Language of document : ECLI:EU:T:2023:521

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

6 de setembro de 2023 (*)

«Cláusula compromissória — Programa específico de investigação e desenvolvimento no domínio da “Qualidade de vida e gestão dos recursos vivos” — Contrato de subvenção — Relatório de inquérito do OLAF que detetou irregularidades financeiras — Reembolso dos montantes pagos — Direito aplicável — Prescrição — Incidência do relatório do OLAF»

No processo T‑748/20,

Comissão Europeia, representada por J. Estrada de Solà e M. Ilkova, na qualidade de agentes, assistidos por E. Bouttier, advogado,

demandante,

contra

Centre d’étude et de valorisation des algues SA (CEVA), com sede em Pleubian (França), representada por A. Raccah, advogado,

SELARL AJIRE, com sede em Rennes (França),

e

SELARL TCA, com sede em Saint‑Brieuc (França),

demandadas,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto, nas deliberações, por: R. da Silva Passos, presidente, V. Valančius (relator) e L. Truchot, juízes,

secretário: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 11 de novembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua ação baseada no artigo 272.o TFUE, a Comissão Europeia pede, em substância, a fixação do montante do seu crédito correspondente ao reembolso das subvenções pagas no âmbito do contrato de financiamento celebrado com a Centre d’étude et de valoration des algues SA (CEVA) para a execução de um projeto no âmbito do programa específico de investigação e desenvolvimento intitulado «Qualidade de vida e gestão dos recursos vivos».

 Antecedentes do litígio

2        Em 17 de janeiro de 2001, a Comissão celebrou com a CEVA um contrato que tinha por objeto a execução de um projeto no âmbito do programa específico de investigação e desenvolvimento intitulado «Qualidade de vida e gestão dos recursos vivos» (a seguir «projeto Seapura») e previa o pagamento de uma subvenção no montante de 123 735 euros (a seguir «contrato Seapura»).

3        Em 2006, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) abriu um inquérito na sequência de suspeitas de fraude relativamente a vários projetos executados pela CEVA, entre os quais o projeto objeto do contrato Seapura.

4        Em 11 de dezembro de 2007, o OLAF adotou o seu relatório definitivo (a seguir «relatório do OLAF»), no qual detetou, no âmbito da execução do contrato Seapura, irregularidades que consistiam, nomeadamente, em falsificações dos mapas horários do pessoal da CEVA.

5        Por carta de 29 de outubro de 2008, a Comissão avisou a CEVA de que, devido às graves irregularidades financeiras detetadas no relatório do OLAF, tinha a intenção de emitir respeito notas de débito sobre ela no montante de 123 735 euros, acrescido de juros, para efeitos da restituição da subvenção paga ao abrigo do contrato Seapura, convidando a CEVA a apresentar as suas observações.

6        Em 13 de março de 2009, a Comissão enviou à CEVA quatro notas de débito no montante total de 168 220,16 euros (a seguir «notas de débito»).

7        Em 11 de maio de 2009, não tendo a CEVA dado seguimento às notas de débito, a Comissão enviou‑lhe quatro cartas de aviso (a seguir «cartas de aviso»).

8        Em 12 de junho de 2009, na falta de pagamento por parte da CEVA, a Comissão enviou‑lhe quatro interpelações.

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de julho de 2009, a CEVA interpôs recurso de anulação das cartas de aviso, registado sob o número T‑285/09.

10      Por Acórdão de 15 de setembro de 2011, CEVA/Comissão (T‑285/09, não publicado, EU:T:2011:479), o Tribunal Geral julgou o recurso inadmissível, com o fundamento de que, pela sua própria natureza, os avisos não constituíam decisões administrativas cuja anulação pudesse ser pedida ao abrigo do artigo 263.o TFUE.

