Language of document : ECLI:EU:T:2011:448

Processo T‑29/08

Liga para Protecção da Natureza (LPN)

contra

Comissão Europeia

«Acesso aos documentos – Regulamento (CE) n.° 1049/2001 – Recusa de acesso – Documentos relativos a um processo por incumprimento em curso respeitante a um projecto de barragem no Rio Sabor – Excepção relativa à protecção dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria – Informações sobre ambiente – Regulamento (CE) n.° 1367/2006 – Obrigação de proceder a um exame concreto e individual – Interesse público superior»

Sumário do acórdão

1.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Protecção dos objectivos das actividades de inspecção, investigação e auditoria

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão)

2.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Pedido de acesso que tem por objecto informações ambientais – Aplicação do Regulamento n.° 1367/2006 como lex specialis relativamente ao Regulamento n.° 1049/2001 – Incidência

(Artigo 255.º CE; Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.° 1049/2001, artigo 4.°, e n.° 1367/2006, considerandos 8 e 15, artigos 3.° e 6.°, n.° 1)

3.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Pedido de acesso que tem por objecto informações ambientais – Presunção legal da existência de um interesse público superior que determina a divulgação de informações relativas a emissões para o ambiente – Alcance

(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.° 1049/2001, artigo 4.°, n.° 2, e n.° 1367/2006, artigo 6.°, n.° 1)

4.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Obrigação de a instituição proceder a um exame concreto e individual dos documentos – Exclusão da obrigação – Requisitos

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°)

5.      União Europeia – Instituições – Direito de acesso do público aos documentos – Regulamento n.° 1049/2001 – Excepções ao direito de acesso aos documentos – Protecção dos objectivos das actividades de inspecção, investigação e auditoria

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão)

1.      No âmbito de um recurso de anulação interposto ao abrigo do artigo 230.° CE, a legalidade do acto impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de direito e de facto existentes à data da adopção do acto.

Ora, quando, no momento em que o acto controvertido foi adoptado estava em curso um processo de incumprimento ao abrigo do artigo 226.° CE, a Comissão tem, em princípio, o direito de invocar a excepção relativa à protecção dos objectivos de actividades de inquérito, prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.

Quando justifica a recusa de acesso aos documentos em causa com esta excepção, a Comissão deve, contudo, por um lado, cumprir a sua obrigação de examinar se estes documentos estão efectivamente abrangidos, na sua totalidade, por esta excepção, e, por outro, ponderar correctamente os eventuais interesses públicos superiores na sua divulgação e o interesse na protecção da sua confidencialidade.

O risco de prejuízo para o interesse protegido deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético. Além disso, como resulta da sua redacção, esta excepção não se destina a proteger as actividades de inquérito enquanto tais, mas o objectivo dessas actividades, que consiste, no âmbito de um processo por incumprimento, em levar o Estado‑Membro em causa a dar cumprimento ao direito da União.

(cf. n.os 100 a 102, 110)

2.      Resulta dos considerandos 8 e 15 do Regulamento n.° 1367/2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários, em especial da fórmula «sem prejuízo de quaisquer outras disposições mais específicas no presente regulamento relativamente a pedidos de informações sobre ambiente», lidos em conjugação com os artigos 3.° e 6.° do referido regulamento, que este regulamento constitui uma lex specialis relativamente ao Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, por substituir, alterar ou precisar algumas das disposições deste último regulamento quando o pedido de acesso vise informações sobre ambiente ou informações relacionadas com emissões para o ambiente.

No que respeita ao direito de acesso a documentos que contêm semelhantes informações, o considerando 15, segundo período, e o artigo 6.°, n.° 1, segundo período, do Regulamento n.° 1367/2006, reafirmam o princípio segundo o qual qualquer excepção a um direito subjectivo ou a um princípio geral abrangido pelo direito da União, incluindo o direito de acesso previsto no artigo 255.° CE, lido em conjugação com o Regulamento n.° 1049/2001, deve ser aplicada e interpretada de forma estrita. Esta obrigação de interpretação estrita das excepções previstas no Regulamento n.° 1049/2001 é reforçada, por um lado, pela necessidade de a instituição em causa tomar em consideração o interesse público na divulgação dessas informações e pela referência ao facto de saber se essas informações dizem respeito a emissões para o ambiente e, por outro, pelo facto de o Regulamento n.° 1049/2001 não conter precisões análogas quanto à aplicação das referidas excepções neste domínio.

(cf. n.os 105, 107)

3.      O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1367/2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários, não põe em causa o princípio estatuído no artigo 4.°, n.° 2, in fine, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, limitando‑se a alterar e a precisar as condições em que esta instituição vai examinar se existe um interesse público superior na divulgação no âmbito de um pedido de acesso a documentos que contêm informações sobre ambiente. Deste modo, a referida disposição estabelece uma presunção legal segundo a qual a divulgação reveste um interesse público superior quando as informações requeridas sejam relacionadas com emissões para o ambiente, excepto quando estas informações disserem respeito a um inquérito, nomeadamente o inquérito relativo a eventuais incumprimentos do direito da União.

