Language of document : ECLI:EU:T:2021:312

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

2 de junho de 2021 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de oposição — Pedido de registo de marca nominativa da União Europeia Hispano Suiza — Marca nominativa da União Europeia anterior HISPANO SUIZA — Motivo relativo de recusa — Risco de confusão — Artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 [atual artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) 2017/1001]»

No processo T‑177/20,

Erwin Leo Himmel, residente em Walchwil (Suíça), representado por A. Gomoll, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por M. Fischer, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO:

Gonzalo Andres Ramirez Monfort, residente em Barcelona (Espanha),

que tem por objeto um recurso da Decisão da Primeira Câmara de Recurso do EUIPO de 21 de janeiro de 2020 (processo R 67/2019‑1), relativa a um processo de oposição entre E. L. Himmel e G. A. Ramirez Monfort,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: A. M. Collins, presidente, Z. Csehi e G. Steinfatt (relatora), juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de março de 2020,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de julho de 2020,

visto não terem as partes requerido a marcação de uma audiência de alegações no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, nos termos do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso sem fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 18 de fevereiro de 2017, a outra parte no processo no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), Gonzalo Andres Ramirez Monfort, apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no EUIPO ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo Hispano Suiza.

3        Os produtos para os quais o registo foi pedido pertencem à classe 12 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à descrição seguinte: «Viaturas».

4        O pedido de registo de marca foi publicado no Boletim de Marcas da União Europeia n.o 2017/038, de 24 de fevereiro de 2017.

5        Em 17 de maio de 2017, o recorrente, E. L. Himmel, deduziu oposição ao abrigo do artigo 41.o do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 46.o do Regulamento n.o 2017/1001), ao registo da marca pedida para os produtos referidos no n.o 3, supra.

6        A oposição baseava‑se na marca nominativa da União Europeia anterior HISPANO SUIZA, registada em 1 de agosto de 2016 sob o número 9184003, que designa produtos das classes 14 e 25 que correspondem nomeadamente, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

–        classe 14: «Relojoaria e instrumentos cronométricos»;

–        classe 25: «Vestuário, calçado e chapelaria».

7        Os motivos invocados em apoio da oposição eram os referidos no artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 [atual artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001].

8        Por Decisão de 12 de novembro de 2018, a Divisão de Oposição indeferiu a oposição por considerar que, não existindo semelhança entre os produtos contestados e os abrangidos pela marca anterior, não podia existir nenhum risco de confusão na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

9        Em 10 de janeiro de 2019, o recorrente interpôs recurso no EUIPO, ao abrigo dos artigos 66.o a 68.o do Regulamento 2017/1001, da decisão da Divisão de Oposição.

10      Por Decisão de 21 de janeiro de 2020 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso.

11      A Câmara de Recurso salientou que, como tinha explicado a Divisão de Oposição, veículos, como viaturas, não podiam de modo algum ser considerados semelhantes a relógios, a cronómetros, a vestuário, a calçado e a artigos de chapelaria (n.o 18 da decisão impugnada). Constatou que os primeiros produtos, que eram meios de transporte, diferiam em todos os aspetos dos outros produtos, que eram instrumentos de medida do tempo e artigos destinados a cobrir e a proteger o corpo (n.o 19 da decisão impugnada). Estas duas categorias de produtos distinguiam‑se claramente pela sua natureza, destino e utilização (n.o 20 da decisão impugnada). Não se tratava de produtos concorrentes, dado que satisfaziam manifestamente necessidades diferentes, nem de produtos complementares, na medida em que, nomeadamente, a condução de uma viatura não era indispensável para alguém que deva vestir‑se ou que pretenda saber as horas (n.o 21 da decisão impugnada). Além disso, o recorrente não alegou que os produtos em conflito eram semelhantes pela sua natureza, o seu destino ou a sua utilização, nem sequer que eram concorrentes ou complementares (n.o 22 da decisão impugnada).

12      Por outro lado, a Câmara de Recurso rejeitou a argumentação do recorrente segundo a qual, em primeiro lugar, existe uma «prática comercial» que consiste, para os fabricantes de automóveis, em estender a utilização da sua marca bem conhecida a outros produtos, como vestuário, relógios e outros acessórios; em segundo lugar, o grande público tem conhecimento desta prática; em terceiro lugar, o grande público pressupõe assim que a utilização de uma mesma marca para os produtos em conflito indica que provêm da mesma empresa; e, em quarto lugar, que estes produtos são, por conseguinte, considerados «semelhantes» (n.os 23 e 26 da decisão impugnada). Segundo a Câmara de Recurso, o recorrente tenta deste modo substituir por um novo critério de semelhança, a saber, as «práticas comerciais», os critérios estabelecidos pela jurisprudência, a saber, a natureza, o destino, a utilização, a concorrência eventual e a relação de complementaridade (n.o 24 da decisão impugnada). Ora, o recorrente não contestou que, em aplicação destes últimos critérios, as viaturas, por um lado, e os produtos abrangidos pela marca anterior, por outro, não apresentam nenhuma semelhança (n.o 25 da decisão impugnada).