11      Por Sentença do tribunal correctionnel de Rennes (Tribunal Correcional de Rennes, França) de 26 de abril de 2011, a CEVA e o seu antigo dirigente foram declarados culpados de burla e de desvio de fundos públicos e condenados, respetivamente, em multa de 80 000 euros e na pena suspensa de 18 meses de prisão.

12      Pronunciando‑se sobre a ação cível intentada pela Comissão, o tribunal correctionnel de Rennes (Tribunal Correcional de Rennes) condenou os arguidos, em parte in solidum, a pagar à Comissão o montante de 303 631 euros a título de reparação dos danos materiais sofridos, nomeadamente devido às irregularidades financeiras cometidas na execução do contrato Seapura.

13      Por Acórdão de 1 de abril de 2014, a cour d’appel de Rennes (Tribunal de Recurso de Rennes, França) absolveu a CEVA e o seu antigo diretor de todas as acusações e julgou improcedente a ação cível da Comissão.

14      Por Acórdão de 12 de novembro de 2015, a chambre criminelle de la Cour de cassation (Secção Criminal do Tribunal de Cassação, França), mediante recurso do procurador‑geral junto da cour d’appel de Rennes (Tribunal de Recurso de Rennes), anulou o acórdão do referido tribunal de 1 de abril de 2014 apenas nas suas disposições que declararam a absolvição dos arguidos por desvio de fundos públicos e devolveu, nessa medida, o processo à cour d’appel de Caen (Tribunal de Recurso de Caen, França).

15      Por decisão de 22 de junho de 2016, o tribunal de commerce de Saint‑Brieuc (Tribunal de Comércio de Saint‑Brieuc, França) deu início a um procedimento de recuperação relativo à CEVA e designou liquidatário judicial a SELARL TCA (a seguir «TCA»).

16      Em 15 de setembro de 2016, a Comissão, no âmbito desse processo, declarou à TCA um crédito correspondente ao montante total das notas de débito emitidas para obter a restituição das subvenções pagas a título, nomeadamente, do contrato Seapura, na quantia principal de 289 012,95 euros, acrescida de juros de mora, ou seja, no total, 431 002,18 euros.

17      Em 6 de dezembro de 2016, a TCA contestou o crédito da Comissão.

18      Por decisão de 21 de julho de 2017, o tribunal de commerce de Saint‑Brieuc (Tribunal de Comércio de Saint‑Brieuc) adotou o plano de recuperação da CEVA e designou comissária para a execução do plano de recuperação a SELARL AJIRE (a seguir «AJIRE»).

19      Por Acórdão de 23 de agosto de 2017, transitado em julgado, a cour d’appel de Caen (Tribunal de Recurso de Caen), pronunciando‑se após reapreciação, absolveu a CEVA da acusação de desvio de fundos públicos e condenou o seu antigo diretor numa pena suspensa de um ano de prisão e numa multa de 20 000 euros por desvio de fundos públicos.

20      Por Despacho de 11 de setembro de 2017, o juiz da insolvência para o procedimento de recuperação rejeitou na íntegra o crédito da Comissão (a seguir «Despacho do Juiz da Insolvência»).

21      A Comissão interpôs recurso do Despacho do Juiz da Insolvência.

22      Por Acórdão de 24 de novembro de 2020, a cour d’appel de Rennes (Tribunal de Recurso de Rennes) anulou o Despacho do Juiz da Insolvência e declarou a existência de duas contestações sérias, quanto à prescrição e ao mérito das notas de débito, por considerar que essas contestações deviam ser decididas pelo tribunal competente, ao qual cabia à Comissão recorrer.

 Pedidos das partes

23      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        condenar a CEVA a pagar‑lhe a quantia de 234 491,02 euros, a saber, o montante de 168 220,16 euros acrescido de 66 270,86 euros a título de juros de mora;

–        condenar a CEVA nas despesas.

24      A CEVA conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar improcedente a ação;

–        condenar a Comissão a pagar‑lhe o montante de 30 000 euros a título de despesas.

