Language of document : ECLI:EU:T:2013:238

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

14 de maio de 2013 (*)

«Marca comunitária ― Processo de oposição ― Pedido de marca figurativa comunitária que representa um frango ― Marca figurativa nacional anterior que representa um frango ― Motivo relativo de recusa ― Semelhança dos produtos e dos serviços ― Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 207/2009»

No processo T‑249/11,

Sanco, SA, com sede em Barcelona (Espanha), representada por A. Segura Roda, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por J. Crespo Carrillo, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI:

Marsalman, SL, com sede em Barcelona,

que tem por objeto um recurso de anulação da decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI de 17 de fevereiro de 2011 (processo R 1073/2010‑2), relativa a um processo de oposição entre a Sanco, SA, e a Marsalman, SL,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: J. Azizi (relator) presidente, S. Frimodt Nielsen e E. Buttigieg, juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de maio de 2011,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de setembro de 2011,

vista a inexistência de pedido de realização de uma audiência apresentado pelas partes no prazo de um mês a contar da notificação do encerramento da fase escrita e tendo, então, sido decidido, com base no relatório do juiz‑relator e ao abrigo do artigo 135.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 18 de fevereiro de 2008, a Marsalman, SL, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos e serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 29, 35 e 39 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, em relação a cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

¾        classe 29: «Frangos»;

¾        classe 35: «Serviços de publicidade, representações comerciais, serviços de concessão de franquias (‘franchising’), exportação e importação; serviços de venda por grosso e a retalho de todos os tipos de produtos alimentares e serviços de venda através de redes informáticas mundiais de todos os tipos de produtos alimentares»;

¾        classe 39: «Serviços de transporte, armazenamento e distribuição de frangos».

4        O pedido de marca comunitária foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 28/2008, de 14 de julho de 2008.

5        Em 14 de outubro de 2008, a recorrente, Sanco, SA, apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 42.° do Regulamento n.° 40/94 (atual artigo 41.° do Regulamento n.° 207/2009), oposição ao registo da marca pedida para os produtos e serviços acima referidos no n.° 3.

6        A oposição baseava‑se na marca figurativa espanhola anterior a seguir reproduzida:

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7        Essa marca designava produtos pertencentes às classes 29 e 31 e que correspondem, em relação a cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

¾        classe 29: «Carne, aves e caça; extratos de carne»;

¾        classe 31: «Animais vivos».

8        O motivo invocado em apoio da oposição era o referido no artigo 8.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 40/94 [atual artigo 8.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 207/2009].

9        Em 13 de abril de 2010, a Divisão de Oposição deferiu parcialmente a oposição recusando o registo da marca pedida para os «frangos», pertencentes à classe 29, e para os «serviços de venda por grosso e a retalho de todos os tipos de produtos alimentares e serviços de venda através de redes informáticas mundiais de todos os tipos de produtos alimentares», pertencentes à classe 35. Em contrapartida, indeferiu a oposição relativamente aos «serviços de publicidade, representações comerciais, serviços de concessão de franquias (‘franchising’), exportação e importação», incluídos na classe 35, e aos «serviços de transporte, armazenamento e distribuição de frangos», incluídos na classe 39.

10      Em 14 de junho de 2010, a recorrente interpôs no IHMI, ao abrigo do disposto nos artigos 58.° a 64.° do Regulamento n.° 207/2009, um recurso da decisão da Divisão de Oposição na medida em que indeferia parcialmente a sua oposição.

11      Por decisão de 17 de fevereiro de 2011 (a seguir «decisão impugnada»), a Segunda Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso e confirmou a decisão da Divisão de Oposição na parte em que indeferia parcialmente a oposição. A Câmara de Recurso considerou que o público relevante se compunha tanto do consumidor médio pertencente ao público em geral como do pertencente a um público especializado Por outro lado, a Câmara de Recurso considerou que os serviços abrangidos pela marca pedida, a saber, os «serviços de publicidade, representações comerciais, serviços de concessão de franquias (‘franchising’), exportação e importação» e os «serviços de transporte, armazenamento e distribuição de frangos», não eram semelhantes aos produtos abrangidos pela marca anterior, a saber, «carne, aves e caça; extratos de carne» e «animais vivos». Tendo em conta a inexistência de semelhança entre os produtos e os serviços abrangidos pelos sinais em conflito, a Câmara de Recurso concluiu pela inexistência de risco de confusão entre a marca pedida e a marca figurativa nacional anterior, sem que fosse necessário proceder à comparação dos sinais controvertidos.

