documentos apresentado nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, a existência da proteção pelos direitos de autor dos documentos pedidos reconhecida a um terceiro pela «legislação nacional aplicável».

37      As recorrentes, por sua vez, acusam a Comissão de não ter verificado a reunião das condições relativas à existência dos direitos de autor das normas harmonizadas pedidas em benefício do CEN. Ao fazê‑lo, reconhecem‑lhe implícita mas necessariamente um poder de controlo exaustivo da existência e das consequências de uma alegada proteção por direitos de autor dos documentos pedidos provenientes de um terceiro.

38      Em segundo lugar, as partes estão em desacordo quanto à aptidão das normas harmonizadas pedidas para serem objeto de proteção pelos direitos de autor, na medida em que fazem parte do direito da União e, logo, para estarem abrangidas pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

39      Por conseguinte, importa analisar os argumentos das recorrentes, na medida em que visam, num primeiro momento, um erro de direito na aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, já que a Comissão considerou que existiu uma afetação dos interesses comerciais decorrentes de uma proteção pelos direitos de autor das normas harmonizadas pedidas (v. n.o 35, supra), e, num segundo momento, um erro de direito ligado à aptidão das referidas normas harmonizadas para serem objeto de proteção pelos direitos de autor na medida em que fazem parte do direito da União (v. n.o 38, supra).

40      Em primeiro lugar, há que sublinhar que os direitos de autor são direitos de propriedade intelectual que garantem uma proteção jurídica ao criador de uma obra original e que, não obstante uma harmonização cada vez mais ampla, são em larga medida regulados pelo direito nacional. Com efeito, as suas condições de existência, assim como o alcance da sua proteção, e mais particularmente as exceções a essa proteção, uma vez que não são objeto nem das disposições de harmonização da União nem das disposições internacionais a que a União ou os seus Estados‑Membros estão vinculadas, continuam a ser definidas pelas legislações dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Donner, C‑5/11, EU:C:2012:195, n.os 24 e 27).

41      Além disso, em conformidade com o artigo 5.o, alínea 2, da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada em Berna, em 9 de setembro de 1886 (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na sua versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»), o gozo e o exercício dos direitos de autor não estão subordinados a qualquer formalidade (princípio da «proteção automática»).

42      Acresce que o alcance da proteção de uma mesma obra pelos direitos de autor pode ser diferente consoante o local onde a referida proteção é reivindicada. Assim, segundo o artigo 5.o, alínea 3, da Convenção de Berna, a proteção no país de origem é regulada pela legislação nacional. Todavia, quando o autor não é nacional do país de origem da obra pela qual é protegido pela referida convenção, terá, nesse país, os mesmos direitos que os autores nacionais. Em contrapartida, em conformidade com a alínea 2 do mesmo artigo, a extensão da proteção, bem como os meios de recurso garantidos ao autor para salvaguardar os seus direitos, regulam‑se exclusivamente pela legislação do país onde a proteção é reclamada (princípio da «independência» da proteção).

43      Nestas circunstâncias, há que considerar que cabe à autoridade a quem foi submetido um pedido de acesso a documentos provenientes de terceiros, quando é reivindicada uma proteção pelos direitos de autor dos referidos documentos, nomeadamente, identificar indícios objetivos e concordantes suscetíveis de confirmar a existência dos direitos de autor alegados pelo terceiro em causa. Com efeito, tal controlo corresponde às exigências inerentes à partilha de competências entre a União e os Estados‑Membros em matéria de direitos de autor.

44      É à luz destas considerações que há que examinar se a Comissão respeitou o alcance da fiscalização que lhe incumbia na aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 (v. n.o 35, supra).

45      A este respeito, importa sublinhar que, em primeiro lugar, na decisão inicial de indeferimento, para justificar a aplicabilidade da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, a Comissão faz referência aos direitos de autor das normas harmonizadas pedidas pertencentes ao CEN, enquanto organização europeia de direito privado que detém um direito de propriedade de todas as suas publicações, incluindo normas europeias. Assim, considerou que a divulgação das referidas normas harmonizadas «pod[ia ter] comprometido a proteção dos interesses comerciais de uma pessoa coletiva, incluindo a propriedade intelectual […] uma vez que o CEN [era] o titular dos direitos de autor de todos os produtos criados pelos respetivos comités técnicos» e que, «[p]or conseguinte, os direitos de autor e os direitos de exploração (distribuição e venda) sobre qualquer publicação do CEN (incluindo os projetos de normas europeias) pertenc[ia]m exclusivamente ao CEN e aos seus membros nacionais junto dos quais os (projetos) de normas pod[ia]m ser obtidos».

46      Na decisão confirmativa, a Comissão rejeita as críticas das recorrentes relativas à inexistência de proteção pelos direitos de autor das normas harmonizadas pedidas, sustentando que, «contrariamente ao que [estas] alega[va]m, as [referidas normas harmonizadas estavam] protegidas por direitos de autor [apesar do facto de] cont[ere]m efetivamente dados que pod[ia]m ser considerados factuais, ou que respeita[vam] aos procedimentos». Além disso, em resposta às críticas das recorrentes relativas à falta de consulta do emitente dessas normas harmonizadas, remeteu para o documento comum de tomada de posição do CEN e do Cenelec, de 17 de maio de 2017, sobre as consequências do Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), no qual estes últimos consideraram «explicitamente, com base nesse acórdão e na sua qualidade de titulares dos direitos de autor sobre as normas europeias, que a colocação em causa dos seus direitos de autor ou da sua política de divulgação das normas harmonizadas não assenta[va] em nenhum fundamento». A Comissão «considerou, pois, que não era necessário proceder à consulta prevista no artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1049/2001, dado que a posição do emitente dos documentos, o titular dos direitos de autor em questão, já tinha sido tornada pública pelo documento acima referido».

