Language of document : ECLI:EU:T:2024:363

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Grande Secção)

4 de junho de 2024 (*)

Recursos de anulação — Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho — Decisão de Execução do Conselho de 17 de junho de 2022, relativa à aprovação da avaliação do plano de recuperação e resiliência da Polónia — Inexistência de afetação direta — Inadmissibilidade»

Nos processos apensos T‑530/22 a T‑533/22,

Magistrats européens pour la démocratie et les libertés (Medel), com sede em Estrasburgo (França), representada por C. Zatschler, E. Egan McGrath, SC, A. Bateman e M. Delargy, solicitors,

recorrente no processo T‑530/22,

International Association of Judges, com sede em Roma (Itália), representada por C. Zatschler, E. Egan McGrath, SC, A. Bateman e M. Delargy, solicitors,

recorrente no processo T‑531/22,

Association of European Administrative Judges, com sede em Trier (Alemanha), representada por C. Zatschler, E. Egan McGrath, SC, A. Bateman e M. Delargy, solicitors,

recorrente no processo T‑532/22,

Stichting Rechters voor Rechters, com sede em Haia (Países Baixos), representada por C. Zatschler, E. Egan McGrath, SC, A. Bateman e M. Delargy, solicitors,

recorrente no processo T‑533/22,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Chavrier, J. Bauerschmidt, E. Rebasti e A. Sikora‑Kalėda, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado pela

Hungria, representada por M. Fehér, na qualidade de agente,

pela

República da Polónia, representada por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

e pela

Comissão Europeia, representada por S. Delaude, K. Herrmann e T. Adamopoulos, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Grande Secção),

composto por: M. van der Woude, presidente, S. Papasavvas, F. Schalin, R. da Silva Passos, J. Svenningsen, M. Kancheva, E. Buttigieg, V. Tomljenović, P. Škvařilová‑Pelzl, I. Nõmm, G. Steinfatt, D. Kukovec (relator), T. Tóth, B. Ricziová e L. Spangsberg Grønfeldt, juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos, nomeadamente:

–        a Decisão de 11 de novembro de 2022 de apensar os processos,

–        a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral, em 13 de dezembro de 2022, e as observações das recorrentes,

–        a Decisão de 19 de dezembro de 2022 de julgar o processo segundo uma tramitação acelerada,

–        a Decisão de 31 de março de 2023 de reservar para final a decisão sobre a exceção de inadmissibilidade,

–        os articulados de intervenção apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 17 e 19 de julho de 2023, respetivamente, pela Hungria, pela República da Polónia e pela Comissão e as observações das partes principais,

–        o articulado de adaptação das petições apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de fevereiro de 2024 e as observações do Conselho e da Comissão,

profere o presente

Despacho

1        Com os presentes recursos interpostos nos termos do artigo 263.° TFUE, as recorrentes, Magistrats européens pour la démocratie et les libertés (Medel) no processo T‑530/22, International Association of Judges (IAJ) no processo T‑531/22, Association of European Administrative Judges (AEAJ) no processo T‑532/22 e Stichting Rechters voor Rechters no processo T‑533/22, pedem a anulação da Decisão de Execução do Conselho de 17 de junho de 2022, relativa à aprovação da avaliação do plano de recuperação e resiliência da Polónia (a seguir «decisão inicial»), conforme alterada pela Decisão de Execução do Conselho de 8 de dezembro de 2023 (a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio e decisão impugnada

2        Ao abrigo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (a seguir «mecanismo»), estabelecido pelo Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (JO 2021, L 57, p. 17), podem ser concedidos fundos aos Estados‑Membros, sob a forma de uma contribuição financeira, que consiste, nos termos do artigo 2.°, ponto 2, do referido regulamento, num apoio financeiro não reembolsável, ou sob a forma de um empréstimo.

3        Em 17 de junho de 2022, o Conselho adotou a decisão inicial. A adoção desta decisão foi tornada pública através de um comunicado de imprensa emitido pelo Conselho no mesmo dia.

4        Em 31 de agosto de 2023, a República da Polónia apresentou à Comissão uma versão alterada do seu plano de recuperação e resiliência.

5        Em 8 de dezembro de 2023, o Conselho adotou uma decisão que altera a decisão inicial. Esta decisão altera a decisão inicial, nomeadamente ao incluir um capítulo «REPowerEU» e ajustar o montante disponível para a contribuição financeira e para o empréstimo. Em contrapartida, os marcos F1G, F2G e F3G, que figuram no anexo da decisão impugnada, relativos à reforma do sistema judicial polaco, permaneceram inalterados.

6        A decisão impugnada é dirigida, de acordo com o seu artigo 4.°, à República da Polónia.

7        Através da decisão impugnada, o Conselho aprovou, nos termos do seu artigo 1.°, primeira frase, a avaliação do plano de recuperação e resiliência da República da Polónia.

8        De acordo com o artigo 1.°, segunda frase, da decisão impugnada, os marcos e as metas que devem ser cumpridos pela República da Polónia constam do anexo desta decisão.

9        De acordo com o artigo 2.°, n.° 1, da decisão impugnada, o montante da contribuição financeira disponível é fixado, em princípio, em 25 276 853 716 euros.

10      De acordo com o artigo 2.°, n.° 2, da decisão impugnada, a Comissão disponibiliza a contribuição financeira à República da Polónia em vários pagamentos, em conformidade com o anexo desta decisão. Os pagamentos podem ser efetuados pela Comissão em várias parcelas.

