Language of document : ECLI:EU:T:2022:358

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

15 de junho de 2022 (*)

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado dos chipsets LTE — Decisão que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Pagamentos de exclusividade — Direitos de defesa — Artigo 19.o e artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Efeitos de exclusão»

No processo T‑235/18,

Qualcomm Inc., com sede em San Diego, Califórnia (Estados Unidos), representada por M. Pinto de Lemos Fermiano Rato, M. Davilla e M. English, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Khan, A. Dawes e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada),

composto por: A. Marcoulli (relatora), presidente, S. Frimodt Nielsen, J. Schwarcz, C. Iliopoulos e R. Norkus, juízes,

secretário: E. Kristensen, chefe de unidade,

vistos os autos,

após a audiência de 4, 5 e 6 de maio de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Por recurso com fundamento no artigo 263.o TFUE, a recorrente, Qualcomm Inc., pede a anulação da Decisão C(2018) 240 final da Comissão, de 24 de janeiro de 2018, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do artigo 54.o do Acordo EEE [Processo AT.40220 — Qualcomm (Pagamentos de Exclusividade)], pela qual esta declarou que a recorrente tinha abusado da sua posição dominante, de 25 de fevereiro de 2011 a 16 de setembro de 2016 (a seguir «período em causa») e lhe aplicou uma coima de 997 439 000 euros (a seguir «decisão impugnada»).

I.      Antecedentes do litígio

A.      Quanto à recorrente

2        A recorrente é uma sociedade americana criada em 1985, que tem atividade no domínio das tecnologias celulares e sem fio. Desenvolve e fornece chips e programas utilizados para as comunicações de voz e de dados. Os chips da recorrente são vendidos, e o seu programa de sistema é concedido sob licença, a empresas que os utilizam para equipar telemóveis, tablets, computadores portáteis, módulos de dados e outros bens de consumo eletrónicos. A recorrente fornece, nomeadamente, os chipsets em banda de base (a seguir «chipsets»).

3        Os chipsets permitem a ligação dos smartphones e dos tablets às redes celulares e são utilizados tanto para os serviços de voz como para a transmissão de dados. Um chipset é o resultado da conjugação de três componentes, a saber, um processador de banda de base, um circuito integrado de radiofrequência e um circuito integrado de alimentação, que normalmente estão incluídos em chips separados ou, mais raramente, no mesmo chip. Além do processador de banda de base, alguns aparelhos necessitam de um processador de aplicação, que pode estar integrado num mesmo chip com o processador de banda de base ou incluído num chip separado. Um chipset pode, assim, ser «integrado» ou «autónomo» (denominado, igualmente, «fino»), consoante integre ou não um processador de aplicação. Um chipset pode ser compatível com uma ou várias normas de comunicação celular, como as normas GSM (Global System for Mobile Communications), UMTS (Universal Mobile Telecommunications System) ou LTE (Long Term Evolution). Os chipsets são vendidos a fabricantes de equipamento de origem (a seguir «OEM»), como a Apple Inc. (Apple), a HTC Corporation (HTC), a Huawei Technologies Co. Ltd (Huawei), a LG Corp. (LG), a Samsung Group (Samsung) e a ZTE Corporation (ZTE), que os incorporam nos seus aparelhos.

4        O presente processo tem especialmente por objeto o fornecimento de chipsets conformes com a norma LTE e com as normas UMTS e GSM (a seguir «chipsets LTE») pela recorrente à Apple no período compreendido entre 2011 e 2016.

B.      Quanto ao procedimento administrativo

1.      Quanto ao processo com a recorrente

5        Em agosto de 2014, a Comissão Europeia iniciou um inquérito sobre acordos relativos à compra e utilização dos chipsets da recorrente.

6        Entre 13 de outubro de 2014 e 14 de janeiro de 2015, ao abrigo do artigo 18.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), a Comissão enviou pedidos de informações à recorrente.

7        Em 16 de julho de 2015, a Comissão deu início a um processo contra a recorrente para a adoção de uma decisão nos termos do capítulo III do Regulamento n.o 1/2003.

8        Em 8 de dezembro de 2015, a Comissão enviou à recorrente uma comunicação de acusações, à qual a recorrente respondeu em 27 de junho de 2016. Em 27 de julho de 2016, a recorrente completou essa resposta.

9        Entre 22 de novembro de 2016 e 5 de maio de 2017, a Comissão enviou novos pedidos de informações à recorrente.

10      Em 10 de fevereiro de 2017, a Comissão enviou à recorrente uma exposição dos factos, à qual a recorrente respondeu em 13 de março de 2017.

11      Em 29 de maio de 2017, a recorrente apresentou observações subsequentes sobre os elementos de prova juntos aos autos após a comunicação de acusações.

12      No decurso do procedimento administrativo, a recorrente foi recebida várias vezes pelos serviços da Comissão, algumas das quais com a equipa do economista chefe.

13      Em 24 de janeiro de 2018, a Comissão adotou a decisão impugnada.

2.      Quanto às outras empresas e partes interessadas

14      Antes de a Comissão iniciar o inquérito mencionado no n.o 5, supra, teve uma reunião com um terceiro informador que requereu o anonimato (a seguir «terceiro informador»), reunião realizada a pedido deste.

15      Entre 12 de agosto de 2014 e 23 de julho de 2015, a Comissão enviou pedidos de informações a determinados clientes e concorrentes da recorrente.

16      Antes do envio da comunicação de acusações à recorrente, a Comissão teve reuniões e conferências telefónicas com terceiros.

17      A Comissão admitiu a Apple e a Nvidia como terceiros interessados na aceção do artigo 13.o, n.o 1, do seu Regulamento (CE) n.o 773/2004, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18). A Apple é uma empresa cliente da recorrente que adquire chipsets, incluindo chipsets LTE. A Nvidia é uma empresa concorrente da recorrente que fornece determinados tipos de chipsets.

18      Em 15 de março de 2016, a Comissão facultou à Apple uma versão não confidencial da comunicação de acusações. Em 2 de maio de 2016, a Apple pronunciou‑se sobre a comunicação de acusações.

19      Em 31 de março de 2016, a Comissão facultou à Nvidia uma versão não confidencial da comunicação de acusações. Em 31 de maio de 2016, a Nvidia pronunciou‑se sobre a comunicação de acusações.

20      Em 19 de outubro de 2016, a Comissão facultou à Apple uma versão não confidencial da resposta da recorrente à comunicação de acusações. Em 21 de novembro de 2016, a Apple pronunciou‑se sobre a resposta à comunicação de acusações.

21      Entre 22 de novembro de 2016 e 5 de maio de 2017, a Comissão enviou pedidos de informações à Apple e a concorrentes da recorrente.

3.      Quanto ao acesso ao processo

22      Em 21 de dezembro de 2015, após a comunicação de acusações, a Comissão facultou à recorrente o acesso (em CD‑ROM) aos autos do processo. Na sequência dos pedidos da recorrente, a Comissão entregou‑lhe versões não confidenciais de alguns outros documentos ainda não facultados e versões não confidenciais menos expurgadas de determinados documentos que já lhe tinham sido facultados.

23      Em 23 e 24 de maio de 2016, o auditor organizou, para os consultores externos da recorrente, um procedimento de acesso a uma primeira sala de dados sobre determinados documentos. Em 1 de junho de 2016, o auditor organizou, para os consultores externos da recorrente, um procedimento de acesso a uma segunda sala de dados sobre alguns outros documentos. Em 28 e 30 de junho de 2016, os consultores externos da recorrente acederam a uma terceira sala de dados para lhes permitir fazer observações confidenciais de mérito sobre os documentos disponibilizados na primeira e na segunda sala de dados.

24      Em 13 de fevereiro de 2017, após a exposição dos factos, a Comissão concedeu à recorrente um novo acesso aos autos do processo (em CD‑ROM) relativamente aos documentos obtidos após a comunicação de acusações. Em 17 de fevereiro de 2017, o auditor organizou, para os consultores externos da recorrente, um procedimento de acesso a uma quarta sala de dados relativamente a alguns desses documentos.

25      Em 25 de janeiro de 2018, após a adoção da decisão impugnada, a recorrente pediu à Comissão que lhe fornecesse a lista das reuniões ou contactos estabelecidos com terceiros sobre o objeto do inquérito. Em 2 de março de 2018, a Comissão respondeu que foram realizadas determinadas reuniões e conferências telefónicas com terceiros e facultou as anotações correspondentes.

C.      Quanto à decisão impugnada

26      A decisão impugnada contém catorze secções, relativas, respetivamente, à introdução (secção 1), às empresas em causa (secção 2), ao procedimento (secção 3), às alegações processuais da recorrente (secção 4), aos standards (secção 5), à tecnologia e aos produtos visados (secção 6), às atividades da recorrente relacionadas com os chipsets (secção 7), aos acordos da recorrente com a Apple (secção 8), à definição do mercado (secção 9), à posição dominante (secção 10), ao abuso de posição dominante (secção 11), à competência (secção 12), aos efeitos no comércio entre os Estados‑Membros (secção 13) e às soluções e à coima (secção 14).

1.      Quanto aos acordos entre a recorrente e a Apple

27      Na secção 8 da decisão impugnada, a Comissão salientou que, em 25 de fevereiro de 2011, a recorrente tinha celebrado um acordo com a Apple (a seguir «acordo de transição») relativo à entrega de chipsets e que este acordo tinha sido alterado em 28 de fevereiro de 2013 pela celebração de um acordo posterior (a seguir «primeiro aditamento ao acordo de transição») que entrou em vigor com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2013 (a seguir, conjuntamente, «acordos em causa»).

28      A Comissão precisou que os acordos em causa previam a concessão pela recorrente de pagamentos a título de incentivo à Apple na condição de esta suprir todas as suas necessidades em fornecimento de chipsets LTE junto da recorrente (a seguir «pagamentos em causa»). A este propósito, a Comissão precisou que, para efeitos da decisão impugnada, os chipsets LTE incluíam os chipsets conformes com a norma LTE e com as normas GSM e UMTS.

29      A Comissão indicou que, de 2011 a 2015, a Apple só tinha adquirido chipsets LTE à recorrente e que a recorrente tinha pago à Apple um montante compreendido entre 2 e 3 mil milhões de dólares dos Estados Unidos (USD).

30      A Comissão acrescentou que, embora o termo dos acordos em causa tenha sido fixado em 31 de dezembro de 2016, para efeitos da decisão impugnada, os mesmos terminaram com o lançamento pela Apple, em 16 de setembro de 2016, do iPhone 7, que integrava um chipset LTE da Intel.

2.      Quanto à definição do mercado

31      Na secção 9 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que o mercado a ter em conta era o mercado livre dos chipsets LTE e que este mercado era de âmbito mundial (a seguir «mercado relevante»). Em especial, a Comissão considerou que o mercado relevante incluía os chipsets LTE autónomos e os chipsets LTE integrados, mas excluía a produção cativa desses chipsets. A este respeito, a Comissão entendeu, nomeadamente, que os chipsets LTE não podiam substituir os chipsets compatíveis com a norma GSM, nem os chipsets compatíveis com a norma UMTS (a seguir «chipsets UMTS»).

3.      Quanto à posição dominante

32      Na secção 10 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a recorrente tinha ocupado uma posição dominante no mercado relevante entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2016. Para o efeito, a Comissão indicou que a recorrente tinha beneficiado desde 2010 de grandes quotas do mercado relevante, que este mercado se caracterizava pela existência de várias barreiras à entrada e à expansão e que o poder comercial dos clientes da recorrente adquirentes dos chipsets não era suscetível de prejudicar a sua posição dominante.

4.      Quanto ao abuso de posição dominante

33      Na secção 11 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que a recorrente tinha abusado da sua posição dominante no mercado relevante ao conceder os pagamentos em causa. Para o efeito, a Comissão indicou que os pagamentos em causa eram pagamentos de exclusividade, que esses pagamentos eram suscetíveis de ter efeitos anticoncorrenciais, que a análise da margem crítica apresentada pela recorrente não afetava a sua conclusão e que a recorrente não tinha demonstrado que os referidos pagamentos eram contrabalançados ou compensados por vantagens em matéria de eficiência que beneficiavam igualmente os consumidores.

34      A Comissão indicou que o abuso da recorrente tinha ocorrido durante o período em causa.

5.      Quanto à coima

35      A Comissão considerou que devia ser aplicada uma coima à recorrente e, após o cálculo, concluiu que o seu montante devia ser fixado em 997 439 000 euros.

6.      Quanto ao dispositivo

36      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

A Qualcomm Inc. violou o artigo 102.o do Tratado [sobre o Funcionamento da União Europeia] e o artigo 54.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, ao conceder pagamentos à Apple Inc. sob condição de esta satisfazer todas as suas necessidades em fornecimento de chipsets em banda de base conformes com a norma Long Term Evolution e com as normas Global System for Mobile Communications e Universal Mobile Telecommunications System junto da Qualcomm Inc.

A infração ocorreu de 25 de fevereiro de 2011 a 16 de setembro de 2016.

Artigo 2.o

Pela prática da infração mencionada no artigo 1.o, é aplicada à Qualcomm Inc. uma coima no montante de 997 439 000 euros.

[…]

Artigo 3.o

A Qualcomm Inc. deve abster‑se de repetir os atos ou comportamentos referidos no artigo 1.o, bem como qualquer ato ou comportamento que tenha um objeto ou efeito igual ou semelhante.

Artigo 4.o

A destinatária da presente decisão é a Qualcomm Inc. […]»

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

A.      Principais elementos processuais

1.      Fase escrita do processo

37      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de abril de 2018, a recorrente interpôs o presente recurso.

38      Em 5 de junho de 2018, a Comissão requereu a prorrogação do prazo para a apresentação da contestação, tendo em conta a extensão da petição e o número de documentos anexos. Essa prorrogação foi concedida.

39      Em 14 de setembro de 2018, a Comissão apresentou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral.

40      Em 5 de outubro de 2018, a recorrente requereu a prorrogação do prazo para apresentação da réplica, tendo em conta a extensão da contestação e o número de documentos anexos. Essa prorrogação foi concedida.

41      Em 4 de janeiro de 2019, a recorrente apresentou a réplica na Secretaria do Tribunal Geral.

42      Em 12 de fevereiro de 2019, a Comissão requereu a prorrogação do prazo para a apresentação da tréplica, tendo em conta a extensão da réplica e o número de documentos anexos. Essa prorrogação foi concedida.

43      Em 8 de maio de 2019, a Comissão apresentou a tréplica na Secretaria do Tribunal Geral.

44      A fase escrita do processo foi encerrada em 20 de maio de 2019.

45      Em 7 de junho de 2019, a recorrente pediu para ser ouvida numa audiência de alegações.

2.      Pedido de intervenção da Apple

46      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de julho de 2018, a Apple pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

47      Este pedido de intervenção foi notificado às partes principais, nos termos do artigo 144.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

48      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de setembro de 2018, a Comissão indicou não ter observações sobre o pedido de intervenção da Apple.

49      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de setembro de 2018, a recorrente concluiu pedindo que o Tribunal Geral indeferisse o pedido de intervenção e condenasse a Apple nas despesas.

50      Em 16 de novembro e 14 de dezembro de 2018 e em 13 de fevereiro de 2019, a recorrente e a Comissão pediram o tratamento confidencial em relação à Apple, em caso de admissão da sua intervenção, de determinados elementos contidos nos atos processuais e respetivos anexos.

51      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de abril de 2019, a Apple informou o Tribunal Geral de que, nos termos do artigo 144.o, n.o 8, do Regulamento de Processo, retirava o seu pedido de intervenção no presente processo.

52      Em 5 de junho de 2019, a presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral ordenou a exclusão da Apple do presente processo, enquanto requerente de intervenção, e a condenação das partes no pagamento das suas próprias despesas relativas a esse pedido de intervenção.

3.      Pedido de medidas de organização do processo ou de instrução

53      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de janeiro de 2019, a recorrente pediu a adoção de uma medida de organização do processo ou de uma medida de instrução a fim de obter, por um lado, as versões completas, ou seja, «não expurgadas», de determinados documentos de terceiros e, por outro, os dois documentos com «observações confidenciais sobre o mérito» apresentados na terceira sala de dados de 28 de junho de 2016.

4.      Provas adicionais apresentadas após o encerramento da fase escrita do processo

54      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de maio de 2019, ou seja, posteriormente ao encerramento da fase escrita do processo, a Comissão apresentou, ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, prova adicional que consistia na transmissão da Sentença de 21 de maio de 2019, de 233 páginas, do United States District Court for the Northern District of California (Tribunal Federal do Distrito Norte da Califórnia, Estados Unidos; a seguir «District Court») no processo Federal Trade Commission v. Qualcomm Incorporated.

55      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de junho de 2019, a recorrente apresentou as suas observações sobre a prova adicional da Comissão.

56      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de julho de 2019, a recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, provas adicionais constituídas por um articulado de 62 páginas acompanhado de um grande número de documentos provenientes de processos tramitados nos Estados Unidos (a seguir «provas adicionais de 26 de julho de 2019»).

57      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de agosto de 2019, tendo em conta o grande número de documentos anexos à apresentação das provas adicionais de 26 de julho de 2019, a Comissão requereu a prorrogação do prazo para a apresentação de observações a este respeito. Essa prorrogação foi concedida.

58      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de outubro de 2019, a Comissão apresentou as suas observações sobre as provas adicionais de 26 de julho de 2019, constituídas por um articulado de 63 páginas acompanhado de anexos, contestando, nomeadamente, a sua admissibilidade.

59      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de maio de 2020, a recorrente apresentou as suas observações sobre as observações da Comissão de 30 de outubro de 2019. Em 3 de junho de 2020, a presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral decidiu não juntar este ato aos autos, informando a recorrente de que teria a possibilidade de apresentar os seus argumentos a esse respeito durante a fase oral do processo.

60      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de agosto de 2020, a recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, prova adicional que consistia na transmissão da Sentença de 11 de agosto de 2020, de 56 páginas, do United States Court of Appeals for the Ninth Circuit (Tribunal Federal de Recurso do Nono Circuito, Estados Unidos) no processo Federal Trade Commission v. Qualcomm Incorporated, que reverteu a decisão do District Court referida no n.o 54, supra.

61      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de setembro de 2020, a Comissão apresentou as suas observações sobre a prova adicional apresentada pela recorrente em 25 de agosto de 2020.

62      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de novembro de 2020, a recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, prova adicional que consistia na transmissão de um Despacho de 28 de outubro de 2020, de 2 páginas, do United States Court of Appeals for the Ninth Circuit (Tribunal Federal de Recurso do Nono Circuito) no processo Federal Trade Commission v. Qualcomm Incorporated, o qual indeferia um pedido de nova audição no âmbito da sentença referida no n.o 60, supra.

63      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de novembro de 2020, a Comissão apresentou as suas observações sobre a prova adicional apresentada pela recorrente em 9 de novembro de 2020.

5.      Pedidos de omissão de certos dados perante o público

64      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de maio de 2019, a recorrente pediu, ao abrigo do artigo 66.o do Regulamento de Processo, a omissão de certos dados perante o público relativamente aos atos processuais e aos respetivos anexos apresentados até à data deste pedido e posteriormente à referida data.

65      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de agosto de 2019, a recorrente pediu, ao abrigo do artigo 66.o do Regulamento de Processo, a omissão de certos dados perante o público relativamente às provas adicionais de 26 de julho de 2019.

66      Sob proposta da juíza‑relatora, o Tribunal Geral (Sexta Secção), no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou à recorrente, em 28 de maio de 2020, questões para resposta escrita, pedindo‑lhe para identificar com precisão os dados contidos em certos atos processuais e na decisão impugnada e visados pelos pedidos de omissão de certos dados perante o público, em conformidade com o ponto 75 das Disposições Práticas de Execução do Regulamento de Processo.

67      Em 15 de junho de 2020, a recorrente requereu a prorrogação do prazo para responder às questões postas pelo Tribunal Geral em 28 de maio de 2020. A prorrogação foi concedida.