47      Daqui resulta que a Comissão baseou a sua conclusão relativa à existência de uma proteção pelos direitos de autor das normas harmonizadas pedidas em indícios objetivos e concordantes aptos a sustentar a existência dos direitos de autor das referidas normas alegados pelo CEN.

48      Em segundo lugar, na decisão confirmativa, a Comissão sublinha que, «embora a formulação das normas [harmonizadas pedidas] tenha em conta considerações específicas da regulamentação de que sustentam a aplicação, estas são redigidas pelos seus autores de forma suficientemente criativa para beneficiarem de uma proteção a título dos direitos de autor», que «[a] extensão dos textos implica que os autores façam um certo número de escolhas (incluindo na estruturação do documento), o que implica uma proteção a título dos direitos de autor», e que «daí resulta que [as referidas normas harmonizadas se devem] considerar no [seu] conjunto uma obra original do autor que beneficia de uma proteção nos termos das regras relativas aos direitos de autor». Ao proceder a essa análise, avaliou assim a capacidade dessas normas harmonizadas para serem objeto de proteção pelos direitos de autor sob o ângulo do limiar de originalidade que um produto deve alcançar para constituir uma «obra» na aceção da jurisprudência. Com efeito, embora a condição da originalidade exigida para que um produto seja elegível para a referida proteção continue a reger‑se pelas legislações dos Estados‑Membros, decorre da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça proferida na interpretação do conceito autónomo de «obra» que, para que um objeto possa ser considerado original, é simultaneamente necessário e suficiente que reflita a personalidade do seu autor, manifestando as escolhas livres e criativas deste último (v. Acórdão de 11 de junho de 2020, Brompton Bicycle, C‑833/18, EU:C:2020:461, n.o 23 e jurisprudência referida). À luz desta jurisprudência, a Comissão pôde, sem cometer qualquer erro, considerar que o limiar de originalidade exigido era alcançado no caso em apreço pelas normas harmonizadas em questão.

49      Resulta de tudo o que precede que não pode ser imputado à Comissão nenhum erro de direito ligado ao alcance do controlo a que estava obrigada na aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, para concluir pela afetação dos interesses comerciais decorrentes de uma proteção pelos direitos de autor das normas harmonizadas pedidas.

50      Em segundo lugar, as recorrentes invocam, em apoio da sua argumentação relativa a um erro de direito ligado à aptidão das normas harmonizadas pedidas para serem objeto de proteção pelos direitos de autor, na medida em que fazem parte do direito da União, o facto de se tratar de «textos legais» e o Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821).

51      A este respeito, há que recordar que a norma harmonizada é definida, no artigo 2.o, alínea c), do Regulamento n.o 1025/2012, como uma especificação técnica, aprovada por uma organização europeia de normalização, com base num pedido apresentado pela Comissão tendo em vista a aplicação da legislação da União em matéria de harmonização, cujo respeito não é obrigatório.

52      No Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), o Tribunal de Justiça considerou, nomeadamente, que uma norma harmonizada como a que está em causa no processo principal, adotada com base [no direito derivado] e cujas referências foram objeto de publicação no Jornal Oficial da União Europeia, faz parte do direito da União (n.o 40).

53      Ora, há que observar, à semelhança da Comissão, que não resulta de modo algum do Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), que o Tribunal de Justiça invalidou o regime de publicação das normas harmonizadas definido no artigo 10.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1025/2012, segundo o qual só as referências das referidas normas são publicadas. Pelo contrário, a escolha do legislador da União que consiste em submeter a existência dos efeitos jurídicos associados a uma norma harmonizada apenas à publicação prévia das suas referências no Jornal Oficial, série C, foi observada pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction, C‑613/14, EU:C:2016:821, n.os 37, 40 e 43).

54      Nestas condições, é sem razão que as recorrentes sustentam que, na medida em que o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), que as normas harmonizadas pedidas faziam parte do «direito da União», o acesso a estas deve ser livre e gratuito, pelo que não lhes pode ser aplicável nenhuma exceção ao direito de acesso.

55      À luz de todas as considerações precedentes, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda parte, relativa a erros de direito relacionados com a aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001

56      Segundo as recorrentes, ainda que a proteção pelos direitos de autor das normas harmonizadas pedidas fosse teoricamente possível, não era aplicável às referidas normas harmonizadas, uma vez que estas não constituem uma «criação intelectual pessoal», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, necessária para poder beneficiar dessa proteção.

57      A este propósito, na medida em que, como foi referido no n.o 40, supra, as condições do gozo dos direitos de autor e o alcance da sua proteção, e mais particularmente as exceções a essa proteção, continuam a reger‑se pelas legislações dos Estados‑Membros, que são livres de determinar a proteção a conceder aos textos oficiais de ordem legislativa, administrativa ou judicial e, como resulta da jurisprudência, as referidas condições apenas podem ser contestadas perante os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros (v., neste sentido e por analogia, Parecer 1/09, de 8 de março de 2011, EU:C:2011:123, n.o 80, e Despacho de 5 de setembro de 2007, Document Security Systems/BCE, T‑295/05, EU:T:2007:243, n.o 56), a Comissão não estava autorizada, contrariamente ao que defendem as recorrentes, a analisar as condições exigidas pela legislação nacional aplicável a fim de verificar a veracidade da proteção pelos direitos de autor das normas harmonizadas pedidas, excedendo tal exame o alcance da fiscalização para o qual estava habilitada no âmbito de um procedimento de acesso aos documentos.

58      Por outro lado, o argumento das recorrentes segundo o qual, no processo de elaboração das normas harmonizadas pedidas, o CEN não efetua escolhas livres e criativas, não tem qualquer suporte.