11      Nos termos do artigo 2.°, n.° 3, da decisão impugnada, a disponibilização dos pagamentos pressupõe, nomeadamente, que a Comissão tenha adotado uma decisão, de acordo com o artigo 24.° do Regulamento 2021/241, reconhecendo que a República da Polónia cumpriu, de forma satisfatória, os marcos e as metas identificados no anexo desta decisão.

12      Por último, de acordo com o artigo 3.°, n.° 1, da decisão impugnada, o montante do empréstimo disponível é fixado, em princípio, em 34 541 303 518 euros.

13      O anexo da decisão impugnada contém três partes.

14      A parte 1 é dedicada às reformas e aos investimentos previstos no plano de recuperação e resiliência. As reformas e os investimentos previstos estão programados para serem efetuados pela República da Polónia no período compreendido entre o último trimestre de 2021 e o segundo trimestre de 2026.

15      As medidas relativas à reforma da justiça na Polónia são especificadas nos marcos F1G, F2G e F3G.

16      De acordo com o marco F1G, devem ser tomadas várias medidas para reforçar a independência e a imparcialidade dos juízes polacos. Segundo o calendário indicativo, esta parte da reforma deveria ter sido implementada, através da adoção de legislação, durante o segundo trimestre de 2022.

17      De acordo com o marco F2G, devem ser tomadas medidas para garantir que os juízes afetados por decisões da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) (a seguir «Secção Disciplinar») tenham acesso a um processo que permita uma reapreciação das decisões da referida Secção que os afetem. Segundo o calendário indicativo, esta parte da reforma deveria ter sido aplicada, através da adoção de legislação, também durante o segundo trimestre de 2022.

18      O marco F2G tem a seguinte redação:

«Entrada em vigor de uma reforma que garanta que os juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal tenham acesso a processos de reapreciação dos seus casos. Estes processos já decididos pela Secção Disciplinar são apreciados por um órgão jurisdicional que cumpre os requisitos do artigo 19.°, n.° 1, TUE, em conformidade com as regras a adotar com base no marco F1G supra. O ato legislativo deve prever que a primeira audiência do órgão jurisdicional que conhece destes processos ocorra no prazo de três meses a contar da receção do pedido de reapreciação do juiz e que os processos sejam decididos no prazo de doze meses a contar da receção deste pedido. Os processos ainda pendentes na Secção Disciplinar devem ser remetidos ao órgão jurisdicional para apreciação e em conformidade com as regras estabelecidas no processo supra

19      De acordo com o marco F3G, os processos de reapreciação mencionados no marco F2G deviam, em princípio, ser concluídos, segundo o calendário indicativo, no quarto trimestre de 2023.

20      Além disso, resulta do considerando 45 da decisão impugnada que os marcos F1G e F2G devem ser alcançados antes de a República da Polónia apresentar o primeiro pedido de pagamento, não podendo ser efetuado nenhum pagamento antes de estes marcos serem alcançados. Assim, de acordo com o ponto 2.1, parte 2, do anexo da decisão impugnada, o pagamento da primeira parcela da contribuição financeira, no montante de 2 758 738 902 euros, está sujeito, nomeadamente, à condição de a República da Polónia ter alcançado os marcos F1G e F2G.

21      Em contrapartida, o marco F3G, segundo o qual, em princípio, todos os processos iniciados ao abrigo do marco F2G (a seguir «processo de reapreciação») devem ser concluídos durante o quarto trimestre de 2023, não prevê uma condição para o pagamento de um financiamento ao abrigo do mecanismo.

22      Por outro lado, também resulta do considerando 45 da decisão impugnada que os marcos F1G, F2G e F3G não prejudicam a obrigação de a República da Polónia respeitar, a todo o momento, o direito da União Europeia e, nomeadamente, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

23      Por último, resulta nomeadamente do considerando 50 da decisão impugnada que os marcos relativos à reforma da justiça na Polónia, a saber, os marcos F1G, F2G e F3G, não prejudicam os processos por incumprimento, em curso ou futuros, nem, de um modo mais geral, a obrigação de a República da Polónia respeitar o direito da União e, em particular, as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.

 Pedidos das partes

24      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o Conselho nas despesas.

25      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar os recursos inadmissíveis ou, a título subsidiário, improcedentes;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

26      A Hungria conclui pedindo que os recursos sejam julgados inadmissíveis.

27      A República da Polónia conclui pedindo que os recursos sejam julgados inadmissíveis ou, a título subsidiário, improcedentes.

28      A Comissão conclui pedindo que os recursos sejam julgados inadmissíveis ou, a título subsidiário, improcedentes, e que as recorrentes sejam condenadas nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao objeto do litígio

29      As recorrentes contestam a decisão impugnada dado que os marcos F1G, F2G e F3G, que constam do anexo único desta, não são compatíveis com o direito da União.

30      O Conselho alega que, com os presentes recursos, as recorrentes estão, de facto, a contestar apenas estes marcos, isolando‑os artificialmente do dispositivo da decisão impugnada.

31      A este respeito, contrariamente ao que alega o Conselho, o objeto dos recursos não pode ser entendido no sentido de que visa apenas a anulação dos marcos F1G, F2G e F3G, relativos à reforma do sistema judicial na Polónia, independentemente do dispositivo da decisão impugnada.

32      Com efeito, estes marcos, nomeadamente os marcos F1G e F2G, são parte integrante e essencial da decisão impugnada, uma vez que, por um lado, estão incorporados no artigo 1.° desta decisão e, por outro, nenhum pagamento nos termos dos artigos 2.° e 3.° da referida decisão pode ser efetuado enquanto a República da Polónia não alcançar, de forma satisfatória, estes marcos.