68      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de junho de 2020, a Comissão enviou ao Tribunal Geral uma cópia da versão não confidencial da decisão impugnada publicada no mesmo dia no seu sítio Internet. Em 16 de junho de 2020, a presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral decidiu juntar este ato aos autos

69      Em 10 de setembro de 2020, a recorrente requereu uma nova prorrogação do prazo para responder às questões postas pelo Tribunal Geral em 28 de maio de 2020. Foi‑lhe concedida uma última prorrogação.

70      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de outubro de 2020, a recorrente respondeu à medida de organização do processo.

6.      Afetação da juízarelatora à Sexta Secção

71      Tendo sido alterada a composição das secções do Tribunal Geral, nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, a juíza‑relatora foi afeta à Sexta Secção do Tribunal Geral, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

7.      Remessa do processo a uma formação de julgamento alargada

72      Sob proposta da Sexta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em 11 de junho de 2020, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

8.      Medidas de organização do processo e diligências de instrução

73      Sob proposta da juíza‑relatora, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada), no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou, em 8 de outubro de 2020, à recorrente e à Comissão questões para resposta escrita e solicitou à Comissão a apresentação de documentos.

74      Em 12 de outubro de 2020, a Comissão requereu a prorrogação do prazo para responder às questões e aos pedidos formulados pelo Tribunal Geral em 8 de outubro de 2020. A prorrogação foi concedida à Comissão e foi fixado o mesmo prazo para a recorrente.

75      Em 19 e 20 de novembro de 2020, a Comissão e a recorrente responderam às medidas de organização do processo.

76      Sob proposta da juíza‑relatora, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada), por Despacho de 12 de outubro de 2020 e no âmbito das medidas de instrução previstas no artigo 91.o, alínea b), do Regulamento de Processo, ordenou à Comissão que apresentasse certas informações e determinados documentos.

77      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de novembro de 2020 (a seguir «ato de 19 de novembro de 2020»), a Comissão deu cumprimento ao referido despacho.

78      Ao abrigo do artigo 103.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral, por medida de organização do processo de 10 de dezembro de 2020, convidou os representantes da recorrente a assumir um compromisso adequado relativamente ao tratamento confidencial do ato de 19 de novembro de 2020 na referida fase do processo.

79      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de dezembro de 2020, os representantes da recorrente responderam à medida de organização do processo de 10 de dezembro de 2020, remetendo o compromisso de confidencialidade assinado.

80      Por Decisão de 8 de janeiro de 2021, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) decidiu que o ato de 19 de novembro de 2020 era pertinente para decidir o litígio, nos termos do artigo 103.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

81      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de janeiro de 2021, os representantes da recorrente que assumiram o compromisso de confidencialidade apresentaram as suas observações sobre o ato de 19 de novembro de 2020.

82      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de janeiro de 2021, que foi junto aos autos do presente processo por Decisão da presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral de 3 de fevereiro de 2021, os representantes da recorrente que assumiram o compromisso de confidencialidade pediram o levantamento do referido compromisso e a transmissão do ato de 19 de novembro de 2020 à recorrente. A Comissão foi convidada a apresentar as suas observações a este respeito.

83      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de fevereiro de 2021, a Comissão apresentou as suas observações sobre o ato apresentado em 21 de janeiro de 2021 pelos representantes da recorrente que assumiram o compromisso de confidencialidade.

84      Tendo em conta as observações apresentadas pela Comissão e pelos representantes da recorrente que assumiram o compromisso de confidencialidade, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada), por Despacho de 20 de abril de 2021 e no âmbito das medidas de instrução previstas no artigo 91.o, alínea b), do Regulamento de Processo, ordenou à Comissão que apresentasse uma versão não confidencial do ato de 19 de novembro de 2020.

85      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de abril de 2021, a Comissão deu cumprimento ao referido despacho.

86      A versão não confidencial do ato de 19 de novembro de 2020 foi notificada à recorrente com a indicação de que podia apresentar as suas observações sobre a mesma na audiência e, sendo caso disso, por escrito após a audiência.

87      Na audiência de 6 de maio de 2021, no âmbito da sessão à porta fechada relativa ao ato de 19 de novembro de 2020 apresentado nos termos do artigo 103.o do Regulamento de Processo e abrangida por um compromisso de confidencialidade assinado pelos representantes da recorrente, o Tribunal Geral perguntou à Comissão, tendo em conta o discutido a este respeito na audiência, se esta podia considerar levantar a confidencialidade em relação à recorrente de determinados elementos contidos nesse ato que permaneciam para ela confidenciais. Uma vez que a Comissão indicou não estar em condições de responder a esse pedido de informações na audiência, foi‑lhe fixado um prazo de duas semanas para responder por escrito.

88      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de maio de 2021, a Comissão indicou, em substância, que não podia dar resposta, naquele momento, ao referido pedido de informações e pediu para responder ao mesmo no âmbito de uma medida de instrução, nos termos do artigo 92.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. A Comissão pediu igualmente para ouvir a gravação do que foi discutido a este respeito na audiência, ao abrigo do artigo 115.o do Regulamento de Processo.

89      O presidente do Tribunal Geral autorizou a Comissão a ouvir uma parte da gravação da audiência de alegações.

90      Tendo a recorrente apresentado observações sobre o pedido de medida de instrução da Comissão, o Tribunal Geral ordenou, nos termos, por um lado, do artigo 24.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e, por outro, do artigo 91.o, alínea b), e do artigo 92.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, por Despacho de 4 de junho de 2021, que a Comissão indicasse, num prazo fixado pela Secretaria, se levantava a confidencialidade em relação à recorrente de determinados elementos contidos no ato de 19 de novembro de 2020.

91      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de junho de 2021, a Comissão deu cumprimento ao referido despacho, mantendo a falta de justificação para levantar a confidencialidade em relação à recorrente dos elementos em causa contidos no ato de 19 de novembro de 2020.

92      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de julho de 2021, os representantes da recorrente que assinaram o compromisso de confidencialidade, após terem pedido e obtido a prorrogação do prazo que lhes tinha sido concedido, apresentaram as suas observações sobre a resposta da Comissão de 11 de junho de 2021.

9.      Fase oral do processo

93      Em 18 de novembro de 2020, por decisão da presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral, as partes foram convocadas para uma audiência de alegações marcada para 2, 3 e 4 de fevereiro de 2021.

94      Nos termos do artigo 109.o do Regulamento de Processo, tendo em conta o pedido da recorrente de realização à porta fechada de qualquer audiência suscetível de fazer referência a alguns dos documentos apresentados a título de provas adicionais de 26 de julho de 2019, o Tribunal Geral decidiu ouvir as partes sobre a realização de uma parte da audiência à porta fechada.

95      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de dezembro de 2020, completada em 18 de dezembro de 2020, a recorrente requereu o adiamento da audiência devido, por um lado, à situação sanitária e, por outro, a um pedido apresentado nos Estados Unidos para o levantamento da confidencialidade de determinadas provas adicionais de 26 de julho de 2019.

96      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de dezembro de 2020, a Comissão indicou, por um lado, que a realização de uma parte da audiência à porta fechada podia justificar‑se para algumas das provas adicionais de 26 de julho de 2019 e, por outro, apresentou observações relativamente à organização da audiência.

97      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de dezembro de 2020, a recorrente requereu, por um lado, a realização da audiência à porta fechada para algumas das provas adicionais de 26 de julho de 2019 e, por outro, indicou que este pedido podia tornar‑se inútil em função do resultado do pedido de levantamento da confidencialidade apresentado nos Estados Unidos.

98      Em 22 de dezembro de 2020, a presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral deferiu o adiamento da audiência.

99      Em 29 de janeiro de 2021, por decisão da presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral, as partes foram convocadas para uma audiência de alegações marcada para 4, 5 e 6 de maio de 2021.

100    Em 22 de março de 2021, a Comissão apresentou propostas relativas à organização da audiência.

101    Em 26 de março de 2021, a recorrente apresentou um segundo pedido de adiamento da audiência.

102    Em 29 de março de 2021, a recorrente apresentou observações sobre as propostas da Comissão relativas à organização da audiência.

103    Em 31 de março de 2021, a presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral indeferiu o segundo pedido de adiamento da audiência.

104    Em 9 de abril de 2021, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) decidiu convocar as partes para uma reunião informal sobre a organização da audiência.

105    Em 14 de abril de 2021, a recorrente apresentou um pedido de participação dos seus funcionários na audiência por videoconferência.

106    A reunião informal realizou‑se em 15 de abril de 2021.

107    Em 16 de abril de 2021, por um lado, a presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral decidiu recusar a participação dos funcionários da recorrente na audiência por videoconferência e, por outro, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) decidiu realizar uma parte da audiência à porta fechada.

108    Em 16 de abril de 2021, a recorrente apresentou um terceiro pedido de adiamento da audiência.

109    Em 19 de abril de 2021, a presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral indeferiu o terceiro pedido de adiamento da audiência.

110    Em 21 de abril de 2021, a recorrente apresentou um pedido de utilização de meios técnicos na audiência.

111    Em 22 de abril de 2021, a presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral decidiu autorizar a utilização de meios técnicos na audiência.

112    Por carta de 28 de abril de 2021, junta aos autos do presente processo por Decisão da presidente da Sexta Secção alargada do Tribunal Geral de 29 de abril de 2021, a Comissão apresentou na Secretaria do Tribunal Geral uma carta relativa à extensão da audiência à porta fechada e que refletia a posição comum das partes.

113    Por carta de 3 de maio de 2021, a recorrente confirmou a posição comum das partes sobre a extensão da audiência à porta fechada e forneceu ao Tribunal Geral uma lista das provas adicionais de 26 de julho de 2019 cuja confidencialidade tinha sido total ou parcialmente levantada.

114    A audiência de alegações realizou‑se em 4, 5 e 6 de maio de 2021.

115    A fase oral do processo foi encerrada em 17 de setembro de 2021.

B.      Pedidos das partes

116    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular ou reduzir substancialmente o montante da coima aplicada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

117    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

118    Em apoio do recurso, a recorrente invoca sete fundamentos:

–        o primeiro fundamento é relativo a erros processuais manifestos;

–        o segundo fundamento é relativo a erros manifestos de apreciação, a falta de fundamentação e a desvirtuação dos elementos de prova no que respeita aos ganhos de eficiência;

–        o terceiro fundamento é relativo a erros manifestos de direito e de apreciação no que respeita aos efeitos anticoncorrenciais;

–        o quarto fundamento é relativo a erros manifestos de apreciação no que respeita à definição do mercado relevante e à existência de uma posição dominante;

–        o quinto fundamento é relativo a erros manifestos de direito e de apreciação e a falta de fundamentação no que respeita à duração da alegada violação;

–        o sexto fundamento é relativo a erros manifestos de apreciação no que respeita à aplicação das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2) e a violação do princípio da proporcionalidade;

–        o sétimo fundamento é relativo a erros manifestos de apreciação no que respeita à competência da Comissão e aos efeitos sobre as trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

119    No interesse de uma boa administração da justiça, há que examinar o primeiro e terceiro fundamento do recurso.

120    A título preliminar, há que examinar a admissibilidade, contestada pela Comissão, das provas adicionais de 26 de julho de 2019.

A.      Quanto à admissibilidade das provas adicionais de 26 de julho de 2019

121    A título preliminar, há que salientar que as provas adicionais de 26 de julho de 2019 consistem, por um lado, na sua esmagadora maioria, num conjunto de documentos entregues pela Apple à recorrente entre fevereiro e junho de 2019, na sequência de um processo instaurado por esta última em 20 de agosto de 2018 contra a Apple no District Court, ao abrigo da secção 1782 do título 28 do Código dos Estados Unidos, intitulada «Auxílio aos órgãos jurisdicionais estrangeiros e internacionais e às partes em litígio perante eles» (a seguir «processo 1782») e, por outro, numa pequena parte, num conjunto de documentos provenientes do processo instaurado pela Federal Trade Commission (Agência Federal da Concorrência, Estados Unidos) contra a recorrente no District Court e que resultou, no âmbito de um processo público que teve início em 4 de janeiro de 2019, na adoção do Acórdão de 21 de maio de 2019 referido no n.o 54, supra (a seguir «processo FTC»). Por outro lado, as referidas provas adicionais incluem igualmente, de forma marginal, alguns artigos de imprensa.

122    Ainda a título preliminar, importa igualmente recordar que, antes da audiência de alegações, a recorrente transmitiu ao Tribunal Geral uma lista dos documentos apresentados a título de provas adicionais de 26 de julho de 2019, provenientes do processo 1782, cuja confidencialidade tinha sido total ou parcialmente levantada (v. n.o 113, supra) e que, durante a parte pública da audiência de alegações, a recorrente fez referência a alguns dos referidos documentos e à existência do processo 1782.

123    A recorrente indica que nem ela nem os seus advogados europeus dispunham desses documentos aquando da apresentação da petição ou da réplica e que apresentou, logo que foi possível, o articulado com as provas adicionais de 26 de julho de 2019. Por um lado, no que respeita aos documentos provenientes do processo 1782, a recorrente refere que, na sequência de um despacho de fevereiro de 2019, a Apple lhe transmitiu 2 300 documentos entre 23 de fevereiro e 24 de junho de 2019 através de nove envios distintos e que os seus advogados examinaram esses documentos e identificaram os documentos a apresentar no Tribunal Geral. Por outro lado, no que respeita aos documentos provenientes do processo FTC, a recorrente explica que um despacho cautelar proibia aos seus advogados americanos a transmissão dos documentos em causa aos seus advogados europeus.

124    A Comissão retorque que as provas adicionais de 26 de julho de 2019 são inadmissíveis. Primeiro, alega que determinados documentos são anteriores à petição, como alguns artigos de imprensa, mensagens de correio eletrónico trocadas entre a recorrente e a Apple e apresentações da recorrente. Segundo, a Comissão salienta que a recorrente não explicou a razão pela qual, por um lado, não pediu os documentos no District Court antes de 20 de agosto de 2018, designadamente antes ou logo após a adoção da decisão impugnada e, por outro, não informou o Tribunal Geral desse pedido ou do seu estado na réplica. Terceiro, a Comissão alega que a recorrente não explicou por que razão não pediu mais cedo à Apple a autorização para a utilização das provas resultantes do processo FTC, especialmente antes do julgamento realizado em janeiro de 2019. Quarto, a Comissão indica que o artigo 92.o, n.o 7, do Regulamento de Processo é referente às provas apresentadas em resposta a medidas de instrução e não permite que uma parte principal apresente, por sua iniciativa e sem justificação válida, provas adicionais. Quinto, a Comissão alega que a recorrente se limita a fazer referência a algumas provas adicionais sem dar explicações sobre as questões abordadas ou mostrar de que forma essas provas sustentam os seus argumentos.

125    Em primeiro lugar, há que recordar que a recorrente, em apoio da produção de provas adicionais de 26 de julho de 2019, por um lado, se baseia no artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo e, por outro, indica que essa produção é feita à luz do artigo 92.o, n.o 7, do mesmo regulamento.

126    A Comissão objeta que os requisitos exigidos pela primeira disposição não estão preenchidos e que a segunda disposição é, em substância, desprovida de pertinência.

127    Por um lado, há que recordar que, nos termos do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, «[a] título excecional, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas antes do encerramento da fase oral ou antes da decisão do Tribunal de decidir sem fase oral, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado». Em especial, esta possibilidade constitui uma exceção à regra geral retomada no n.o 1 do mesmo artigo, segundo o qual as provas e os oferecimentos de prova são apresentados na primeira troca de articulados.

128    Decorre da redação da referida disposição que, para invocar essa possibilidade, o atraso na produção das provas deve ser justificado por circunstâncias excecionais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2019, HX/Conselho, C‑540/18 P, não publicado, EU:C:2019:707, n.o 67).

129    Assim, o Tribunal Geral só admite a prova oferecida após a tréplica em circunstâncias excecionais, isto é, quando a parte não pode dispor da prova que oferece antes do encerramento da fase escrita do processo (v. Acórdão de 12 de setembro de 2019, Achemos Grupė e Achema/Comissão, T‑417/16, não publicado, EU:T:2019:597, n.o 37 e jurisprudência referida). O caráter excecional dessa produção implica que uma produção anterior fosse impossível ou não pudesse razoavelmente ser exigida (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, TestBioTech e o./Comissão, T‑177/13, não publicado, EU:T:2016:736, n.o 251).

130    Por outro lado, a este respeito, há que recordar que a exceção prevista no artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo se diferencia da prevista no n.o 2 do mesmo artigo, que permite às partes principais apresentar provas na réplica ou na tréplica em apoio da sua argumentação, desde que o atraso seja justificado, uma vez que esta última exceção não exige que haja circunstâncias excecionais.

131    Por outro lado, deve observar‑se que, relativamente às medidas de instrução, nos termos do artigo 92.o, n.o 7, do Regulamento de Processo, «[a] admissão da contraprova e da ampliação das provas depende de decisão do Tribunal».

132    No caso em apreço, a recorrente não se baseia, enquanto tal, nesta última disposição, mas invoca‑a na medida em que a jurisprudência considera que o artigo 85.o do Regulamento de Processo deve ser interpretado à luz do artigo 92.o, n.o 7, do mesmo regulamento, que prevê que a admissão da contraprova e da ampliação das provas depende de decisão do Tribunal Geral [Acórdãos de 22 de junho de 2017, Biogena Naturprodukte/EUIPO (ZUM wohl), T‑236/16, EU:T:2017:416, n.o 17, e de 9 de setembro de 2020, Grécia/Comissão, T‑46/19, não publicado, EU:T:2020:396, n.o 30].

133    No caso vertente, conforme resulta do articulado de junção das provas adicionais de 26 de julho de 2019, estas provas foram apresentadas em apoio do primeiro, segundo, terceiro e quarto fundamento do recurso. Embora a recorrente indique, de forma geral, que essas provas eram apresentadas em ampliação da prova produzida em apoio dos argumentos desenvolvidos na petição inicial e na réplica e para refutar os argumentos da Comissão desenvolvidos na decisão impugnada, na contestação e na tréplica, é forçoso constatar que as referidas provas não são especificamente provas contrárias que visam refutar as provas apresentadas pela Comissão, nem provas destinadas à ampliação da prova, mas são provas novas que visam sustentar alguns fundamentos do recurso.

134    Importa, portanto, examinar se, no caso em apreço, a apresentação das provas adicionais de 26 de julho de 2019 era justificada por circunstâncias excecionais, nos termos do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

135    A este respeito, em segundo lugar, há que examinar as objeções da Comissão destinadas a demonstrar que as exigências impostas pelo artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo não estavam preenchidas.

136    Primeiro, no que respeita aos documentos provenientes do processo 1782, a título preliminar, importa salientar que estes documentos fazem parte de um conjunto de documentos transmitidos pela Apple à recorrente entre 23 de fevereiro e 24 de junho de 2019 na sequência do processo 1782. Por outras palavras, é ponto assente que a recorrente recebeu os referidos documentos, através de vários envios, após a apresentação da réplica em 4 de janeiro de 2019. Por conseguinte, não se pode deixar de observar que a recorrente não dispunha dos documentos em causa quando deu entrada dos seus articulados principais, não podendo, assim, apresentá‑los no âmbito destes articulados, mas que só os obteve no termo do processo 1782.

137    Por um lado, a Comissão objeta, no entanto, que a recorrente não explicou por que razão não tinha instaurado mais cedo o processo 1782 contra a Apple no District Court.

138    Ora, a objeção da Comissão é irrelevante para apreciar a existência de circunstâncias excecionais, na aceção do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. Com efeito, a questão que se coloca a este respeito é a de saber se as provas em causa estavam ou não disponíveis na fase da apresentação da petição ou da réplica (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Haeberlen/ENISA, T‑632/16, não publicado, EU:T:2018:957, n.os 184 e 185) e não a de saber, de forma conjetural, se a recorrente podia ter efetuado diligências que, hipoteticamente, que poderiam ter permitido dispor dessas provas mais cedo.