59      Com efeito, as recorrentes defendem, por um lado, que as normas harmonizadas pedidas «consistem em simples listas de características técnicas e/ou procedimentos de teste e que, por conseguinte, a pessoa encarregada da sua elaboração não dispõe de uma real escolha criativa que possa ser considerada a expressão da sua personalidade ou a sua própria criação intelectual» e, por outro, que «a conceção [das referidas normas harmonizadas] também não permite efetuar escolhas livres ou criativas ao nível, por exemplo, do layout, da estrutura, da língua ou de qualquer outra característica chave, [porque] esses aspetos da normalização são regidos por conjuntos de normas próprias que restringem consideravelmente qualquer potencial margem de criatividade dos organismos de normalização». Ora, limitam‑se a fazer simples afirmações, sem fundamentar as suas alegações numa qualquer análise, nem refutar os argumentos da Comissão expostos na decisão confirmativa (v. n.o 48, supra) relativos ao grau de originalidade dessas normas harmonizadas, que resulta da extensão dos textos em causa, que implica escolhas por parte dos seus autores, incluindo na sua estruturação. Além disso, não precisam em que medida as restrições da margem de criatividade impostas pela regulamentação em matéria de normalização são de tal ordem que as mesmas normas harmonizadas não são suscetíveis de alcançar o limiar de originalidade exigido a nível da União.

60      Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

c)      Quanto à terceira parte, relativa a um erro de apreciação da afetação dos interesses comerciais

61      As recorrentes alegam que a Comissão não demonstrou de que modo a divulgação das normas harmonizadas pedidas prejudicaria os interesses comerciais do CEN e dos seus membros nacionais. Sustentam que, mesmo que a proteção dessas normas harmonizadas por direitos de autor fosse teoricamente possível e mesmo que as referidas normas harmonizadas fossem consideradas uma criação intelectual pessoal, a decisão confirmativa deve, ainda assim, ser anulada, dado que a Comissão não demonstrou a alegada violação dos interesses comerciais do CEN, enquanto autor das referidas normas harmonizadas.

62      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, refuta os argumentos das recorrentes.

63      A este respeito, importa recordar que, para justificar a recusa de acesso a um documento, não basta, em princípio, que esse documento seja relativo a uma atividade ou a um interesse mencionado no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, devendo a instituição em causa demonstrar igualmente de que modo o acesso a esse documento poderá lesar concreta e efetivamente o interesse protegido por uma exceção prevista nesse artigo, e que o risco de prejudicar esse interesse é razoavelmente previsível e não puramente hipotético. Isto vale igualmente para um terceiro no caso de ser consultado no âmbito do procedimento de consulta previsto no artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1049/2001, uma vez que o objetivo desse artigo é permitir à instituição apreciar se uma exceção prevista no n.o 1 ou 2 desse artigo é aplicável (Acórdão de 5 de fevereiro de 2018, Pari Pharma/EMA, T‑235/15, EU:T:2018:65, n.o 69).

64      No caso em apreço, resulta com clareza da decisão confirmativa que a Comissão baseou a sua recusa em divulgar as normas harmonizadas pedidas em duas violações relacionadas, mas diferentes, dos interesses comerciais do CEN e dos seus membros nacionais, a saber, por um lado, a proteção dessas normas harmonizadas pelos direitos de autor e, por outro, o risco de diminuição muito significativa dos direitos cobrados pelo CEN e pelos seus membros nacionais em contrapartida do acesso às referidas normas harmonizadas, se o acesso a estas últimas pudesse ser obtido gratuitamente junto da Comissão.

65      A este respeito, há que recordar, à semelhança do que alega a Comissão, que a venda de normas é uma componente essencial do modelo económico adotado por todos os organismos de normalização. Um acesso livre e gratuito do público a essas normas poria em causa este modelo e forçaria os referidos organismos a repensar integralmente o seu modo de organização, expondo assim a riscos significativos a produção de novas normas e a possibilidade de dispor de um método que demonstre a conformidade de um produto com as exigências estabelecidas pela legislação da União recorrendo a um método uniforme.

66      De onde resulta que, na medida em que, como foi salientado no âmbito da primeira e segunda partes do primeiro fundamento (v. n.o 47, supra), a Comissão tinha razão ao considerar que as normas harmonizadas pedidas eram objeto de proteção pelos direitos de autor, ao abrigo da qual eram acessíveis aos interessados apenas após o pagamentos de certas taxas (v. n.o 19, supra), a sua divulgação gratuita com base no Regulamento n.o 1049/2001 era apta a afetar concreta e efetivamente os interesses comerciais do CEN e dos seus membros nacionais, na aceção da jurisprudência referida no n.o 63, supra.

67      Em todo o caso, como alega acertadamente a Comissão, apoiada pelos intervenientes, no contexto do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, o livre acesso do público às normas prejudicaria incontestavelmente a proteção da propriedade intelectual do CEN, na medida em que essas normas estão sujeitas às condições de licença impostas aos compradores. A inexistência de qualquer controlo, seja ele qual for, na divulgação das normas teria manifestamente incidência nos interesses comerciais do CEN.

68      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento das recorrentes segundo o qual, no processo de elaboração das normas harmonizadas pedidas, o CEN atua como poder público executando funções públicas que não estão sujeitas a qualquer interesse comercial.

69      A este respeito, em conformidade com o artigo 10.o do Regulamento n.o 1025/2012, as normas harmonizadas são elaboradas ou, sendo caso disso, revistas por uma das três organizações europeias de normalização, por iniciativa, sob a direção e sob a fiscalização da Comissão. Para este efeito, o referido regulamento reconhece três organizações europeias de normalização, a saber, o CEN, o Comité Europeu de Normalização Eletrotécnica (Cenelec) e o Instituto Europeu das Normalização das Telecomunicações (ETSI). Estas organizações são associações sem fins lucrativos, o CEN e o Cenelec de direito privado belga, e o ETSI de direito francês.