33      Por conseguinte, os recursos devem ser entendidos no sentido de que visam a anulação da decisão impugnada na sua totalidade.

 Quanto à possibilidade de decidir por despacho

34      Nos termos do artigo 130.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o demandado pode pedir ao Tribunal Geral que se pronuncie sobre a inadmissibilidade sem dar início à discussão do mérito da causa. De acordo com o artigo 130.°, n.° 7, deste Regulamento, o Tribunal Geral conhece do pedido o mais rapidamente possível.

35      O Tribunal Geral decidiu, por Despacho de 31 de março de 2023, reservar para final o conhecimento da exceção de inadmissibilidade arguida pelo Conselho.

36      Contudo, atendendo aos articulados das partes e tendo em conta as respostas dadas por estas às diferentes questões colocadas pelo Tribunal Geral, este considera‑se agora em posição de poder decidir por meio de despacho adotado com base no artigo 130.°, n.os 1 e 7, do Regulamento de Processo sobre a exceção de inadmissibilidade do Conselho, sem que seja necessário dar início à fase oral do processo.

37      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral considera que o Despacho de 31 de março de 2023, que reservou para final o conhecimento da exceção de inadmissibilidade arguida pelo Conselho, não obsta, no caso em apreço, à possibilidade de se pronunciar sobre a mesma por despacho.

 Quanto à exceção de inadmissibilidade

38      Em apoio da sua exceção de inadmissibilidade, por um lado, o Conselho alega que as recorrentes não têm legitimidade para agir em nome próprio. Por outro lado, o Conselho considera que as recorrentes também não se podem apoiar na situação dos juízes cujos interesses defendem, uma vez que estes não têm nem legitimidade ativa nem interesse em agir.

39      As recorrentes contestam estas afirmações. Além disso, sustentam, no que respeita à admissibilidade dos seus recursos, tanto em nome próprio como em nome dos juízes cujos interesses defendem, que há que flexibilizar, tendo em conta as particularidades do caso em apreço, os requisitos de admissibilidade, tal como resultam da jurisprudência atual.

40      De acordo com jurisprudência constante, os recursos de anulação interpostos por associações são admissíveis em três tipos de situações: primeiro, quando uma disposição legal reconhece expressamente às associações profissionais uma série de faculdades de natureza processual, segundo, quando a associação representa os interesses dos seus membros que têm, eles próprios, legitimidade para agir e, terceiro, quando a associação é individualizada em razão da afetação dos seus interesses próprios enquanto associação, nomeadamente porque a sua posição de negociadora foi afetada pelo ato cuja anulação é pedida (v. Despacho de 8 de maio de 2019, Carvalho e o./Parlamento e Conselho, T‑330/18, não publicado, EU:T:2019:324, n.° 51 e jurisprudência referida).

 Quanto à admissibilidade dos recursos das recorrentes agindo em nome próprio

41      As recorrentes alegam que são organismos que têm por missão defender o valor do Estado de direito e a independência do poder judicial. Intervêm regularmente como interlocutoras das instituições da União sobre questões relativas ao Estado de direito e dispõem, elas próprias, de um interesse institucional em defender a independência judicial e o valor do Estado de direito. Além de terem enviado cartas a várias instituições da União, publicaram diversas declarações, nomeadamente no interesse da defesa dos direitos dos juízes polacos. Por outro lado, são organismos representativos dos juízes e constituem, portanto, um dos poderes do Estado, pelo que não podem ser equiparadas a outras associações no que respeita à admissibilidade dos seus recursos de anulação.

42      Quanto ao primeiro tipo de situação mencionado na jurisprudência recordada no n.° 40, supra, as recorrentes não invocam a existência de disposições legais que lhes confiram expressamente faculdades de natureza processual e nenhum elemento dos autos permite concluir pela existência de tais disposições.

43      Além disso, embora a argumentação das recorrentes, recordada no n.° 41, supra, deva ser interpretada no sentido de que, para garantir uma tutela jurisdicional efetiva do poder judicial, nomeadamente à luz do valor do Estado de direito, consagrado no artigo 2.° TUE, lhes devem ser conferidas certas prerrogativas processuais, há que constatar que nenhuma disposição legal conferiu às recorrentes prerrogativas para garantir essa proteção no contexto do mecanismo.

44      Por conseguinte, as recorrentes, enquanto organismos representativos de juízes, não podem beneficiar de um tratamento processual diferente do reservado a qualquer outra associação.

45      Nestas circunstâncias, a admissibilidade dos recursos não pode ser estabelecida em relação ao primeiro tipo de situação mencionado no n.° 40, supra.

46      Quanto ao terceiro tipo de situação mencionado na jurisprudência recordada no n.° 40, supra, relativo à afetação das associações nos seus interesses próprios, nomeadamente enquanto negociadoras, há que observar que as recorrentes não demonstraram essa afetação nos seus casos.

47      Com efeito, a circunstância de as recorrentes terem sido «interlocutoras» das instituições da União, como alegam, no contexto geral das questões relativas ao Estado de direito, não basta para lhes reconhecer a qualidade de negociadoras, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 40, supra, no contexto específico da adoção da decisão impugnada.

48      Isto também é válido para o facto, invocado pelas recorrentes nos processos T‑530/22, T‑531/22 e T‑532/22, de estas disporem de um estatuto de observador em diversos órgãos do Conselho da Europa, como a Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ) no Conselho da Europa e no Conselho Consultivo dos Juízes Europeus (CCJE).