 Pedidos das partes

12      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada e recusar o registo da marca pedida para a totalidade dos produtos e dos serviços visados por aquela;

¾        condenar o IHMI nas despesas.

13      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

1.     Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

 Considerações preliminares

14      Na decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou, no essencial, que, não existindo semelhança entre os produtos protegidos pela marca anterior e os «serviços de publicidade, representações comerciais, serviços de concessão de franquias (‘franchising’), exportação e importação» e os «serviços de transporte, armazenamento e distribuição de frangos» visados pela marca pedida, não havia risco de confusão na aceção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 entre as marcas em causa, não sendo necessário proceder à comparação dos sinais em causa (n.os 22 e 25 da decisão impugnada). A recorrente considera que a decisão impugnada violou o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, porque existia semelhança entre os produtos designados pela marca anterior e os referidos serviços visados pela marca pedida.

15      A este propósito, deve recordar‑se que, nos termos do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado quando, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida.

16      Daqui resulta que, na inexistência de identidade ou de semelhança entre os produtos e serviços designados pelos sinais em causa, não pode haver risco de confusão na aceção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 1998, Canon, C‑39/97, Colet., p. I‑5507, n.° 22).

17      Além disso, deve recordar‑se que constitui risco de confusão o risco de que o público possa crer que os produtos ou os serviços em causa provêm da mesma empresa ou de empresas ligadas economicamente. Tal como foi já reconhecido, o risco de confusão deve ser apreciado globalmente, segundo a perceção que o público relevante tem dos sinais e dos produtos ou dos serviços em causa, e tendo em conta todos os fatores pertinentes no caso em apreço, nomeadamente a interdependência da semelhança dos sinais e a dos produtos ou dos serviços designados [v. acórdão do Tribunal Geral de 9 de julho de 2003, Laboratorios RTB/IHMI − Giorgio Beverly Hills (GIORGIO BEVERLY HILLS), T‑162/01, Colet., p. II‑2821, n.os 30 a 33 e jurisprudência referida].

18      Daqui resulta que um reduzido grau de semelhança entre os produtos e serviços abrangidos pelos sinais em causa pode ser compensado por um grau elevado de semelhança entre os sinais e inversamente (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, Colet., p. I‑3819, n.° 19).

19      Em face do exposto, cumpre observar que é só na medida em que esteja demonstrado que não existe nenhuma semelhança entre os produtos e serviços visados pelas marcas em causa que se pode concluir pela inexistência de risco de confusão entre as referidas marcas, sem que seja necessário proceder a uma apreciação global, tendo em conta todos os fatores pertinentes, da perceção pelo público relevante dos sinais e dos produtos ou dos serviços em causa.

20      No caso em apreço, há, portanto, que determinar se a Câmara de Recurso pôde considerar, sem incorrer em erro, que os produtos e serviços visados pelas marcas em causa não apresentavam nenhuma semelhança, de modo a excluir qualquer risco de confusão entre as marcas em causa, sem proceder a uma apreciação global do risco de confusão.

 Quanto à comparação dos produtos e dos serviços em causa

 Considerações de princípio

21      Conforme foi reconhecido por jurisprudência constante, para apreciar a semelhança entre os produtos ou os serviços em causa, havia que tomar em conta todos os fatores pertinentes que caracterizassem a relação entre eles. Esses fatores incluem, em especial, a sua natureza, o seu destino, e a sua utilização, bem como o seu caráter concorrente ou complementar. Outros fatores podem ser também levados em conta, como, por exemplo, os canais de distribuição dos produtos em causa [v. acórdão do Tribunal Geral de 11 de julho de 2007, El Corte Inglés/IHMI ― Bolaños Sabri (PiraÑAM diseño original Juan Bolaños), T‑443/05, Colet., p. II‑2579, n.° 37 e jurisprudência referida].