70      Ora, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não resulta de modo algum das disposições que regem o sistema europeu de normalização que, no processo de elaboração das normas harmonizadas, o CEN atue como poder público executando funções públicas que não estão sujeitas a qualquer interesse comercial.

71      O facto de as organizações europeias de normalização, entre as quais o CEN, contribuírem para a realização de tarefas de interesse público fornecendo serviços de certificação relativos à conformidade com a legislação aplicável em nada muda o seu estatuto de entidades privadas que exercem uma atividade económica (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 5 de dezembro de 2018, Falcon Technologies International/Comissão, T‑875/16, não publicado, EU:T:2018:877, n.o 47).

72      A este respeito, importa observar, à semelhança da Comissão, que, se uma empresa de capitais públicos pode deter interesses comerciais, o mesmo se deve a fortiori aplicar a uma entidade privada, mesmo que contribua para a realização de tarefas de interesse público (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 5 de dezembro de 2018, Falcon Technologies International/Comissão, T‑875/16, não publicado, EU:T:2018:877, n.o 49).

73      Resulta do exposto que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, a Comissão demonstrou que a divulgação das normas harmonizadas pedidas era suscetível de prejudicar concreta e efetivamente os interesses comerciais do CEN ou dos seus membros nacionais e que o risco de prejudicar esses interesses era razoavelmente previsível e não puramente hipotético, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 63.

74      Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira parte do primeiro fundamento e este na íntegra.

2.      Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito quanto à existência de um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do Regulamento n.o 1049/2001 e à violação do dever de fundamentação

75      As recorrentes acusam a Comissão de ter cometido erros de direito ao considerar que nenhum interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, justificava a divulgação das normas harmonizadas pedidas, e de não ter fundamentado suficientemente a sua recusa de reconhecer a existência de um interesse público superior.

76      O presente fundamento divide‑se em três partes. A primeira é relativa a um erro de direito quanto à existência de um interesse público superior que exige um livre acesso à lei. A segunda diz respeito a um erro de direito relativo à existência de um interesse público superior devido à obrigação de transparência em matéria de ambiente. A terceira é relativa a uma fundamentação insuficiente da recusa da Comissão em reconhecer a existência de um interesse público superior.

77      Importa começar por examinar a terceira parte do segundo fundamento.

a)      Quanto à terceira parte, relativa a uma fundamentação insuficiente da recusa da Comissão em reconhecer a existência de um interesse público superior

78      As recorrentes sustentam que, por um lado, na decisão confirmativa, a Comissão não fundamentou suficientemente a sua rejeição dos argumentos aduzidos no pedido confirmativo relativos à existência de um interesse público superior que justificasse o acesso às normas harmonizadas pedidas.

79      A este respeito, as recorrentes alegam que a Comissão manteve o silêncio sobre os argumentos mais importantes que tinham desenvolvido no seu pedido confirmativo relativos às implicações da qualificação das normas harmonizadas pedidas de «direito da União» pelo Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821). Consideram mais precisamente que a Comissão não explica, nomeadamente, por que razão o seu argumento relativo ao acesso necessário ao direito num Estado de direito não deve ser considerado um interesse público superior.

80      Por outro lado, segundo as recorrentes, a Comissão não fundamentou o seu raciocínio relativo à ponderação dos interesses opostos no caso em apreço, na aceção da jurisprudência resultante do Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374), e, ao fazê‑lo, coloca‑as na situação de considerar que tal ponderação não foi feita.

81      A Comissão refuta os argumentos das recorrentes e sustenta que fundamentou suficientemente a sua recusa de reconhecer a existência de um interesse público superior.

82      A título liminar, importa recordar que o dever de fundamentação é um princípio geral do direito da União, consagrado no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE e no artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, segundo o qual qualquer ato jurídico adotado pelas instituições da União deve ser fundamentado (v. Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 19 e jurisprudência referida). Esta obrigação, que incumbe às instituições da União, de fundamentarem os seus atos não corresponde apenas a uma preocupação formal, mas visa permitir ao juiz da União exercer a sua fiscalização da legalidade e aos interessados conhecer as razões da medida adotada, a fim de poderem defender os seus direitos e verificar se o ato é ou não fundado. Assim, os interessados só podem lançar utilmente mão do seu recurso jurisdicional se tiverem um conhecimento exato do conteúdo e dos fundamentos do ato em causa (v. Acórdão de 28 de novembro de 2019, Mélin/Parlamento, T‑726/18, não publicado, EU:T:2019:816, n.o 40 e jurisprudência referida).

83      No contexto da aplicação das disposições do Regulamento n.o 1049/2001 considerou‑se que o dever de uma instituição fundamentar a sua decisão que recusa o acesso a um documento tem por finalidade, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão está devidamente fundamentada ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade e, por outro, permitir ao juiz da União fiscalizar a legalidade da decisão. O alcance deste dever depende da natureza do ato em causa e do contexto em que tenha sido adotado (v. Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 20 e jurisprudência referida).

84      Segundo a jurisprudência, o dever de fundamentação não implica todavia para a instituição em causa ter de responder a cada um dos argumentos apresentados durante o procedimento que antecede a adoção da decisão final impugnada (v. Acórdão de 25 de setembro de 2018, Psara e o./Parlamento, T‑639/15 a T‑666/15 e T‑94/16, EU:T:2018:602, n.o 134 e jurisprudência referida).

85      No caso em apreço, há que salientar que, na decisão confirmativa, a Comissão expôs as suas respostas aos argumentos das recorrentes constantes do pedido confirmativo relativos à alegada existência dos interesses públicos superiores que decorrem, por um lado, da interpretação proferida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), e, por outro, das alegadas obrigações de transparência em matéria de ambiente, no ponto 4, intitulado «Inexistência de interesse público superior que justifique a divulgação».