49      Pela mesma razão, é pouco relevante o facto, invocado pela recorrente no processo T‑533/22, de esta ter participado, no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em processos instaurados por juízes polacos no que respeita à crise do Estado de direito na Polónia.

50      O argumento da recorrente no processo T‑530/22 [confidencial] (1) tão-pouco pode demonstrar que os seus interesses próprios são afetados. Com efeito, a mera invocação deste argumento [confidencial] não permite demonstrar uma afetação direta da referida recorrente.

51      Tendo em conta o que precede, há que concluir que as recorrentes não preenchem as condições relativas ao primeiro e terceiro tipos de situação, recordadas no n.° 40, supra, e não podem, portanto, no presente processo, agir em nome próprio.

 Quanto à admissibilidade dos recursos das recorrentes que atuam em nome dos seus membros cujos interesses defendem

52      De acordo com o segundo tipo de situação mencionado na jurisprudência recordada no n.° 40, supra, as associações têm legitimidade ativa quando representam os interesses dos seus membros que têm, por sua vez, legitimidade para agir.

53      O Conselho contesta, nomeadamente, a afirmação das recorrentes segundo a qual a sua legitimidade ativa resulta do facto de elas representarem os interesses de juízes que têm, eles próprios, legitimidade para agir.

54      A título preliminar, primeiro, importa salientar que, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, as recorrentes nos processos T‑530/22, T‑531/22 e T‑532/22 especificaram que eram associações representativas de juízes ao nível internacional cujos membros eram, regra geral, associações profissionais nacionais, incluindo associações de juízes polacas.

55      A este respeito, as recorrentes nestes três processos alegam que a jurisprudência recordada no n.° 40, supra, relativa à legitimidade ativa das associações que atuam em nome dos seus membros, também deve ser transposta para este último caso. Neste contexto, fazem referência, nomeadamente, ao Acórdão de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão (T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537), que julgou admissível um recurso interposto por uma associação que representa os interesses dos seus membros, compostos de associações representativas de pessoas singulares ou coletivas que teriam, elas próprias, legitimidade em agir.

56      Segundo, há também que salientar que, no processo T‑533/22, sendo a recorrente uma fundação e não dispondo, por conseguinte, de membros, não invocou, no seu recurso, uma legitimidade ativa decorrente da afetação dos interesses dos juízes cujos interesses defende. Ora, na sua resposta à exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho, a recorrente neste processo alegou que não importava saber se um organismo agia em nome dos seus membros, não sendo indispensável um vínculo de filiação, bastando que agisse em nome daqueles cujos interesses defende.

57      A jurisprudência recordada no n.° 40 pode ser aplicada às situações específicas mencionadas nos n.os 54 e 56, supra, na hipótese de os membros das associações elas próprias membros das recorrentes terem legitimidade para agir. No presente caso, há que examinar a legitimidade ativa dos juízes membros das associações membros das recorrentes.

58      Nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, «[q]ualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.»

59      Uma vez que a decisão impugnada é dirigida à República da Polónia, a admissibilidade dos recursos deve ser examinada à luz do segundo e terceiro segmentos de frase do quarto parágrafo do artigo 263.° TFUE, nos quais é exigido o requisito da afetação direta.

60      A este respeito, as recorrentes invocam a afetação direta dos juízes cujos interesses defendem, diferenciando três grupos de juízes, a saber, primeiro, os juízes polacos afetados por decisões da Secção Disciplinar que são diretamente afetados pelo processo de reapreciação previsto nos marcos F2G e F3G, segundo, todos os juízes polacos diretamente afetados por este processo de reapreciação e pelo marco F1G e, terceiro, todos os outros juízes europeus que também são diretamente afetados por estes marcos.

–       Quanto à afetação direta dos juízes polacos afetados por decisões da Secção Disciplinar

61      Importa examinar se as recorrentes, para demonstrarem a admissibilidade dos seus recursos, têm razão em invocar a situação dos juízes polacos que alegam ser diretamente afetados pela instauração de um processo de reapreciação, como o previsto nos marcos F2G e F3G.

62      Segundo jurisprudência constante, para que a medida objeto do recurso diga diretamente respeito à pessoa singular ou coletiva que a impugna devem estar preenchidos dois critérios cumulativos, a saber, que esta medida, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica dessa pessoa e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários encarregados da sua execução, tendo tal decisão caráter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (v. Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.° 43 e jurisprudência referida).

63      O Tribunal de Justiça recordou, no que respeita ao primeiro requisito, que qualquer ato, seja de natureza regulamentar ou de outra natureza, pode, em princípio, dizer diretamente respeito a um particular, e assim produzir diretamente efeitos na sua situação jurídica, independentemente do facto de saber se necessita de medidas de execução (Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.° 74).

64      Além disso, para examinar a capacidade da decisão impugnada de produzir diretamente efeitos na situação jurídica dos juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar, há que atender à substância do ato em causa e apreciar esses efeitos à luz de critérios objetivos, tais como o conteúdo do referido ato, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da adoção deste último, bem como os poderes da instituição que dele é autora (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.° 63 e 75).

65      Em primeiro lugar, no que respeita à substância da decisão impugnada, apreciada à luz do seu conteúdo e do seu contexto, importa recordar que o Regulamento 2021/241 foi adotado com base no artigo 175.°, terceiro parágrafo, TFUE, artigo relativo à coordenação, pelos Estados‑Membros, das suas políticas económicas, com vista a alcançar os objetivos de coesão económica, social e territorial, referidos no artigo 174.° TFUE.