22      No que se refere mais particularmente à complementaridade dos produtos e dos serviços, deve recordar‑se que os produtos ou os serviços complementares são aqueles entre os quais existe uma ligação estreita, no sentido de que um é indispensável ou importante para a utilização do outro, de forma que os consumidores podem pensar que a responsabilidade pelo fabrico desses produtos ou pelo fornecimento desses serviços incumbe à mesma empresa [acórdãos do Tribunal Geral, PiraÑAM diseño original Juan Bolaños, referido no n.° 21 supra, n.° 48, e de 22 de janeiro de 2009, Commercy/IHMI ― easyGroup IP Licensing (easyHotel), T‑316/07, Colet., p. II‑43, n.° 57 e jurisprudência referida]. Assim, para efeitos da apreciação do caráter complementar de produtos e de serviços, deve, em última análise, tomar‑se em consideração a perceção pelo referido público da importância, para a utilização de um produto ou de um serviço, de um outro produto ou serviço.

23      Assim, a apreciação da semelhança dos produtos e dos serviços à luz do seu caráter concorrente ou complementar pressupõe que seja, antes de mais, definido o consumidor dos referidos produtos e serviços.

¾       Quanto ao público relevante

24      No quadro da apreciação global do risco de confusão, deve ter‑se em conta o consumidor médio da categoria de produtos ou de serviços em causa, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 13 de fevereiro de 2007, Mundipharma/IHMI ― Altana Pharma (RESPICUR), T‑256/04, Colet., p. II‑449, n.° 42 e jurisprudência referida].

25      O público relevante para a apreciação do risco de confusão é constituído pelos utilizadores suscetíveis de utilizar tanto os produtos ou os serviços visados pela marca anterior como os visados pela marca pedida [v. acórdão do Tribunal Geral de 24 de maio de 2011, ancotel/IHMI ― Acotel (ancotel), T‑408/09, não publicado na Coletânea, n.° 38 e jurisprudência referida].

26      No caso em apreço, a Câmara de Recurso considerou que os serviços de publicidade, de representação comercial, de concessão de franquias, de exportação e de importação, bem como os serviços de transporte, armazenamento e de distribuição de frangos, designam serviços destinados a um público em geral, por um lado, e a um público especializado, por outro. Salientou, depois, que alguns desses serviços se dirigiam, em geral, a empresas comerciais. Daí concluiu, portanto, que o público relevante para a apreciação do risco de confusão era constituído tanto pelo consumidor médio pertencente ao público em geral como pelo pertencente a um público mais especializado (v. n.° 19 da decisão impugnada).

27      O Tribunal entende que foi com razão que a Câmara de Recurso considerou que os serviços supramencionados se dirigiam a profissionais. Com efeito, estes são suscetíveis de solicitar tais serviços. Além disso, não pode excluir‑se que alguns desses serviços sejam destinados ao grande público. Por outro lado, no que se refere à «carne, aves e caça, extratos de carne» e «animais vivos», deve observar‑se que, embora os referidos produtos sejam produzidos por profissionais e a criação de animais vivos seja principalmente feita por profissionais, esses produtos são comprados tanto por particulares como por profissionais.

28      Daqui resulta que a Câmara de Recurso não incorreu em erro ao considerar, no caso em apreço, que o público relevante dos produtos e dos serviços em causa compreendia tanto profissionais como particulares.

¾       Quanto à semelhança entre os produtos em causa e os serviços de publicidade, de representação comercial, de concessão de franquias assim como de exportação e importação

29      Na decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que não existia semelhança entre, por um lado, «carne, aves e caça, extratos de carne» assim como «animais vivos», visados pela marca anterior, e, por outro, os «serviços de publicidade, representações comerciais, serviços de concessão de franquias, exportação e importação», visados pela marca pedida.

30      A recorrente contesta esta apreciação pelo facto de os serviços e produtos em questão apresentarem uma ligação entre si e de o público relevante poder crer que os produtos e serviços em causa provêm da mesma empresa ou de empresas ligadas economicamente. O IHMI contesta esta apreciação e remete, no essencial, para o raciocínio desenvolvido na decisão impugnada.