86      A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão indicou que, como tinha explicado no ponto 2.1 da decisão confirmativa dedicada ao exame da condição relativa à proteção dos interesses comerciais de uma pessoa singular ou coletiva da decisão confirmativa, os efeitos do Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), deviam ser apreciados à luz do contexto em que esse acórdão foi proferido. Assim, em seu entender, o referido acórdão «não cria[va] uma obrigação de publicação proativa das normas harmonizadas no Jornal Oficial e também não estabelec[ia] automaticamente um interesse público superior que justificasse a sua divulgação».

87      Em segundo lugar, a Comissão refutou as alegações das recorrentes relativas às obrigações de transparência em matéria de ambiente, que se considera apresentarem um interesse público superior em relação ao interesse relativo à proteção dos interesses comerciais de uma determinada pessoa singular ou coletiva, arguindo, em substância, a sua inaplicabilidade no caso em apreço.

88      Em terceiro lugar, a Comissão acrescentou que, por outro lado, não tinha podido identificar qualquer interesse público superior que justificasse essa divulgação.

89      Daqui resulta que é pacífico que a decisão confirmativa expõe, de forma sucinta, mas clara, que as recorrentes não tinham apresentado nenhum argumento suscetível de demonstrar a existência de um interesse público superior que justificasse a divulgação das normas harmonizadas pedidas. A Comissão acrescentou, por outro lado, que não tinha podido identificar qualquer interesse público superior que justificasse tal divulgação.

90      Por outro lado, na medida em que, com alguns dos seus argumentos, as recorrentes contestam, na realidade, a procedência da fundamentação contida na decisão confirmativa quanto à inexistência de um interesse público superior que justifique a divulgação das normas harmonizadas pedidas, esses argumentos são inoperantes no âmbito da presente parte.

91      Por último, há que lembrar que, embora a Comissão seja obrigada a expor os fundamentos que justificam a aplicação ao caso em apreço de uma das exceções ao direito de acesso previstas pelo Regulamento n.o 1049/2001, não é obrigada, todavia, a fornecer informações que vão além do que é necessário para a compreensão, pelo requerente do acesso, das razões que estiveram na origem da sua decisão e para a fiscalização, pelo Tribunal Geral, da legalidade desta última (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Bonnafous/Comissão, T‑646/18, EU:T:2020:120, n.o 25 e jurisprudência referida).

92      Nestas circunstâncias, há que julgar improcedente a terceira parte do segundo fundamento.

b)      Quanto à primeira parte, relativa a um erro de direito no que se refere à existência de um interesse público superior que exija um livre acesso à lei

93      As recorrentes alegam que, admitindo que as normas harmonizadas pedidas pudessem ser abrangidas pela exceção relativa à afetação dos interesses comerciais, existia um interesse público superior a favor da divulgação das referidas normas harmonizadas na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, que consiste em garantir um livre acesso à lei. Mais precisamente, a pertença dessas normas harmonizadas ao direito da União «gera o imperativo constitucional de conceder livre acesso às mesmas».

94      Segundo as recorrentes, na medida em que as normas harmonizadas pedidas fazem parte do direito da União, como o Tribunal de Justiça declarou no seu Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), existe um «interesse público superior automático» que justifica a divulgação dessas normas harmonizadas. Invocam, nomeadamente, o princípio da segurança jurídica, que só a publicação em boa e devida forma do direito na língua oficial do destinatário deste último pode garantir. Fazem igualmente referência à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa à acessibilidade do direito. Além disso, sublinham o nexo entre a acessibilidade das normas e o bom funcionamento do mercado interno. Por último, consideram que o princípio da boa administração, previsto no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, bem como a livre circulação de mercadorias e a livre prestação de serviços, garantidas nos artigos 34.o e 56.o TFUE, exigem um livre acesso às normas.

95      Em todo o caso, as recorrentes sustentam que a decisão confirmativa viola o artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, na medida em que a Comissão não examinou a existência de um interesse público a favor de uma divulgação e, mais genericamente, não procedeu à ponderação dos interesses servidos pela divulgação com os que se opõem a essa divulgação. A este respeito, contestam a afirmação segundo a qual apenas aduziram considerações gerais que não eram suscetíveis de demonstrar que o princípio da transparência apresentava no caso em apreço uma acuidade particular. Com efeito, a evocação da natureza particular das normas harmonizadas pedidas tinha sido suficiente para justificar, no caso em apreço, a existência de um interesse público particular a favor de uma divulgação na aceção da referida disposição.

96      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, refuta a argumentação das recorrentes.

97      A título preliminar, importa salientar que, mesmo quando, como no caso em apreço, a Comissão se baseia numa presunção geral para efeitos de recusar o acesso aos documentos pedidos nos termos do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, não está excluída a possibilidade de demonstrar que existe um interesse público superior que justifica a divulgação dos referidos documentos ao abrigo do último membro de frase da referida disposição (v., neste sentido, Acórdão de 25 de setembro de 2014, Spirlea/Comissão, T‑306/12, EU:T:2014:816, n.o 90 e jurisprudência referida).

98      Em contrapartida, incumbe a quem alega a existência de um interesse público superior apresentar de forma concreta as circunstâncias que justificam a divulgação dos documentos em causa, e a exposição de considerações de ordem puramente geral não basta para demonstrar que existe um interesse público superior que prevalece sobre as razões que justificam a recusa de divulgação dos documentos em causa (v. Acórdão de 11 de maio de 2017, Suécia/Comissão, C‑562/14 P, EU:C:2017:356, n.o 56 e jurisprudência referida).

99      No caso em apreço, as recorrentes tentavam, na realidade, subtrair totalmente a categoria das normas harmonizadas à aplicabilidade do sistema das exceções materiais instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001, pelo facto genérico de estas fazerem parte do «direito da União» que deve ser livre e gratuitamente acessível ao público.