25      Não tendo a TCA e a AJIRE apresentado contestação no prazo fixado no artigo 81.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a Comissão, nos termos do artigo 123.o, n.o 1, do referido Regulamento de Processo, pediu ao Tribunal Geral que julgasse procedente o seu pedido por efeito cominatório na parte em que o seu pedido era dirigido contra a TCA e contra a AJIRE.

26      Na petição inicial, a Comissão precisou que, nos termos dos artigos L.622‑22 e L.626‑25, segundo parágrafo, do code de commerce (Código Comercial) francês, lhe cabia provocar a intervenção do liquidatário judicial e o comissário para a execução do plano de salvaguarda da CEVA, a saber, a TCA e a AJIRE, razão pela qual designou essas sociedades como demandadas, juntamente com a CEVA.

27      Na audiência de 11 de novembro de 2022, a Comissão indicou, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que não pedia a condenação da parte demandada, mas sim a fixação do montante do seu crédito, o que ficou registado na ata da audiência. Precisou igualmente que, com o seu pedido, não visava a TCA e a AJIRE e, por conseguinte, não pedia ao Tribunal Geral que declarasse que estas últimas eram obrigadas a reembolsar as quantias pagas no âmbito da execução do contrato Seapura.

 Questão de direito

28      Nos termos do artigo 272.o TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir com fundamento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito público ou de direito privado, celebrado pela União ou por sua conta. Em conformidade com o disposto no artigo 256.o, n.o 1, TFUE, o Tribunal Geral é competente para conhecer em primeira instância das causas referidas no artigo 272.o TFUE.

29      No caso, refira‑se que a cláusula 5.a, n.o 2, do contrato Seapura contém uma cláusula compromissória por força da qual todos os litígios relativos a esse acordo serão submetidos ao Tribunal de Justiça da União Europeia. O Tribunal Geral é, portanto, competente para conhecer do presente recurso.

 Quanto à prescrição do pedido da Comissão

30      Na contestação, a CEVA invoca a inadmissibilidade da ação pelo facto de a ação intentada pela Comissão estar prescrita tanto no direito belga como no direito da União.

31      A Comissão alega, primeiro, que a causa de não conhecimento de mérito arguida pela CEVA é inadmissível pelo facto de a exceção de prescrição não pertencer à admissibilidade mas sim ao mérito, e, segundo, que o prazo de prescrição ainda não expirou, nem no direito belga nem no direito da União.

32      No caso, a cláusula 5.a, n.o 1, do contrato Seapura estipula que «o contrato [se] rege […] pelo direito belga».

33      Todavia, a Comissão sustenta, na sua resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, que confirmou na audiência, que o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 1995/2006 do Conselho, de 13 de dezembro de 2006 (JO 2006, L 390, p. 1), era aplicável no dia da emissão das notas de débito, ou seja, em 13 de março de 2009.

34      A CEVA sustenta que os regulamentos financeiros invocados pela Comissão não são aplicáveis a uma situação anterior à sua entrada em vigor.

35      A CEVA explica que, na data da assinatura do contrato Seapura, 17 de janeiro de 2001, a versão do Regulamento Financeiro aplicável era o Regulamento Financeiro, de 21 de dezembro de 1977, aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 1977, L 356, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE, CECA, Euratom) n.o 2548/98 do Conselho, de 23 de novembro de 1998 (JO 1998, L 320, p. 1; a seguir «Regulamento Financeiro n.o 2548/98»), e que esta versão do Regulamento Financeiro não continha normas de prescrição.

36      Quanto à versão do Regulamento Financeiro aplicável aos factos do caso, refira‑se que, à data da celebração do contrato Seapura, a versão do Regulamento Financeiro aplicável, a saber, o Regulamento Financeiro n.o 2548/98, não previa disposições específicas sobre o prazo de prescrição nem sobre os modos de interrupção da prescrição.