139    Em todo o caso, há que constatar que a referida objeção assenta em premissas erradas.

140    Com efeito, o processo 1782 instaurado pela recorrente contra a Apple no District Court destinava‑se a recolher elementos de prova para refutar determinadas conclusões obtidas pela Comissão na decisão impugnada na perspetiva do presente processo judicial. A recorrente não estava, portanto, em condições de intentar o processo 1782 antes da adoção da decisão impugnada e não tinha aliás — mesmo admitindo que tal fosse possível — nenhuma obrigação de proceder nesse sentido de forma preventiva e especulativa na perspetiva de um eventual contencioso antes mesmo de referida decisão ter sido tomada.

141    Não se pode, portanto, criticar a recorrente por não ter instaurado o processo em causa antes da adoção da decisão impugnada.

142    Além disso, na medida em que a Comissão invoca o facto de a recorrente ter tido a possibilidade de instaurar o referido processo «nos dias e semanas seguintes à adoção da Decisão de 24 de janeiro de 2018», há que observar que esse argumento é igualmente especulativo e, ademais, traduz‑se na imposição, a cargo da recorrente, de uma obrigação irrazoável e até mesmo impossível de satisfazer. Com efeito, justifica‑se, pelo contrário, que a recorrente tenha, na sequência da adoção da decisão impugnada, preparado e intentado, primeiro, o presente recurso em 6 de abril de 2018 e, depois, atendendo ao teor da decisão impugnada e do referido recurso, instaurado o processo 1782 para obter outros eventuais elementos de prova em apoio do seu recurso. A abordagem da Comissão ignora igualmente o inevitável tempo de coordenação entre a recorrente, os seus representantes europeus e os seus representantes americanos para a instauração do processo 1782 nos Estados Unidos para efeitos do presente processo. Além disso, uma vez que, na sequência do processo 1782, a recorrente recebeu os documentos da Apple durante um período de seis a dez meses após o início do referido processo, mesmo admitindo que, como alega a Comissão, teria sido possível instaurar esse processo quando preparava a sua petição (entre os meses de fevereiro e março de 2018), a recorrente não receberia, verosimilmente, todos os documentos a tempo de os examinar e apresentar com a petição em 6 de abril de 2018 ou com a réplica em 4 de janeiro de 2019.

143    Por outro lado, a Comissão objeta que a recorrente não informou o Tribunal Geral da existência e do estado da ação instaurada no District Court, designadamente, na réplica. Ora, esta objeção da Comissão também incide sobre elementos desprovidos de pertinência, na medida em que o artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo não exige a informação prévia do Tribunal Geral.

144    Segundo, no que respeita à totalidade dos documentos provenientes do processo FTC, a título preliminar, importa salientar que estes documentos fazem parte dos autos do processo FTC no District Court e que, antes do início do julgamento público em janeiro de 2019 no District Court, o conhecimento e o uso dos referidos documentos estavam limitados por um Despacho cautelar de 24 de outubro de 2017.

145    Estes elementos são pacíficos entre as partes e é também pacífico que, à data da apresentação da réplica, em 4 de janeiro de 2019, a recorrente não dispunha livremente dos referidos documentos, uma vez que, por um lado, o conhecimento e o uso dos mesmos estavam circunscritos a um número limitado de advogados americanos e de juristas internos da recorrente, sem que essas pessoas pudessem transmiti‑los aos advogados europeus da recorrente, nem usá‑los para efeitos do procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada ou do presente processo judicial, e que, por outro, o julgamento público no District Court que tornou esses documentos públicos se realizou de 4 a 29 de janeiro de 2019.

146    No entanto, a Comissão alega que a recorrente, ao abrigo de certas disposições do Despacho cautelar de 24 de outubro de 2017, sem esperar pelo início do julgamento público que se realizou em janeiro de 2019, poderia ter pedido à Apple uma autorização que lhe permitisse utilizar esses documentos mais cedo no âmbito do presente processo.

147    Ora, esta objeção da Comissão também não pode ser acolhida, dado que assenta em puras conjeturas que não podem servir de base à fiscalização jurisdicional do Tribunal Geral. Com efeito, como sublinha a própria Comissão, admitindo que os advogados americanos e os juristas internos da recorrente com acesso aos referidos documentos tivessem condições para apreciar a utilidade dos mesmos no presente processo, qualquer utilização para o efeito necessitava da obtenção do consentimento prévio da Apple. Nada demonstra, nas circunstâncias do presente processo, a realização destas duas eventualidades.

148    Em todo o caso, importa salientar que, conforme referido do n.o 138, supra, a questão que se põe é a de saber se as provas em causa estavam disponíveis na fase da apresentação da petição ou da réplica. Ora, tendo em conta os elementos recordados no n.o 145, supra, tal não era o caso, uma vez que a recorrente apresentou a réplica em 4 de janeiro de 2019, isto é, no próprio dia do termo do prazo prorrogado para a apresentação deste ato, e que o julgamento público no âmbito do processo FTC, que tornou os documentos em causa públicos, começou nesse mesmo dia 4 de janeiro. Por conseguinte, é forçoso constatar que a recorrente não podia apresentar os documentos em causa aquando da apresentação da réplica.

149    Por outro lado, não se pode considerar que, nas circunstâncias do presente processo, a recorrente atrasou indevidamente a apresentação no Tribunal Geral dos documentos provenientes do processo FTC. Com efeito, uma vez que, em janeiro de 2019, o processo 1782 ainda estava a correr e que a recorrente recebeu os respetivos documentos entre fim de fevereiro e fim de junho de 2019, justificava‑se que examinasse e, depois, apresentasse conjuntamente em julho de 2019 os documentos pertinentes provenientes dos dois processos.

150    Terceiro, no que respeita aos documentos mencionados pela Comissão que, provenientes do processo 1782 ou do processo FTC, estavam à disposição da recorrente antes da apresentação da petição no presente processo, a saber, mensagens de correio eletrónico trocadas entre a recorrente e a Apple e apresentações da recorrente, importa salientar que é certo que a recorrente dispunha dos referidos documentos considerados individualmente. Todavia, estes documentos fazem parte do conjunto de documentos transmitidos pela Apple à recorrente na sequência do processo 1782 ou do conjunto de documentos que constituíam os autos do processo FTC no âmbito da audiência pública de janeiro de 2019, de modo que não podem ser tidos em conta de forma isolada em relação aos outros documentos constitutivos desses conjuntos. Assim, a recorrente e os seus advogados não podiam necessariamente apreciar a sua pertinência no âmbito do presente processo independentemente dos outros documentos constitutivos dos referidos conjuntos. Por outras palavras, atendendo à sua origem, as provas adicionais de 26 de julho de 2019 não poderiam ser artificialmente segmentadas, devendo ser apreciadas, na medida em que são provenientes do processo 1782 ou do processo FTC, na sua globalidade para efeitos de admissibilidade.

151    Quarto, o mesmo se aplica aos três artigos de imprensa incluídos nas provas adicionais de 26 de julho de 2019 que foram publicados antes da apresentação da petição, uma vez que a sua apresentação tardia se justifica pela apresentação das outras provas adicionais que estes visam apoiar em notas de rodapé do articulado que juntou as referidas provas.

152    Quinto, no que respeita à alegação geral da Comissão de que, no articulado de junção das provas adicionais de 26 de julho de 2019, a recorrente se limita a fazer simples referências às referidas provas sem fornecer explicações, esta circunstância não é pertinente no âmbito da apreciação exigida pelo artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, mas enquadra‑se, se for o caso, na inteligibilidade dessas provas no âmbito do exame do mérito dos fundamentos do recurso.

153    À luz de tudo o que precede, nas circunstâncias do presente processo, há que concluir que a apresentação, no seu conjunto, das provas adicionais de 26 de julho de 2019 após o termo da fase escrita do processo é justificada por circunstâncias excecionais e que estas provas devem, portanto, ser admitidas ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

B.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros processuais manifestos

154    O primeiro fundamento divide‑se em quatro partes. A primeira é relativa à violação dos direitos de defesa, na medida em que a recorrente foi privada da possibilidade de formular observações sobres aspetos importantes da decisão impugnada. A segunda é relativa à violação do princípio da boa administração, na medida em que a Comissão não conduziu um inquérito aprofundado, objetivo e diligente. A terceira é relativa à violação dos direitos de defesa, na medida em que a Comissão não divulgou à recorrente elementos de prova úteis à sua defesa. A quarta é relativa à violação do dever de fundamentação e do princípio da boa administração, na medida em que a Comissão fez uma apreciação inexata, parcial e incompleta dos factos.

155    Há que examinar a primeira e terceira parte, relativas à violação dos direitos de defesa.

1.      Observações preliminares

156    Os direitos de defesa são direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal Geral e pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 52).

157    O respeito pelos direitos de defesa constitui um princípio geral do direito da União Europeia que se aplica quando a administração se propõe adotar em relação a uma pessoa um ato que lhe causa prejuízo (Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service, C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.o 28).

158    Este princípio geral do direito da União está consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 105).

159    No contexto do direito da concorrência, o respeito dos direitos de defesa implica que qualquer destinatário de uma decisão que declare que este cometeu uma infração aos direitos da concorrência deve ter podido, ao longo do procedimento administrativo, dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias que lhe são imputados, bem como sobre os documentos que a Comissão teve em conta em apoio da sua alegação da existência dessa infração (Acórdãos de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 53, e de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 106).

160    Segundo jurisprudência assente, verifica‑se uma violação do direito da defesa quando existe uma possibilidade de, devido a uma irregularidade processual cometida pela Comissão, o procedimento administrativo por ela iniciado ter podido chegar a um resultado diferente. Uma empresa recorrente demonstra que ocorreu uma violação desse tipo quando apresenta prova bastante, não de que a decisão da Comissão teria um conteúdo diferente mas sim de que poderia ter garantido melhor a sua defesa se a irregularidade processual não tivesse existido (Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, EU:C:2003:527, n.o 31, e de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑827/14, EU:T:2018:930, n.o 129).

161    Essa apreciação deve ser efetuada em função das circunstâncias de facto e de direito específicas de cada caso concreto (Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 107).

2.      Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa à violação dos direitos de defesa, na medida em que tem por objeto a inexistência de notas e de informações sobre as reuniões e as conferências telefónicas com terceiros

162    A terceira parte baseia‑se em duas alegações. A primeira é relativa à incapacidade da Comissão de facultar à recorrente um acesso suficiente aos autos do processo. A segunda é relativa à inexistência, nos autos do processo, de notas e de informações sobre o conteúdo das reuniões e das conferências telefónicas que a Comissão teve com terceiros.

163    Há que examinar a segunda alegação.

164    A recorrente alega que a Comissão tem de tomar notas das suas reuniões formais ou informais com terceiros e deve comunicar essas notas às partes objeto do inquérito. No caso vertente, a Comissão não forneceu à recorrente nenhuma nota das suas reuniões com terceiros. Após a adoção da decisão impugnada, a pedido da recorrente, a Comissão indicou à recorrente que tinham sido realizadas reuniões e conferências telefónicas com terceiros e transmitiu‑lhe notas desprovidas de qualquer sentido. Ora, notas mais completas teriam auxiliado a defesa da recorrente em vários pontos. Além disso, a Comissão recusou indicar se teve um encontro com um determinado terceiro durante o inquérito, quando era útil para a defesa da recorrente saber se ocorreram tais reuniões e quais os assuntos abordados.

165    A recorrente acrescenta que o Regulamento n.o 1/2003 não estabelece uma distinção entre as audições e outros tipos de reuniões ou conferências telefónicas. A Comissão não pode determinar, numa reunião ou conferência telefónica, o que é ilibatório ou não, mas cabe à empresa arguida decidir se determinados elementos do processo podem ser úteis à sua defesa. No caso em apreço, as notas transmitidas pela Comissão à recorrente não são adequadas, uma vez que não contêm nenhuma informação útil sobre o teor das discussões ou sobre a natureza das informações acerca dos temas evocados, mas expressões idênticas e incertas. A recorrente contesta que tenha podido determinar as informações trocadas na reunião e nas conferências telefónicas em causa com base nas respostas dos terceiros aos pedidos de informações, uma vez que as notas não fazem referência a essas respostas, e vice‑versa. A recorrente sublinha que não cabe à Comissão determinar se um terceiro fornece ou não informações ilibatórias, dado que a Comissão tem a obrigação de tomar notas e de lhas comunicar.

166    Primeiro, após ter indicado que tomou notas adequadas das reuniões e conferências telefónicas com terceiros, a Comissão retorque que não tem nenhuma obrigação geral de tomar notas durante as reuniões ou conferências telefónicas com terceiros, uma vez que as suas obrigações são mais limitadas. Por um lado, a Comissão tem a obrigação de tomar «notas integrais» das reuniões ou conferências telefónicas que constituem audições, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, quando têm por objeto a recolha de informações sobre um inquérito, não tendo todavia a recorrente alegado no caso vertente que as reuniões ou as conferências telefónicas com terceiros eram «audições». Por outro, a Comissão só tem a obrigação de tomar «notas sucintas» das reuniões ou conferências telefónicas que não têm por objeto a recolha de informações sobre um inquérito quando os terceiros fornecem elementos acusatórios que pretende usar ou elementos ilibatórios que podem ser invocados pela empresa. Segundo, a Comissão alega que tomou devidamente «notas sucintas» das reuniões e das conferências telefónicas em causa. Indica que, no caso vertente, na sequência do pedido da recorrente, verificou que não lhe transmitiu, inadvertidamente, as notas de uma reunião e de três conferências telefónicas com terceiros, mas que lhe forneceu, posteriormente, essas notas com a indicação das empresas, hora e temas abordados. Do mesmo modo, a Comissão especifica que a decisão impugnada não se baseia em eventuais elementos de acusação comunicados pelos terceiros durante essas reuniões e conferências telefónicas. Terceiro, a Comissão sustenta que a recorrente não demonstrou por que seria útil para a sua defesa saber se se tinha encontrado com um determinado terceiro, na medida em que a decisão se baseia em elementos fornecidos pela Apple, e que seria difícil imaginar a recorrente afirmar que o terceiro em causa podia fornecer elementos ilibatórios.

167    A Comissão acrescenta que a recorrente não tem em conta o facto de o terceiro que teve com ela uma reunião não ter fornecido elementos ilibatórios e de os terceiros com quem teve conferências telefónicas terem indicado não ter discutido questões que não constam das informações fornecidas nas suas respostas aos pedidos de informações. Com efeito, segundo a Comissão, é plausível que determinadas informações fornecidas nas referidas conferências telefónicas já tenham constado das respostas aos pedidos de informações, como é plausível que as informações fornecidas posteriormente nas respostas aos pedidos de informações reflitam o teor das conferências telefónicas, o que é lógico. A Comissão sustenta que o argumento da recorrente de que a reunião e as conferências telefónicas em causa são audições, na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, é extemporâneo e inadmissível. Além disso, a Comissão refere que a recorrente não explica por que razão as informações sobre as reuniões com um terceiro seriam importantes.

168    Desde logo, no caso em apreço, é pacífico que, durante o procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada, a Comissão não transmitiu à recorrente nenhuma informação sobre a existência nem sobre o conteúdo das reuniões e das conferências telefónicas que teve com terceiros.

169    No entanto, a Comissão forneceu à recorrente determinadas informações sobre sete reuniões ou conferências telefónicas com terceiros após a adoção da decisão impugnada. Mais precisamente, foram fornecidas informações sobre quatro delas, a pedido da recorrente, antes da interposição do presente recurso, ao passo que foram fornecidas informações sobre as outras três no decurso do presente processo, quer em resposta aos argumentos da recorrente baseados nas provas adicionais de 26 de julho de 2019, quer em resposta às medidas de instrução ordenadas pelo Tribunal Geral em 12 de outubro de 2020.

170    Importa, portanto, examinar se, nestas circunstâncias, a Comissão violou os direitos de defesa da recorrente.

a)      Quanto à reunião e às conferências telefónicas com terceiros relativamente às quais foram comunicadas informações à recorrente antes da interposição do presente recurso

1)      Recapitulação dos elementos contextuais

171    Resulta dos elementos juntos aos autos que, após a receção da decisão impugnada, a recorrente pediu à Comissão, em 25 de janeiro de 2018, que a informasse da existência de reuniões ou de audições desta com terceiros, as quais não lhe tenham sido comunicadas. Em 2 de março de 2018, a Comissão informou a recorrente, por mensagem de correio eletrónico, que verificou que não a tinha informado por inadvertência de «qualquer reunião ou [qualquer] audição» realizada «no âmbito do processo AT.40220». A este respeito, a Comissão precisou à recorrente que não a tinha informado por inadvertência da existência de uma reunião e de três conferências telefónicas com terceiros. Na mesma mensagem de correio eletrónico, a Comissão transmitiu à recorrente documentos que incluíam as notas dessa reunião e das conferências telefónicas, bem como uma apresentação efetuada na referida reunião.

172    Mais precisamente, a Comissão referiu uma reunião com [confidencial] (1) em [confidencial], uma conferência telefónica com [confidencial] em [confidencial] e duas conferências telefónicas em [confidencial], uma com [confidencial] e outra com [confidencial].

173    A este respeito, por um lado, deve salientar‑se que a reunião e as conferências telefónicas ocorreram antes da comunicação de acusações e após o envio dos primeiros pedidos de informações referidos nos n.os 6 e 15, supra. É aliás ponto assente que a reunião e as conferências telefónicas se realizaram, como indicou a Comissão, «no âmbito do processo AT.40220». Por outro lado, como decorre da decisão impugnada, esses terceiros são dois concorrentes e dois clientes da recorrente, que também responderam a alguns dos referidos pedidos de informações.

174    [confidencial] é um concorrente da recorrente. Conforme resulta da decisão impugnada, este concorrente [confidencial]. Além disso, de acordo com a decisão impugnada, [confidencial].

175    [confidencial] é um concorrente da recorrente. Como decorre da decisão impugnada, é, com [confidencial], um dos [confidencial] concorrentes que [confidencial].

176    Por outro lado, [confidencial] e [confidencial] são [confidencial].

177    [confidencial] é um OEM que se abastece em chipsets LTE e [confidencial].

178    [confidencial] é um OEM que se abastece em chipsets LTE [confidencial].

2)      Quanto à existência de uma irregularidade processual

179    A recorrente alega, em substância, que a Comissão não cumpriu as suas obrigações de tomar notas da referida reunião e conferências telefónicas e de lhas comunicar. Em especial, a recorrente sublinha que as notas que a Comissão lhe transmitiu após a adoção da decisão impugnada não são adequadas e são desprovidas de sentido.

180    A Comissão alega, a título preliminar, que a recorrente não sustentou na petição que a reunião e as conferências telefónicas em causa constituíam «audições», na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e que, consequentemente, o argumento relativo à violação da referida disposição aduzido na réplica é inadmissível. De qualquer modo, a Comissão alega, em substância, que a reunião e as conferências telefónicas em causa não eram audições, na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, uma vez que não visavam recolher informações sobre o objeto de um inquérito. Não tinha, portanto, a obrigação de tomar notas integrais da reunião e das conferências telefónicas, mas apenas notas sucintas na medida em que os terceiros fornecessem elementos de acusação que a Comissão pretendesse usar ou elementos ilibatórios que pudessem ser invocados pela empresa.

181    No que respeita à admissibilidade do argumento da recorrente, é exato que esta não invocou expressamente na petição o artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003. Todavia, alegou expressamente que a Comissão tinha violado a obrigação de conservar notas, ou de tomar notas adequadas, da referida reunião e conferências telefónicas e baseou‑se, para o efeito, no n.o 91 do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), que diz precisamente respeito às obrigações decorrentes do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003. Por conseguinte, o argumento aduzido pela recorrente na petição destinava‑se claramente a alegar a violação pela Comissão das obrigações decorrentes da referida disposição e da respetiva jurisprudência. A exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão deve, portanto, ser julgada improcedente.