66      O artigo 1.° do Regulamento 2021/241, relativo ao objeto do referido regulamento, prevê que este regulamento cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência e estabelece os objetivos do mecanismo, o seu financiamento, as formas de financiamento pela União ao abrigo do mecanismo e as regras de concessão desse financiamento. O considerando 8 do Regulamento 2021/241 especifica que o mecanismo é um instrumento inovador para prestar apoio financeiro direto aos Estados‑Membros.

67      Resulta do artigo 4.°, n.° 1, do referido regulamento que o objetivo geral do mecanismo é promover a coesão económica, social e territorial da União, nomeadamente através da melhoria da resiliência, da preparação para situações de crises e da capacidade de ajustamento dos Estados‑Membros. Assim, o mecanismo deve contribuir, nomeadamente, para a convergência económica e social ascendente, restaurando e promovendo o crescimento sustentável e a integração das economias da União.

68      Para o efeito, os Estados‑Membros devem elaborar planos de recuperação e resiliência avaliados pela Comissão. A avaliação é em seguida aprovada por uma decisão de execução do Conselho. Essa decisão sujeita o pagamento de uma contribuição financeira ao cumprimento de condições, a saber, a execução dos referidos planos, incluindo a realização de marcos e metas, os quais, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 4, do Regulamento 2021/241, são medida do progresso no sentido da realização de uma reforma ou de um investimento.

69      O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento 2021/241 prevê que, se a Comissão considerar que um pedido de apoio sob a forma de empréstimo cumpre os critérios enunciados no n.° 1, e após a adoção da decisão de execução do Conselho a que se refere o artigo 20.°, n.° 1, do referido regulamento, a Comissão celebra um acordo de empréstimo com o Estado‑Membro em causa.

70      Do mesmo modo, o artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento 2021/241 prevê que, assim que o Conselho tiver adotado a decisão de execução a que se refere o artigo 20.°, n.° 1, do referido regulamento, a Comissão celebra um acordo com o Estado‑Membro em causa, o qual constitui um compromisso jurídico individual na aceção do Regulamento Financeiro.

71      Nos termos do artigo 24.°, n.° 9, do Regulamento 2021/241, na falta de progressos concretos por parte do Estado‑Membro em causa na realização dos marcos e metas pertinentes, a Comissão rescinde os acordos a que se referem o artigo 15.°, n.° 2, e o artigo 23.°, n.° 1, e anula o montante da contribuição financeira.

72      Assim, no contexto da decisão impugnada, os marcos têm por função fixar as condições que devem ser cumpridas pela República da Polónia e, em seguida, analisadas pela Comissão para decidir se os fundos ao abrigo do mecanismo podem ser concedidos a este Estado‑Membro. Por conseguinte, a pertinência dos referidos marcos está limitada ao processo de libertação dos fundos ao abrigo do mecanismo, dado que o cumprimento satisfatório destes marcos condiciona o pagamento dos referidos fundos.

73      A este respeito, há que recordar que a decisão impugnada fixou todo um conjunto de marcos e metas que deviam ser alcançados pela República da Polónia. A título de exemplo, para a mera liberação de um financiamento a título da primeira parcela do mecanismo, incumbia à República da Polónia cumprir, além dos marcos F1G e F2G, 26 outros marcos, como resulta do ponto 2.1.1, parte 2, do anexo da decisão impugnada.

74      Daqui resulta que os marcos, incluindo os marcos F1G, F2G e F3G, têm o caráter de condicionalidade orçamental, uma vez que a sua realização condiciona um financiamento ao abrigo do mecanismo.

75      Assim, no contexto da decisão impugnada, os marcos F1G, F2G e F3G têm por função garantir o respeito, por um lado, dos critérios do artigo 19.°, n.° 3, alíneas b) e j), do Regulamento 2021/241 e, por outro, das obrigações previstas no artigo 22.° do referido regulamento, em conjugação com o artigo 20.°, n.° 5, alínea e), deste regulamento, a fim de garantir uma resposta eficaz aos desafios identificados no âmbito do Semestre Europeu e que as deficiências do sistema judicial polaco não prejudicam os interesses financeiros da União.

76      É certo que o Conselho, quando adotou a decisão impugnada, estava vinculado pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE e pelo valor do Estado de direito, nos termos do artigo 2.° TUE, bem como pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia a ele relativa.

77      Do mesmo modo, os marcos F1G, F2G e F3G refletem a relação entre o respeito pelo valor do Estado de direito, por um lado, e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira e a proteção dos interesses financeiros da União, por outro (v., por analogia, Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑157/21, EU:C:2022:98, n.° 148).

78      Contudo, contrariamente ao que as recorrentes parecem sugerir, o Conselho, ao adotar a decisão impugnada e, assim, ao fixar os marcos F1G, F2G e F3G, não pretendeu substituir as regras relativas ao valor do Estado de direito ou à tutela jurisdicional efetiva, tal como clarificadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

79      Isto é, aliás, corroborado pelo considerando 45 da decisão impugnada, segundo o qual os marcos F1G, F2G e F3G não prejudicam a obrigação que incumbe à República da Polónia de respeitar, em qualquer momento, o direito da União, nomeadamente o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, e pelo considerando 50 da decisão impugnada, segundo o qual os referidos marcos não prejudicam os processos por incumprimento, em curso ou futuros, nem, de forma mais geral, a obrigação que incumbe à República da Polónia de respeitar o direito da União, em especial, as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.