37      Por conseguinte, as regras de prescrição aplicáveis no caso presente são as previstas na lei que rege o contrato, a saber, o direito belga.

38      No direito belga, o artigo 2262 bis, n.o 1, do Code Civil (Código Civil) belga, que se aplica às ações contratuais, dispõe que «[t]odas as ações pessoais prescrevem decorrido o prazo de dez anos».

39      Além disso, há que observar que, em conformidade com o artigo 2257.o do Código Civil belga, a prescrição das ações pessoais começa a correr a partir do dia seguinte àquele em que o crédito se torna exigível.

40      Por um lado, é pacífico que o presente litígio reveste natureza contratual. Há que observar que a cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura estipula que, «[a]pós a data de termo do contrato, ou da rescisão do contrato ou do termo da participação de um contratante, a Comissão pode exigir ou exigirá, consoante o caso, ao contratante, na sequência de fraudes ou de irregularidades financeiras graves detetadas no âmbito de uma auditoria, o reembolso da totalidade da contribuição comunitária que lhe foi paga».

41      Resulta da redação desta disposição que as partes no contrato Seapura acordaram que o reembolso da totalidade da contribuição da União paga à CEVA na sequência de uma fraude ou de irregularidades financeiras graves detetadas no âmbito de uma auditoria está sujeito a um pedido de reembolso prévio formulado pela Comissão.

42      Para esse efeito, a Comissão enviou, em 13 de março de 2009, à CEVA quatro notas de débito que visavam a cobrança do seu crédito. Por conseguinte, há que considerar que foi nessa data que a Comissão reclamou à CEVA o reembolso das quantias que esta tinha recebido a título do contrato Seapura.

43      Nestas circunstâncias, de acordo com o disposto na cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura, o crédito da Comissão tornou‑se exigível a partir de 13 de março de 2009.

44      Por outro lado, há que observar que a CEVA não apresentou nenhum argumento específico que permita considerar que o crédito se tornou exigível antes de 13 de março de 2009.

45      Assim, o prazo de dez anos durante o qual a Comissão podia intentar a sua ação contra a CEVA começou a correr no dia seguinte àquele em que a obrigação se tornou exigível, a saber, 14 de março de 2009, em conformidade com o artigo 2257.o do Código Civil belga acima mencionado no n.o 39.

46      Por conseguinte, há que considerar que o prazo de prescrição terminava, em princípio, em 14 de março de 2019.

47      No caso, a Comissão alega que o prazo de prescrição foi interrompido duas vezes, primeiro, quando se constituiu assistente no tribunal correctionnel de Rennes (Tribunal Correcional de Rennes) em 26 de abril de 2011 e, segundo, no momento da sua declaração de crédito regularizada em 15 de setembro de 2016 no âmbito do procedimento de recuperação relativo à CEVA.

48      A esse respeito, deve‑se apenas examinar se o prazo de prescrição pode ter sido validamente interrompido pela declaração de crédito apresentada pela Comissão no âmbito do procedimento de recuperação relativo à CEVA, sem que seja necessário examinar também os efeitos da constituição de assistente apresentada pela Comissão no tribunal correctionnel de Rennes (Tribunal Correcional de Rennes).

49      Com efeito, a Comissão sustenta que o seu crédito foi declarado à TCA em 15 de setembro de 2016 e que, segundo a jurisprudência da Cour de cassation (Tribunal de Cassação) belga, a reclamação de crédito interrompe a prescrição até ao encerramento do processo de insolvência.

50      A Comissão acrescenta que se pode basear nos procedimentos franceses para invocar a «suspensão» do prazo de prescrição com base no direito belga.

51      A CEVA contesta a argumentação da Comissão, alegando que o procedimento de recuperação aberto em França é independente das relações contratuais em causa, uma vez que o crédito da Comissão é impugnado e não foi judicialmente reconhecido.