13      No entender da Câmara de Recurso, as práticas comerciais só podem ser pertinentes para estabelecer a existência de uma «ligação» entre as marcas e os produtos que designam, no âmbito do motivo de recusa previsto no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento 2017/1001, que não foi invocado pelo recorrente na Câmara de Recurso (n.o 27 da decisão impugnada).

14      A Câmara de Recurso concluiu que a utilização da marca contestada para viaturas não gerava risco de confusão ou de associação com a marca anterior registada para produtos das classes 14 e 25, considerando, por conseguinte, a oposição «manifestamente infundada».

 Pedidos das partes

15      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o EUIPO nas despesas.

16      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

17      O recorrente invoca um único fundamento de recurso, relativo à violação, por um lado, do artigo 46.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001, em conjugação com o seu artigo 8.o, n.o 1, alínea b), e, por outro, do dever de fundamentação.

18      A título preliminar, importa assinalar que, tendo em conta a data de apresentação do pedido de registo em causa, a saber, 18 de fevereiro de 2017, que é determinante para efeitos de identificação do direito material aplicável, os factos do presente caso regem‑se pelas disposições materiais do Regulamento n.o 207/2009 (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2014, Bimbo/IHMI, C‑591/12 P, EU:C:2014:305, n.o 12, e de 18 de junho de 2020, Primart/EUIPO, C‑702/18 P, EU:C:2020:489, n.o 2 e jurisprudência referida). Por outro lado, as regras processuais são aplicáveis, geralmente, na data em que entram em vigor (v. Acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 45 e jurisprudência referida). Consequentemente, no presente caso, no que respeita às regras materiais, há que entender as referências feitas pela Câmara de Recurso na decisão impugnada, bem como pelo recorrente e pelo EUIPO na argumentação invocada, ao artigo 8.o, n.os 1 e 5, do Regulamento 2017/1001, no sentido de que visam o artigo 8.o, n.os 1 e 5, de conteúdo idêntico, do Regulamento n.o 207/2009. No que respeita às regras processuais, na medida em que a oposição foi deduzida em 17 de maio de 2017, há que entender as referências feitas pelo recorrente ao artigo 46.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001, relativo nomeadamente ao prazo em que se deve deduzir a oposição, no sentido de que visam o artigo 41.o, n.o 1, alínea a), de conteúdo idêntico, do Regulamento n.o 207/2009, em vigor à data da oposição.

19      O recorrente alega, em substância, que a Câmara de Recurso concluiu erradamente pela inexistência de semelhança entre os produtos em conflito. Com efeito, não teve em conta todos os fatores pertinentes para a sua comparação, atendendo às circunstâncias do caso em apreço, nem abordou todos os argumentos pertinentes por si apresentados a favor da existência de semelhança entre estes produtos.

20      Em primeiro lugar, o recorrente sustenta que a lista dos fatores desenvolvidos pela jurisprudência para efeitos da apreciação da semelhança dos produtos ou os serviços não é exaustiva.

21      Resulta do n.o 23 do Acórdão de 29 de setembro de 1998, Canon (C‑39/97, EU:C:1998:442), que, para apreciar a semelhança entre os produtos ou os serviços em conflito, há que tomar em conta todos os fatores pertinentes. Estes fatores compreendem, entre outros, a sua natureza, o seu destino, a sua utilização, bem como o seu caráter concorrente ou complementar (a seguir «critérios Canon»). A expressão «entre outros» revela que a enumeração destes fatores é meramente indicativa, podendo estes ser complementados ou substituídos por outros fatores pertinentes, como sucede no presente caso. A semelhança dos produtos e dos serviços não depende de um número específico de critérios que possam ser previamente determinados e aplicados em todos os casos.

22      Segundo jurisprudência constante, além dos critérios Canon, há igualmente que ter em conta outros fatores, a saber, os canais de distribuição, o público relevante e a origem habitual dos produtos, ou mesmo a identidade dos produtores. Na apreciação da semelhança dos produtos, a comparação deve centrar‑se na identificação dos fatores pertinentes que caracterizam em particular os produtos a comparar, tendo em conta, em especial, a realidade comercial própria de um determinado produto. A pertinência de um dado fator depende assim dos respetivos produtos a comparar. A origem habitual dos produtos e uma certa prática de mercado consolidada entre os produtores de automóveis na União Europeia são, no caso em apreço, os fatores determinantes. Ora, a Câmara de Recurso não teve em conta nenhum fator além dos critérios Canon e limitou‑se a afirmar que o fator relativo à prática comercial, invocado pelo recorrente, era um fator novo e que não constava do Acórdão de 29 de setembro de 1998, Canon (C‑39/97, EU:C:1998:442), pelo que não era admissível.

23      O recorrente alega que a apreciação da semelhança dos produtos em conflito não pode, no presente caso, limitar‑se apenas aos critérios Canon, sob pena de serem ignorados elementos pertinentes para efeitos da apreciação da semelhança dos produtos, como a prática corrente da maioria dos fabricantes de automóveis na União que consiste em produzir e vender vestuário em grande escala, por um lado, e o facto de os consumidores conhecerem e estarem habituados a esta prática, por outro. Além disso, esta prática de mercado conduziu, no caso em apreço, a um certo comportamento cognitivo, a um certo estado de espírito.