80      Daqui resulta que, ao especificar, no anexo da decisão impugnada, os marcos F1G, F2G e F3G que deviam ser alcançados pela República da Polónia para que esta pudesse aceder a um financiamento ao abrigo do mecanismo, o Conselho não pretendia autorizar este Estado‑Membro a não cumprir os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia que declaravam a inobservância, por esse Estado, do valor do Estado de direito ou do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

81      É à luz das apreciações precedentes que deve ser examinada, em segundo lugar, a questão de saber se a decisão impugnada, tendo em conta a sua substância, afeta diretamente os juízes a que se referem as decisões da Secção Disciplinar, no que diz respeito ao marco F2G que consta do anexo da referida decisão.

82      A este respeito, há que salientar que as recorrentes se baseiam, simultaneamente, no marco F2G e no marco F3G para alegar que a instauração de um processo de reapreciação afeta os juízes afetados pelas decisões da Secção Disciplinar. Ora, dado que o marco F3G só impõe um prazo limite durante o qual os processos de reapreciação devem ser aplicados e que a instauração do processo de reapreciação, em si mesma, é considerada no marco F2G, a afetação direta destes juízes deve ser examinada apenas à luz do marco F2G, conforme estabelecido no anexo da decisão impugnada.

83      A decisão impugnada é dirigida à República da Polónia, que deve alcançar o marco F2G, que figura no seu anexo, para poder beneficiar de um financiamento ao abrigo do mecanismo.

84      É certo que, de acordo com a jurisprudência recordada no n.° 63, supra, o facto de o ato controvertido necessitar de medidas de execução não implica, por si só, que este ato não possa produzir diretamente efeitos na situação jurídica de um particular.

85      Contudo, deve existir uma relação direta entre o ato em causa e os seus efeitos sobre o recorrente (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.° 74 e 76).

86      Por exemplo, no n.° 75 do Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, EU:C:2022:548), o Tribunal de Justiça pôde concluir pela existência de uma relação direta entre o ato impugnado, que era uma diretiva, e os seus efeitos, uma vez que as disposições em causa tinham tornado aplicáveis ao recorrente obrigações específicas.

87      No caso em apreço, em contrapartida, independentemente da eventual margem de apreciação de que pudesse dispor a República da Polónia relativamente ao cumprimento do marco F2G, há que recordar que este se limitava a impor um requisito que deve ser cumprido pelo Estado‑Membro em questão para poder beneficiar de um financiamento, como se observa no n.° 74, supra. Não se pode, portanto, concluir que a decisão impugnada, ao prever o marco F2G, impôs a este Estado‑Membro, de forma definitiva, obrigações específicas nas suas relações com os juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar.

88      Em especial, a decisão impugnada não teve por efeito sujeitar os juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar às condições nela previstas, nem tornou diretamente aplicável uma regra específica a seu respeito. Por conseguinte, não existe uma relação direta entre a referida decisão, na parte em que especificou o marco F2G, e a situação jurídica dos juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar.

89      Consequentemente, mesmo após a adoção da decisão impugnada, a situação dos juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar continuou a reger‑se pelas disposições pertinentes do direito polaco aplicáveis à referida situação, bem como pelas disposições do direito da União e pelas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, sem que o marco F2G especificado nesta decisão intervenha alterando diretamente a situação jurídica destes juízes, no sentido exigido pelo artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

90      Por outro lado, não se pode considerar, como afirmam as recorrentes, que o marco F2G tenha o efeito de «permitir, [ou mesmo] requerer», a instauração de um processo de reapreciação do direito polaco e que a Comissão, tendo colaborado na tomada da decisão impugnada e, assim, na especificação dos marcos F1G, F2G e F3G, estava, por esse facto, impedida de invocar, nomeadamente no âmbito de processos por incumprimento, a incompatibilidade do processo de reapreciação com o direito da União.

91      Com efeito, primeiro, a decisão impugnada limita‑se a aprovar uma série de condições de financiamento, entre as quais o marco F2G, sem alterar diretamente a situação dos juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar, uma vez que esta só é alterada pela medida adotada posteriormente pela República da Polónia para realizar o referido marco. Além disso, tendo em conta a conclusão a que se chegou no n.° 80, supra, a República da Polónia não pode ser autorizada, ao abrigo do marco F2G que figura no anexo da decisão impugnada, a eximir‑se ao cumprimento das suas obrigações resultantes do direito da União, e nomeadamente dos acórdãos e dos despachos do Tribunal de Justiça da União Europeia.

92      Segundo, mesmo admitindo que, como afirmam as recorrentes, os direitos processuais da Comissão são limitados devido ao seu papel no processo que conduziu à especificação dos marcos, isso não implica, no caso em apreço, a afetação direta pela decisão impugnada dos juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar.

93      Tendo em conta o que precede, há que concluir que a decisão impugnada, que condiciona o acesso da República da Polónia ao financiamento ao abrigo do mecanismo, não produz diretamente efeitos na situação jurídica dos juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar, pelo que o primeiro requisito para concluir pela sua afetação direta não está preenchido.

–       Quanto à afetação direta de todos os juízes polacos e dos juízes dos outros EstadosMembros e do Espaço Económico Europeu (EEE)

94      Segundo as recorrentes, todos os juízes polacos, bem como os juízes dos outros Estados‑Membros e do EEE, são diretamente afetados pela decisão impugnada.