182    No que respeita ao mérito do argumento da recorrente, é necessário recordar que o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 constitui uma base jurídica que habilita a Comissão a proceder à audição de uma pessoa singular ou coletiva no âmbito de um inquérito (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 86).

183    Decorre da própria letra do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 que este último é aplicável a qualquer audição que vise a recolha de informações sobre o objeto de um inquérito. Nenhum elemento literal ou teleológico desta disposição permite inferir que o legislador tenha querido excluir do âmbito de aplicação da referida disposição alguma dessas audições (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 84 e 87).

184    Com efeito, como resulta dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 1/2003, a referida base jurídica visa o simples facto de ouvir uma pessoa singular ou coletiva para recolher informações [v. proposta de regulamento do Conselho relativo à execução das regras de concorrência aplicáveis às empresas previstas nos artigos 81.o e 82.o [CE] e que altera os Regulamentos (CEE) n.o 1017/68 (CEE) n.o 2988/74 (CEE) n.o 4056/86 e (CEE) n.o 3975/87 [COM(2000) 582 final, JO 2000, C 365 E, p. 284]].

185    Por conseguinte, a circunstância de as audições que a Comissão teve com terceiros terem tomado a forma de reuniões ou de conferências telefónicas não é suscetível de as excluir do âmbito de aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, uma vez que visam recolher informações sobre o objeto de um inquérito.

186    No caso em apreço, contrariamente ao que sugere a Comissão, um conjunto de elementos concordantes demonstra que a reunião e as conferências telefónicas em causa se destinavam a recolher informações sobre o objeto do inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada.

187    Por um lado, de um ponto de vista formal, a reunião e as conferências telefónicas em causa realizaram‑se depois de a Comissão ter iniciado o inquérito em agosto de 2014 (considerando 8 da decisão impugnada) e, nomeadamente, após o envio dos primeiros pedidos de informações referidos nos n.os 6 e 15, supra. Por outro lado, as notas redigidas pela Comissão têm todas aposta a referência do procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada, a saber «AT.40220». Além disso, as interações que a Comissão teve com a recorrente quando lhe transmitiu as referidas notas (n.o 171, supra) têm a indicação desta mesma referência e referem‑se expressamente às «reuniões ou audições realizadas no âmbito do processo AT.40220».

188    Por outro lado, de um ponto de vista material, as referidas notas indicam todas que a reunião e as conferências telefónicas em causa tinham por objeto o mercado dos chipsets, a posição da recorrente neste mercado ou determinadas práticas comerciais da recorrente nesse mercado. Mais precisamente, a nota da reunião com [confidencial] de [confidencial] refere que esta incidiu sobre o mercado dos chipsets e sobre a posição da recorrente neste mercado; a nota da conferência telefónica com [confidencial] de [confidencial] indica que esta versou sobre certas práticas comerciais da recorrente no setor dos chipsets e que nenhuma prova concreta foi fornecida durante a conferência telefónica; a nota da conferência telefónica com [confidencial] de [confidencial] indica que a mesma incidiu sobre o mercado dos chipsets e sobre determinadas práticas comerciais da recorrente; e a nota da conferência telefónica com [confidencial] de [confidencial] refere que esta versou sobre o mercado dos chipsets.

189    Uma vez que a reunião com [confidencial] e as conferências telefónicas com [confidencial], [confidencial] e [confidencial] se destinavam a recolher informações sobre o objeto do inquérito, no que respeita ao mercado relevante, à posição da recorrente neste mercado ou às práticas comerciais da recorrente nesse mercado, estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

190    Ora, quando procede a uma audição, ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, para recolher informações sobre o objeto de um inquérito, a Comissão tem a obrigação de registar, sob a forma que escolher, essa audição. Para o efeito, não basta que a Comissão proceda a um breve resumo dos assuntos abordados na audição. Deve fornecer uma indicação sobre o teor do que foi dito nessa audição, em especial, sobre a natureza das informações fornecidas durante a audição sobre os assuntos abordados (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 91 e 92).

191    No caso em apreço, as notas transmitidas pela Comissão à recorrente após a adoção da decisão impugnada limitam‑se a mencionar, além da data e dos nomes dos participantes, uma indicação muito geral — que cabe, em substância, em duas a três linhas — dos assuntos abordados, a saber, o mercado dos chipsets, a posição da recorrente neste mercado ou as práticas comerciais da recorrente no mesmo mercado. Em contrapartida, as referidas notas não fornecem nenhuma indicação sobre o teor do que foi dito nas audições, especialmente, sobre a natureza das informações fornecidas sobre os assuntos abordados, como requer a jurisprudência recordada no n.o 190, supra.

192    Por outro lado, o caráter lacunar das referidas notas é ilustrado com acuidade por duas circunstâncias apontadas pela recorrente.

193    Por um lado, a nota relativa à conferência telefónica com [confidencial] indica que este terceiro forneceu o seu «ponto de vista» sobre «determinadas práticas comerciais da recorrente no setor dos chipsets» e que não foi fornecida nenhuma «prova concreta». Ora, como sublinha, com razão, a recorrente, esta nota suscita interrogações sobre o teor das discussões mantidas entre a Comissão e o terceiro, sobre as informações que este último forneceu e sobre a falta de «prova» — além do mais, «concreta» — no que respeita a essas informações. Essa nota não permite, portanto, compreender quais as informações que [confidencial] transmitiu à Comissão sem fornecer nenhuma prova concreta e deixa assim a recorrente sem conhecer os elementos evocados na conversa telefónica e, especialmente, a possibilidade de este terceiro, a saber [confidencial], ter evocado elementos de acusação ou ilibatórios, sem fornecer nenhuma prova concreta.

194    Por outro lado, a nota relativa à reunião com [confidencial] indica que esta teve por objeto o mercado dos chipsets e a posição da recorrente neste mercado. Ora, além de tal descrição não permitir compreender quais as informações que [confidencial] transmitiu à Comissão a este respeito, é forçoso constatar que esta nota não menciona que, na reunião, o referido terceiro fez uma apresentação oral, nem a fortiori o seu conteúdo. Todavia, a Comissão transmitiu uma cópia desta apresentação à recorrente após a adoção da decisão impugnada, em 2 de março de 2018, em resposta ao pedido da recorrente de 25 de janeiro de 2018. Decorre da apresentação, composta por 10 páginas, que a mesma era especificamente referente ao inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada (como resulta da página de rosto da apresentação que menciona o nome e o número desse processo), que uma página era consagrada à posição dominante da recorrente no mercado dos chipsets e que cinco páginas eram consagradas à [confidencial]. A falta de menção de tal apresentação e do seu conteúdo na nota elaborada pela Comissão é reveladora do seu caráter impreciso.

195    Ademais, além do referido caráter lacunar, apesar de os elementos juntos aos autos indicarem que os documentos que contêm as referidas notas foram elaborados pela Comissão respetivamente nas datas das conferências telefónicas ou pouco depois da data da reunião, revelam igualmente que as notas não estavam completas nessas datas e que foram completadas ou finalizadas posteriormente, após a adoção da decisão impugnada. Com efeito, após o pedido da recorrente em 25 de janeiro de 2018 e, portanto, cerca de três anos após a data das referidas audições, a Comissão contactou, por um lado, [confidencial] para obter uma cópia da apresentação que este terceiro tinha efetuado na reunião e, por outro, [confidencial], [confidencial] e [confidencial] para confirmar o conteúdo das notas que tinha preparado sobre as conferências telefónicas, tendo até [confidencial] proposto alterações à nota, as quais foram aceites pela Comissão. Decorre aliás dos elementos apresentados nos autos que a especificação de que «nenhuma prova concreta foi fornecida durante a conferência telefónica» não constava da primeira versão da nota e foi acrescentada após o referido contacto entre a Comissão e [confidencial].

196    Daqui resulta que, em violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão não registou devidamente as audições que teve com [confidencial], [confidencial], [confidencial] e [confidencial].

197    Além disso, na medida em que a recorrente alega igualmente que a Comissão não lhe comunicou as notas das audições em causa, há que observar, por um lado, que, como explicou a Comissão no Tribunal Geral, a nota da reunião com [confidencial] foi registada nos autos do processo em [confidencial] como documento não acessível, ou seja, como documento interno da Comissão, e sem cópia da apresentação efetuada por [confidencial] na referida reunião. Por outro lado, as notas das conferências telefónicas com [confidencial], [confidencial] e [confidencial] não foram registadas nos autos do processo.

198    Sejam quais forem as razões, é, portanto, ponto assente que a recorrente não recebeu nenhuma informação sobre a existência e o âmbito dessas audições durante o procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada. As audições também não são mencionadas na descrição do procedimento administrativo constante da decisão impugnada.

199    A este respeito, basta salientar que, embora seja certo que lhe é permitido excluir do procedimento administrativo os elementos que não têm nenhuma relação com as alegações de facto e de direito que figuram na comunicação de acusações e que, por conseguinte, são completamente irrelevantes para o inquérito, não cabe exclusivamente à Comissão determinar os elementos úteis à defesa da empresa em causa (Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 126, e de 16 de junho de 2011, FMC Foret/Comissão, T‑191/06, EU:T:2011:277, n.o 306). Nesta perspetiva, há que observar que o registo das audições que visam a recolha de informações sobre o objeto do inquérito e que, portanto, são abrangidas pelo artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, como as audições em causa, não pode ser omitido nos autos do processo.

200    Embora a Comissão alegue que a omissão de comunicar as informações ou notas à recorrente se deveu a uma simples «inadvertência» e que as comunicou logo que se apercebeu após o pedido da recorrente de 25 de janeiro de 2018, estas circunstâncias, posteriores à adoção da decisão impugnada, não são suscetíveis de sanar a irregularidade processual cometida pela Comissão. Com efeito, por um lado, as notas transmitidas pela Comissão à recorrente, atendendo ao seu caráter lacunar, não colmatam a falta de registo na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, uma vez que não dão conta das informações colhidas nas audições em causa. Por outro lado, importa recordar que o conhecimento tardio, após a adoção de uma decisão, de certos elementos que deveriam constar dos autos do processo não volta a colocar, necessariamente, a empresa na situação em que se encontraria se tivesse podido basear‑se nos mesmos elementos para apresentar as suas observações escritas e orais perante a Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 56).

201    Decorre de tudo o que precede que, no que respeita à reunião com [confidencial] e às conferências telefónicas com [confidencial], [confidencial] e [confidencial], a Comissão não cumpriu as obrigações de registo decorrentes do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e, consequentemente, de junção do registo das referidas audições aos autos do processo.

3)      Quanto à violação dos direitos de defesa

202    Relativamente às consequências a retirar da conclusão a que se chegou no n.o 201, supra, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 160 e 161, supra, há que determinar se, tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito específicas do presente processo, a recorrente demonstrou de forma bastante que poderia ter assegurado melhor a sua defesa na falta da referida irregularidade.

203    Importa começar por salientar que, tendo em conta a identidade dos terceiros em causa, o conteúdo das notas apresentadas pela Comissão e o conteúdo da decisão impugnada, a recorrente salientou que esses terceiros poderiam ter fornecido informações suscetíveis de ajudar a sua defesa, no que respeita, designadamente, à definição do mercado relevante, às relações de força neste mercado, à posição dominante, ao efeito de exclusão e aos ganhos de eficiência. Para o efeito, a recorrente apresentou no Tribunal Geral um anexo à petição (anexo A.9.7) para precisar os aspetos que poderiam ter sido discutidos nas referidas audições e de que forma esses elementos poderiam ajudar a sua defesa. A Comissão, que contesta previamente a admissibilidade deste anexo, refuta o seu teor num anexo à contestação (anexo B.5). As partes continuaram a pronunciar‑se sobre esta matéria num anexo à réplica (anexo C.12) e num anexo à tréplica (anexo D.9).

204    Em primeiro lugar, importa recordar que a decisão impugnada imputa à recorrente a redução, através da sua conduta que consiste em pagamentos de exclusividade, dos incentivos da Apple para procurar os seus concorrentes no mercado das chipsets LTE (secções 11.4.1 e 11.4.2 da decisão impugnada). A este último propósito, na decisão impugnada, a Comissão refere‑se expressamente a [confidencial] e menciona igualmente [confidencial].

205    Assim, os terceiros ouvidos pela Comissão no âmbito das audições em causa eram dois dos concorrentes da recorrente, alegadamente excluídos pelo comportamento desta ([confidencial] e [confidencial]) e dois OEM que se forneciam em chipsets LTE, a saber concorrentes do cliente da recorrente que recebeu os pagamentos em causa ([confidencial] e [confidencial]).

206    Em segundo lugar, por um lado, é pacífico que a recorrente — como o Tribunal Geral — não dispõe de nenhuma indicação precisa sobre as informações recolhidas pela Comissão nas audições em causa, embora estas audições fossem referentes ao objeto do inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada e que, como acabou de ser salientado, os terceiros em causa incluíam os concorrentes da recorrente alegadamente excluídos pelo comportamento desta, entre os quais, designadamente [confidencial], a saber [confidencial].

207    Com efeito, nenhum documento constante dos autos do processo e que verse sobre as referidas audições permite reconstituir com segurança as informações precisas relativas ao objeto do inquérito fornecidas pelos terceiros em causa nas audições e em que medida o seu teor poderia ter constituído um elemento ilibatório, acusatório, ou mesmo neutro.

208    A este respeito, relativamente às conferências telefónicas com [confidencial], [confidencial] e [confidencial], é especulativo afirmar, como faz a Comissão, que é «plausível» que as informações fornecidas pelos terceiros sejam análogas às fornecidas nas suas respostas a determinados pedidos de informações e, portanto, não incluem nenhum potencial elemento ilibatório. Antes de mais, as notas das audições em causa não fazem referência a nenhum outro documento, designadamente, às respostas dadas a pedidos de informações. O respetivo conteúdo não pode, portanto, ser reconstituído a partir de outras fontes constantes nos autos do processo. Em seguida, a circunstância de esses terceiros, cerca de três anos após a realização das referidas audições e após a adoção da decisão impugnada, terem confirmado por mensagem de correio eletrónico à Comissão, na sequência da solicitação desta e para responder ao pedido da recorrente de 25 de janeiro de 2018, que o conteúdo das audições «se refletia» nas suas respostas a determinados pedidos de informações não permite deduzir nenhuma conclusão segura sobre o teor dessas audições, especialmente sobre a natureza precisa das informações fornecidas sobre os assuntos abordados.

209    No que respeita à reunião com [confidencial], contrariamente ao que sugere a Comissão, a apresentação que este terceiro fez na referida reunião não exclui de modo algum que outros aspetos além dos mencionados nesta apresentação tenham sido objeto de discussão, uma vez que a apresentação não é mencionada na nota da reunião e que o conteúdo da referida apresentação apenas corresponde numa única página aos assuntos mencionados nessa nota. Seja como for, mesmo admitindo que se possa considerar que a apresentação de [confidencial] reflete exaustivamente o conteúdo da reunião e permite excluir que esse terceiro tenha fornecido elementos úteis à defesa da recorrente, isto não afeta as constatações relativas às audições com [confidencial], [confidencial] e [confidencial].

210    Por outro lado, tendo em conta as circunstâncias recordadas nos n.os 204 e 205, supra, vários elementos juntos aos autos pela recorrente tendem, no entanto, a fornecer um início de prova que corrobora a sua tese de que as informações que a Comissão e [confidencial], [confidencial], [confidencial] e [confidencial] poderão ter trocado nas audições em causa poderiam ter‑lhe permitido assegurar melhor a sua defesa.

211    Antes de mais, como decorre das notas e da apresentação produzidas pela recorrente, é ponto assente que as referidas audições tinham todas por objeto, no âmbito do inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada, o mercado dos chipsets, a posição da recorrente neste mercado ou as práticas comerciais da recorrente no mesmo mercado. Em especial, resulta expressamente das notas de duas das audições, a saber, da audição com [confidencial] e da audição com [confidencial], que as práticas comerciais da recorrente foram discutidas entre a Comissão e estes terceiros. Embora as notas das duas outras audições não façam referência às práticas comerciais da recorrente, é pouco credível que, na audição de [confidencial] no mesmo dia da audição de [confidencial], a Comissão não tenha procurado recolher também junto de um dos concorrentes alegadamente preteridos informações sobre as práticas comerciais da recorrente objeto do seu inquérito. Além disso, como decorre da apresentação transmitida pela Comissão à recorrente, a reunião com [confidencial] tinha igualmente por objeto as práticas comerciais da recorrente no mercado dos chipsets. Mesmo admitindo que este terceiro tenha fornecido informações sobre [confidencial], é igualmente pouco credível que a Comissão não tenha procurado recolher informações sobre as práticas da recorrente objeto do seu inquérito.

212    Por conseguinte, nessas circunstâncias, como alega a recorrente, há que considerar que as informações recolhidas pela Comissão junto desses terceiros nas audições em causa, e particularmente junto dos concorrentes alegadamente preteridos, poderiam ter sido relevantes para a sua defesa.

213    Em seguida, a título exaustivo, há que salientar que, nos quadros constantes do anexo A.9.7, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e as circunstâncias específicas do presente processo, a recorrente salientou que a Comissão poderia ter discutido certos aspetos precisos com os terceiros em causa.

214    A este respeito, a título preliminar, há que observar que, ao contrário do que alega a Comissão, o anexo A.9.7 da petição apresentada pela recorrente não pode ser considerado inadmissível. Com efeito, este anexo visa sustentar esquematicamente, na forma de quadros, os argumentos apresentados na petição para cada uma das audições em causa relativamente ao conteúdo de cada nota. Além disso, a extensão das interações ocorridas a este respeito entre as partes, que figuram nos quadros apresentados no anexo B.5 da contestação, no anexo C.12 da réplica e no anexo D.9 da tréplica, totalizando um número importante de páginas, demonstra a oportunidade de esses quadros terem sido apresentados em anexos e não reproduzidos no corpo dos articulados principais.

215    No caso em apreço, os esclarecimentos prestados pela recorrente visam certos aspetos que esta considera relevantes para a sua defesa.

216    Primeiro, a recorrente salientou que a conferência telefónica com [confidencial] poderia, nomeadamente, ter incidido sobre a capacidade de [confidencial] de fornecer chipsets LTE à Apple para os iPhones e os iPads durante o período em causa, sobre as razões e a relevância da falta de chipsets LTE integrados da concorrência [confidencial], sobre a natureza e a dimensão dos investimentos necessários para satisfazer as exigências da Apple e a proteção contratual associada, sobre [confidencial] e sobre a eventual falta de objeções por parte de [confidencial] em relação aos acordos em causa ou de denúncia [confidencial], o que teria constituído um elemento a favor da defesa. Segundo a recorrente, na medida em que, de acordo com a decisão impugnada, [confidencial] era [confidencial], qualquer indicação fornecida por [confidencial] teria sido de certeza relevante para a defesa da recorrente.

217    Segundo, a recorrente sublinhou que a conversa telefónica com [confidencial] poderia, nomeadamente, ter incidido sobre as características comparativas dos seus chipsets LTE e as de [confidencial] e de [confidencial], sobre as exigências da Apple para com os seus fornecedores potenciais, sobre a natureza e a dimensão dos investimentos específicos necessários à Apple e a proteção contratual associada e sobre as dinâmicas do mercado e as razões de [confidencial]. Segundo a recorrente, na medida em que, de acordo com a decisão impugnada, os chipsets LTE de [confidencial] foram considerados, pela Apple, alternativas concorrenciais potenciais aos chipsets da recorrente para determinados modelos de iPads, qualquer indicação fornecida por [confidencial] teria sido de certeza relevante para a defesa da recorrente.

218    Terceiro, a recorrente salientou que a reunião com [confidencial] e a conferência telefónica com [confidencial] poderiam, nomeadamente, ter incidido sobre as exigências da Apple para com os seus fornecedores em relação às de outros OEM e sobre as características comparativas dos seus chipsets e dos dos seus concorrentes.