52      No caso, há que lembrar que, em 22 de junho de 2016, o tribunal de commerce de Saint‑Brieuc (Tribunal de Comércio de Saint‑Brieuc) deu início a um procedimento de recuperação relativamente à CEVA. Em 15 de setembro de 2016, a Comissão, no âmbito desse processo, reclamou o seu crédito junto da TCA.

53      Com efeito, resulta do artigo L.622‑24 do Código Comercial francês que, a partir da publicação da decisão de abertura do procedimento de recuperação, todos os credores cujo crédito tenha sido constituído antes da decisão de abertura, com exceção dos trabalhadores, devem apresentar a declaração dos seus créditos ao liquidatário judicial. Foi, portanto, com base nesta disposição que a Comissão, no procedimento de recuperação iniciado relativamente à CEVA, reclamou o seu crédito junto da TCA.

54      Além disso, o artigo L.622‑25‑1 do Código Comercial francês dispõe: «A reclamação de créditos interrompe a prescrição até ao encerramento do processo; dispensa de qualquer interpelação e vale como ato processual».

55      A este respeito, importa antes de mais observar que, como alegou a Comissão em resposta a uma questão colocada no âmbito das medidas de organização do processo, a abertura do procedimento de recuperação em França implica a aplicabilidade direta do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO 2000, L 160, p. 1), então em vigor e que este último designou o direito francês como lex concursus.

56      Refira‑se que, segundo o artigo 4.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 1346/2000, «[a] lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência», nomeadamente «os efeitos do processo de insolvência nas ações individuais». Além disso, o artigo 16.o, n.o 1, do mesmo regulamento prevê que «[q]ualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro competente por força do artigo 3.o, é reconhecida em todos os outros Estados‑Membros logo que produza efeitos no Estado de abertura do processo». Por outro lado, o artigo 17.o, n.o 1, do mesmo regulamento refere que «[a] decisão de abertura de um processo referido no n.o 1 do artigo 3.o produz, sem mais formalidades, em qualquer dos demais Estados‑Membros, os efeitos que lhe são atribuídos pela lei do Estado de abertura do processo, salvo disposição em contrário do presente regulamento e enquanto não tiver sido aberto nesse outro Estado‑Membro um processo referido no n.o 2 do artigo 3.o».

57      Daí resulta, com base nestas disposições, que se deve considerar que a abertura, em França, do procedimento de recuperação relativo à CEVA e a subsequente declaração efetuada pela Comissão no âmbito desse procedimento de recuperação produziram, nos termos do direito francês, designadamente do artigo L.622‑25‑1 do code du commerce francês, efeitos no direito belga e, mais precisamente, interrompeu o prazo de prescrição de dez anos previsto nesse direito. Com efeito, os efeitos ligados à abertura do procedimento de recuperação aberto da CEVA seriam desrespeitados se a declaração de crédito efetuada em França pela Comissão em 15 de setembro de 2016 não produzisse efeito interruptivo da prescrição no direito belga.

58      Nestas condições, tendo o presente pedido sido apresentado em 19 de dezembro de 2020, há que declarar que não existe prescrição no caso presente.

59      Por conseguinte, improcede a exceção de prescrição alegada pela CEVA.

 Quanto à procedência do pedido

60      Em apoio do seu pedido, a Comissão pede o reembolso da totalidade das quantias pagas à CEVA no âmbito do contrato Seapura, acrescidas de juros de mora.

61      A este respeito, há que recordar que, na medida em que é chamado a pronunciar‑se ao abrigo de uma cláusula compromissória com fundamento no artigo 272.o TFUE, o Tribunal Geral deve decidir o litígio com base no direito substantivo aplicável ao contrato (Acórdão de 1 de março de 2017, Universiteit Antwerpen/REA, T‑208/15, não publicado, EU:T:2017:136, n.o 53).

62      No caso, há que recordar que, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do contrato Seapura, o direito substantivo aplicável ao referido contrato é o direito belga.