31      A este propósito, o Tribunal Geral observa, antes de mais, que foi com razão que a Câmara de Recurso considerou que a carne, as aves, a caça, os extratos de carne e os animais vivos se distinguiam dos serviços de publicidade, de representação comercial, de concessão de franquias assim como de exportação e de importação devido à sua natureza, destino e utilização. Os produtos e serviços supramencionados não são permutáveis nem concorrentes, o que não é, aliás, contestado pela recorrente.

32      No que diz respeito aos canais de comercialização, a Câmara de Recurso considerou, sem que tal tenha sido contestado pela recorrente, que estes eram diferentes pelo facto de ser pouco provável, ou mesmo impossível, que uma quinta ou uma instalação avícola seja utilizada para propor às empresas serviços de publicidade, de representação comercial, de concessão de franquias ou de exportação e de importação. Atendendo aos referidos produtos e serviços, a Câmara de Recurso podia considerar sem incorrer em erro que os canais de comercialização dos referidos produtos e serviços eram distintos.

33      Todavia, como acima exposto no n.° 21, na apreciação da semelhança entre produtos e serviços, há também que ter em consideração o caráter complementar dos referidos produtos e serviços.

34      A este propósito, a Câmara de Recurso considerou que os produtos da marca anterior e os serviços de publicidade, de representação comercial, de concessão de franquias assim como de exportação e de importação não eram sequer complementares, uma vez que a natureza, a utilização e os canais de distribuição de produtos tais como frangos e animais vivos não tinham nenhuma relação com esses serviços, o que o consumidor perceberia facilmente (v. n.° 23 da decisão impugnada).

35      Assim, a Câmara de Recurso considerou que, do ponto de vista do público relevante, os produtos e serviços em causa não eram complementares, pelo facto de não existir nenhuma relação entre a sua natureza, a sua utilização e os seus canais de distribuição.

36      Contudo, como acima exposto no n.° 22, a complementaridade entre produtos e serviços no contexto de um risco de confusão não se aprecia com base na existência para o público relevante de uma relação entre os produtos e serviços em causa do ponto de vista da sua natureza, da sua utilização e dos seus canais de distribuição, mas com base na existência de uma ligação estreita entre os referidos produtos e serviços, isto é, no carácter indispensável ou importante de um para a utilização do outro, de modo a que o referido público possa pensar que a responsabilidade pelo fabrico desses produtos ou pelo fornecimento desses serviços incumbe à mesma empresa.

37      Daqui resulta que a Câmara de Recurso não podia negar a existência de uma complementaridade entre os produtos e serviços em causa pela simples razão de não existia nenhuma relação entre a sua natureza, a sua utilização e os seus canais de distribuição. Com efeito, ao proceder dessa forma, tomou novamente em conta a natureza, a utilização e os canais de distribuição dos produtos e dos serviços em causa sem se pronunciar quanto à importância de um para a utilização do outro do ponto de vista do público relevante.

38      No que respeita, em particular, à relação entre a utilização dos referidos produtos e a dos referidos serviços evocada pela Câmara de Recurso, há que observar que esse critério não permite apreciar plenamente o caráter indispensável, ou mesmo importante, desses produtos e serviços um em relação a outro que requer a análise da complementaridade entre os mesmos produtos e serviços. Com efeito, o facto de a utilização de um produto ou serviço não ter relação com a utilização de um outro produto ou serviço não implica em todos os casos que a utilização de um não seja importante ou indispensável para a utilização do outro.

39      Assim, importa reconhecer que a Câmara de Recurso não examinou corretamente, em particular, se, do ponto de vista de um comprador profissional de frangos ou de carne, os serviços de publicidade, de representação comercial, de concessão de franquias ou de importação e de exportação eram importantes no momento da compra dos seus frangos e da sua carne ao ponto de poder pensar‑se que a responsabilidade pelo fabrico desses produtos ou pelo fornecimento desses serviços incumbe à mesma empresa.