219    Para refutar os argumentos da recorrente, a Comissão indicou, no anexo B.5 da contestação, que as respostas de [confidencial] aos pedidos de informações de [confidencial] e de [confidencial] confirmam que uma nota da conferência telefónica com [confidencial] não revelou nenhum elemento favorável à defesa sobre os aspetos evocados pela recorrente, devido ao facto de [confidencial] não ter fornecido nenhuma informação a este respeito nas referidas respostas. A Comissão desenvolveu uma argumentação idêntica para os aspetos evocados pela recorrente referentes a [confidencial], baseando‑se nas respostas deste terceiro aos pedidos de informações de [confidencial] e de [confidencial], para os aspetos evocados pela recorrente referentes a [confidencial], apoiando‑se na apresentação feita por este terceiro na reunião em causa, e para os aspetos evocados pela recorrente referentes a [confidencial], baseando‑se nas respostas deste terceiro aos pedidos de informações de [confidencial] e [confidencial] e de [confidencial].

220    Desde logo, na medida em que a Comissão remete para as respostas de [confidencial], de [confidencial] e de [confidencial] aos pedidos de informações, bem como para a apresentação de [confidencial] para sustentar que estes terceiros não apresentaram elementos favoráveis à defesa, basta salientar que esses argumentos devem ser excluídos pelas razões mencionadas nos n.os 208 e 209, supra.

221    Em contrapartida, contrariamente ao que sugere a Comissão, nas circunstâncias específicas do presente processo, os esclarecimentos prestados pela recorrente anexos à petição tendem a demonstrar de forma concreta que as audições que a Comissão teve com os terceiros em causa poderiam ter incidido sobre elementos como os evocados nos n.os 216 a 218, supra, os quais, sendo o caso, poderiam ter ajudado a recorrente a defender‑se melhor no que respeita, nomeadamente, aos efeitos e às justificações do seu comportamento no mercado dos chipsets LTE.

222    Por último, a título ainda mais exaustivo, como indica a Comissão, há que observar que, nas secções 11.4.1 e 11.4.2 da decisão impugnada, além das informações fornecidas pela própria recorrente, a Comissão fez unicamente referência a informações e documentos provenientes da Apple. Em contrapartida, nas referidas secções da decisão impugnada, a Comissão não fez referência a nenhum elemento fornecido por [confidencial], [confidencial], [confidencial] e [confidencial], e especialmente pelos concorrentes da recorrente alegadamente preteridos. Com efeito, os elementos de informação fornecidos por alguns dos terceiros ([confidencial], [confidencial] e [confidencial]) só são mencionados na subsecção 11.4.4 da decisão impugnada (considerandos 475, 476 e 478) para sustentar a tese de que a Apple é um «cliente interessante».

223    Todavia, nas circunstâncias específicas do presente processo, longe de conduzir à exclusão de uma violação dos direitos de defesa da recorrente, essa constatação tende a demonstrar que, como alega, em substância, a recorrente, o conhecimento do teor das audições em causa poderia ter sido útil para a sua defesa. Com efeito, o conhecimento de que os referidos terceiros e, especialmente, os concorrentes da recorrente alegadamente preteridos devido ao comportamento desta ([confidencial] e [confidencial]) não mencionarão nenhum elemento de acusação suscetível de corroborar o efeito de exclusão censurado pela Comissão, quando foram ouvidos no âmbito do procedimento administrativo que levou à adoção da decisão impugnada, poderia ter permitido à recorrente dar uma perspetiva diferente do comportamento que lhe era imputado e sustentar de forma diferente a sua defesa.

224    Resulta de tudo o que precede que, tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito específicas do presente processo, na medida em que a Comissão não registou devidamente as audições em causa e em que a recorrente ou os seus representantes não receberam nenhuma informação sobre a própria existência dessas audições, a não ser após a adoção da decisão impugnada e antes da interposição do presente recurso, a Comissão violou os direitos de defesa da recorrente. Com efeito, os elementos juntos aos autos pela recorrente tendem a demonstrar que as audições de [confidencial] e [confidencial], a saber, dois dos concorrentes da recorrente alegadamente preteridos, e de [confidencial] e [confidencial], a saber, dois OEM que se abasteciam em chipsets LTE, poderiam ter revelado informações essenciais para a tramitação ulterior do processo que poderiam ter sido relevantes para a recorrente, permitindo‑lhe assegurar melhor a sua defesa.

225    Atendendo a esta violação dos direitos de defesa da recorrente, há que julgar procedente a terceira parte do primeiro fundamento do recurso na medida em que se refere à reunião com [confidencial] e às conferências telefónicas com [confidencial], [confidencial] e [confidencial] relativamente às quais foram comunicadas informações à recorrente antes da interposição do presente recurso.

226    Nas circunstâncias do presente processo, há que prosseguir o exame da presente parte no que respeita à reunião e à conferência telefónica com um terceiro relativamente às quais foram comunicadas informações à recorrente no decurso do presente processo em resposta aos argumentos baseados nas provas adicionais de 26 de julho de 2019.

b)      Quanto à conferência telefónica e à reunião com um terceiro relativamente às quais foram comunicadas informações à recorrente no decurso do presente processo em resposta aos argumentos baseados nas provas adicionais de 26 de julho de 2019

1)      Recapitulação dos elementos contextuais

227    Decorre dos elementos juntos aos autos que, após a resposta da Comissão de 2 de março de 2018 que comunicou à recorrente informações sobre a existência da reunião com [confidencial] e das conferências telefónicas com [confidencial], [confidencial] e [confidencial], por mensagem de correio eletrónico de 5 de março de 2018, a recorrente pediu à Comissão que lhe confirmasse que não se tinha encontrado formal ou informalmente com [confidencial]. Por mensagem de correio eletrónico de 13 de março de 2018, a Comissão reiterou que, na sequência do pedido da recorrente de 25 de janeiro de 2018, verificou se, inadvertidamente, não a tinha informado de «qualquer reunião ou [qualquer] audição» realizada «no âmbito do processo AT.40220» e que lhe forneceu as informações a este respeito na sua mensagem de correio eletrónico de 2 de março de 2018 por razões de boa administração. A Comissão acrescentou que, dado que a decisão impugnada tinha sido adotada, não iria mais responder a este tipo de questões.

228    As respostas que a Comissão deu à recorrente em 2 e 13 de março de 2018 podiam levar a pensar que as indicações fornecidas sobre as reuniões ou conferências telefónicas com terceiros eram exaustivas e que, por conseguinte, a Comissão não tinha tido reuniões ou conferências telefónicas com [confidencial], mas apenas com [confidencial], [confidencial], [confidencial] e [confidencial].

229    Na petição, a recorrente alegou, porém, que não dispunha de nenhuma indicação explícita que confirmasse ou infirmasse a existência e o âmbito de eventuais reuniões ou conferências telefónicas entre a Comissão e [confidencial].

230    Ora, nem na contestação nem na tréplica, a Comissão infirmou ou confirmou a existência de tais reuniões ou conferências telefónicas.

231    Foi apenas na sequência da apresentação pela recorrente das provas adicionais de 26 de julho de 2019 que a Comissão, no âmbito das suas observações de 30 de outubro de 2019 sobre as referidas provas, referiu a existência de uma conferência telefónica com [confidencial] em [confidencial] e uma reunião com [confidencial] em [confidencial], indicando expressamente que não dispunha de notas nem de relatórios sobre essa conferência telefónica e essa reunião.

232    No entanto, uma vez que a Comissão indicou que estava disposta a fornecer mais informações sobre o contexto da conferência telefónica com [confidencial] em [confidencial] no âmbito de medidas de instrução, o Tribunal Geral adotou as referidas medidas com vista a obter essas informações. O tratamento da resposta da Comissão a estas medidas de instrução deu origem aos desenvolvimentos processuais referidos nos n.os 78 a 92, supra.

233    A este respeito, por um lado, deve salientar‑se que a conferência telefónica e a reunião com [confidencial] ocorreram antes da comunicação de acusações e após o envio dos primeiros pedidos de informações referidos no n.o 15, supra. Por outro lado, como decorre da decisão impugnada, este terceiro [confidencial], e respondeu a alguns dos referidos pedidos de informações.

234    Contudo, [confidencial] tem uma posição particular no âmbito da decisão impugnada. Com efeito, vários elementos demonstram a importância deste terceiro na economia da decisão impugnada: [confidencial]. Por outro lado, no plano processual, este terceiro [confidencial].

2)      Quanto à existência de uma irregularidade processual

235    Os argumentos apresentados pela recorrente visam sustentar que a Comissão não cumpriu as suas obrigações de a informar da referida conversa telefónica e da referida reunião e de tomar notas das mesmas.

236    Quando ainda não tinha sido confirmada a existência das mesmas (na fase da contestação e da tréplica), a Comissão alegou que a recorrente não tinha demonstrado que essas informações teriam sido relevantes. Posteriormente, depois de ter admitido a sua existência (na fase das observações sobre as provas adicionais de 26 de julho de 2019), alegou, por um lado, que a recorrente não tinha demonstrado que a lamentável inexistência de notas da conferência telefónica de [confidencial] lhe tinha sido prejudicial e, por outro, que a reunião de [confidencial] dizia respeito a aspetos gerais e não ao processo AT.40220.

237    Desde logo, no que respeita às notas da conferência telefónica e da reunião em causa, é ponto assente, como a Comissão admitiu nas suas observações sobre as provas adicionais de 26 de julho de 2019, que não tomou nenhuma nota da conferência telefónica de [confidencial] nem da reunião de [confidencial]. Aliás, a Comissão admite igualmente que a inexistência de notas da conferência telefónica de [confidencial] constitui um incumprimento lamentável da sua parte.

238    De qualquer modo, na medida em que os argumentos da Comissão devem ser entendidos no sentido de que sugerem que a conversa telefónica e a reunião em causa não estavam sujeitas às obrigações de registo decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, invocadas pela recorrente na petição, basta salientar que resulta dos elementos juntos aos autos que tanto a conferência telefónica de [confidencial] como a reunião de [confidencial] — além do facto de terem ocorrido após a Comissão ter iniciado o inquérito em agosto de 2014 (considerando 8 da decisão impugnada) e, nomeadamente, após o envio dos primeiros pedidos de informações referidos no n.o 15, supra — visavam recolher informações relativas ao objeto do inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada.

239    Por um lado, no que respeita à conferência telefónica com [confidencial], de [confidencial], a versão não confidencial do documento que contém a inscrição, num calendário eletrónico, desta conferência telefónica, apresentado pela Comissão em 26 de abril de 2021 em resposta à medida de instrução de 12 de outubro de 2020, inclui no campo relativo ao seu «objeto» uma referência à designação do processo administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada, a saber, «Sapphire». Além disso, nas suas observações sobre as provas adicionais de 26 de julho de 2019 e na versão não confidencial do ato de 19 de novembro de 2020, a própria Comissão explicou que a referida conversa telefónica visava recolher informações sobre a definição do mercado e sobre as dinâmicas do mercado visado pelo referido processo, na perspetiva de dispor de uma visão geral de base desse mercado e de preparar questões úteis a incluir nos pedidos de informações. Decorre daí que a referida conferência telefónica visava recolher informações relativas ao objeto do inquérito que levou à adoção da decisão impugnada.

240    Por outro lado, no que respeita à reunião com [confidencial] de [confidencial], a Comissão indicou que visava evocar aspetos gerais de direito da concorrência e as práticas da recorrente em matéria de patentes. A troca de mensagens de correio eletrónico relativa à organização desta reunião apresentada pela Comissão em resposta às medidas de organização do processo de 8 de outubro de 2020 confirma efetivamente que [confidencial] tinha solicitado a sua realização a fim de discutir «questões atuais de concorrência e de propriedade intelectual». Todavia, esta indicação não exclui de todo que o objeto do inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada tenha sido discutido. A própria Comissão explicou que, nessa reunião, [confidencial] sustentou que algumas práticas da recorrente em matéria de propriedade intelectual deveriam ter sido incluídas no âmbito do referido inquérito. Por conseguinte, na medida em que o âmbito do inquérito que levou à adoção da decisão impugnada foi expressamente evocado pelo terceiro a fim de o alargar, é forçoso constatar que a reunião incidiu, também, no todo ou em parte, sobre as informações relativas ao objeto do referido inquérito.

241    Além disso, esta última conclusão é corroborada pelas provas adicionais de 26 de julho de 2019.

242    Uma primeira apresentação de [confidencial] de [confidencial] referente à recorrente e anterior à reunião de [confidencial], entregue pela recorrente no âmbito das provas adicionais de 26 de julho de 2019, indica expressamente que [confidencial] previa ter uma reunião com a Comissão na semana de [confidencial] sobre os inquéritos de que era objeto a recorrente relativamente, por um lado, aos «descontos de fidelidade», a saber, os incentivos oferecidos aos clientes para comprar exclusivamente os chipsets da recorrente, e, por outro, [confidencial]. Esta mesma apresentação referia, para os referidos «descontos de fidelidade», que [confidencial] e suscitava a questão de saber [confidencial]. Além disso, a referida apresentação contém uma página relativa [confidencial], que indica que [confidencial].

243    Uma segunda apresentação de [confidencial] de [confidencial] referente à recorrente e na sequência da reunião de [confidencial], apresentada pela recorrente no âmbito das provas adicionais de 26 de julho de 2019, fazia, por um lado, o ponto da situação do inquérito da Comissão, indicando que a comunicação de acusações estava iminente e que a Comissão se tinha encontrado com a recorrente em [confidencial], que o inquérito dizia respeito aos descontos de fidelidade e às condições de exclusividade, que era [confidencial] e que era [confidencial]. Por outro lado, após ter descrito [confidencial], a referida apresentação indicava que havia vários [confidencial], a saber [confidencial] segundo os quais [confidencial], e que era provável uma coima significativa de cerca de mil milhões de USD.

244    Estas apresentações de [confidencial] anteriores e posteriores à reunião que este terceiro teve com a Comissão em [confidencial] mais não fazem do que corroborar a conclusão de que, na reunião, a Comissão e o terceiro discutiram informações relativas ao objeto do inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada.

245    Uma vez que a conferência telefónica e a reunião com [confidencial] se destinavam a recolher informações relativas ao objeto do inquérito que levou à adoção da decisão impugnada, no que respeita, nomeadamente, às dinâmicas do mercado, ao âmbito do inquérito e mesmo a alguns argumentos de defesa da recorrente, estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

246    Ora, no caso em apreço, como foi salientado no n.o 237, supra, é ponto assente que a Comissão não procedeu a nenhum registo das audições em causa.

247    Por outro lado, esse incumprimento dificilmente se concilia com os documentos apresentados pela recorrente no âmbito das provas adicionais de 26 de julho de 2019, os quais revelam que, por sua vez, o terceiro com que se encontrou a Comissão começou por preparar e, depois, assegurar um acompanhamento interno da reunião de [confidencial] (v. n.os 242 e 243, supra), o que corrobora a sua importância no âmbito do inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada.

248    Daqui resulta que, em violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão não registou devidamente as audições de [confidencial].

249    Além disso, na medida em que a recorrente invoca igualmente que a Comissão não a informou das audições em causa, há que recordar que, no procedimento administrativo que levou à adoção da decisão impugnada, a Comissão não deu efetivamente conta das audições de [confidencial]. Ora, como decorre do n.o 199, supra, a Comissão não pode deixar de incluir nos autos do processo um registo de audições como as que realizou com [confidencial].

250    Por outro lado, esta violação não fica sanada pelo simples facto de a Comissão ter fornecido determinadas informações sobre as audições de [confidencial] durante o presente processo. Com efeito, a fiscalização jurisdicional dos fundamentos invocados operada pelo Tribunal Geral não tem por objetivo nem por efeito substituir uma instrução completa do processo no âmbito de um procedimento administrativo (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 56). Além disso, por um lado, a Comissão não apresentou, no âmbito do presente processo, nenhum registo indicativo das informações colhidas nas audições em causa. Por outro lado, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 200, supra, o conhecimento tardio de certos elementos que deveriam constar dos autos do processo não volta a colocar a empresa que recorreu de uma decisão da Comissão na situação em que se encontraria se tivesse podido basear‑se nos mesmos elementos para apresentar as suas observações escritas e orais perante a referida instituição.

251    Decorre de tudo o que precede que, no que respeita à conferência telefónica e à reunião com [confidencial], a Comissão não cumpriu as obrigações de registo decorrentes do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e, consequentemente, de inclusão de um registo das referidas audições nos autos do processo.

3)      Quanto à violação dos direitos de defesa

252    Sobre as consequências que importa retirar da conclusão a que se chegou no n.o 251, supra, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 160 e 161, supra, há que determinar se, tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito específicas do presente processo, a recorrente demonstrou de forma bastante que poderia ter assegurado melhor a sua defesa na falta das referidas irregularidades processuais.

253    Para o efeito, há que começar por salientar que, tendo em conta a identidade do terceiro e o teor da decisão impugnada, a recorrente indicou que era com certeza relevante para a sua defesa saber o que foi discutido entre a Comissão e esse terceiro. Em especial, a recorrente sublinhou que notas adequadas sobre as audições a teriam ajudado em vários aspetos da sua defesa e prestou esclarecimentos a este respeito no anexo A.9.7. da petição. Segundo a recorrente, o facto de o terceiro lhe ter sido hostil não exclui que tivesse podido facultar informações úteis à sua defesa, quer porque poderiam ser ilibatórias, quer porque poderiam ser informações acusatórias incompletas ou incorretas.

254    Em primeiro lugar, há que recordar que a decisão impugnada imputa à recorrente a redução dos incentivos da Apple para procurar os seus concorrentes no mercado dos chipsets LTE (n.o 204, supra).

255    Assim, o terceiro ouvido pela Comissão no âmbito das duas audições em causa [confidencial]. Além disso, em termos processuais, este terceiro [confidencial].

256    Em segundo lugar, por um lado, é ponto assente que a recorrente — como o Tribunal Geral — não dispõe de nenhuma indicação precisa sobre as informações recolhidas pela Comissão nas audições em causa, embora essas audições fossem referentes ao objeto do inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada e que, como acabou de se salientar, o terceiro em causa [confidencial].

257    Com efeito, nenhum documento constante dos autos do processo e que verse sobre as referidas audições permite reconstituir com segurança as informações relativas ao objeto do inquérito fornecidas pelo terceiro em causa nas audições e em que medida o teor das mesmas poderia constituir um elemento ilibatório, acusatório ou mesmo neutro.

258    A este respeito, os argumentos da Comissão segundo os quais, no que respeita à conversa telefónica de [confidencial], por um lado, não é «plausível» que [confidencial] possa ter fornecido elementos ilibatórios e, por outro, é «plausível» que os assuntos abordados nessa conferência telefónica constem das respostas de [confidencial] aos pedidos de informações, são puramente especulativos, uma vez que a Comissão se baseia em puras suposições e não conseguiu relatar com precisão o teor dos elementos fornecidos por [confidencial] na audição.

259    Também não pode ser acolhido o argumento da Comissão de que a recorrente não pediu ao Tribunal Geral a audição dos funcionários de [confidencial] que participaram na referida conferência telefónica e não contactou diretamente esses funcionários para confirmar se tinham fornecido elementos de prova favoráveis à defesa. Com efeito, além do facto de a recorrente só ter tomado conhecimento da realização dessa conferência telefónica numa fase muito adiantada do presente processo e de, além disso, a Comissão não ter especificado a identidade dos funcionários ou representantes de [confidencial] que nela participaram, importa salientar que, de qualquer modo, não cabe à recorrente, nem aliás ao Tribunal Geral, proceder à audição de um terceiro (ou dos seus funcionários ou representantes) ouvido pela Comissão no âmbito de um inquérito para tentar determinar a posteriori as informações que este teria fornecido à Comissão a fim de sanar a falta de registo por parte desta, uma vez que incumbe à Comissão o cumprimento das obrigações decorrentes do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003. Por outro lado, no caso em apreço, a recorrente — como o Tribunal Geral — não dispõe de nenhum documento que permita reconstituir as informações fornecidas pelo terceiro em causa, ao contrário da situação referida nos n.os 99 a 101 do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), invocado pela Comissão, a qual se caracterizava pelo facto de, no referido processo, a empresa recorrente ter obtido, durante o procedimento administrativo, a versão não confidencial de uma nota interna elaborada pela Comissão relacionada com a audição controvertida e um documento de acompanhamento que continha respostas escritas a questões orais colocadas nessa audição.