24      Além disso, uma certa prática de mercado num dado setor comercial é geralmente considerada um fator determinante, como ilustram as Decisões da Quinta Câmara de Recurso do EUIPO de 8 de junho de 2017 (processo R 1447/2016‑5, n.o 54), da Quinta Câmara de Recurso do EUIPO de 16 de novembro de 2017 (processo R 968/2015‑5, n.o 49) e da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 15 de dezembro de 2017 (processo R 1527/2017‑2, n.o 26).

25      Em segundo lugar, o recorrente alega que, se a Câmara de Recurso tivesse apreciado a semelhança dos produtos em conflito à luz do critério da prática comercial, conhecida pelos consumidores, que consiste na oferta, por parte dos fabricantes de automóveis da União, não só de viaturas, de peças e de equipamentos para automóveis mas também de uma ampla gama de vestuário e de acessórios, teria concluído que estes produtos são semelhantes. Os compradores efetivos e potenciais de vestuário e de acessórios que ostentam uma marca que também é utilizada para viaturas pretendem, deste modo, geralmente expressar que possuem uma viatura proveniente de um dado fabricante ou que têm interesse ou admiração pelas viaturas deste e, por conseguinte, associar estas diferentes categorias de produtos. Além disso, quando uma mesma marca é utilizada tanto para viaturas como para relojoaria, instrumentos cronométricos, vestuário, calçado e chapelaria, o público relevante está convencido de que todos estes produtos são fabricados ou comercializados sob o controlo único de uma empresa ou, pelo menos, de empresas ligadas economicamente, ainda que não sejam concorrentes nem complementares.

26      Em terceiro lugar, o recorrente sustenta que foi igualmente por não ter tido em conta o facto de que os produtos em conflito eram provenientes dos mesmos produtores e eram vendidos pelos mesmos canais de distribuição que a Câmara de Recurso concluiu erradamente que estes produtos não eram semelhantes. A este respeito, em primeiro lugar, afirma que o local de produção efetivo não é tão determinante como a questão de saber se o público relevante tem em conta a identidade da entidade que dirige ou controla a produção ou o fornecimento dos produtos e salienta que a Divisão de Oposição constatou que, atualmente, os fabricantes de automóveis também oferecem, sob as suas marcas, produtos como os das classes 14 e 25. A Divisão de Oposição reconheceu igualmente que as viaturas, o vestuário e a relojoaria são frequentemente produzidos e fornecidos sob a responsabilidade dos mesmos produtores, a saber, os fabricantes de automóveis. Em segundo lugar, alega que resulta das impressões dos sítios Internet anexadas à petição inicial que o vestuário e os acessórios oferecidos pelos fabricantes de automóveis estão disponíveis nos seus sítios Internet, que também contêm frequentemente informações detalhadas sobre as viaturas oferecidas. Além disso, vários produtores oferecem o seu vestuário por intermédio dos seus concessionários de automóveis habituais.

27      Consequentemente, a semelhança dos produtos em causa decorre igualmente do facto de serem provenientes do mesmo produtor e de serem oferecidos ou vendidos pelos mesmos canais de distribuição. Por conseguinte, a utilização da marca cujo registo é pedido para viaturas está na origem de um risco de confusão e de associação com a marca anterior registada para produtos das classes 14 e 25.

28      O EUIPO contesta os argumentos do recorrente.

29      Em primeiro lugar, o EUIPO alega que, ainda que a jurisprudência não forneça uma lista exaustiva dos fatores pertinentes, estabelece um certo número deles que deve ser sistematicamente tomado em consideração para avaliar a semelhança dos produtos ou dos serviços em causa, a saber, os critérios Canon. Em função das particularidades de cada caso, podem revelar‑se igualmente pertinentes fatores «suplementares» como os canais de distribuição, o público em causa ou a origem habitual dos produtos ou dos serviços.

30      Ora, o recorrente não contesta que a aplicação dos critérios Canon não conduz a nenhum grau de semelhança entre as viaturas, por um lado, e a relojoaria, os instrumentos cronométricos, o vestuário, o calçado, e a chapelaria, por outro.

31      Em segundo lugar, o EUIPO contesta a pertinência da prática comercial específica do setor automóvel invocada pelo recorrente. As práticas comerciais podem assumir alguma pertinência no âmbito da avaliação de uma ligação ao abrigo do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. No entanto, não constituem um fator pertinente, e muito menos decisivo, no âmbito da apreciação da semelhança dos produtos nos termos do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento. Com efeito, o conceito de ligação, no estabelecimento do qual as práticas comerciais podem desempenhar um papel, é mais vasto do que o conceito de semelhança dos produtos ou dos serviços na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009. O EUIPO assinala, a este respeito, que a Decisão da Quinta Câmara de Recurso do EUIPO de 8 de junho de 2017 (processo R 1447/2016‑5), na qual o recorrente se baseia, não diz respeito à semelhança dos produtos nos termos do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, mas ao estabelecimento de uma ligação no âmbito do artigo 8.o, n.o 5, do mesmo regulamento. Uma vez que, no caso em apreço, o recorrente não invocou uma violação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, deve rejeitar‑se o argumento baseado na pretensa importância das práticas comerciais enquanto fator decisivo para o presente processo.