Daqui resulta que ainda que esta presunção legal não se aplique a documentos relativos a inquéritos iniciados no âmbito de processos de incumprimento, esta não dispensa no entanto a Comissão da sua obrigação de tomar em consideração, em cada caso concreto, eventuais interesses públicos superiores na divulgação, sobretudo relacionados com informações sobre ambiente num sentido mais amplo do que o das emissões para o ambiente, bem como de efectuar a ponderação entre os interesses públicos superiores na sua divulgação e o interesse na protecção da sua confidencialidade.

No entanto, embora seja certo que o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1367/2006, pode conduzir a um acesso a informações sobre ambiente mais amplo, esta constatação não tem incidência na questão de saber se a instituição em causa deve ou não efectuar um exame concreto e individual dos documentos ou das informações requeridas. Deste modo, os requisitos que autorizam esta instituição a renunciar, a título excepcional, a esse exame concreto e individual aplicam‑se mutatis mutandis quando os documentos em causa façam manifestamente parte de uma mesma categoria susceptível de ser abrangida por uma das excepções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001. Com efeito, ainda que resulte do artigo 6.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1367/2006, que a presunção da existência de um interesse público superior na divulgação de informação sobre emissões para o ambiente não é aplicável no âmbito de um processo por incumprimento em curso, todos os documentos em causa nesse processo por incumprimento são susceptíveis de ser protegidos enquanto categoria.

(cf. n.os 108, 117)

4.      Existem contudo diversas excepções à obrigação de a Comissão examinar concreta e individualmente os documentos em relação aos quais foi requerido acesso.

Com efeito, uma vez que o exame concreto e individual a que a instituição deve em princípio proceder, em resposta a um pedido de acesso formulado com base no Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, tem por objectivo permitir à instituição em causa, por um lado, apreciar em que medida é aplicável uma excepção ao direito de acesso e, por outro, apreciar a possibilidade de um acesso parcial, o referido exame pode não ser necessário quando, devido às circunstâncias específicas do caso concreto, seja manifesto que o acesso deve ser recusado ou, pelo contrário, concedido. Tal poderá ser o caso, designadamente, se determinados documentos estavam, desde logo, manifestamente cobertos na íntegra por uma excepção ao direito de acesso ou, pelo contrário, já eram manifestamente acessíveis na totalidade, ou, por último, tinham já sido objecto de uma apreciação concreta e individual por parte da Comissão em circunstâncias similares. Além disso, é, em princípio, possível que a instituição em causa se baseie, inclusivamente no âmbito da fundamentação da decisão de recusa, em presunções gerais que se aplicam a determinadas categorias de documentos, sendo considerações de ordem geral similares susceptíveis de se aplicarem a pedidos de divulgação relativos a documentos da mesma natureza, desde que a instituição verifique em cada caso se as considerações de ordem geral normalmente aplicáveis a um determinado tipo de documentos são efectivamente aplicáveis a um dado documento cuja divulgação é requerida.

(cf. n.os 113 a 115)

5.      No que se refere ao controlo que a Comissão é chamada a efectuar no âmbito de um processo por incumprimento iniciado ao abrigo do artigo 226.° CE, há que constatar que este controlo se enquadra numa função administrativa, no âmbito da qual a Comissão dispõe de um amplo poder discricionário e desenvolveu um diálogo bilateral com o Estado‑Membro em causa.

A posição processual das partes que apresentaram uma queixa à Comissão é substancialmente diferente no quadro de um processo por infracção iniciado ao abrigo do artigo 226.° CE da posição que terão, por exemplo, no quadro de um processo de aplicação das regras comunitárias da concorrência, como o previsto no Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], e no Regulamento n.° 773/2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° CE e 82.° CE, em que os denunciantes beneficiam de garantias processuais específicas cuja observância está sujeita a uma fiscalização jurisdicional efectiva no âmbito de um recurso da decisão de rejeição da denúncia. Em contrapartida, os denunciantes na acepção da Comunicação 2002/C 244/03 não têm possibilidade de interpor recurso para o órgão jurisdicional da União de uma eventual decisão de arquivar a sua denúncia e não gozam de direitos processuais, comparáveis àqueles de que podem dispor no âmbito de um processo iniciado nos termos dos regulamentos acima referidos, que lhes permitam exigir que a Comissão os informe e os ouça.

Por conseguinte, não tendo a parte recorrente, no âmbito de tal processo, o direito de consultar os documentos do processo administrativo da Comissão, há que reconhecer, por analogia com a situação dos interessados no âmbito do procedimento de controlo dos auxílios de Estado, a existência de uma presunção geral segundo a qual a divulgação dos documentos do processo administrativo prejudica, em princípio, a protecção dos objectivos das actividades de inquérito. Assim, é suficiente que a Comissão verifique se essa presunção geral se deve aplicar a todos os documentos em causa, sem que deva necessariamente proceder a um exame concreto e individual prévio do conteúdo de cada um desses documentos. Ora, quando, no momento da adopção da decisão controvertida, o processo de infracção em causa estiver em curso, a Comissão deve necessariamente partir do princípio de que essa presunção geral se aplica à totalidade dos documentos em causa.

Esta presunção não exclui no entanto o direito de os interessados provarem que um determinado documento cuja divulgação é requerida não está abrangido pela referida presunção ou que existe um interesse público superior que justifica a divulgação do documento em causa ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001.

(cf. n.os 126 a 128)