40      Essa falha que carateriza o exame efetuado pela Câmara de Recurso é salientada pela alegação do IHMI perante o Tribunal Geral, segundo a qual um produtor de carne podia fornecer um serviço de importação e de exportação para os seus próprios produtos aos seus clientes. Com efeito, nesse caso, não pode excluir‑se que o público relevante dos referidos produtos considere que, para a compra desses produtos, é importante um serviço de importação e de exportação, de modo que considerará que esses produtos e esse serviço provêm de uma mesma empresa. A circunstância apresentada pelo IHMI de que esse serviço de importação e de exportação não é fornecido a título oneroso e não é proposto a terceiros não afeta essa apreciação. Com efeito, por um lado, não está demonstrado que, na hipótese invocada pelo IHMI, o referido serviço seja proposto gratuitamente ou que não faça antes parte integrante da venda proposta. Por outro lado, e em todo o caso, importa apreciar a perceção do público relevante quanto à existência de uma ligação suficientemente estreita entre os referidos produtos e serviços. Ora, no caso em apreço, a Câmara de Recurso não apreciou esses parâmetros.

41      Portanto, cumpre observar que, não tendo em conta esses parâmetros, a Câmara de Recurso cometeu um erro na apreciação do caráter complementar entre os produtos visados pela marca anterior e os serviços de publicidade, de representação comercial, de concessão de franquias assim como de exportação e de importação visados pela marca pedida.

42      A consequência desse erro foi o de a Câmara de Recurso não ter tido em consideração todos os fatores pertinentes para apreciar a semelhança dos produtos e dos serviços em questão. Na falta de uma análise que tenha em conta todos os fatores pertinentes para apreciar a existência de uma semelhança entre os produtos e serviços em causa, deve anular‑se a decisão impugnada quanto a este ponto.

¾       Quanto à semelhança entre os produtos em causa e os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos

43      Na decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que não existia semelhança entre os «serviços de transporte, armazenamento e distribuição de frangos», visados pela marca pedida, e a «carne, aves e caça, extratos de carne» assim como os «animais vivos», visados pela marca anterior.

44      A recorrente contesta essa apreciação e considera que, atendendo à conexão entre os mercados dos produtos e dos serviços em causa, será muito pouco provável que uma marca possa designar um desses serviços independentemente do produto.

45      A este propósito, o Tribunal Geral observa, antes de mais, que a recorrente não contesta a apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual os produtos e serviços acima reproduzidos no n.° 43 são distintos pela sua natureza, objeto e destino. Essa apreciação da Câmara de Recurso deve ser confirmada. Com efeito, os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos não têm a mesma natureza, a mesma finalidade ou a mesma utilização que a carne, as aves, a caça, os extratos de carne e os animais vivos. Por outro lado, os produtos e serviços em causa não são concorrentes ou permutáveis. Com efeito, os referidos serviços não podem substituir a carne e os animais vivos.

46      A Câmara de Recurso deduziu da distinção entre os referidos produtos e serviços em razão da sua natureza, do seu objeto e do seu destino que as empresas especializadas nos transportes e as empresas especializadas no fabrico dos produtos visados pela marca anterior também eram diferentes (v. n.° 24 da decisão impugnada).

47      No entanto, o Tribunal Geral observa que o facto de a produção de carne, de aves, de caça, de extratos de carne assim como a criação de animais vivos e o fornecimento de serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos pressuporem uma especialização não implica necessariamente que as empresas que propõem os referidos serviços sejam distintas das responsáveis pela produção dos referidos produtos. Com efeito, como indicado pela Câmara de Recurso na decisão impugnada, é possível que as empresas que desenvolvem a sua atividade no âmbito da produção de frangos e de animais vivos transportem, armazenem e distribuam as suas mercadorias por conta própria (v. n.° 24 da decisão impugnada).

48      Além disso, para avaliar a complementaridade dos referidos produtos e serviços, há que apreciar não a especialização das empresas, mas antes se os consumidores dos produtos e dos serviços podem pensar que a responsabilidade pelo fabrico desses produtos ou pelo fornecimento desses serviços incumbe à mesma empresa em razão de uma ligação entre os referidos produtos e serviços. Consequentemente, a existência de empresas especializadas na produção dos produtos da marca anterior e no fornecimento dos serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos não basta para demonstrar a inexistência de complementaridade entre os referidos produtos e serviços.