32      Em terceiro lugar, no que respeita, desde logo, ao critério suplementar da origem habitual dos produtos, o EUIPO considera que é necessário adotar uma abordagem restritiva para evitar o seu enfraquecimento. Caso se considerasse, no presente caso, que todos os tipos de produtos ou de serviços, provenientes da mesma grande empresa ou sociedade, tinham a mesma origem, este critério perderia o seu significado. O EUIPO considera que, embora não seja invulgar os fabricantes de automóveis aporem a sua marca de viaturas em muitos outros produtos, o público tem plena consciência de que se trata geralmente de uma atividade realizada no contexto de artigos derivados e de acessórios, fabricados por outras empresas, com a intenção de promover o produto principal, isto é, viaturas, e não a atividade comercial principal do fabricante de automóveis que é titular da marca. O público está plenamente consciente do facto de que o mercado do vestuário e dos relógios difere fundamentalmente do mercado das viaturas e, por conseguinte, não espera geralmente que os produtos em conflito sejam fabricados e oferecidos pela mesma empresa.

33      Em segundo lugar, o EUIPO considera que todos os produtos em conflito podem efetivamente destinar‑se aos consumidores finais. Relógios ou vestuário também podem ocasionalmente partilhar os mesmos canais de distribuição que as viaturas, na medida em que podem ser oferecidos nos sítios Internet de concessionários de automóveis ou ainda fisicamente em stands de automóveis enquanto artigos derivados. No entanto, esta eventual relação não implica que produtos como vestuário ou relógios formem um grupo homogéneo com viaturas, nem que sejam geralmente oferecidos e vendidos a par das viaturas. De qualquer forma, mesmo eventuais ligações referentes a fatores suplementares relativamente frágeis, como o público em causa ou os canais de distribuição, não podem de modo algum prevalecer sobre a falta de semelhanças à luz da natureza, do destino e da utilização dos produtos, ou de qualquer outro critério Canon.

34      Daqui resulta, segundo o EUIPO, que, na medida em que não está preenchido um dos requisitos do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, a saber, a semelhança dos produtos, foi com razão que a Câmara de Recurso negou provimento ao recurso por ser manifestamente improcedente.

35      A título preliminar, importa realçar que, embora o recorrente invoque, em apoio do seu recurso, não só o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 mas também o artigo 41.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, não apresenta nenhum argumento específico a respeito desta última disposição, que, aliás, prevê essencialmente certas regras relativas à apresentação da oposição ao registo de uma marca. Por conseguinte, há que considerar que o presente fundamento se baseia unicamente na violação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

36      Nos termos desta última disposição, após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado quando, devido à sua identidade ou semelhança com uma marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida. O risco de confusão compreende o risco de associação com a marca anterior.

37      O conceito de risco de associação não é uma alternativa ao conceito de risco de confusão, mas serve para precisar o seu alcance. A própria redação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 exclui, por conseguinte, que o conceito de risco de associação possa ser aplicado se não existe, no espírito do público relevante, um risco de confusão [v. Acórdão de 11 de setembro de 2014, Continental Wind Partners/IHMI — Continental Reifen Deutschland (CONTINENTAL WIND PARTNERS), T‑185/13, não publicado, EU:T:2014:769, n.o 75 e jurisprudência referida].

38      Segundo jurisprudência constante, constitui risco de confusão, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, o risco de que o público possa crer que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou de empresas ligadas economicamente. A existência de um risco de confusão no espírito do público relevante deve ser apreciada globalmente, tendo em conta todos os fatores pertinentes do caso concreto, entre os quais figuram, nomeadamente, o grau de semelhança entre os sinais em conflito e entre os produtos ou serviços designados em causa, bem como a intensidade do prestígio e o grau de caráter distintivo, intrínseco ou adquirido pelo uso, da marca anterior [Acórdãos de 24 de março de 2011, Ferrero/IHMI, C‑552/09 P, EU:C:2011:177, n.o 64, e de 8 de maio de 2014, Bimbo/IHMI, C‑591/12 P, EU:C:2014:305, n.o 20; v., igualmente, Acórdão de 9 de julho de 2003, Laboratorios RTB/IHMI — Giorgio Berverly Hills (GIORGIO BEVERLY HILLS), T‑162/01, EU:T:2003:199, n.os 30 a 32 e jurisprudência referida].

39      Esta apreciação global do risco de confusão implica uma certa interdependência entre os fatores tomados em conta, nomeadamente, a semelhança das marcas e a dos produtos ou dos serviços em causa. Assim, um reduzido grau de semelhança entre os produtos ou serviços em causa pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre as marcas, e inversamente (v. Acórdão de 18 de dezembro de 2008, Les Éditions Albert René/IHMI, C‑16/06 P, EU:C:2008:739, n.o 46 e jurisprudência referida).

40      Todavia, para efeitos da aplicação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, o risco de confusão pressupõe uma identidade ou semelhança entre as marcas em litígio e uma identidade ou semelhança entre os produtos ou os serviços que designam. Trata‑se de condições cumulativas [v. Acórdão de 22 de janeiro de 2009, Commercy/IHMI — easyGroup IP Licensing (easyHotel), T‑316/07, EU:T:2009:14, n.o 42 e jurisprudência referida].