100    Ora, em primeiro lugar, tendo em conta a jurisprudência acima recordada no n.o 98, a exposição de tais considerações de ordem geral não basta para demonstrar que o interesse superior do público em ter acesso livre e gratuito ao direito da União, incluindo as normas harmonizadas, ainda que seja real, prevalece sobre as razões que justificam a recusa de divulgação das referidas normas.

101    Antes de mais, além das alegações gerais quanto à necessidade de tornar acessível a «lei da União», as recorrentes não fundamentam os motivos concretos que justificariam, no caso em apreço, a divulgação das normas harmonizadas pedidas. Em especial, não explicam em que medida a divulgação dessas normas harmonizadas deveria prevalecer sobre a proteção dos interesses comerciais do CEN ou dos seus membros nacionais. A este respeito, importa sublinhar que, como resulta da jurisprudência acima referida no n.o 98, embora, na aplicação da exceção do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, o ónus da prova pertença à instituição da União que invoca a referida exceção, em contrapartida, quanto ao artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do referido regulamento, é a quem alega a existência de um interesse público superior na aceção do último membro de frase da referida disposição que cabe demonstrá‑lo.

102    Depois, mesmo admitindo que as alegações gerais quanto à existência de um interesse geral na garantia do acesso livre e gratuito às normas harmonizadas devessem ser acolhidas, a divulgação das normas harmonizadas pedidas, no caso em apreço, não é suscetível de permitir satisfazer tal interesse. Com efeito, independentemente da natureza do direito a que a sua conceção dá origem em benefício dos seus criadores, o acesso às normas harmonizadas continua sujeito a restrições, como o pagamento das taxas estabelecidas pelos organismos nacionais de normalização com base no sistema europeu de normalização ou a consulta, a título gratuito, em certas bibliotecas. Assim, há que aprovar a apreciação da Comissão segundo a qual o interesse público de assegurar a funcionalidade do sistema europeu de normalização, cujo objetivo é favorecer a livre circulação de mercadorias, garantindo simultaneamente um nível mínimo de segurança equivalente em todos os países europeus, prevalece sobre a garantia do acesso livre e gratuito às normas harmonizadas.

103    Em segundo lugar, a via escolhida pelas recorrentes, que pedem a consagração pretoriana de um acesso livre e gratuito às normas harmonizadas através do mecanismo instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001, sem todavia contestar o sistema europeu de normalização, não pode ser considerada adequada. Com efeito, o Regulamento n.o 1025/2012, por um lado, prevê expressamente, como foi recordado no n.o 53, supra, um regime de publicação limitado unicamente às referências das normas harmonizadas e, por outro, permite, como acima se expôs no n.o 19, o acesso pago às referidas normas para as pessoas que desejem beneficiar da presunção de conformidade que lhes está associada.

104    A este respeito, há que salientar que, na decisão confirmativa, a Comissão considerou que nenhum interesse público superior justificava a divulgação das normas harmonizadas pedidas ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do Regulamento n.o 1049/2001. Segundo a Comissão, o Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), invocado pelas recorrentes em apoio da sua tese relativa à existência do interesse público superior de assegurar a acessibilidade ao direito, não cria a obrigação de publicação proativa das normas harmonizadas no Jornal Oficial, e também não estabelece automaticamente um interesse público superior que justifique a sua divulgação.

105    Esta apreciação da Comissão não está viciada de nenhum erro.

106    Com efeito, a tese das recorrentes baseia‑se nas consequências que elas próprias retiram da qualificação das normas harmonizadas de «direito da União» feita pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821). Assim, sustentam, em substância, que a pertença das normas harmonizadas ao direito da União «gera o imperativo constitucional de conceder livre acesso às mesmas».

107    Ora, além do facto de as recorrentes não indicarem a fonte exata de um «princípio de ordem constitucional» que requer um acesso livre e gratuito às normas harmonizadas, não justificam de forma alguma o motivo pelo qual estas devem estar sujeitas ao imperativo de publicidade e acessibilidade ligada a uma «lei», na medida em que essas normas não são de aplicação obrigatória, produzem os efeitos jurídicos que lhes são inerentes apenas em relação às pessoas interessadas e podem ser gratuitamente consultadas em certas bibliotecas dos Estados‑Membros.

108    A primeira parte do segundo fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente.

c)      Quanto à segunda parte, relativa a um erro de direito atinente à existência de um interesse público superior devido à obrigação de transparência em matéria de ambiente

109    As recorrentes sustentam, em primeiro lugar, que as normas harmonizadas pedidas contêm informações sobre o ambiente que originam um interesse público superior que justifica a sua divulgação, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1, a seguir «Convenção de Aarhus»), conforme executada pelo artigo 4.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1367/2006. Em segundo lugar, dizem respeito a emissões para o ambiente e, por isso, a sua divulgação apresenta um interesse público superior, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento.

110    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, refuta a argumentação das recorrentes.

111    A este respeito, importa observar que, tal como o Regulamento n.o 1049/2001, o Regulamento n.o 1367/2006 tem por objetivo, como prevê o seu artigo 1.o, garantir a mais vasta e sistemática disponibilização e divulgação possível das informações sobre ambiente na posse das instituições e órgãos da União.

112    A fim de examinar a argumentação das recorrentes relativa à existência de um interesse público superior devido à obrigação de transparência em matéria de ambiente, há que verificar, admitindo que as normas harmonizadas pedidas contêm informações sobre ambiente, se isso teria sido suficiente para concluir por um interesse público superior na sua divulgação. Em seguida, há que analisar, sendo caso disso, a questão de saber se as referidas normas harmonizadas estão relacionadas com emissões para o ambiente de modo que, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006, se considera que a sua divulgação apresenta um interesse público superior.