63      Quanto às normas que regem a execução e a interpretação dos contratos no direito belga, o artigo 1134.o, terceiro parágrafo, do Código Civil belga então em vigor prevê que «[as convenções legalmente celebradas] devem ser executadas de boa‑fé».

64      Nos termos do artigo 1147.o do Código Civil belga então em vigor, o devedor é condenado, se for caso disso, no pagamento de uma indemnização, quer em razão do incumprimento da obrigação, quer em razão da mora no cumprimento, ainda que não haja má‑fé da sua parte, sempre que não prove que o incumprimento provém de causa alheia que não lhe possa ser imputada.

65      É à luz destas disposições que há que examinar se a CEVA cometeu irregularidades na execução do contrato Seapura, como sustenta a Comissão.

 Quanto ao relatório do OLAF

66      A Comissão baseia o seu pedido nas disposições do artigo 1147.o do Código Civil belga então em vigor e do artigo 3.o, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura acima mencionado no n.o 40.

67      Alega que o relatório do OLAF detetou a existência de irregularidades financeiras graves por parte da CEVA na execução do contrato Seapura.

68      Assim, com base na cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura, tem o direito de pedir o reembolso da totalidade da subvenção que pagou à CEVA.

69      A CEVA contesta esta argumentação e alega, primeiro, que o inquérito do OLAF não tinha por objeto o projeto relativo ao contrato Seapura e, em segundo lugar, que o relatório do OLAF não associou as irregularidades identificadas ao contrato Seapura.

70      A esse respeito, refira‑se, antes de mais, como acertadamente alega a Comissão, que o inquérito do OLAF relativo à CEVA incidia em duas vertentes, a primeira sobre as despesas diretas e a segunda sobre os fundos estruturais.

71      Seguidamente, há que precisar que o inquérito do OLAF incidia principalmente sobre dois tipos de comportamentos que suscitaram suspeitas, a saber, primeiro, uma falsificação dos mapas horários do pessoal e, segundo, o plágio de documentos científicos nos diferentes projetos da CEVA.

72      No caso, o relatório do OLAF conclui expressamente pela existência de irregularidades financeiras graves relativas a todos os projetos da CEVA, incluindo o contrato Seapura. Como ainda acertadamente alega a Comissão, a natureza horizontal do domínio do inquérito do OLAF incluía necessariamente o contrato Seapura.

73      Por conseguinte, o argumento da CEVA de que o inquérito e o relatório do OLAF não incidiam sobre o projeto Seapura não colhe.

74      Por último, no que respeita às irregularidades financeiras graves detetadas no relatório do OLAF, refira‑se que, como sustenta a CEVA, na falta de identificação dos documentos alegadamente plagiados, o relatório do OLAF não demonstrou a alegação de plágio de documentos científicos relativos ao projeto Seapura.

75      Em contrapartida, quanto à alegação de falsificação dos mapas horários do pessoal, o relatório do OLAF demonstra que a CEVA tinha elaborado várias versões de fichas de gestão do tempo para os projetos relativamente aos quais tinha uma obrigação de justificação dos custos, revelando assim manipulações no tempo de trabalho do seu pessoal, em particular para os projetos europeus, a fim de desbloquear o máximo dos fundos afetos a cada projeto.

76      Além disso, como sustenta a Comissão, o relatório do OLAF enumera anomalias não só no sistema de contabilização das horas, mas também na discriminação dessas horas nos diversos projetos entre os quais figurava o projeto Seapura. Com efeito, resulta desse relatório que os investigadores procederam a um estudo cruzado dos documentos provenientes dos diferentes projetos e correspondentes ao mesmo período para disporem de uma apreciação de conjunto, o que lhes permitiu determinar a veracidade das folhas de tempo para todos os projetos em curso. A esse respeito, refira‑se, em particular, que o relatório do OLAF se refere várias vezes ao projeto Seapura para examinar todas as horas de trabalho prestadas por cada membro do pessoal.