49      A Câmara de Recurso considerou igualmente que o público relevante dos referidos produtos e serviços era diferente em razão da especialização das empresas em questão, de modo que não haveria ligação de carácter industrial ou comercial entre as referidas empresas. Mais precisamente, considerou que, tendo em conta o seu caráter particular, os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos dirigiam‑se geralmente às empresas e aos profissionais de um setor muito preciso. Daí inferiu que esse público era diferente daquele ao qual eram propostos os produtos da marca anterior, o que excluiu desde logo a hipótese de uma ligação de carácter industrial ou comercial entre as referidas empresas (v. n.° 24 da decisão impugnada). O IHMI seguiu esta abordagem na sua resposta.

50      A este propósito, o Tribunal Geral observa que os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos da marca pedida são serviços que se dirigem a um público profissional. Em contrapartida, os produtos visados pela marca anterior destinam‑se tanto ao grande público como a profissionais. Com efeito, embora a carne, as aves, a caça e os extratos de carne sejam produtos destinados ao grande público, podem também dirigir‑se a compradores profissionais. Por seu turno, os animais vivos, entre os quais os frangos, dirigem‑se principalmente a profissionais.

51      Na medida em que esses produtos se dirigem a um público profissional, foi sem razão que a Câmara de Recurso considerou que esse público era diferente do dos serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos. Com efeito, um público de profissionais é suscetível de comprar tanto os produtos em causa como os serviços já referidos.

52      Por outro lado, no que respeita à existência de uma ligação estreita entre os referidos produtos e serviços, cumpre observar que, para a utilização de um serviço de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos, há que ter frangos para transportar, armazenar e distribuir. Neste sentido, os frangos são indispensáveis para a utilização dos serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos. Pelo contrário, para o criador de frangos, pode ser importante dispor de um serviço de transporte, de armazenamento e de distribuição para os seus frangos. Deste ponto de vista, existe uma ligação estreita entre os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos da marca pedida e os frangos da marca anterior. Dado que o termo «frango» designa igualmente a carne do animal, essa ligação não existe unicamente para os animais vivos, mas também para a carne e as aves designadas pela marca anterior.

53      Além disso, o consumidor profissional desses produtos e desses serviços, a saber, uma empresa que compra frangos por grosso que tem igualmente necessidade de serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos, é suscetível de pensar que a responsabilidade pelo fabrico desses produtos e pelo fornecimento desses serviços incumbe à mesma empresa. Com efeito, uma vez que certos produtores propõem também um serviço de transporte, o comprador de frangos é suscetível de pensar que a responsabilidade pelo fabrico desses produtos e o fornecimento desses serviços incumbe à mesma empresa.

54      O IHMI contesta a existência de uma semelhança entre os produtos e os serviços em causa por razões semelhantes às acima aduzidas no n.° 40. Com efeito, considera que, quando um produtor de frangos transporta, armazena e distribui os seus próprios frangos, os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição não são serviços prestados a terceiros contra remuneração, mas trata‑se apenas de serviços «internos» ou acessórios em relação à produção de frangos, de modo que o produtor em questão não estará presente no mercado dos serviços de transporte, de armazenamento ou de distribuição de frangos. Em apoio desse argumento, o IHMI invoca, por um lado, uma analogia com a necessidade de provar uma utilização pública de uma marca para demonstrar a sua utilização efetiva e, por outro, a apreciação do Tribunal Geral no acórdão de 7 de fevereiro de 2006, Alecansan/IHMI ― CompUSA (COMP USA) (T‑202/03, não publicado na Coletânea, n.° 47).

55      A este propósito, o Tribunal Geral observa, antes de mais, por analogia ao acima exposto no n.° 40, que a Câmara de Recurso não alicerça de forma alguma a sua afirmação segundo a qual, quando produtores transportam, armazenam ou distribuem os seus próprios frangos, não se trata de um serviço prestado a terceiros contra remuneração. Ora, do facto de uma empresa que se dedica à criação de frangos propor conjuntamente um serviço de transporte de frangos não se pode inferir que esse serviço não seja fornecido contra remuneração. Além disso, não pode inferir‑se de tal proposta conjunta que a empresa que propõe esses serviços complementares não opere no mercado dos serviços de transporte de frangos. Com efeito, o facto de um produtor de frangos propor serviços de transporte para os seus frangos implica que esse produtor esteja em concorrência com empresas que propõem serviços de transporte de frangos. Por essa razão, esse produtor está presente no referido mercado.