41      Assim, continua a ser necessário, mesmo na hipótese de existir identidade com uma marca cujo caráter distintivo seja particularmente forte, fazer prova de uma semelhança entre os produtos ou os serviços designados (Despacho de 9 de março de 2007, Alecansan/IHMI, C‑196/06 P, não publicado, EU:C:2007:159, n.o 24). Contrariamente ao que está previsto, por exemplo, no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, que visa expressamente os casos em que os produtos ou os serviços não são semelhantes, o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento estabelece que um risco de confusão pressupõe uma identidade ou semelhança entre os produtos ou os serviços designados [Acórdão de 7 de maio de 2009, Waterford Wedgwood/Assembled Investments (Proprietary) e IHMI, C‑398/07 P, não publicado, EU:C:2009:288, n.o 34].

42      No caso em apreço, a Câmara de Recurso considerou que não existia nenhum risco de confusão para o público relevante apenas com base numa comparação dos produtos em conflito, sem examinar os outros requisitos recordados no n.o 38, supra, nomeadamente a semelhança entre os sinais, e sem proceder a uma apreciação global da existência de um risco de confusão tendo em conta todos os fatores pertinentes. No entanto, uma semelhança, mesmo que pequena, entre os referidos produtos impunha à Câmara de Recurso que verificasse se um eventual grau elevado de semelhança entre os sinais, ou mesmo a sua identidade, não era suscetível de criar, no espírito do consumidor, um risco de confusão quanto à origem dos produtos [Acórdão de 11 de julho de 2007, El Corte Inglés/IHMI — Bolaños Sabri (PiraÑAM diseño original Juan Bolaños), T‑443/05, EU:T:2007:219, n.o 40].

43      Por conseguinte, há que examinar se a Câmara de Recurso teve razão ao concluir pela inexistência de semelhança entre os produtos designados pelas marcas em conflito.

 Quanto à pertinência do critério de uma «prática comercial»

44      Segundo a jurisprudência resultante do n.o 23 do Acórdão de 29 de setembro de 1998, Canon (C‑39/97, EU:C:1998:442), para proceder à comparação entre os produtos ou os serviços abrangidos pelas marcas em conflito, há que tomar em conta todos os fatores pertinentes que caracterizam a relação entre eles. Estes fatores incluem, em especial, a sua natureza, o seu destino, a sua utilização, bem como o seu caráter concorrente ou complementar. Também podem ser tidos em conta outros fatores, como os canais de distribuição dos produtos ou serviços em causa ou ainda o facto de os referidos produtos ou serviços serem frequentemente vendidos nos mesmos pontos de venda especializados, o que pode facilitar a perceção por parte do consumidor em causa dos laços estreitos existentes entre eles e a reforçar a impressão de que a responsabilidade do fabrico desses produtos ou da prestação desses serviços incumbe à mesma empresa [Acórdãos de 21 de janeiro de 2016, Hesse/IHMI, C‑50/15 P, EU:C:2016:34, n.os 21 a 23, e de 10 de junho de 2015, AgriCapital/IHMI — agri.capital (AGRI.CAPITAL), T‑514/13, EU:T:2015:372, n.o 29; v., igualmente, Acórdão de 2 de outubro de 2015, The Tea Board/IHMI — Delta Lingerie (Darjeeling), T‑627/13, não publicado, EU:T:2015:740, n.o 37 e jurisprudência referida].

45      A formulação segundo a qual há que «tomar em conta todos os fatores pertinentes que caracterizam a relação entre os produtos ou serviços» e que «[e]stes fatores incluem, em especial, a sua natureza, destino, utilização, bem como o seu caráter concorrente ou complementar», indica claramente, como sustenta acertadamente o recorrente, que esta lista de critérios não é exaustiva. Além disso, esta formulação foi completada posteriormente à prolação do Acórdão de 28 de setembro de 1998, Canon (C‑39/97, EU:C:1998:442), por outros critérios [Acórdão de 21 de julho de 2016, Ogrodnik/EUIPO — Aviário Tropical (Tropical), T‑804/14, não publicado, EU:T:2016:431, n.o 58], entre os quais a origem habitual dos produtos em causa [Acórdãos de 26 de setembro de 2017, Banca Monte dei Paschi di Siena e Banca Widiba/EUIPO — ING‑DIBa (WIDIBA), T‑83/16, não publicado, EU:T:2017:662, n.o 64, e de 13 de novembro de 2018, Camomilla/EUIPO — CMT (CAMOMILLA), T‑44/17, não publicado, EU:T:2018:775, n.os 76 e 91] e, conforme referido no n.o 44, supra, os seus canais de distribuição. Além disso, foi considerado que a circunstância de a promoção dos produtos em conflito ser assegurada pelas mesmas revistas especializadas é igualmente um fator suscetível de facilitar a perceção pelo consumidor em causa dos laços estreitos existentes entre eles e de reforçar a impressão de que a responsabilidade do seu fabrico incumbe à mesma empresa [Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Demon International/IHMI — Big Line (DEMON), T‑380/12, não publicado, EU:T:2014:76, n.o 42].

