Language of document : ECLI:EU:T:2014:93

Processo T‑256/11

Ahmed Abdelaziz Ezz e o.

contra

Conselho da União Europeia

«Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra certas pessoas e entidades, tendo em conta a situação no Egito — Congelamento de fundos — Base jurídica — Dever de fundamentação — Erro de facto — Direitos de defesa — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Direito de propriedade — Liberdade de empresa»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 27 de fevereiro de 2014

1.      Atos das instituições — Escolha da base jurídica — Decisão que impõe medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito — Congelamento de fundos das pessoas envolvidas em desvios de fundos públicos e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados — Artigo 29.° TUE — Admissibilidade

[Artigos 21.°, n.° 2, alíneas b) e d), TUE, 24.°, n.° 1, TUE, 28.° TUE e 29.° TUE; Decisão 2011/172/PESC do Conselho, artigo 1.°, n.° 1]

2.      Atos das instituições — Escolha da base jurídica — Regulamento que impõe medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito — Congelamento de fundos das pessoas envolvidas em desvios de fundos públicos e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados — Artigo 215.°, n.° 2, TFUE e Decisão 2011/172 — Admissibilidade

(Artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE; artigo 215.°, n.° 2, TFUE; Decisão 2011/172/PESC do Conselho; Regulamento n.° 270/2011 do Conselho, artigo 2.°, n.° 1)

3.      Direito da União Europeia — Interpretação — Textos multilingues — Interpretação uniforme — Tomada em consideração das diferentes versões linguísticas — Interpretação em função do contexto e da finalidade

(Decisão 2011/172/PESC do Conselho, artigo 1.°, n.° 1)

4.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas contra certas pessoas e entidades, tendo em conta a situação no Egito — Congelamento de fundos das pessoas envolvidas em desvios de fundos públicos no Egito e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados — Divergência entre as diferentes versões linguísticas do artigo 1.° da Decisão 2011/172 — Interpretação ampla que não viola os princípios da legalidade dos delitos e das penas e da presunção de inocência

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 48.°, n.° 1, e 49.°, n.° 1, primeiro período; Decisão 2011/172 do Conselho, artigo 1.°, n.° 1)

5.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas contra certas pessoas, entidades, tendo em conta a situação no Egito — Congelamento de fundos das pessoas envolvidas em desvios de fundos públicos no Egito e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados — Divergência entre as diferentes versões linguísticas da liste anexada à Decisão 2011/172 — Interpretação ampla do ato de execução em conformidade com o ato de base

(Decisão 2011/172 do Conselho, artigo 1.°, n.° 1, e anexo)

6.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Congelamento de fundos das pessoas envolvidas em desvios de fundos públicos no Egito e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados — Decisão que se inscreve num contexto conhecido do interessado que lhe permite conhecer o âmbito da medida adotada a seu respeito — Admissibilidade de uma fundamentação sumária — Limites — Fundamentação que não pode consistir numa formulação geral e estereotipada

[Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 2, alínea c); Decisão 2011/172/PESC do Conselho; Regulamento n.° 270/2011 do Conselho]

7.      Direito da União Europeia — Princípios — Direitos de defesa — Congelamento de fundos das pessoas envolvidas em desvios de fundos públicos no Egito e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados — Direito de acesso aos documentos — Direitos subordinados a um pedido apresentado nesse sentido ao Conselho

(Decisão 2011/172/PESC do Conselho; Regulamento n.° 270/2011 do Conselho)

8.      Direito da União Europeia — Princípios — Direitos de defesa — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Congelamento de fundos das pessoas envolvidas em desvios de fundos públicos no Egito e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados — Direito a ser ouvido antes da adoção dessas medidas — Inexistência — Obrigação de comunicar as razões individuais e específicas que justificam as decisões adotadas — Alcance — Direitos respeitados através da fiscalização jurisdicional exercida pelo juiz da União e através da possibilidade de uma audição posterior à adoção dessas medidas