95      Antes de mais, no que respeita à afetação dos juízes polacos devido ao processo de reapreciação previsto nos marcos F2G e F3G, as recorrentes alegam que mesmo os juízes não afetados por decisões da Secção Disciplinar «sofrem um efeito dissuasor no exercício da sua profissão» enquanto a situação dos seus pares afetados por essas decisões não tiver sido esclarecida, bem como uma carga de trabalho mais elevada enquanto os seus colegas continuarem suspensos. A prorrogação da suspensão dos juízes afetados por sanções ilegais é «suscetível de comprometer a confiança que a justiça deve inspirar nos particulares numa sociedade democrática e [num] Estado de direito». Afeta diretamente a capacidade de todos os magistrados de cumprirem corretamente a missão que lhes incumbe no âmbito das suas funções.

96      A este respeito, há que salientar que, uma vez que os marcos F2G e F3G não produzem efeitos diretamente na situação dos juízes polacos afetados por decisões da Secção Disciplinar, como constatado nos n.os 82 a 93, supra, o mesmo também se aplica, a fortiori, aos juízes polacos não afetados por tais decisões.

97      Em seguida, no que respeita à afetação de todos os juízes polacos devido ao marco F1G, as recorrentes alegam que o marco F1G, conforme aprovado pela decisão impugnada, produz efeitos diretamente na situação jurídica de todos os juízes polacos, dado que não é suficiente para restabelecer uma tutela jurisdicional efetiva. Os juízes polacos são assim obrigados a julgar processos, incluindo os que implicam um financiamento ao abrigo do mecanismo, «em circunstâncias profissionais inadmissíveis, uma vez que continuam a sofrer pressões ilegais, bem como atentados à sua independência e à sua imparcialidade». «Os juízes polacos são obrigados a exercer as suas funções em circunstâncias que suscitam dúvidas», nomeadamente sobre a sua capacidade de recorrer ao Tribunal de Justiça, de aplicar integralmente o direito da União e de tomar decisões contrárias aos interesses do Governo ou do partido político no poder na Polónia.

98      A este respeito, há que constatar que as recorrentes não demonstram a existência de uma ligação suficientemente estreita entre a situação de todos os juízes polacos e o marco F1G que permita concluir que o referido marco produz efeitos diretamente na situação jurídica destes juízes.

99      As recorrentes criticam, com efeito, nomeadamente o marco F1G, com o fundamento de que é insuficiente para restabelecer a independência e a imparcialidade dos juízes polacos e, mais genericamente, um sistema judicial polaco que cumpra as exigências mínimas impostas pelo respeito pelo Estado de direito.

100    Assim, as recorrentes limitam‑se a afirmações de natureza geral, relativas ao que, segundo elas, o marco F1G deveria conter. No entanto, as recorrentes não especificam, no próprio texto deste marco, elementos concretos que prejudicam diretamente os juízes polacos.

101    Contudo, a inexistência, na decisão impugnada, de regras consideradas necessárias pelas recorrentes não pode constituir uma ingerência direta nos direitos dos juízes polacos resultantes do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, que afete diretamente a sua situação jurídica.

102    Por último, as recorrentes concluem que os marcos F1G, F2G e F3G, conforme aprovados pela decisão impugnada, afetam diretamente os juízes dos outros Estados‑Membros e do EEE, devido aos laços estreitos que unem os ordenamentos jurídicos destes Estados ao da União.

103    Por um lado, alegam que estes juízes são, por exemplo, obrigados a reconhecer e a executar as sentenças ou a definir a competência local nos procedimentos de asilo ou ainda a examinar os pedidos de extradição de uma pessoa com base num mandado de detenção europeu. A circunstância de o Estado de direito estar comprometido num Estado‑Membro é suscetível de ter efeitos diretos na capacidade dos juízes dos outros Estados para desempenharem corretamente as suas funções.

104    A este respeito, mesmo que falhas na ordem jurídica de um Estado‑Membro possam ter repercussões no exercício do poder judicial noutros Estados e admitindo que essas falhas possam afetar o trabalho quotidiano dos juízes desses Estados, tais repercussões não implicam que a decisão impugnada seja suscetível de produzir diretamente efeitos na situação jurídica destes juízes.

105    Por outro lado, as recorrentes alegam que existe um risco de «efeito de arrastamento» entre os Estados‑Membros, uma vez que, quando o legislador de um Estado‑Membro prevê reformas legislativas, incluindo reformas relacionadas com a organização do seu sistema judiciário, se inspira nas evoluções ocorridas nos outros Estados‑Membros.

106    Ora, há que salientar que as considerações das recorrentes relativas a um possível efeito de arrastamento, por mais importantes que estas considerações possam ser no plano político, não são suscetíveis de demonstrar que a decisão impugnada produz diretamente efeitos na situação dos juízes dos outros Estados‑Membros ou do EEE.

107    Por conseguinte, nem os juízes polacos, quer tenham ou não sido afetados por uma decisão da Secção Disciplinar, nem os juízes dos outros Estados‑Membros ou do EEE são diretamente afetados pela decisão impugnada. Por conseguinte, as recorrentes não se podem basear na situação destes juízes para demonstrar a admissibilidade dos seus recursos.