1)      Quanto à existência de um interesse público superior em caso de pedidos de informações sobre o ambiente

113    As recorrentes alegam, em substância, que, por força das disposições do artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Aarhus, conforme executadas pelo artigo 4.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1367/2006, a Comissão estava obrigada a divulgar ativamente as normas harmonizadas pedidas.

114    A este respeito, há que observar que tanto o artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Aarhus como o artigo 4.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1367/2006 regem a obrigação de divulgar ativamente as informações sobre o ambiente, sem consagrarem um «interesse público superior» a este respeito.

115    Com efeito, à semelhança da Comissão, há que sublinhar que o artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 1367/2006 é a única disposição deste regulamento que contém uma referência clara e específica a um «interesse público superior» e diz unicamente respeito às situações em que as informações solicitadas estão relacionadas com emissões para o ambiente.

116    Além disso, o artigo 6.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 1367/2006 refere‑se apenas a um «interesse público» na divulgação e não a um interesse público «superior» na aceção do artigo 4.o, n.o 2, in fine, do Regulamento n.o 1049/2001. Não decorre, portanto, do artigo 6.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 1367/2006 que a divulgação das informações sobre ambiente reveste sempre um interesse público superior (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 23 de setembro de 2015, ClientEarth e International Chemical Secretariat/ECHA, T‑245/11, EU:T:2015:675, n.o 189).

117    Resulta das considerações precedentes que um interesse público superior na divulgação das normas harmonizadas pedidas não decorre do simples facto, admitindo‑o demonstrado, de conterem informações sobre ambiente.

118    Em todo o caso, como resulta do artigo 5.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Aarhus, conforme executado pelo artigo 4.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1367/2006, a obrigação de divulgar ativamente as informações sobre o ambiente está circunscrita ao texto da legislação da União em matéria de ambiente ou relacionada com o ambiente, bem como às políticas, aos planos e aos programas relativos ao ambiente. Ora, embora façam parte do direito da União, as normas harmonizadas pedidas não são todavia abrangidas pela legislação da União, que está estritamente enquadrada pelos Tratados e é da competência exclusiva apenas das instituições da União encarregadas das atribuições a este respeito. Daqui resulta que a tese das recorrentes segundo a qual a Comissão estava obrigada a divulgar ativamente as normas harmonizadas pedidas se baseia na premissa errada de que as referidas normas harmonizadas se inserem na categoria da «legislação da União em matéria de ambiente ou relacionada com o ambiente».

119    Acresce que tanto a Convenção de Aarhus como o Regulamento n.o 1367/2006 preveem o acesso do público à informação ambiental quer por pedido quer no quadro de uma divulgação ativa pelas autoridades e as instituições em causa. Ora, na medida em que as autoridades e as instituições podem indeferir um pedido de acesso à informação quando esta estiver incluída no âmbito de aplicação de certas exceções, impõe‑se considerar que as mesmas não são obrigadas a divulgar ativamente essa informação. Com efeito, no caso contrário, as exceções em causa seriam privadas de qualquer efeito útil, o que é manifestamente incompatível com o espírito e com a letra da Convenção de Aarhus e do referido regulamento (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de setembro de 2013, ClientEarth/Comissão, T‑111/11, EU:T:2013:482, n.o 128).

2)      Quanto à existência de informações relacionadas com emissões para o ambiente na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006

120    Resulta, em substância, do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1367/2006, lido em conjugação com o artigo 2.o, n.o 1, alínea d), do referido regulamento, que o objetivo deste último é garantir o direito de acesso à informação sobre fatores, como as emissões, que afetem ou possam afetar os elementos do ambiente referidos no artigo 2.o, n.o 1, alínea d), i), do mesmo regulamento, nomeadamente o ar, a água e o solo.

121    A este respeito, o artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 1367/2006 prevê uma presunção legal segundo a qual se considera que existe um interesse público superior na divulgação de «informação […] relacionada com emissões para o ambiente», com exceção da relativa a inquéritos, por contraposição ao interesse relativo à proteção dos interesses comerciais de uma determinada pessoa singular ou coletiva, de modo que a proteção dos referidos interesses comerciais não pode ser oposta à divulgação dessas informações. Ao estabelecer essa presunção, o referido artigo mais não faz do que permitir uma aplicação concreta do princípio do acesso o mais amplo possível às informações detidas pelas instituições e pelos órgãos da União (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2016, Comissão/Stichting Greenpeace Nederland e PAN Europe, C‑673/13 P, EU:C:2016:889, n.o 54).

122    Contudo, resulta da letra do artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 1367/2006 que esta disposição se refere à informação «relacionada com emissões para o ambiente», ou seja, à que diz respeito ou que é relativa a essas emissões, e não às informações que tenham um nexo, direto ou indireto, com as emissões para o ambiente. Esta interpretação é confirmada pelo artigo 4.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Convenção de Aarhus, que faz referência às «informações relativas às emissões» (Acórdão de 23 de novembro de 2016, Comissão/Stichting Greenpeace Nederland e PAN Europe, C‑673/13 P, EU:C:2016:889, n.o 78).

123    Relativamente ao objetivo prosseguido pelo artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 1367/2006 de garantir um acesso de princípio à «informação […] relacionada com emissões para o ambiente», este conceito deve ser entendido no sentido de que inclui nomeadamente os dados que permitem ao público saber o que é efetivamente libertado no ambiente, ou o que será, de modo previsível, em condições normais ou realistas de utilização do produto ou da substância em causa, que correspondem àquelas para as quais a autorização de colocação no mercado do produto em causa é concedida e que existem na zona onde o referido produto ou a referida substância se destina a ser utilizado. Assim, o referido conceito deve ser interpretado no sentido de que abrange, designadamente, as indicações relativas à natureza, à composição, à quantidade, à data e ao local das emissões efetivas ou previsíveis, em tais condições, do referido produto ou da referida substância (Acórdão de 23 de novembro de 2016, Comissão/Stichting Greenpeace Nederland e PAN Europe, C‑673/13 P, EU:C:2016:889, n.o 79).