260    Por outro lado, no entanto, tendo em conta as circunstâncias recordadas nos n.os 254 e 255, supra, vários elementos juntos aos autos pela recorrente tendem a fornecer um início de prova que corrobora a sua tese de que as informações que a Comissão e [confidencial] poderiam ter trocado nas audições em causa poderiam ter‑lhe permitido assegurar melhor a sua defesa.

261    Antes de mais, como indicou a recorrente no requerimento de junção das provas adicionais de 26 de julho de 2019, o conhecimento das informações fornecidas por [confidencial] sobre a definição do mercado na conferência telefónica de [confidencial] poderia ter sido útil para a sua defesa. Com efeito, conforme salientado no n.o 239, supra, a própria Comissão explicou que a referida conferência telefónica visava clarificar conceitos de base sobre a definição do mercado e sobre as dinâmicas do mercado que permitiam preparar questões úteis a incluir na segunda volta dos pedidos de informações. Resulta daí que, numa fase precoce do processo, [confidencial] contribuiu para o esclarecimento dos conceitos de base subjacentes às questões que a Comissão colocou nos pedidos de informações dirigidos posteriormente à recorrente, aos seus concorrentes e aos seus clientes, sem que seja possível determinar as informações concretamente fornecidas a este respeito e sem que a recorrente tenha podido apresentar observações sobres os conceitos de base que [confidencial] ajudou a esclarecer.

262    Em seguida, no requerimento de junção das provas adicionais de 26 de julho de 2019, a recorrente alega, em substância, que a Comissão e [confidencial] falaram sobre certos aspetos confidenciais do inquérito, no que respeita [confidencial]. Nas suas observações sobre as provas adicionais de 26 de julho de 2019, a Comissão indicou que não tinha comunicado a [confidencial] informações confidenciais, no que respeita especialmente [confidencial] mencionados na segunda apresentação de [confidencial] de [confidencial] (v. n.o 243, supra). Todavia, mesmo independentemente da confidencialidade de tais informações, deve observar‑se que, na medida em que, na audição de [confidencial] que antecedeu a referida apresentação, a Comissão e [confidencial] terão falado sobre [confidencial], o conhecimento das informações recolhidas pela Comissão durante essa audição poderia ter permitido à recorrente assegurar melhor a sua defesa.

263    Por último, no anexo A.9.7 da petição, a recorrente sublinhou que as notas relativas às audições que a Comissão poderia ter tido com [confidencial] poderiam ter ajudado à sua defesa a fim de, por um lado, demonstrar que os acordos em causa não deram origem a efeitos de exclusão de concorrentes igualmente eficazes e geraram ganhos de eficiência pró‑concorrenciais e, por outro, dispor de mais informações sobre a conclusão da Comissão segundo a qual, na falta dos acordos em causa, [confidencial].

264    A este respeito, a título preliminar, na medida em que os argumentos da Comissão visam contestar a admissibilidade do referido anexo no que respeita às audições de [confidencial], esses argumentos não podem ser acolhidos. Além do facto de o anexo em causa se destinar a sustentar os argumentos formulados na petição (n.os 214 e 253, supra), há que relembrar que, no que respeita às audições de [confidencial], na fase da petição, a recorrente não tinha nenhuma informação sobre a existência das mesmas. Assim, nas circunstâncias específicas do presente processo, não pode ser criticada por ter fornecido tais precisões no anexo da petição em apoio dos seus argumentos relacionados com as reuniões e conferências telefónicas com terceiros.

265    Como alega, portanto, a recorrente no referido anexo, tendo em conta a identidade do terceiro em causa e o conteúdo da decisão impugnada, a Comissão poderia efetivamente ter recolhido nas audições em questão informações úteis à sua defesa sobre as características comparativas dos seus chipsets e dos dos seus concorrentes, sobre as exigências da Apple em relação às de outros OEM ou ainda sobre a possibilidade de a Apple se fornecer junto dos seus concorrentes para todos os seus modelos ou alguns deles. Além disso, no considerando 322 da decisão impugnada, a Comissão concluiu, sem fornecer nenhum esclarecimento ou referência, que a Apple não tinha nenhuma alternativa técnica à recorrente para satisfazer as suas necessidades em chipsets LTE para os iPhones, entre 2011 e 2015.

266    Decorre de tudo o que precede que, atendendo às circunstâncias de facto e de direito específicas do presente processo, uma vez que não foram redigidas pela Comissão notas das audições em causa e que não foi dada à recorrente ou aos seus representantes nenhuma informação sobre a própria existência dessas audições, a não ser no decurso do presente processo em resposta aos argumentos baseados nas provas adicionais de 26 de julho de 2019, a Comissão violou os direitos de defesa da recorrente. Com efeito, os elementos juntos aos autos pela recorrente tendem a demonstrar que as audições de [confidencial], ou seja [confidencial] poderiam ter revelado informações essenciais para a tramitação ulterior do processo que poderiam ter sido relevantes para a recorrente, permitindo‑lhe assegurar melhor a sua defesa.

267    Tendo em conta esta violação dos direitos de defesa da recorrente, há que julgar procedente a terceira parte do primeiro fundamento do recurso na medida em que diz respeito à conferência telefónica e à reunião com [confidencial], relativamente às quais foram comunicadas informações à recorrente no decurso do presente processo em resposta aos argumentos baseados nas provas adicionais de 26 de julho de 2019.

268    Nas circunstâncias do presente processo, há que prosseguir o exame da presente parte no que diz respeito igualmente à reunião com um terceiro relativamente à qual foram comunicadas informações à recorrente no decurso do presente processo em resposta às medidas de instrução de 12 de outubro de 2020.

c)      Quanto à reunião com um terceiro relativamente à qual foram comunicadas informações à recorrente no decurso do presente processo em resposta às medidas de instrução de 12 de outubro de 2020

1)      Recapitulação dos elementos contextuais

269    Resulta dos elementos juntos aos autos que, em resposta às medidas de instrução de 12 de outubro de 2020 destinadas a obter mais informações sobre o contexto da conferência telefónica com [confidencial] de [confidencial], a Comissão fez referência, na versão confidencial do requerimento de 19 de novembro de 2020, a uma reunião com um terceiro informador que requereu o anonimato, reunião realizada a pedido deste terceiro e que teve lugar antes de a Comissão ter iniciado o inquérito mencionado no n.o 5, supra, e, nomeadamente, antes do envio dos pedidos de informações referidos nos n.os 6 e 15, supra.

270    A Comissão apresentou igualmente no Tribunal Geral a inscrição, num calendário eletrónico, da data desta reunião e duas mensagens de correio eletrónico internas com conteúdo, em substância, idêntico relativo à referida reunião (a seguir «mensagens de correio eletrónico internas»).

271    Importa recordar que a versão confidencial do requerimento de 19 de novembro de 2020 foi levada ao conhecimento dos representantes da recorrente, sob reserva da subscrição prévia de um compromisso de confidencialidade, inclusive em relação à recorrente, enquanto uma versão não confidencial do requerimento de 19 de novembro de 2020, apresentada pela Comissão em 26 de abril de 2021, foi levada ao conhecimento da recorrente.

272    Na sequência da apresentação desses documentos, por intermédio dos seus representantes que assinaram o compromisso de confidencialidade, a recorrente alegou, em substância, que a Comissão tinha a obrigação de tomar e de lhe fornecer notas da reunião em causa, conforme decorre do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), para não violar os direitos de defesa da empresa objeto do inquérito. Ora, no caso vertente, a Comissão não guardou um registo da reunião em causa, embora a sua obrigação de tomar e de fornecer notas à empresa arguida estivesse bem estabelecida. Por intermédio dos seus representantes que assinaram o compromisso de confidencialidade, a recorrente sublinhou que o direito de acesso aos autos faz parte dos direitos processuais fundamentais e das garantias necessárias ao exercício adequado dos seus direitos de defesa e que, no caso em apreço, foi prejudicada pelo facto de a Comissão não ter tomado notas da reunião em causa e ter revelado a sua existência apenas perante o Tribunal Geral.

273    A Comissão retorquiu que a obrigação de registo prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 não se aplicava a essa reunião.

2)      Quanto à existência de uma irregularidade processual

274    A título preliminar, resulta dos elementos juntos aos autos e é pacífico entre as partes que, durante o procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada, a Comissão não informou a recorrente ou os seus representantes da existência, nem a fortiori do conteúdo dessa reunião. É também ponto assente que nem a inscrição num calendário eletrónico da data da reunião nem as mensagens de correio eletrónico internas apresentadas pela Comissão no Tribunal Geral foram objeto de registo nos autos do processo.

275    No entanto, a Comissão sustentou, na audiência, que a reunião com o terceiro informador se realizou antes de ter adotado o seu primeiro ato de inquérito e que, consequentemente, não estava sujeita às obrigações de registo previstas no artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, tal como confirmam os Acórdãos de 5 de outubro de 2020, Casino, Guichard‑Perrachon e AMC/Comissão (T‑249/17, recurso pendente, EU:T:2020:458), e de 5 de outubro de 2020, Les Mousquetaires e ITM Entreprises/Comissão (T‑255/17, pendente de recurso, EU:T:2020:460).

276    Ora, por um lado, é certo que, como a Comissão sublinhou na audiência, resulta da jurisprudência do Tribunal Geral referida no n.o 275, supra, que a obrigação de registo prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 não se impõe às audições prévias ao primeiro ato de inquérito (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2020, Casino, Guichard‑Perrachon e AMC/Comissão, T‑249/17, pendente de recurso, EU:T:2020:458, n.os 193 e 195).

277    No entanto, por outro lado, independentemente do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, há que recordar que, como sublinha a recorrente ao basear‑se na obrigação da Comissão de lhe fornecer as notas que deveria ter tomado nessa reunião e na importância do direito de acesso aos autos para o exercício dos seus direitos de defesa (v. n.o 272, supra), a Comissão deve respeitar as obrigações que lhe incumbem por força do direito de acesso aos autos do processo [v., por analogia, Acórdãos de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, EU:T:2005:367, n.o 67, e de 5 de outubro de 2020, HeidelbergCement e Schwenk Zement/Comissão, T‑380/17, EU:T:2020:471, n.o 652 (não publicado)], direito que constitui o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa (Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 68).

278    A este respeito, há que recordar que o direito de acesso aos autos nos processos em matéria de concorrência tem por objetivo permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, a fim de lhes permitir pronunciar‑se de forma útil sobre as conclusões a que a Comissão chegou na comunicação de acusações, com base nesses elementos (Acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245, n.o 334).

279    Em especial, decorre das referidas obrigações que se a Comissão se propõe utilizar, na sua decisão, um elemento de acusação transmitido de forma oral por um terceiro informador ou um denunciante, deve torná‑lo acessível às empresas destinatárias da comunicação de acusações, sendo caso disso, criando, para esse efeito, um documento escrito destinado a figurar no seu processo. Com efeito, não se pode admitir que o recurso à prática das interações orais com terceiros viole os direitos de defesa [v., neste sentido, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245, n.o 352; de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, EU:T:2005:367, n.o 67, e de 5 de outubro de 2020, HeidelbergCement e Schwenk Zement/Comissão, T‑380/17, EU:T:2020:471, n.o 652 (não publicado)].

280    Além disso, a própria Comissão defendeu, no âmbito do presente processo, a tese segundo a qual, independentemente do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, tinha a obrigação, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 279, supra, de tomar «notas sucintas» das reuniões com terceiros quando estes forneciam elementos de acusação que tencionasse usar (v. n.o 166, supra).

281    Era esse o caso da reunião com o terceiro informador. Com efeito, resulta das mensagens de correio eletrónico internas apresentadas pela Comissão no Tribunal Geral que o terceiro informador formulou alegações contra a recorrente, aderindo, em substância, à tese acolhida pela Comissão na sequência do procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada, como explicitada na epígrafe da subsecção 11.4.1 e na redação do considerando 412 da decisão, que indica que «[o]s pagamentos de exclusividade da [recorrente] reduz[iram] os incentivos da Apple para procurar fornecedores concorrentes de chipsets LTE».

282    Todavia, no caso em apreço, a Comissão não fez constar em nenhum documento, mesmo sucinto, nem em nenhum outro suporte os elementos fornecidos pelo terceiro informador relacionados com as suas alegações ou mesmo as respostas às eventuais questões que lhe pôs a este respeito. Aliás, as mensagens de correio eletrónico internas também não fazem referência a tais elementos.

283    Daqui resulta que a Comissão não cumpriu as suas obrigações quando não fez referência à reunião realizada com o terceiro informador e quando não incluiu nos autos do processo um documento escrito que tornasse acessíveis os elementos de acusação transmitidos oralmente pelo terceiro informador.

284    Acresce que, como decorre do n.o 250, supra, esta violação não pode ser sanada pelo simples facto de a Comissão ter referido essa reunião no decurso do presente processo judicial.

285    Além disso, a circunstância de, no caso em apreço, o terceiro informador não ter pretendido apresentar uma denúncia formal e participar no inquérito enquanto denunciante, e ter pedido que a sua iniciativa fosse tratada de forma anónima e confidencial, não pode isentar a Comissão do cumprimento das suas obrigações e permitir‑lhe violar os direitos de defesa da empresa arguida.

286    Com efeito, a eventual proteção que, em determinadas circunstâncias, a Comissão pode legitimamente conceder a uma pessoa singular ou coletiva que formula alegações acusatórias sobre o comportamento alegadamente anticoncorrencial de uma empresa deve ser conciliada com o respeito dos referidos direitos de defesa e, sendo o caso, concedida de forma que não torne inútil o exercício desses direitos, e, designadamente nas circunstâncias específicas do presente processo, elaborando uma versão não confidencial e anónima do documento escrito ou, devido às circunstâncias factuais muito particulares ou mesmo únicas do presente processo, permitindo o acesso à versão confidencial do documento escrito apenas aos representantes da empresa arguida que tenham assinado um compromisso de confidencialidade.

287    Decorre de tudo o que precede que, relativamente à reunião com o terceiro informador, nas circunstâncias do presente processo, a Comissão não cumpriu as obrigações de tornar acessíveis os elementos de acusação transmitidos oralmente pelo terceiro informador.

3)      Quanto à violação dos direitos de defesa

288    No que respeita às consequências que importa retirar da conclusão efetuada no n.o 287, supra, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 160 e 161, supra, há que determinar se, atendendo às circunstâncias de facto e de direito específicas do presente processo, a recorrente demonstrou de forma bastante que poderia ter assegurado melhor a sua defesa na falta da referida irregularidade processual.

289    Importa começar por salientar que a recorrente alegou, por intermédio dos seus representantes que assinaram o compromisso de confidencialidade, que a Comissão tinha violado os seus direitos de defesa, na medida em que um registo adequado da reunião em causa poderia ter contido elementos ilibatórios, incluindo sobre a motivação do terceiro informador, em que a Comissão aceitou sem exame crítico as declarações do terceiro informador e baseou a sua argumentação nas mesmas e em que a proteção do anonimato do terceiro informador não estava justificada. A recorrente acrescentou, por intermédio dos seus representantes que assinaram o compromisso de confidencialidade, que, se tivesse tido conhecimento da reunião em causa no decurso do procedimento administrativo, teria podido defender‑se de forma diferente, apresentar argumentos adicionais, fornecer esclarecimentos sobre a validade e credibilidade do pedido de anonimato do terceiro informador, suscitar a questão junto do conselheiro auditor, do membro da Comissão responsável pela concorrência ou do Provedor de Justiça Europeu e pedir o acesso a documentos internos da Comissão.

290    Antes de mais, uma vez que, conforme salientado no n.o 281, supra, as mensagens de correio eletrónico internas fazem referência a alegações acusatórias formuladas pelo terceiro informador na reunião em causa, importa recordar, por um lado, que resulta dos elementos juntos aos autos que a tese adotada pela Comissão na decisão impugnada — como explicitada na epígrafe da subsecção 11.4.1 e na redação do considerando 412 da decisão — adere às alegações acusatórias formuladas pelo terceiro informador na reunião em causa. Por outro lado, é ponto assente que a recorrente — como o Tribunal Geral — não dispõe de nenhuma indicação precisa sobre os elementos de acusação fornecidos oralmente pelo terceiro informador em apoio dessas alegações. Nestas condições, o Tribunal Geral não pode, portanto, determinar em que medida, na decisão impugnada, a Comissão se baseou nesses elementos ou até, como afirma a recorrente por intermédio dos seus representantes que assinaram o compromisso de confidencialidade, foi indevidamente influenciada pelas declarações do terceiro informador.

291    No entanto, nas circunstâncias específicas do presente processo, não se pode contestar que, como alega, em substância, a recorrente por intermédio dos seus representantes que assinaram o compromisso de confidencialidade, essa reunião teve impacto no âmbito do procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada, sem que a recorrente pudesse fazer valer o seu ponto de vista sobre a origem, o fundamento e a credibilidade das alegações acusatórias formuladas pelo terceiro informador, as quais aderem a um aspeto central do raciocínio seguido pela Comissão na decisão impugnada contra a recorrente. Além disso, o argumento da Comissão segundo o qual as informações fornecidas pelo terceiro informador na reunião em causa não foram usadas na decisão impugnada, cujas alegações foram provadas por outros elementos, não pode ser acolhido. Com efeito, este argumento subentende que o terceiro informador forneceu outras informações, eventualmente ilibatórias, às quais a Comissão ainda não fez referência. Seja como for, as informações precisas fornecidas por esse terceiro na reunião em causa mantêm‑se desconhecidas.

292    Em seguida, importa observar que as mensagens de correio eletrónico internas fornecem igualmente algumas indicações sobre as razões que levaram a Comissão a conceder o anonimato e a confidencialidade ao terceiro informador. Ora, como sublinha pertinentemente a recorrente por intermédio dos seus representantes que assinaram o compromisso de confidencialidade, esta poderia assegurar melhor a sua defesa se lhe tivesse sido dada a possibilidade, sendo o caso, nas circunstâncias muito particulares do presente processo, por intermédio dos seus representantes que atuam ao abrigo de um compromisso de confidencialidade, de formular observações, na fase do procedimento administrativo, sobre os elementos invocados pelo terceiro informador em apoio do seu pedido de anonimato e de confidencialidade. Com efeito, o eventual indeferimento deste pedido poderia ter influenciado a defesa da recorrente na sua resposta à comunicação de acusações, ou até a tramitação do procedimento administrativo, ao implicar, nomeadamente, uma verificação contraditória das alegações acusatórias formuladas pelo terceiro informador.

293    Por último, além das indicações que resultam das mensagens de correio eletrónico internas relativas, por um lado, às alegações acusatórias formuladas pelo terceiro informador e, por outro, às razões que levaram a Comissão a conceder‑lhe o anonimato e a confidencialidade (n.os 290 e 292, supra), é ponto assente que a recorrente — como o Tribunal Geral — não dispõe de nenhuma indicação sobre se, na reunião em causa, foram discutidos entre o terceiro informador e a Comissão outros aspetos pertinentes para o inquérito que conduziu à adoção da decisão impugnada.

294    Assim, o Tribunal Geral não pode determinar com segurança tudo o que pôde ter sido objeto de discussão nessa reunião e em que medida foram transmitidos oralmente à Comissão pelo terceiro informador elementos ilibatórios, elementos neutros ou ainda elementos factuais (v., por analogia, n.os 207 e 257, supra).

295    Por conseguinte, é forçoso constatar que, nas circunstâncias específicas do presente processo, tendo em conta igualmente as precisões fornecidas pela Comissão na versão confidencial do requerimento de 19 de novembro de 2020, à qual os representantes da recorrente que assinaram o compromisso de confidencialidade tiveram acesso, o conhecimento da existência da reunião em causa e dos elementos transmitidos à Comissão pelo terceiro informador poderia ter sido útil para a defesa da recorrente.