108    As recorrentes também não se podem basear no terceiro segmento do quarto parágrafo do artigo 263.° TFUE, relativo aos atos regulamentares, com o fundamento de que os juízes cujos interesses defendem, através dos interesses dos seus membros, têm legitimidade ativa com base nesse terceiro segmento de frase. Com efeito, o requisito segundo o qual o ato impugnado deve dizer diretamente respeito ao recorrente tem o mesmo significado tanto no segundo segmento do quarto parágrafo do artigo 263.° TFUE como no terceiro segmento desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.° 73). Nestas circunstâncias, na falta de uma afetação direta pela decisão impugnada, não há que examinar se esta constitui um ato regulamentar na aceção do terceiro segmento do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

109    Tendo em conta o que precede, e dado que os juízes cujos interesses as recorrentes defendem não têm, eles próprios, legitimidade para agir, as recorrentes também não preenchem os requisitos para que os seus recursos sejam admissíveis ao abrigo do segundo tipo de situação, visado pela jurisprudência recordada no n.° 40, supra.

 Quanto à flexibilização dos requisitos de admissibilidade

110    Segundo as recorrentes, no presente processo, há que flexibilizar os requisitos de admissibilidade dos recursos.

111    Em substância, as recorrentes consideram que os requisitos de admissibilidade devem ser aplicados com uma certa flexibilidade, nomeadamente devido aos imperativos relativos à tutela jurisdicional efetiva e ao Estado de direito, valor fundador da União que faz parte da sua própria identidade. De acordo com as recorrentes, o sistema completo de vias de recurso baseia‑se implicitamente na premissa de que o valor do Estado de direito é respeitado pelos Estados‑Membros. Ora, esta premissa já não é um dado adquirido na Polónia, uma vez que a situação se caracteriza por falhas sistémicas resultantes de uma opção deliberada de não respeitar o direito da União e, em especial, as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia. A este respeito, as recorrentes alegam que o reenvio prejudicial já não constitui uma via de recurso que lhes seja acessível ou aos juízes cujos interesses defendem.

112    O Conselho, apoiado pela Hungria, contesta os argumentos das recorrentes.

113    A este respeito importa salientar que embora, na verdade, os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE devam ser interpretados à luz do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva, tal interpretação não deve conduzir ao afastamento dos requisitos expressamente previstos pelo referido Tratado (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.° 98 e jurisprudência referida, e de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.° 44 e jurisprudência referida).

114    Em especial, a proteção conferida pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não tem por objetivo alterar o sistema de fiscalização jurisdicional previsto pelos Tratados, nomeadamente as regras relativas à admissibilidade dos recursos interpostos diretamente nos órgãos jurisdicionais da União (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.° 97 e jurisprudência referida).

115    Nomeadamente, a proteção conferida pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais não exige que um particular possa, de forma incondicional, interpor recursos de anulação diretamente no órgão jurisdicional da União contra atos da União (Acórdão de 28 de outubro de 2020, Associazione GranoSalus/Comissão, C‑313/19 P, não publicado, EU:C:2020:869, n.° 62).

116    No presente caso, as recorrentes não podem alegar que a decisão impugnada lhes diz diretamente respeito, como foi constatado no n.° 109, supra.

117    Nestas circunstâncias, uma flexibilização dos requisitos de admissibilidade, como solicitado pelas recorrentes, implicaria, de facto, afastar o requisito da afetação direta expressamente enunciado no artigo 263.°, quarto parágrafo, do TFUE, o que seria contrário à jurisprudência recordada no n.° 113, supra. Assim, as falhas sistémicas do sistema judicial na Polónia, alegadas pelas recorrentes, não podem justificar, em qualquer caso, que o Tribunal Geral derrogue o requisito de afetação direta que se aplica aos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas, de acordo com o artigo 263.º, quarto parágrafo, TFUE.

118    Tal não prejudica a obrigação que incumbe à República da Polónia, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 266.° TFUE, de corrigir o mais rapidamente possível os incumprimentos verificados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia relativamente à crise do Estado de direito. Por outro lado, o artigo 263.° TFUE permite, de acordo com o seu primeiro parágrafo, nomeadamente aos Estados‑Membros e às instituições intentarem ações contra todas as disposições adotadas pelas instituições, órgãos e organismos da União, seja qual for a sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos, sem terem de demonstrar um interesse em agir (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.° 36 e jurisprudência referida). Além disso, incumbe à Comissão, de acordo com o seu papel de guardiã dos Tratados, como resulta do artigo 17.°, n.° 1, TUE (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.° 59), e tendo em conta que os valores que constam do artigo 2.° TUE, entre os quais o valor do Estado de direito, definem a própria identidade da União enquanto ordem jurídica comum (Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑157/21, EU:C:2022:98, n.° 145), agir, incluindo a título da sua avaliação prevista no artigo 24.°, n.° 3, do Regulamento 2021/241, com vista a contribuir para assegurar o cumprimento, pela República da Polónia, dos requisitos decorrentes do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE.

119    Em face do exposto, os recursos devem ser julgados inadmissíveis.

 Quanto às despesas

120    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação das recorrentes nas despesas, e tendo estas sido vencidas, há que condená‑las nas despesas.

121    Nos termos do disposto no artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervieram no processo suportam as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República da Polónia, a Hungria e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Grande Secção)

decide:

1)      Os recursos são julgados inadmissíveis.

2)      A Magistratseuropéenspour la démocratie et les libertés (Medel), a International Association of Judges, a Association of European Administrative Judges e a Stichting Rechters voor Rechters são condenadas nas despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia.

3)      A República da Polónia, a Hungria e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Feito no Luxemburgo, em 4 de junho de 2024.

O Secretário

 

O Presidente

V. Di Bucci

 

M. van der Woude


*      Língua do processo: inglês.


1 Dados confidenciais ocultados.