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°, n.° 1; Decisão 2011/172/PESC do Conselho; Regulamento n.° 270/2011 do Conselho)

9.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito — Congelamento de fundos das pessoas envolvidas em desvios de fundos públicos no Egito e de pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos a elas associados — Restrição do direito de propriedade e do direito ao livre exercício de uma atividade económica — Violação do princípio da proporcionalidade — Inexistência

[Artigo 21.°, n.° 2, alíneas b) e d), TUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 16.°, 17.° e 52.°, n.° 1; Decisão 2011/172/PESC do Conselho, artigo 1.°; Regulamento n.° 270/2011 do Conselho, artigo 2.°, n.° 1]

1.      O artigo 1.° da Decisão 2011/172 que impõe medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito pode ter por base legal o artigo 29.° TUE. Com efeito, constituem posições da União na aceção desta última disposição as decisões que, primeiro, se inscrevem no âmbito da política externa e de segurança comum (PESC), conforme definida no artigo 24.°, n.° 1, TUE, segundo, estão relacionadas com uma questão específica de natureza geográfica ou temática, e, terceiro, não têm a natureza de ações operacionais na aceção do artigo 28.° TUE. Na medida em que estes critérios sejam respeitados, as decisões que contêm medidas suscetíveis de alterar diretamente a situação jurídica dos particulares, e não apenas atos de caráter programático ou simples declarações de intenções, podem ter como base jurídica o artigo 29.° TUE.

A este título, esta decisão, procurando auxiliar as autoridades de um país terceiro na sua luta contra a apropriação ilegítima de fundos públicos, é abrangida pela PESC e observa os objetivos mencionados no artigo 21.°, n.° 2, alíneas b) e d), TUE, sem implicar operações civis ou militares, e sendo adotada à luz da situação de um Estado terceiro em concreto.

(cf. n.os 41, 42, 44‑47)

2.      O Regulamento n.° 270/2011 que impõe medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito pode ter por base legal o artigo 215.°, n.° 2, TFUE e a Decisão 2011/172. Com efeito, o artigo 215.°, n.° 2, TFUE não restringe o seu âmbito de aplicação às decisões relativas a dirigentes de Estados terceiros ou a seus associados. Pode servir de base jurídica para adotar medidas restritivas contra qualquer pessoa, independentemente da sua qualidade, desde que essas medidas tenham sido previstas numa decisão adotada no âmbito da PESC. A este título, o referido regulamento, cuja redação é análoga à da Decisão 2011/172, respeita os critérios definidos pelo artigo 215.°, n.° 2, TFUE.

Esta apreciação não é posta em causa pela invocação dos artigos 60.° CE e 301.° CE aplicáveis antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Com efeito, este tratado alterou o estado do direito ao introduzir um novo artigo 215.° TFUE. Deste modo, embora o n.° 1 deste artigo abranja os domínios anteriormente abrangidos pelos artigos 60.° CE e 301.° CE, o seu n.° 2, passou a autorizar o Conselho a adotar, por meio de um ato previsto no artigo 288.° TFUE, medidas restritivas contra destinatários que não têm ligações com o regime dirigente de um país terceiro.

(cf. n.os 49‑53)

3.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 62, 63, 68, 89)

4.      Atendendo às disparidades existentes entre as versões linguísticas francesa e inglesa do artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2011/172 que impõe medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito, esta disposição deve ser interpretada à luz de todas as versões linguísticas e do contexto e da finalidade nos quais se insere. Ora, por um lado, na maioria das línguas da União, que não o inglês e o francês, a redação da referida disposição é análoga à da versão inglesa. Por outro lado, o efeito útil da decisão em causa ficaria seriamente comprometido se o seu artigo 1.° visasse apenas as pessoas contra as quais foram proferidas condenações penais, porque essas pessoas poderiam, no decurso do processo penal, ter transferido os seus bens para outros Estados que não cooperam com as autoridades egípcias. Deste modo, o artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2011/172 deve ser interpretado no sentido de que abrange, entre outros, as pessoas que tenham podido, eventualmente sem o seu conhecimento, beneficiar do produto de uma apropriação ilegítima de fundos públicos egípcios e que são objeto, a esse título, de medidas cautelares, impostas num quadro judicial, e destinadas a conservar os ativos provenientes das referidas apropriações ilegítimas.