56      Em seguida e mais fundamentalmente, deve indicar‑se que o caráter complementar de produtos e de serviços para a apreciação da semelhança entre os referidos produtos e serviços, não se aprecia em função do caráter «interno» ou não dos produtos e serviços no sentido da argumentação desenvolvida pelo IHMI (v. n.° 54 supra), mas antes em função da perceção pelo público relevante de que a responsabilidade pela produção desses produtos e pelo fornecimento desses serviços incumbe a uma mesma empresa ou a empresas distintas (v. n.° 22 supra). A abordagem seguida pela Câmara de Recurso e sustentada pelo IHMI para se pronunciar sobre a complementaridade dos produtos e dos serviços em causa é, pois, errada.

57      A título puramente ilustrativo do erro na abordagem preconizada pelo IHMI, há que observar que, no caso em apreço, a mesma levaria a considerar que, quando uma empresa que pretende tanto comprar frangos como fazer transportá‑los se depara, por um lado, com um produtor de frangos que opera no mercado com uma determinada marca e, por outro, com um prestador de serviços de transporte de frangos que opera nesse mercado com uma marca idêntica à do produtor acima referido, essa empresa não corre o risco de considerar que os referidos produtos e serviços provêm da mesma empresa, porque, quando um produtor de frangos propõe um serviço de transporte, esse serviço é apenas um serviço acessório ou «interno» em relação à produção frangos e, portanto, o produtor em causa não está presente no mercado de transporte de frangos. Com efeito, segundo a abordagem sustentada pelo IHMI, não existiria nenhuma semelhança entre a produção de frangos e os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos, de modo que marcas idênticas para esses produtos e serviços poderiam coexistir sem risco de confusão para os consumidores desses produtos e serviços.

58      Ora, pelas razões acima expostas no n.° 53, o comprador por grosso de frangos que necessita, por outro lado, de um serviço de transporte de frangos é suscetível de considerar que há uma ligação importante entre a produção de frangos e os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos, de forma que o consumidor dos referidos produtos e serviços considerará que provêm da mesma empresa.

59      Dado que a presença no mercado tal como definida pelo IHMI no caso em apreço (v. n.° 54 supra) não pode ser tida em conta, deve rejeitar‑se a analogia com as regras em matéria de utilização efetiva de uma marca anterior no contexto de uma oposição.

60      Além disso, na medida em que o IHMI invoca o processo que deu origem ao acórdão COMP USA, já referido, há que observar que este se distingue do presente processo na medida em se referia a produtos e serviços informáticos vendidos à distância. Além disso, diferentemente desse processo no qual se considerou que o envio físico dos programas informáticos e dos computadores comprados ou dados em locação a uma empresa que oferecia os seus bens através da Internet era apenas a execução de um contrato de venda à distância ou de um contrato de serviço não ligado aos serviços de transporte (acórdão COMP USA, já referido, n.° 47), não pode considerar‑se, por falta de demonstração pelo IHMI nesse sentido, que o transporte, o armazenamento e a distribuição de frangos é apenas a execução da venda de frangos ou de um contrato de serviço não ligado aos serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos.

61      Portanto, a Câmara de Recurso não podia sem mais excluir a existência de uma complementaridade entre os produtos da marca anterior e os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos. Tal complementaridade devia ser reconhecida pelo menos em relação aos frangos e aos serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos.

62      Para apreciar a semelhança entre os produtos ou serviços em causa, a Câmara de Recurso devia ter em conta todos os fatores pertinentes que caraterizam a relação entre os produtos e serviços em causa. Assim, não obstante a diferença entre, por um lado, a carne de frango e os frangos vivos e, por outro, os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos no que respeita à sua natureza, ao seu destino, à sua utilização e ao seu caráter concorrencial, a Câmara de Recurso deveria ter‑lhes reconhecido um certo carácter complementar. Decorre da tomada em conta de todos os fatores pertinentes para a apreciação da semelhança dos referidos produtos e serviços que a Câmara de Recurso considerou erradamente que os referidos produtos e serviços não tinham nenhuma semelhança.