46      Nestas condições, a Câmara de Recurso cometeu, nos n.os 24 e 27 da decisão impugnada, um erro de direito ao excluir, por princípio, a apreciação da semelhança dos produtos em conflito à luz do critério das práticas comerciais invocado pelo recorrente. Com efeito, não é de excluir que critérios diferentes dos enunciados pela Câmara de Recurso no n.o 17 da decisão impugnada, a saber, além dos critérios Canon, os canais de distribuição e a identidade dos pontos de venda, possam ser pertinentes no âmbito da apreciação da semelhança dos produtos ou dos serviços em geral, bem como dos produtos em conflito em particular.

47      É certo que a Câmara de Recurso, no n.o 17 da decisão impugnada, recordou critérios pertinentes para a apreciação da semelhança dos produtos, precisando que outros fatores podiam igualmente ser tomados em conta. Todavia, não apreciou a semelhança dos produtos em conflito à luz destes outros fatores. No que respeita, mais especificamente, à prática comercial invocada pelo recorrente, a Câmara de Recurso explicou, no n.o 24 da decisão impugnada, que o raciocínio do recorrente não podia ser seguido porque tentava substituir por um novo critério de semelhança, as práticas comerciais, os critérios estabelecidos pela jurisprudência, a saber, a natureza, o destino, a utilização, a concorrência e a relação de complementaridade. Segundo a Câmara de Recurso, uma vez que não existe semelhança à luz destes últimos critérios, o argumento do recorrente relativo à prática comercial devia ser rejeitado (n.os 25 e 26 da decisão impugnada). No seu entender, as práticas comerciais só podem ser pertinentes para estabelecer a existência de uma ligação entre as marcas no âmbito do motivo de recusa previsto no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 (n.o 27 da decisão impugnada).

48      Os n.os 24 a 27 da decisão impugnada não podem ser interpretados no sentido de que a Câmara de Recurso considerou que a sua análise, decorrente da aplicação dos critérios Canon, não podia ser posta em causa com base apenas no fator da prática comercial. Com efeito, tal consideração seria contrária à conclusão que resulta dos n.os 21 e 23 do Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Hesse/IHMI (C‑50/15 P, EU:C:2016:34), segundo a qual não é de excluir que um critério pertinente seja suscetível de fundamentar, por si só, a existência de uma semelhança entre os produtos ou os serviços, não obstante a circunstância de a aplicação dos restantes critérios indicar antes a inexistência dessa semelhança. De qualquer modo, é impossível avaliar o impacto de um critério adicional, como a prática comercial, na análise já efetuada em aplicação dos fatores decorrentes do Acórdão de 29 de setembro de 1998, Canon (C‑39/97, EU:C:1998:442), antes de este critério ser devidamente examinado. Ora, a Câmara de Recurso não procedeu a esse exame.

49      Além disso, não há nada na redação do n.o 27 da decisão impugnada que permita concluir que a Câmara de Recurso pretendeu restringir a constatação segundo a qual «[a]s práticas comerciais só podem ser pertinentes para estabelecer a existência de uma “ligação” entre as marcas (e os produtos que designam), isto é, no âmbito do motivo de recusa previsto no artigo 8.o, n.o 5, do [Regulamento n.o 207/2009]» às circunstâncias do caso em apreço. Assim, esta constatação, redigida de um modo apodítico, exprime claramente que, segundo a Câmara de Recurso, as práticas comerciais não podem, em caso algum, ter qualquer pertinência para o exame da semelhança dos produtos no âmbito do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009. Importa sublinhar que, na contestação, o EUIPO confirmou que, no seu entender, as práticas comerciais não constituem um fator pertinente no âmbito da avaliação da semelhança dos produtos ao abrigo do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

50      É certo que o recorrente procede erradamente ao basear‑se em três decisões das Câmaras de Recurso do EUIPO para sustentar que a prática decisória do EUIPO já admitiu este critério como sendo pertinente para a apreciação da semelhança dos produtos no âmbito da aplicação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 (v. n.o 24, supra). Por um lado, como alega acertadamente o EUIPO, a Decisão da Quinta Câmara de Recurso do EUIPO de 8 de junho de 2017 (processo R 1447/2016‑5) foi adotada não em aplicação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, mas com base no n.o 5 deste artigo. Por outro lado, a tomada em consideração da prática comercial nas Decisões da Quinta Câmara de Recurso do EUIPO de 16 de novembro de 2017 (processo R 968/2015‑5, n.o 49) e da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 15 de dezembro de 2017 (processo R 1527/2017‑2, n.o 26) foi realizada no âmbito da apreciação global da existência de um risco de confusão e não no âmbito da apreciação da semelhança dos produtos.

51      Ora, ainda que não seja mencionado de forma explícita, o critério da prática comercial já foi tido em conta para apreciar a semelhança dos produtos ou dos serviços em conflito. Assim, foi tido em conta, por exemplo, o facto de os produtos e os serviços em conflito serem frequentemente comercializados em conjunto para concluir que existia uma semelhança entre os referidos produtos e serviços [Acórdão de 4 de junho de 2015, Yoo Holdings/IHMI — Eckes‑Granini Group (YOO), T‑562/14, não publicado, EU:T:2015:363, n.o 27]. Foi também sublinhado que importava apreciar se os consumidores consideravam normal que os produtos em conflito fossem comercializados sob a mesma marca, o que implicaria, normalmente, que grande parte dos produtores ou dos respetivos distribuidores desses produtos fossem os mesmos [Acórdãos de 9 de julho de 2015, Nanu‑Nana Joachim Hoepp/IHMI — Vincci Hoteles (NANU), T‑89/11, não publicado, EU:T:2015:479, n.o 35, e de 10 de outubro de 2018, Cuervo y Sobrinos 1882/EUIPO — A. Salgado Nespereira (Cuervo y Sobrinos LA HABANA 1882), T‑374/17, não publicado, EU:T:2018:669, n.o 41; v., igualmente, Acórdão de 13 de fevereiro de 2020, Delta‑Sport/EUIPO — Delta Enterprise (DELTA SPORT), T‑387/18, não publicado, EU:T:2020:65, n.os 59, 60 e jurisprudência referida].