296    Resulta de tudo o que precede que, tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito específicas do presente processo, na medida em que a Comissão não procedeu a nenhum registo da reunião com o terceiro informador e a recorrente ou os seus representantes não receberam nenhuma informação sobre a própria existência desta reunião, a não ser no decurso do presente processo em resposta às medidas de instrução de 12 de outubro de 2020, a Comissão violou os direitos de defesa da recorrente. Com efeito, os elementos juntos aos autos na sequência da medida de instrução de 12 de outubro de 2020 tendem a demonstrar que podem ter sido mencionadas nessa reunião informações essenciais para a tramitação ulterior do processo que fossem pertinentes para a recorrente, permitindo‑lhe assegurar melhor a sua defesa.

297    Tendo em conta esta violação dos direitos de defesa da recorrente, há que julgar procedente a terceira parte do primeiro fundamento de recurso na medida em que é referente à reunião com um terceiro relativamente à qual foram comunicadas informações à recorrente no decurso do presente processo em resposta às medidas de instrução de 12 de outubro de 2020.

298    Nas circunstâncias do presente processo, há que prosseguir o exame do primeiro fundamento no que diz respeito à sua primeira parte.

3.      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à violação dos direitos de defesa, na medida em que tem por objeto as diferenças entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada

299    A primeira parte do primeiro fundamento é relativa à violação dos direitos de defesa, na medida em que a comunicação de acusações e a decisão impugnada diferem em pontos essenciais da análise e das acusações formuladas contra a recorrente.

300    Esta parte divide‑se, em substância, em cinco alegações. Em especial, a primeira alegação é relativa ao facto de a comunicação de acusações fazer referência a um abuso nos mercados dos chipsets UMTS e dos chipsets LTE, ao passo que a decisão impugnada refere apenas um abuso no mercado dos chipsets LTE. A quarta alegação é relativa ao facto de, como reflexo da limitação do âmbito do abuso, «a parte “disputável” da procura da Apple tida em conta na comunicação de acusações ser totalmente diferente da considerada na decisão impugnada».

301    Por outro lado, no âmbito da terceira parte do terceiro fundamento do recurso e, especialmente, da sua sexta alegação, a recorrente invocou, remetendo para a primeira parte do primeiro fundamento, uma violação dos seus direitos de defesa e do seu direito a ser ouvida pelo facto de a decisão impugnada se afastar da teoria do prejuízo enunciada na comunicação de acusações.

302    Por conseguinte, há que examinar conjuntamente a primeira e quarta alegação da primeira parte do primeiro fundamento, à luz igualmente da sexta alegação da terceira parte do terceiro fundamento.

303    A este respeito, a recorrente alega que os acordos e pagamentos em causa são referentes aos dois tipos de chipsets utilizados nos aparelhos da Apple (UMTS e LTE), mas que a decisão impugnada, ao contrário da comunicação de acusações, refere um abuso apenas no mercado dos chipsets LTE. A recorrente indica que foi privada da possibilidade de fazer valer o seu ponto de vista sobre a análise da margem crítica apresentada na decisão impugnada tendo em conta a diferente parte disputável da procura da Apple, quando o âmbito mais restrito da decisão impugnada não lhe é favorável a esse respeito e que esses elementos são essenciais para apreciar a capacidade de exclusão em conformidade com o n.o 140 do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632). Sublinha que, apesar de a decisão impugnada se afastar sensivelmente da comunicação de acusações, não teve a possibilidade de responder às objeções sobre a análise da margem crítica ou de corrigir a análise revista da Comissão.

304    A recorrente acrescenta que a alteração das conclusões sobre os chipsets em causa e sobre a parte disputável da procura da Apple não lhe é favorável. A Comissão retirou da decisão impugnada as acusações relativas ao fornecimento de pelo menos [confidencial] de chipsets UMTS, sendo, portanto, lícitos os pagamentos relativos a estes chipsets. Todavia, na decisão impugnada, a Comissão abstraiu dessas unidades, falseando a análise em detrimento da recorrente, uma vez que os pagamentos referentes aos chipsets UMTS deviam ter sido excluídos da análise da margem crítica.

305    A Comissão retorque que as diferenças observadas pela recorrente incidem sobre o mesmo comportamento e não criaram um novo direito a ser ouvida e que não tinha a obrigação de lhe dirigir uma comunicação de acusações adicional. Em especial, a limitação das acusações unicamente aos chipsets LTE é favorável à recorrente e é demonstrativa de que a Comissão respeitou o seu direito a ser ouvida. Além disso, a Comissão não estava obrigada a discutir com a recorrente sobre as suas dúvidas relativas às hipóteses nas quais se baseava a análise da margem critica apresentada pela recorrente. A Comissão não se baseou em nenhum modelo económico para concluir que os pagamentos de exclusividade eram capazes de produzir efeitos anticoncorrenciais e apenas concluiu que a análise da margem critica da recorrente não punha em causa as suas conclusões. Não pode ser declarada nenhuma violação do direito de ser ouvido, na medida em que a análise da margem crítica foi apresentada pela recorrente e em que a Comissão não se baseou numa outra versão da referida análise. Além disso, a Comissão não tem a obrigação de dar à empresa a possibilidade de apresentar as suas observações sobre a apreciação final dos seus fundamentos de defesa antes da adoção da decisão.

306    A Comissão acrescenta que o argumento relativo aos [confidencial] de chipsets UMTS sobre os quais um fornecedor concorrente teria podido igualmente repartir os custos ligados à compensação dos pagamentos de exclusividade é inadmissível, porque não foi invocado na petição, e desprovido de pertinência, uma vez que os aparelhos UMTS da Apple eram aparelhos existentes e não eram disputáveis para efeitos da análise da margem crítica, tendo o último sido lançado em 2011, quando a análise da margem crítica considera 2012 como primeiro ano de referência. Do mesmo modo, o argumento relativo ao caráter desfavorável da eliminação das acusações referentes aos chipsets UMTS, além de ser inadmissível pelas mesmas razões, é infundado, uma vez que a recorrente não demonstra de que forma teve consequências desfavoráveis, tanto mais que foi a recorrente, na resposta à comunicação de acusações, que sustentou que a Comissão devia retirar as suas acusações referentes aos chipsets UMTS.

307    A título preliminar, importa recordar que o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 prevê o envio às partes de uma comunicação de acusações. Esta comunicação deve enunciar, de forma clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento (Despacho de 7 de julho de 2016, Panasonic/Comissão, C‑608/15 P, não publicado, EU:C:2016:538, n.o 20).

308    Todavia, esta indicação pode ser sumária e a decisão da Comissão pela qual esta declara a existência de uma infração não deve necessariamente ser uma cópia da exposição das acusações efetuada na comunicação de acusações, uma vez que esta comunicação constitui um documento preparatório cujas apreciações de facto e de direito têm caráter puramente provisório. Com efeito, a Comissão deve ouvir os destinatários da comunicação de acusações e, se for caso disso, levar em conta as suas observações em resposta às acusações e alterar a sua análise, precisamente para respeitar o seu direito de defesa (Despacho de 7 de julho de 2016, Panasonic/Comissão, C‑608/15 P, não publicado, EU:C:2016:538, n.o 21).

309    Além disso, a comunicação de acusações constitui um ato processual preparatório da decisão, que constitui o último ato do procedimento administrativo. Consequentemente, até à adoção de uma decisão final, a Comissão pode, tendo nomeadamente em conta as observações escritas e orais das partes, abandonar algumas ou mesmo todas as acusações inicialmente formuladas contra elas, modificando a sua posição a favor das mesmas ou, pelo contrário, decidir acrescentar novas acusações, desde que permita que as empresas em causa tenham oportunidade de dar a conhecer o seu ponto de vista a esse respeito (Acórdão de 27 de junho de 2012, Microsoft/Comissão, T‑167/08, EU:T:2012:323, n.o 184).

310    A comunicação de um complemento de acusações aos interessados só é necessária se o resultado das averiguações levar a Comissão a imputar às empresas atos novos ou a modificar sensivelmente os elementos de prova das infrações contestadas, mas não o é quando a Comissão cumpre o seu dever de abandonar acusações que, à luz das respostas à comunicação de acusações, se tenham revelado infundadas (Acórdão de 27 de junho de 2012, Microsoft/Comissão, T‑167/08, EU:T:2012:323, n.o 191).

311    É à luz destes princípios que os argumentos da recorrente devem ser examinados.

312    Estes argumentos versam, em substância, sobre três aspetos distintos.

313    Em primeiro lugar, na medida em que os argumentos da recorrente visam, em geral, o facto de a Comissão, no considerando 388 da decisão impugnada, ter declarado a existência de um abuso unicamente no mercado dos chipsets LTE, ao passo que, nos considerandos 254 e 256 da comunicação de acusações, referia um abuso no mercado dos chipsets LTE e no mercado dos chipsets UMTS, esta circunstância, embora seja exata, não implica, enquanto tal, uma irregularidade processual, nem a fortiori uma violação dos direitos de defesa da recorrente.

314    Com efeito, na decisão impugnada, a Comissão procedeu a uma limitação das infrações imputadas à recorrente em relação às que tinha considerado na comunicação de acusações, tendo abandonado a infração no mercado dos chipsets UMTS. Por outras palavras, a Comissão não acrescentou novas acusações ou elementos de prova contra a recorrente, mas abandonou acusações que, à luz das respostas à comunicação de acusações, se revelaram infundadas. Ora, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 309 e 310, supra, essa alteração não implica uma obrigação para a Comissão de comunicar à recorrente um complemento de acusações.

315    Em segundo lugar, os argumentos da recorrente apontam o facto de a Comissão não lhe ter dado a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre as razões que a levaram, na decisão impugnada, a excluir a análise da margem crítica que tinha apresentado na sua resposta à comunicação de acusações. Ora, importa salientar que, antes da adoção da decisão impugnada, a Comissão não tem a obrigação de dar à recorrente a possibilidade de formular observações sobre as razões pelas quais tenciona rejeitar a referida análise na decisão impugnada. Com efeito, o direito de ser ouvido é extensivo a todos os elementos de facto ou de direito que constituem o fundamento do ato decisório, mas não à posição final que a administração entenda adotar (v. Acórdão de 15 de março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, EU:T:2006:74, n.o 94 e jurisprudência referida; Acórdãos de 19 de maio de 2010, IMI e o./Comissão, T‑18/05, EU:T:2010:202, n.o 109, e de 9 de março de 2015, Deutsche Börse/Comissão, T‑175/12, não publicado, EU:T:2015:148, n.o 344).

316    Em terceiro lugar, a recorrente critica o facto de a Comissão, ao mesmo tempo que abandonou as acusações relativas aos chipsets UMTS, não ter tido em conta este abandono no seu exame da análise da margem crítica e não lhe ter dado a possibilidade de apresentar observações sobre as consequências a retirar dessa circunstância no que diz respeito à análise da margem crítica, o que lhe foi desfavorável. Como resulta dos seus articulados e das explicações que deu na audiência, a recorrente critica o facto de a Comissão não lhe ter permitido ser ouvida sobre os dados utilizados na análise da margem crítica tendo em conta o abandono das acusações sobre os chipsets UMTS e, assim, adaptar esses dados.

317    A título preliminar, há que recordar que, como decorre da jurisprudência referida no n.o 159, supra, o respeito dos direitos de defesa implica que qualquer destinatário de uma decisão que declare que este cometeu uma infração aos direitos da concorrência deve ter a possibilidade, ao longo do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre as acusações que lhe são imputadas.

318    Em especial, a empresa em causa pode sustentar, durante o procedimento administrativo, com base em elementos de prova, que o seu comportamento não foi capaz de restringir a concorrência e, em particular, de produzir os efeitos de exclusão imputados (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 138).

319    No caso em apreço, é pacífico que a comunicação de acusações transmitida pela Comissão à recorrente se referia a um abuso de posição dominante tanto no mercado dos chipsets LTE como no mercado dos chipsets UMTS. Por outras palavras, a comunicação de acusações referia‑se a um abuso que abrangia dois mercados.

320    É igualmente ponto assente que, na sua resposta à comunicação de acusações, a recorrente apresentou uma «análise da margem crítica» destinada a demonstrar que a conduta que lhe era imputada não era capaz de produzir efeitos de exclusão nesses dois mercados.

321    Como foi expressamente confirmado pela recorrente em resposta a uma medida de organização do processo do Tribunal Geral, sem ter sido contradita pela Comissão, a análise da margem crítica apresentada em resposta à comunicação de acusações era referente aos chipsets UMTS e aos chipsets LTE abrangidos pelos acordos em causa e baseava‑se nos dados inerentes a estes dois tipos de chipsets.

322    A análise da margem crítica apresentada pela recorrente é descrita no considerando 487 da decisão impugnada e sintetizada no quadro 16 que figura neste considerando.

323    Em substância, trata‑se de uma análise económica que visa demonstrar que um hipotético concorrente tão eficaz como a recorrente podia concorrer com esta última no fornecimento dos chipsets LTE e UMTS à Apple, uma vez que esse concorrente teria estado em condições de propor um preço que cobrisse os seus custos, enquanto podia compensar a Apple pela perda dos pagamentos em causa.

324    É igualmente ponto assente que, antes de concluir que a recorrente tinha abusado da sua posição dominante unicamente no mercado dos chipsets LTE, a Comissão excluiu, na decisão impugnada, esta mesma análise da margem crítica apresentada pela recorrente em resposta à comunicação de acusações. Como a Comissão referiu expressamente nos seus articulados, esta não se pronunciou sobre uma outra versão desta análise.

325    Em especial, na decisão impugnada, a Comissão apresentou essa análise, indicou as razões pelas quais não podia ser acolhida e apresentou uma análise «revista» que incluía as suas correções.

326    Decorre, aliás, da decisão impugnada que a Comissão excluiu a análise da margem crítica apresentada pela recorrente devido à presença de três hipóteses alegadamente erradas, hipóteses que corrigiu na sua análise «revista», e não pôs de modo algum em causa o facto de a referida análise constituir, enquanto tal, um instrumento que permitia contestar a capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos de exclusão.

327    Por outras palavras, na decisão impugnada, a Comissão excluiu, por um lado, a análise da margem crítica apresentada em resposta à comunicação de acusações e cujos dados eram referentes tanto aos chipsets LTE como aos chipsets UMTS e, por outro, procedeu a uma análise da margem crítica «revista», baseando‑se sempre nos dados relativos quer aos chipsets LTE quer aos chipsets UMTS, ainda que, nos considerandos 487, 491, 492, 498, 499 e 503 da decisão impugnada, ao referir‑se a essa análise, tenha erradamente feito referência apenas aos chipsets LTE.

328    Na decisão impugnada, a Comissão apresentou, examinou e reviu, portanto, uma análise da margem crítica (relativa ao mercado tanto dos chipsets UMTS como dos chipsets LTE) que não era, ou já não era, pertinente em relação ao abuso considerado na referida decisão (relativo apenas ao mercado dos chipsets LTE).

329    Ora, ao proceder desta forma, independentemente do mérito das três objeções formuladas contra as hipóteses consideradas na análise da margem crítica da recorrente e das correções efetuadas a este respeito na análise «revista» da margem crítica, a Comissão violou os direitos de defesa da recorrente.

330    Com efeito, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 318, supra, a recorrente podia basear‑se num elemento como a análise da margem crítica apresentada em resposta à comunicação de acusações para sustentar que o seu comportamento não tinha a capacidade de restringir a concorrência e, particularmente, de produzir efeitos de exclusão.

331    A recorrente invocou essa possibilidade ao consagrar, na secção da sua resposta à comunicação de acusações destinada a demonstrar a inexistência de efeitos de exclusão (secção VII), uma subsecção à apresentação da sua análise da margem crítica (subsecção VII.F). Esta análise da margem crítica tinha, portanto, um papel importante na defesa da recorrente contra as acusações imputadas pela Comissão. Aliás, a Comissão, na secção da decisão impugnada relativa à existência de um abuso de posição dominante (secção 11), consagrou uma secção ao exame e à refutação desta análise da margem crítica (secção 11.5).

332    Ora, a possibilidade de uma empresa sustentar que um comportamento não tem capacidade para restringir a concorrência e, especialmente, de produzir efeitos de exclusão, apoiando‑se numa análise económica como a análise da margem crítica apresentada no caso em apreço pela recorrente, é desprovida de efeito útil se o âmbito do comportamento imputado for alterado pela Comissão após a comunicação de acusações no que respeita, designadamente, aos mercados em causa.

333    Com efeito, a definição do âmbito do comportamento imputado tem incidência nos dados económicos utilizados na referida análise, no que respeita, designadamente, aos custos e aos preços unitários dos produtos em causa, à parte disputável do mercado ou ainda aos custos que um concorrente igualmente eficaz teria de suportar.

334    Uma análise da margem crítica que incide sobre dois mercados de produtos alegadamente distintos e não substituíveis (como, segundo a decisão impugnada, os mercados dos chipsets UMTS e dos chipsets LTE) difere necessariamente de uma análise que incide sobre um único destes dois mercados (como o mercado apenas dos chipsets LTE).

335    Em especial, no caso vertente, a limitação do abuso imputado ao único mercado dos chipsets LTE tem incidência nos parâmetros essenciais de uma análise como a análise da margem crítica. Primeiro, trata‑se, nomeadamente, do montante dos pagamentos em causa, uma vez que, como sublinha a recorrente, os pagamentos correspondentes aos chipsets UMTS deveriam ter sido excluídos da análise da margem crítica. Em seguida, trata‑se da parte discutível tida em conta na análise da margem crítica, isto é, da parte da procura da Apple sobre a qual um concorrente tão eficaz como a recorrente poderia entrar com ela em concorrência e sobre a qual poderia repartir os custos necessários para compensar a Apple da perda dos pagamentos em causa. Por último, trata‑se dos custos e dos preços dos chipsets tidos em conta na análise da margem crítica, uma vez que a Comissão considerou, nomeadamente, na decisão impugnada que os preços médios dos chipsets UMTS e LTE não eram semelhantes (considerando 217 da decisão impugnada).

336    Por conseguinte, na medida em que a Comissão procedeu a uma alteração das acusações com impacto sobre a pertinência dos dados em que se baseava a análise da margem crítica apresentada pela recorrente em resposta à comunicação de acusações para sustentar que o seu comportamento não era capaz de produzir efeitos de exclusão, esta empresa devia, para poder exercer utilmente os seus direitos de defesa, ter a possibilidade de ser ouvida e, sendo o caso, adaptar a referida análise económica, mesmo que, nessa situação, não fosse exigida a comunicação pela Comissão de um «complemento de acusações» em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 310, supra, e as constatações efetuadas nos n.os 313 e 314, supra.

337    Com efeito, a comunicação das acusações é, pela própria natureza, provisória e suscetível de sofrer alterações no momento da avaliação que a Comissão faz posteriormente com base nas observações que lhe foram apresentadas em resposta pelas partes e no apuramento de outros factos. Devido a este caráter provisório, a comunicação de acusações em nada impede a Comissão de alterar a sua posição a favor das empresas em causa, sem no entanto estar obrigada a explicar eventuais diferenças em relação às suas apreciações provisórias contidas nessa comunicação (Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service, C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.o 36).

338    No entanto, estas considerações não permitem considerar que a Comissão possa, após a comunicação de acusações, alterar o âmbito das acusações sobre as quais a empresa em causa apresentou uma análise económica como a análise da margem crítica apresentada no caso em apreço pela recorrente sem dar conhecimento da alteração a esta empresa e lhe permitir apresentar as suas observações a este respeito, adaptando, se for o caso, a análise económica anteriormente apresentada. Com efeito, tal interpretação seria contrária ao princípio do respeito dos direitos de defesa e ao disposto no artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, que exigem que a empresa em causa tenha tido a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre as acusações formuladas pela Comissão (v., por analogia, Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service, C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.os 31 e 37).