124    Há igualmente que incluir no conceito de «informação […] relacionada com emissões para o ambiente» as informações que permitam ao público verificar se a avaliação das emissões efetivas ou previsíveis, com base na qual a autoridade competente autorizou o produto ou a substância em causa, é correta, bem como os dados relativos aos efeitos dessas emissões no ambiente. Com efeito, resulta, em substância, do considerando 2 do Regulamento n.o 1367/2006 que o acesso às informações sobre ambiente garantida por esse regulamento visa, designadamente, favorecer uma participação mais efetiva do público no processo de tomada de decisões, aumentado assim a responsabilidade das instâncias competentes e contribuindo para sensibilizar e angariar o apoio do público para as decisões tomadas. Ora, para se poder certificar de que as decisões adotadas pelas autoridades competentes em matéria ambiental são fundadas e participar eficazmente no processo decisório em matéria ambiental, o público deve ter acesso às informações que lhe permitam verificar se as emissões foram corretamente avaliadas e deve ter a oportunidade de compreender razoavelmente a maneira como o ambiente corre o risco de ser afetado pelas referidas emissões (Acórdão de 23 de novembro de 2016, Comissão/Stichting Greenpeace Nederland e PAN Europe, C‑673/13 P, EU:C:2016:889, n.o 80).

125    Em contrapartida, embora não haja que adotar uma interpretação restritiva do conceito de «informação […] relacionada com emissões para o ambiente», este conceito não pode, porém, incluir qualquer informação que apresente uma qualquer relação, mesmo direta, com emissões para o ambiente. Com efeito, se o referido conceito fosse interpretado no sentido de que abrangia essas informações, esgotaria, em grande parte, o conceito de «informação sobre ambiente» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1367/2006. Tal interpretação privaria assim de efeito útil a possibilidade, prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, de as instituições recusarem a divulgação de informações sobre ambiente pelo facto de essa divulgação prejudicar a proteção dos interesses comerciais de uma determinada pessoa singular ou coletiva e poria em perigo o equilíbrio que o legislador da União quis assegurar entre o objetivo de transparência e a proteção desses interesses. Acarretaria também uma violação desproporcionada da proteção do segredo profissional garantida pelo artigo 339.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2016, Comissão/Stichting Greenpeace Nederland e PAN Europe, C‑673/13 P, EU:C:2016:889, n.o 81).

126    Além disso, embora o conceito de «informação […] relacionada com emissões para o ambiente», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 1367/2006, não possa ser limitado apenas às informações sobre as emissões efetivamente libertadas no ambiente, não inclui, todavia, as informações relativas a emissões hipotéticas (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2016, Comissão/Stichting Greenpeace Nederland e PAN Europe, C‑673/13 P, EU:C:2016:889, n.o 72 e jurisprudência referida, e n.o 73).

127    No caso em apreço, segundo a Comissão, que não é contrariada neste ponto pelas recorrentes, as normas harmonizadas requeridas mais não fazem do que descrever ensaios e métodos concebidos para satisfazer os requisitos de segurança antes da colocação no mercado de determinados produtos. Ora, não contêm nenhuma informação que afete, ou seja suscetível de afetar, os elementos do ambiente referidos no artigo 2.o, n.o 1, alínea d), i), do Regulamento n.o 1367/2006, mas incluem informações sobre os melhores meios de tornar os brinquedos mais seguros e prevenir alguns dos efeitos do níquel quando entra em contacto prolongado com a pele.

128    Como acertadamente sustenta a Comissão, o simples facto de as normas harmonizadas pedidas dizerem parcialmente respeito a substâncias e conterem certas informações relativas às taxas máximas de misturas e de substâncias químicas não estabelece certamente uma ligação suficiente com as emissões efetivas ou previsíveis na aceção da jurisprudência referida nos n.os 123 e 124, supra.

129    Resulta do exposto que as normas harmonizadas pedidas não se circunscrevem à esfera da «informação […] relacionada com emissões para o ambiente» para que possam beneficiar da aplicação da presunção prevista no artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 1367/2006.

130    A segunda parte do segundo fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente e, por conseguinte, o referido fundamento na sua totalidade, bem como o recurso.

IV.    Quanto às despesas

131    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

132    No caso em apreço, tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas suas próprias despesas e nas despesas da Comissão, em conformidade com o requerido por esta.

133    Por último, nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 deste artigo suporte as suas próprias despesas. No caso em apreço, o CEN, a UNE, a ASRO, a AFNOR, a ASI, a BSI, o NBN, o DS, o DIN, o NEN, a SNV, o SN, a SFS, o SIS e o ISS suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Public.Resource.Org, Inc. e a Right to Know CLG suportarão, além das suas próprias despesas, as despesas apresentadas pela Comissão Europeia.

3)      O Comité Europeu de Normalização (CEN), a Asociación Española de Normalización (UNE), a Asociaţia de Standardizare din România (ASRO), a Association française de normalisation (AFNOR), a Austrian Standards International (ASI), a British Standards Institution (BSI), o Bureau de normalisation/Bureau voor Normalisatie (NBN), o Dansk Standard (DS), o Deutsches Institut für Normung eV (DIN), o Koninklijk Nederlands Normalisatie Instituut (NEN), a Schweizerische NormenVereinigung (SNV), o Standard Norge (SN), a Suomen Standardisoimisliitto ry (SFS), o Svenska institutet för standarder (SIS) e o Institut za standardizaciju Srbije (ISS) suportarão as suas próprias despesas.

Papasavvas

Spielmann

Öberg

Spineanu‑Matei

 

      Norkus

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de julho de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.


1      A lista dos outros intervenientes apenas foi anexada à versão notificada às partes.