52      Além disso, contrariamente ao que poderia sugerir o n.o 27 da decisão impugnada, bem como os argumentos do EUIPO reproduzidos no n.o 31, supra, o facto de um critério ser considerado pertinente no âmbito da aplicação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 não implica, por si só, que não seja pertinente no âmbito da aplicação do n.o 1, alínea b), do mesmo artigo [v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Compagnie des montres Longines, Francillon/IHMI — Cheng (B), T‑505/12, EU:T:2015:95, n.os 47 e 48].

53      Do mesmo modo, há que rejeitar os argumentos do EUIPO segundo os quais, por um lado, resulta da jurisprudência que os critérios Canon devem ser sistematicamente tidos em conta para avaliar a semelhança de produtos ou de serviços, ao passo que critérios suplementares poderiam ser pertinentes em função das particularidades de cada caso, e, por outro, que estes últimos critérios são «frágeis», pelo que não podem de modo algum prevalecer sobre a falta de semelhança à luz dos critérios Canon. Com efeito, resulta do Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Hesse/IHMI (C‑50/15 P, EU:C:2016:34, n.o 23), que, em primeiro lugar, cada um dos critérios desenvolvidos pela jurisprudência, independentemente da questão de saber se se trata de um dos critérios originais ou dos que acabaram por ser acrescentados, é apenas um critério entre outros, em segundo lugar, os critérios são autónomos e, em terceiro lugar, a semelhança entre os produtos ou os serviços em conflito é suscetível de se basear apenas num destes critérios (v. n.o 48, supra). Além disso, embora o EUIPO deva ter em conta todos os fatores pertinentes que caracterizam a relação entre os produtos em causa, pode não ter em conta fatores não pertinentes para a relação entre os referidos produtos [v. Acórdão de 23 de novembro de 2011, Pukka Luggage/IHMI — Azpiroz Arruti (PUKKA), T‑483/10, não publicado, EU:T:2011:692, n.o 28 e jurisprudência referida].

54      Importa acrescentar que resulta igualmente das Orientações do EUIPO relativas ao exame das marcas da União Europeia que uma utilização comercial consolidada que consiste na extensão, por parte dos fabricantes, do seu âmbito de atividade a mercados vizinhos reveste especial importância para concluir que produtos ou os serviços de natureza diferente têm a mesma origem. Segundo estas orientações, nestas situações, há que determinar se tal extensão é comum no setor.

55      Daqui resulta que a existência de uma certa prática comercial pode constituir um critério pertinente para efeitos do exame da semelhança entre produtos ou serviços no âmbito do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

56      Por conseguinte, a Câmara de Recurso errou ao excluir, por princípio, a pertinência do critério relativo à prática comercial do seu exame da semelhança dos produtos em conflito. Na medida em que, devido ao seu erro, a Câmara de Recurso não examinou em concreto a pertinência e, posteriormente, sendo caso disso, o impacto deste critério na apreciação da semelhança entre os produtos em conflito, o Tribunal Geral não pode pronunciar‑se sobre esta questão [Acórdãos de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, EU:C:2011:452, n.o 72; de 12 de julho de 2018, Lotte/EUIPO — Nestlé Unternehmungen Deutschland (Representação de um koala), T‑41/17, não publicado, EU:T:2018:438, n.os 54 e 55; e de 5 de dezembro de 2019, Idea Groupe/EUIPO — The Logistical Approach (Idealogistic Verhoeven Greatest care in getting it there), T‑29/19, não publicado, EU:T:2019:841, n.o 91].

 Quanto aos critérios da identidade dos produtores e dos canais de distribuição

57      O recorrente sustentou na Câmara de Recurso que os produtos em conflito também eram semelhantes em aplicação dos critérios da origem habitual, ou da identidade dos produtores, bem como do critério dos canais de distribuição. Ora, ainda que ambos os critérios tenham sido reconhecidos tanto pela jurisprudência (v., nomeadamente, jurisprudência referida no n.o 45, supra) como pela própria Câmara de Recurso, no n.o 17 da decisão impugnada, como pertinentes para apreciar a semelhança dos produtos ou dos serviços em aplicação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, a Câmara de Recurso não examinou, neste caso, estes dois critérios nem apresentou, por outro lado, as razões pelas quais estes não podem influir nesta apreciação, como alega acertadamente o recorrente (v. n.o 19, supra).