77      Nestas condições, os investigadores consideraram que todos os custos de pessoal declarados no período compreendido entre 2001 e 2005 não eram fiáveis. Consequentemente, consideraram que as irregularidades financeiras graves que afetavam a declaração dos mapas horários do pessoal da CEVA diziam respeito a todos os projetos, nomeadamente ao projeto Seapura.

78      Por outro lado, resulta das constatações e das apreciações que figuram no relatório do OLAF que os recursos humanos da CEVA eram insuficientes para poder cumprir as suas obrigações contratuais em todos os projetos que tinha obtido e que existiam até oito versões diferentes da gestão do tempo, para um mesmo trabalhador, num mesmo projeto e no mesmo ano, o que corroborava que os mapas horários tinham sido manipulados em todos os projetos e necessariamente no projeto Seapura. O OLAF concluiu igualmente que, devido à atuação do seu antigo diretor, essas falsificações tinham sido feitas de forma deliberada e sistemática.

79      Por conseguinte, o argumento da CEVA de falta de ligação das irregularidades detetadas ao projeto Seapura não pode ser acolhido.

80      Na medida em que o relatório do OLAF detetou irregularidades financeiras graves, na aceção da cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura, tem razão a Comissão ao pedir à CEVA a restituição de todas as quantias que lhe foram pagas no âmbito da execução do contrato Seapura.

 Quanto aos processos penais nos tribunais franceses

81      A CEVA alega que a Comissão não pode basear o seu pedido no caráter alegadamente fraudulento da gestão da subvenção que lhe foi concedida, quando, nos tribunais penais franceses, acabou por ser absolvida de todas as acusações.

82      De resto, no seu Acórdão de 1 de abril de 2014, a cour d’appel de Rennes (Tribunal de Recurso de Rennes) sublinhou a regularidade da gestão e o facto de a execução dos projetos em causa nunca ter suscitado reservas de ordem científica por parte das instituições da União. Assim, a CEVA sustenta que o Tribunal Geral não pode acolher as pretensões da Comissão com base no caráter alegadamente fraudulento dos atos cometidos.

83      A Comissão contesta a argumentação da CEVA e alega que, de acordo com o princípio da força vinculativa do contrato, enunciado no artigo 1134.o do Código Civil belga então em vigor, a cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura se impõe às partes, pelo que a restituição das quantias pagas não está condicionada à condenação da CEVA num tribunal penal nacional, mas sim à prova de uma fraude ou de irregularidades financeiras graves detetadas no âmbito de uma auditoria financeira.

84      A Comissão acrescenta que a CEVA não pode acrescentar uma condição a uma cláusula contratual sem nenhuma interpretação.

85      A esse respeito, há que considerar que, no âmbito de um contrato como o do caso presente, basta a simples constatação da existência de fraudes ou de irregularidades financeiras graves detetadas numa auditoria para servir de base ao direito de a Comissão pedir a restituição das quantias que concedeu (v., por analogia, Acórdão de 3 de maio de 2018, Sigma Orionis/Comissão, T‑48/16, EU:T:2018:245, n.os 121 a 125).

86      No caso, como acima referido nos n.os 78 e 80, a falsificação dos mapas horários do pessoal constitui, pelo menos, uma irregularidade financeira grave, na aceção da cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura.

87      Ora, a cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura sujeita o reembolso da contribuição comunitária em causa apenas à constatação da existência de fraudes ou de irregularidades financeiras graves numa auditoria, sem fazer depender esse reembolso de uma condenação ou qualificação penal dos factos em causa.

88      Nestas condições, há que considerar que a absolvição, por um tribunal penal, das acusações de burla ou de desvio de fundos públicos é irrelevante para a aplicação da cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura.