63      Consequentemente, há também que anular a decisão impugnada, na medida em que considera que os produtos da marca anterior não têm nenhuma semelhança com os serviços de transporte, de armazenamento e de distribuição de frangos da marca pedida.

2.     Quanto ao pedido de recusa do registo da marca comunitária pedida

64      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal profira um acórdão que recuse o registo da marca comunitária pedida para todos os produtos e os serviços visados pela marca pedida.

65      A este propósito, deve observar‑se que a fiscalização jurisdicional exercida pelo Tribunal Geral é uma fiscalização da legalidade. Em caso de erro, pode anular a decisão da Câmara de Recurso e, se requerido, reformá‑la. Não lhe cabe registar ou não registar uma marca. Com efeito, nos termos do artigo 266.° TFUE e do artigo 65.°, n.° 6, do Regulamento n.° 207/2009, cabe ao IHMI tomar as medidas para dar cumprimento a um eventual acórdão de anulação do juiz da União. Não cabe ao Tribunal Geral dirigir injunções ao IHMI, mas incumbe a este último retirar as consequências do dispositivo e dos fundamentos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Geral [v. acórdão do Tribunal Geral de 21 de junho de 2012, Kavaklidere‑Europe/IHMI ― Yakult Honsha (Yakut), T‑276/09, não publicado na Coletânea, n.° 17 e jurisprudência referida].

66      Na medida em que o pedido da recorrente deva ser interpretado no sentido de que se pede ao Tribunal Geral que ordene ao IHMI que não registe a marca pedida relativamente a todos os produtos e serviços abrangidos por esta, há que declarar inadmissível esta pretensão.

67      Na medida em que o referido pedido deva ser interpretado no sentido de que se pede ao Tribunal Geral que reforme a decisão impugnada de modo a que o Tribunal Geral substitua a decisão impugnada por uma decisão que declare que a marca pedida não podia ser registada para os serviços em relação aos quais ainda não tinha sido recusado o registo na decisão da Divisão de Oposição, há que recordar que o poder de reforma reconhecido ao Tribunal Geral não tem por efeito conferir‑lhe o poder de substituir a apreciação da Câmara de Recurso pela sua própria apreciação nem de proceder a uma apreciação sobre a qual a referida Câmara ainda não tomou posição (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, Colet., p. I‑5853, n.° 72).

68      Por conseguinte, o exercício do poder de reforma deve, em princípio, ser limitado às situações em que o Tribunal Geral, após ter fiscalizado a apreciação realizada pela Câmara de Recurso, está em condições de determinar, com base nos elementos de facto e de direito dados como provados, a decisão que a Câmara de Recurso devia ter tomado (acórdão Edwin/IHMI, referido no n.° 67 supra, n.° 72).

69      Ora, tal não acontece no caso em apreço. Com efeito, o erro metodológico cometido na apreciação da semelhança dos produtos e dos serviços exposta nos n.os 29 e seguintes devido à não tomada em conta adequada da sua complementaridade tem como consequência que o Tribunal Geral deverá proceder a uma apreciação sobre a qual a Câmara de Recurso não tomou posição. Além disso, como resulta dos n.os 43 e seguintes, uma semelhança, mesmo reduzida, deve ser reconhecida entre certos produtos e serviços em causa, o que implica que a Câmara de Recurso deveria ter procedido a uma análise da semelhança entre as marcas em causa e a uma análise global do risco de confusão, o que não fez.

70      Consequentemente, há que julgar improcedente o pedido da recorrente no sentido de que o Tribunal Geral recuse o registo da marca comunitária mesmo que se deva interpretar essa pretensão como um pedido de reforma.

 Quanto às despesas

71      Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

72      Tendo o IHMI sido vencido no essencial dos seus pedidos, há que condená‑lo nas despesas em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É anulada a decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 17 de fevereiro de 2011 (processo R 1073/2010‑2).

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O IHMI é condenado nas despesas.

Azizi

Frimodt Nielsen

Buttigieg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de maio de 2013.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.