Quanto ao demais, por um lado, esse congelamento de ativos não constitui uma sanção administrativa nem entra no âmbito de aplicação do artigo 49.°, n.° 1, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que o princípio segundo o qual as disposições que preveem sanções administrativas devem ser objeto de interpretação estrita não proíbe uma interpretação ampla do artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2011/172. Por outro lado, ao adotar a Decisão 2011/172, o Conselho não reconheceu, ele próprio, que as pessoas visadas no artigo 1.°, n.° 1, eram culpadas relativamente a factos punidos no direito penal egípcio ou no direito de um Estado‑Membro da União. Além disso, também não incitou o público a acreditar, sem razão, na culpabilidade destas pessoas e também não antecipou nenhum juízo sobre a apreciação dos factos pelo juiz competente. Daqui resulta que o princípio da presunção de inocência também não se opõe à interpretação ampla desta disposição.

(cf. n.os 64, 66, 67, 80, 81, 83, 84)

5.      O anexo da Decisão 2011/172 que impõe medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito, atendendo às disparidades existentes entre as diferentes versões linguísticas, deve ser interpretado em conformidade com a Decisão 2011/172, cuja execução assegura, no sentido de que abrange três categorias de pessoas, a saber, para além dos arguidos em processos penais por factos constitutivos de uma apropriação ilegítima de fundos públicos, aquelas que são perseguidas judicialmente por serem cúmplices desses factos e aquelas que são objeto de processos judiciais conexos com um processo penal por factos constitutivos de uma apropriação ilegítima de fundos públicos.

(cf. n.os 90, 91, 94)

6.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 105‑109, 113‑116)

7.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 161‑165)

8.      Uma primeira medida de congelamento de ativos, como a que foi tomada através do anexo da Decisão 2011/172 que impõe medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito e do anexo I do Regulamento n.° 270/2011, que impõe medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação no Egito, deve poder beneficiar de um efeito de surpresa. Deste modo, o Conselho não é obrigado, antes da adoção de tal medida, a comunicar os motivos dessa medida à pessoa em causa. Do mesmo modo, também não tem a obrigação de advertir as pessoas visadas por uma medida desse tipo da sua adoção iminente. Além disso, o princípio da observância dos direitos de defesa e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 47.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia exigem, em princípio, que a autoridade da União que adota um ato que institui medidas restritivas contra uma pessoa ou uma entidade comunique os motivos nos quais este ato assenta, pelo menos, tão rapidamente quanto possível após a sua adoção, a fim de permitir que essas pessoas ou entidades defendam os seus interesses e exerçam o seu direito de recurso. É normalmente através de uma comunicação individual que o Conselho deve cumprir esta obrigação.

Do mesmo modo, o facto de o Conselho não ter comunicado, ele próprio, os motivos de um ato que institui medidas restritivas não é suscetível de afetar a validade desse ato quando essa omissão não tenha tido por efeito privar a pessoa ou a entidade em causa da possibilidade de conhecer, em tempo útil, a fundamentação desse ato e de apreciar a sua procedência.

Por outro lado, as pessoas singulares ou coletivas visadas por uma primeira decisão que congela os seus ativos têm direito a serem ouvidas pelo Conselho depois de essa decisão ter sido adotada. No entanto, este não está obrigado a proceder, oficiosamente, à audição das referidas pessoas.

(cf. n.os 176, 180, 181, 183, 184)

9.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 195, 198‑200, 206, 209, 228‑233)