 Quanto ao princípio da autonomia processual

89      A CEVA alega que, por força do princípio da autonomia processual, consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, na falta de harmonização do direito a nível europeu, os direitos e processos dos Estados‑Membros se limitam aos sistemas jurídicos nacionais, pelo que os sujeitos de direito não podem invocar o direito de um Estado‑Membro nos tribunais de outro Estado‑Membro.

90      No caso, segundo a CEVA, a Comissão não pode invocar os processos instaurados em França com base no direito francês, uma vez que o contrato Seapura se rege pelo direito belga e confere competência ao Tribunal Geral para conhecer do presente litígio.

91      A Comissão contesta esta argumentação.

92      A este respeito, não se pode deixar de observar que, no caso presente, independentemente da questão da existência ou não de normas do direito da União para reger o contrato em causa, a Comissão recorreu ao Tribunal Geral com base no artigo 272.o TFUE.

93      Importa recordar que resulta da jurisprudência acima referida no n.o 61 que, chamado a pronunciar‑se ao abrigo de uma cláusula compromissória com base no artigo 272.o TFUE, o Tribunal Geral deve decidir a causa com base no direito substantivo aplicável ao contrato. Ora, resulta dos fundamentos que acima figuram nos n.os 52 a 57 que, embora o direito belga seja aplicável ao contrato, isso não prejudica a aplicabilidade direta do Regulamento n.o 1346/2000, por força do qual certas disposições do Código Comercial francês produzem efeitos no direito belga. Daí resulta, contrariamente ao que sustenta a CEVA, que a Comissão tinha fundamento, sem incorrer na acusação de violação do princípio da autonomia processual, para invocar, com base no Regulamento n.o 1346/2000, os efeitos, no direito belga, dos processos instaurados em França.

94      Improcede, pois, a argumentação da CEVA relativa à violação do princípio da autonomia processual.

95      Assim, há que julgar procedente o pedido da Comissão e declarar que o crédito da Comissão sobre a CEVA ascende a 168 220,16 euros de montante principal, acrescido dos juros devidos por força da cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato.

 Quanto ao pedido da Comissão de o Tribunal Geral proferir um acórdão à revelia relativamente à TCA e à AJIRE

96      Nas suas observações sobre o seguimento do processo de 14 de junho de 2021, a Comissão pediu ao Tribunal Geral que julgasse procedentes os seus pedidos relativos à TCA e à AJIRE, nos termos do artigo 123.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

97      Refira‑se que, em conformidade com os seus pedidos alterados na audiência, a Comissão já não visa a TCA e a AJIRE e, portanto, implícita mas necessariamente, já não pede ao Tribunal Geral que declare que estas últimas são obrigadas a reembolsar as quantias pagas no âmbito da execução do contrato Seapura.

98      Resulta dos n.os 60 a 95, supra, que, na medida em que o relatório do OLAF detetou irregularidades financeiras graves, na aceção da cláusula 3.a, n.o 5, do anexo II do contrato Seapura, a Comissão teve razão ao pedir à CEVA a restituição da totalidade das quantias que lhe foram pagas no âmbito da execução do contrato Seapura.

99      Uma vez que foram julgados procedentes todos os pedidos da Comissão, que visam exclusivamente a CEVA, não há que conhecer do seu pedido de o Tribunal Geral julgar procedentes os seus pedidos relativos à TCA e à AJIRE.

 Quanto às despesas

100    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

101    Tendo a CEVA sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      O crédito da Comissão Europeia sobre a Centre d’étude et de valorisation des algues SA (CEVA) ascende à quantia de 168 220,16 euros, acrescida de juros de mora a contar do pagamento das quantias indevidamente recebidas, a uma taxa anual igual à taxa fixada pelo Banco Central Europeu (BCE) para as operações principais de refinanciamento, acrescida de 2 pontos.

2)      A CEVA suportará as suas próprias despesas e as despesas da Comissão.

da Silva Passos

Valančius

Truchot

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de setembro de 2023.

Assinaturas



*      Língua do processo: francês.