58      Embora o n.o 17 da decisão impugnada faça uma referência «padrão» à jurisprudência relativa aos fatores pertinentes a ter em conta na apreciação da semelhança dos produtos, impõe‑se constatar que, no n.o 24 desta decisão, isto é, no âmbito da aplicação das regras ao presente caso, a decisão refere‑se apenas aos cinco critérios Canon, sem mencionar os que foram especificamente invocados pelo recorrente. Resulta nomeadamente dos n.os 23 e 24 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso apreciou os argumentos que lhe foram apresentados pelo recorrente apenas sob a perspetiva da questão de saber se a prática comercial invocada por este último podia ser considerada um fator pertinente a tomar em consideração no âmbito da apreciação da semelhança dos produtos em conflito.

59      O facto de a Câmara de Recurso não ter tomado em consideração os critérios da origem habitual, ou da identidade dos produtores, bem como o critério dos canais de distribuição na análise que conduziu à adoção da decisão impugnada é igualmente corroborado pelo n.o 7 desta última, que resume os argumentos invocados pelo recorrente em apoio do seu recurso. Com efeito, este resumo não menciona os argumentos do recorrente relativos a estes últimos critérios.

60      Além disso, nos n.os 19 a 21 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso procedeu, ela própria, à apreciação da semelhança dos produtos em conflito, mas apenas à luz dos critérios Canon, sendo que o resultado desta apreciação não tinha sido contestado pelo recorrente. Nestas circunstâncias, e na falta igualmente de qualquer argumento do EUIPO neste sentido, a decisão impugnada não pode ser interpretada no sentido de a Câmara de Recurso ter pretendido confirmar a decisão da Divisão de Oposição à luz dos dois critérios em questão alegados especificamente pelo recorrente, a saber, a origem habitual dos produtos, ou a identidade dos produtores, e os canais de distribuição, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a sua análise apenas à luz dos critérios não abrangidos pelo recurso que lhe foi submetido, sem realizar uma apreciação explícita própria em relação aos critérios em que assenta a argumentação do recorrente. Com efeito, embora a Câmara de Recurso se tenha referido, no n.o 18 da decisão impugnada, à conclusão final alcançada pela Divisão de Oposição na sua decisão, não fez referência a nenhum ponto ou passagem específico desta decisão, o que teria permitido concluir que pretendia incluir as considerações da Divisão de Oposição na sua própria decisão para evitar repetições.

61      No n.o 19 da contestação, o EUIPO sustenta que os fatores suplementares aos critérios Canon, como o dos canais de distribuição, são «relativamente frágeis» e não podem prevalecer sobre o facto de nenhum dos critérios Canon estar preenchido no caso em apreço. Ora, por um lado, como foi recordado no n.o 45, supra, a lista dos critérios expressamente mencionados no Acórdão de 29 de setembro de 1998, Canon (C‑39/97, EU:C:1998:442), não é exaustiva. Por outro lado, cada critério estabelecido ao longo do tempo pela jurisprudência resultante deste acórdão é autónomo, pelo que a apreciação da semelhança entre os produtos ou os serviços em conflito é suscetível de se basear apenas num dos referidos critérios (n.o 53, supra).

62      Por conseguinte, há que concluir que, ao abster‑se de indicar os motivos pelos quais os critérios da origem habitual, ou da identidade dos produtores, bem como o critério dos canais de distribuição, não foram tidos em conta, a Câmara de Recurso não expôs a totalidade dos factos e das considerações jurídicas que revestem uma importância essencial para considerar que os produtos não eram semelhantes, pelo que a decisão impugnada carece de falta de fundamentação (v., neste sentido, Acórdão de 21 de julho de 2016, Tropical, T‑804/14, não publicado, EU:T:2016:431, n.o 178).

63      O EUIPO invoca perante o Tribunal Geral diversos argumentos segundo os quais a aplicação destes critérios não conduz, no presente caso, a uma constatação de semelhança entre os produtos em conflito (v. n.os 32 e 33, supra).

64      A este respeito, há que observar que tal apreciação não figura na decisão impugnada. Ora, por um lado, não cabe ao Tribunal Geral proceder, no âmbito da sua fiscalização da legalidade da decisão impugnada, a uma apreciação sobre a qual a Câmara de Recurso não tomou posição (Acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, EU:C:2011:452, n.o 72) e, por outro, o EUIPO não pode, perante o Tribunal Geral, basear a decisão impugnada em elementos que nela não foram tidos em conta [v. Acórdão de 8 de setembro de 2017, Aldi/EUIPO — Rouard (GOURMET), T‑572/15, não publicado, EU:T:2017:591, n.o 36 e jurisprudência referida].

65      Por conseguinte, esta argumentação é inadmissível [Acórdão de 24 de setembro de 2019, Volvo Trademark/EUIPO — Paalupaikka (V V‑WHEELS), T‑356/18, EU:T:2019:690, n.o 49].

66      O erro de direito e a falta de fundamentação constatados, respetivamente, nos n.os 56 e 62, supra, têm como consequência a procedência do fundamento único.

67      Daqui resulta que a decisão impugnada deve ser anulada.

 Quanto às despesas

68      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o EUIPO sido vencido, há que condená‑lo a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pelo recorrente, em conformidade com o pedido deste último.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É anulada a Decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 21 de janeiro de 2020 (processo R 67/20191).

2)      O EUIPO é condenado nas despesas.

Collins

Csehi

Steinfatt

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de junho de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.