339    Com efeito, embora a Comissão possa excluir, na decisão impugnada, a análise da margem crítica apresentada pela recorrente relativa ao mercado dos chipsets LTE e ao mercado dos chipsets UMTS, ao considerar que esta não punha em causa as suas conclusões referentes unicamente ao mercado dos chipsets LTE, não se pode daí deduzir que teria podido excluir da mesma forma uma análise da margem crítica relativa unicamente ao mercado dos chipsets LTE.

340    Por conseguinte, é forçoso constatar que, no caso em apreço, para poder dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre o efeito de exclusão imputado e, assim, assegurar melhor a sua defesa, a recorrente devia ter tido a possibilidade de ser ouvida e, sendo o caso, de adaptar a sua análise da margem crítica a fim de ter em conta a eliminação das acusações inerentes aos chipsets UMTS e cujo fornecimento já não era censurado pela Comissão.

341    Esta conclusão não é posta em causa pelas alegações da Comissão que contestam a admissibilidade e a pertinência do argumento da recorrente referente ao número de chipsets UMTS que não foi tido em conta a seu desfavor (n.o 306, supra). Por um lado, este argumento foi invocado pela recorrente na réplica para sustentar o fundamento constante da petição segundo o qual a alteração do âmbito do abuso que excluiu os chipsets UMTS lhe foi desfavorável no que diz respeito à sua análise da margem crítica. O referido argumento é, portanto, admissível. Por outro lado, a recorrente incluiu os chipsets UMTS na análise da margem crítica apresentada em resposta à comunicação de acusações, uma vez que esta última previa igualmente um abuso no mercado dos chipsets UMTS e, a este respeito, indicava expressamente com base nos dados fornecidos pela Apple que esta se tinha fornecido em chipsets UMTS junto da recorrente, de 2011 a 2014, num número total de unidades correspondente, em substância, ao invocado pela recorrente (v. quadro 14 da comunicação de acusações). O argumento da recorrente não é, assim, irrelevante.

342    Daqui resulta que a Comissão violou os direitos de defesa da recorrente, uma vez que não ouviu a recorrente sobre as consequências a retirar da eliminação das acusações relativas ao mercado dos chipsets UMTS na análise da margem crítica apresentada pela recorrente para demonstrar que a conduta que lhe era imputada não era capaz de restringir a concorrência e, particularmente, de produzir efeitos de exclusão.

343    Atendendo a esta violação dos direitos de defesa da recorrente, há que julgar igualmente procedente a primeira parte do primeiro fundamento do recurso.

4.      Conclusão

344    Resulta do exame do primeiro fundamento do recurso, especialmente, da sua primeira e terceira parte, que o procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada enferma de várias irregularidades processuais que afetaram os direitos de defesa da recorrente.

345    Por estas razões, atendendo às violações dos direitos de defesa da recorrente verificadas no âmbito do exame da primeira e terceira parte do primeiro fundamento, consideradas individual ou conjuntamente, e sem que seja necessário pronunciar‑se sobre as outras partes invocadas pela recorrente, há que julgar procedente o primeiro fundamento do recurso e, consequentemente, anular a decisão impugnada.

346    Nas circunstâncias do presente processo, no interesse de uma boa administração da justiça, importa igualmente examinar o terceiro fundamento do recurso.

C.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros manifestos de direito e de apreciação no que respeita à conclusão de que os acordos em causa eram capazes de produzir potenciais efeitos anticoncorrenciais

347    O terceiro fundamento baseia‑se em três partes. A primeira é relativa a um erro manifesto de direito e a uma violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, na medida em que a Comissão não aplicou a correta norma jurídica. A segunda é relativa a erros manifestos de direito e de apreciação, na medida em que a Comissão não seguiu a jurisprudência sobre as práticas tarifárias. A terceira é relativa a um erro manifesto de apreciação, na medida em que a Comissão concluiu que os acordos em causa eram capazes de produzir potenciais efeitos anticoncorrenciais.

348    Há que examinar a terceira parte.

1.      Observações preliminares

a)      Recapitulação dos princípios jurisprudenciais

349    Importa recordar que o artigo 102.o TFUE não tem, de modo algum, como finalidade impedir que uma empresa conquiste, pelos seus próprios méritos, a posição dominante num mercado. Esta disposição também não visa assegurar que concorrentes menos eficazes que a empresa que detém uma posição dominante permaneçam no mercado (Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 21, e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 133).

350    O artigo 102.o TFUE proíbe, nomeadamente, que uma empresa que detenha uma posição dominante leve a cabo práticas que produzam efeitos de exclusão dos seus concorrentes considerados tão eficazes como ela própria, e reforce a sua posição dominante através do recurso a meios diferentes daqueles que decorrem de uma concorrência pelo mérito (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 136 e jurisprudência referida).

351    Assim, nem todo o efeito de exclusão prejudica necessariamente o jogo da concorrência. Por definição, a concorrência pelo mérito pode conduzir ao desaparecimento do mercado ou à marginalização dos concorrentes menos eficazes e, portanto, menos interessantes para os consumidores do ponto de vista, nomeadamente, dos preços, das escolhas, da qualidade ou da inovação (Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 22, e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 134).

352    Neste contexto, incumbe, no entanto, à empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial de não prejudicar através do seu comportamento uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C 413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 135).

353    Neste âmbito, já foi declarado que o facto de uma empresa em posição dominante num mercado vincular compradores — mesmo que a pedido destes — por uma obrigação ou uma promessa de se abastecerem na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades exclusivamente junto da referida empresa constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE, quer essa obrigação tenha sido estipulada sem mais quer tenha a sua contrapartida na concessão de descontos. A situação é idêntica quando a dita empresa, sem vincular os compradores através de uma obrigação formal, aplica, quer em virtude de acordos celebrados com os compradores quer unilateralmente, um sistema de descontos de fidelidade, isto é, reduções de preço associadas à condição de o cliente, seja qual for o montante das suas compras, se abastecer exclusivamente, quanto à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 137 e jurisprudência referida).

354    Contudo, no caso de a empresa em causa sustentar, no procedimento administrativo, com base em elementos de prova, que o seu comportamento não foi capaz de restringir a concorrência e, em particular, de produzir os efeitos de exclusão imputados, cabe à Comissão proceder a uma análise da capacidade de exclusão de concorrentes pelo menos tão eficazes (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 138 a 140).

355    Com efeito, o caráter abusivo de um comportamento pressupõe que este tenha tido a capacidade de restringir a concorrência e, em especial, de produzir os efeitos de exclusão que lhe são imputados, devendo essa apreciação ser efetuada atendendo a todas as circunstâncias de facto relevantes que rodeiem o referido comportamento [v. Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 154 e jurisprudência referida].

356    Caso a Comissão efetue tal análise numa decisão, caberá ao Tribunal Geral examinar todos os argumentos do recorrente que põem em causa o mérito das declarações da Comissão sobre a capacidade de exclusão de concorrentes pelo menos tão eficazes, inerente à prática em causa (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 141).

357    Além disso, a este último respeito, há que recordar que o âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos nos termos do artigo 102.o TFUE cuja fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, é assegurada pelo Tribunal Geral à luz dos fundamentos invocados pelo recorrente e tendo em conta todos os elementos apresentados por este, quer sejam anteriores ou posteriores à decisão adotada, tenham sido apresentados previamente no âmbito do procedimento administrativo ou, pela primeira vez, no âmbito do recurso de que o Tribunal Geral é chamado a conhecer, na medida em que estes últimos elementos sejam pertinentes para a fiscalização da legalidade da decisão da Comissão (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 72).

358    Mesmo nos domínios que implicam apreciações complexas, o juiz da União deve, nomeadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar a situação e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se extraem (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 54).

359    Por último, no domínio do direito da concorrência, em caso de litígio sobre a existência de uma infração, cabe à Comissão provar as infrações que constata e apresentar os elementos de prova adequados a demonstrar, de forma juridicamente bastante, a existência de factos constitutivos de uma infração. A existência de uma dúvida no espírito do julgador deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração (Acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.os 71 e 72).

b)      Recapitulação da estrutura da decisão impugnada

360    Na secção 11 da decisão impugnada, que está dividida em oito secções, a Comissão concluiu que a recorrente tinha abusado da sua posição dominante (v. n.o 33, supra).

361    Em especial, na secção 11.3 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que os pagamentos em causa eram pagamentos de exclusividade (considerando 395 da decisão impugnada).

362    Na secção 11.4 da decisão impugnada, a Comissão indicou que a presunção de que a concessão dos pagamentos de exclusividade pela recorrente constituía um abuso de posição dominante era confirmada, nas circunstâncias do caso em apreço, pela análise da capacidade dos pagamentos em causa de ter efeitos anticoncorrenciais (considerando 406 da decisão impugnada). Esta secção está dividida em quatro subsecções.

363    Primeiro, a Comissão considerou que os pagamentos em causa tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar fornecedores concorrentes de chipsets LTE (subsecção 11.4.1 da decisão impugnada).

364    Segundo, a Comissão indicou que os documentos internos e as explicações da Apple confirmavam que os pagamentos em causa tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar fornecedores concorrentes de chipsets LTE (subsecção 11.4.2 da decisão impugnada).

365    Terceiro, a Comissão considerou que os pagamentos em causa abrangiam uma parte significativa do mercado dos chipsets LTE durante o período em causa (subsecção 11.4.3 da decisão impugnada).

366    Quarto, a Comissão considerou que a Apple era um cliente atrativo, dada a sua importância para a entrada ou a expansão no mercado relevante (subsecção 11.4.4 da decisão impugnada).

367    Na secção 11.5 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que a análise da margem crítica da recorrente não demonstrava que os seus pagamentos de exclusividade eram incapazes de ter efeitos anticoncorrenciais (considerando 488 da decisão impugnada).

c)      Recapitulação das alegações da recorrente

368    Como resulta dos n.os 361 e 362, supra, a Comissão não se limitou a qualificar os pagamentos em causa de pagamentos de exclusividade, tendo procedido a uma análise da capacidade dos referidos pagamentos de produzir efeitos anticoncorrenciais. Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 356, supra, compete ao Tribunal Geral examinar os argumentos da recorrente que visam pôr em causa o mérito dessa análise.

369    A este respeito, na terceira parte do terceiro fundamento, a recorrente formula oito alegações e alguns argumentos introdutórios através dos quais acusa a Comissão, em substância, de ter cometido erros manifestos de apreciação na sua análise da capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais e na sua apreciação da análise da margem crítica que tinha apresentado.

370    No que respeita à análise da capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais, há que examinar as três primeiras alegações da terceira parte do terceiro fundamento, bem como os respetivos argumentos introdutórios.

2.      Quanto à primeira alegação da terceira parte do terceiro fundamento, relativa à falta de tomada em consideração de todas as circunstâncias relevantes

371    A recorrente alega que a decisão impugnada não apresenta prova de que os acordos em causa eram capazes de resultar na exclusão anticoncorrencial de concorrentes. A Comissão não demonstrou que a Intel ou outra empresa concorrente estava em condições de respeitar as estritas exigências técnicas e de calendário da Apple. Pelo contrário, a decisão impugnada reconhece que nenhum concorrente estava em condições de fornecer chipsets LTE destinados aos iPhones durante todo o período em causa e não alega que os pagamentos em causa tenham tido incidência nas decisões de fornecimento da Apple para os iPads lançados de 2011 a 2013 e em 2016. A decisão impugnada esforça‑se para demonstrar a exclusão de um único concorrente (Intel) para o abastecimento dos iPads destinados a ser lançados em 2014 e 2015, o que representava menos de 1 % do mercado relevante e implicava que os pagamentos em causa não podiam excluir nenhum concorrente.

372    A recorrente sustenta que a Comissão não identificou, analisou ou interpretou alguns elementos de facto determinantes e que a decisão impugnada contém imprecisões quanto aos aparelhos e concorrentes em causa. A recorrente refere que, como reconhece a Comissão na decisão impugnada, os acordos em causa não puderam impedir o mínimo concorrente de fornecer chipsets LTE destinados aos modelos de iPhones lançados enquanto esses acordos estavam em vigor. Em especial, como resulta da decisão impugnada, a Apple não teve, entre 2011 e 2015, uma solução técnica alternativa para satisfazer as necessidades de chipsets LTE dos seus iPhones. Além disso, a Comissão não afirmava que os acordos em causa podiam impedir qualquer concorrente de fornecer chipsets LTE para os modelos de iPads lançados em 2011, 2012, 2013 e 2016. Assim, essencialmente, a Comissão invocou, apenas, uma possível exclusão da Intel para os chipsets LTE destinados aos iPads lançados em 2014 e 2015.

373    A recorrente acrescenta que a Comissão reconhece na contestação que a Apple não considerou a Intel um fornecedor credível de chipsets LTE utilizados nos telemóveis. A recorrente diz ter demonstrado que o mesmo sucedia com qualquer outro concorrente. Por último, a Comissão não respondeu aos argumentos segundo os quais a capacidade de exclusão deveria ter sido determinada em relação a todos os clientes de chipsets no mercado mais vasto em causa. Ora, a decisão impugnada nem sequer invoca a possível exclusão anticoncorrencial do mercado, por oposição à impossibilidade de fornecer um determinado cliente.

374    A Comissão retorque que os argumentos da recorrente assentam numa compreensão fundamentalmente errada da decisão impugnada. A Comissão concluiu que, durante o período em causa, a recorrente tinha concedido à Apple pagamentos de exclusividade relativos tanto aos iPhones como aos iPads capazes de ter efeitos anticoncorrenciais, sendo a Intel apenas um exemplo concreto dessa capacidade. Por conseguinte, as conclusões da Comissão incluem, designadamente, mas não unicamente, o facto de os pagamentos em causa terem realmente influenciado as decisões de compra da Apple para os iPads destinados a ser lançados em 2014 e 2015. Devido à compreensão errada da recorrente, é inútil que o Tribunal Geral examine a terceira parte do terceiro fundamento, mas, seja como for, a Comissão apresenta argumentos para refutar os da recorrente.

375    Assim, por um lado, a Comissão alega, primeiro, que a recorrente não apresenta de forma sistemática as circunstâncias relevantes nem as razões pelas quais a Comissão teria cometido um erro ao atribuir importância aos fatores em que se baseou. A Comissão recorda, depois, as circunstâncias enumeradas no considerando 411 da decisão impugnada. Especialmente, indica que a importância da posição dominante da recorrente, a taxa de cobertura do mercado e as condições em que os pagamentos foram concedidos são fatores a ter em conta, sublinha que a terceira parte do terceiro fundamento não aborda a questão da duração dos acordos em causa, precisa que o montante dos pagamentos em causa era elevado e explica que a decisão impugnada não se baseie na existência de uma estratégia de exclusão. Por último, a Comissão explica que, segundo a decisão impugnada, os pagamentos em causa eram capazes de ter efeitos anticoncorrenciais ao longo do período em causa e tinham tido realmente efeitos anticoncorrenciais sobre as decisões de compra dos chipsets LTE para os iPads que a Apple previa lançar em 2014 e 2015.

376    Por outro lado, a Comissão indica que não considerou o facto de a Intel ser um concorrente menos eficaz. A recorrente não teve em conta a conclusão formulada no considerando 464 da decisão impugnada de que a Apple considerava a Intel uma fonte interessante de chipsets LTE para os seus iPads. De qualquer modo, a conclusão reproduzida no considerando 486 não se baseou apenas na aceitação da Intel enquanto concorrente igualmente eficaz, uma vez que a Comissão teve em conta a capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos de exclusão para qualquer concorrente igualmente eficaz, referindo o considerando 426 da decisão impugnada que a Apple tinha considerado três outros fornecedores para os iPads que previa lançar em 2014.

377    A Comissão acrescenta que a insistência da recorrente em sustentar que a Intel não podia ser considerada um concorrente igualmente eficaz não tem nenhuma utilidade, uma vez que a conclusão relativa à capacidade dos pagamentos em causa de ter efeitos anticoncorrenciais se aplica a um concorrente igualmente eficaz.

378    A título preliminar, e admitindo que os argumentos da Comissão relativos à falta de utilidade do exame da terceira parte do terceiro fundamento devem ser entendidos no sentido de que suscitam o caráter inoperante dessa parte, os referidos argumentos devem ser julgados improcedentes. Com efeito, no âmbito da referida parte, as partes estão em desacordo, em substância, sobre o mérito da demonstração efetuada pela Comissão na decisão impugnada quanto à capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais. Por conseguinte, caso seja procedente, a terceira parte do terceiro fundamento conduz à anulação da decisão impugnada.

379    Neste contexto, a fim de examinar os argumentos da recorrente, há que recordar previamente certos elementos inerentes à estrutura e ao conteúdo da decisão impugnada.

380    Antes de mais, importa recordar que, embora o mercado relevante considerado pela Comissão na decisão impugnada seja o mercado mundial dos chipsets LTE (v. n.o 31, supra), o comportamento imputado à recorrente insere‑se apenas no âmbito das suas relações contratuais com a Apple. Mais precisamente, a Comissão considerou que o comportamento ilícito consistia na concessão pela recorrente à Apple dos pagamentos em causa (artigo 1.o do dispositivo da decisão impugnada).

381    Em seguida, há que relembrar que, na secção 11.4 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que os pagamentos em causa eram constitutivos de um abuso de posição dominante por serem pagamentos de exclusividade capazes de produzir efeitos anticoncorrenciais (considerando 406 da decisão impugnada), na medida em que tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente (considerando 407 da decisão impugnada).

382    Em especial, a Comissão, nas subsecções 11.4.1 e 11.4.2 da decisão impugnada, fez a demonstração da redução dos incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente (considerandos 407 e 408 da decisão impugnada).

383    Por último, há que salientar que, para chegar à conclusão de que os pagamentos em causa eram capazes de produzir efeitos anticoncorrenciais, a Comissão indicou na decisão impugnada que também teve em conta a significativa quota do mercado relevante abrangida pelos pagamentos em causa referida na subsecção 11.4.3 da decisão impugnada (considerandos 409 e 411 da decisão impugnada), a importância da Apple como cliente para a entrada ou a expansão no mercado relevante referida na subsecção 11.4.4 da decisão impugnada (considerandos 410 e 411 da decisão impugnada), a extensão da posição dominante da recorrente referida na secção 10 da decisão impugnada, as condições de concessão dos pagamentos em causa referidas na secção 11.3 da decisão impugnada, bem como a duração e o montante desses pagamentos referidos na subsecção 11.4.1 e na secção 11.8 da decisão impugnada (considerando 411 da decisão impugnada). Em contrapartida, como decorre da decisão impugnada e foi confirmado pela Comissão nos seus articulados, esta não se baseou na existência de uma estratégica de exclusão, ou seja, de uma intenção anticoncorrencial da recorrente.

384    Ora, na medida em que, como resulta do n.o 381, supra, a conclusão da Comissão segundo a qual os pagamentos em causa eram capazes de produzir efeitos anticoncorrenciais assenta, acima de tudo, na apreciação de que os referidos pagamentos tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente, há que começar por examinar se, como alega a recorrente, a Comissão efetuou essa apreciação sem ter em conta todas as circunstâncias relevantes.

385    Em primeiro lugar, importa recordar que, conforme foi observado no n.o 382, supra, a Comissão chegou à apreciação segundo a qual os pagamentos em causa tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente nos termos da análise constante das subsecções 11.4.1 e 11.4.2 da decisão impugnada.

386    Por um lado, na subsecção 11.4.1 da decisão impugnada, a Comissão chegou à referida apreciação (considerando 412 da decisão impugnada) com base numa análise comparativa do montante dos pagamentos em causa recebidos durante o período em causa (considerando 413 da decisão impugnada), do montante dos pagamentos em causa que teriam sido perdidos pela Apple em caso de lançamento de um aparelho que integrasse um chipset LTE de um concorrente da recorrente durante todo o período em causa (considerando 414 da decisão impugnada), do montante dos pagamentos em causa que deveriam ser reembolsados pela Apple em caso de lançamento de um aparelho que integrasse um chipset LTE de um concorrente da recorrente em 2013, 2014 e 2015 (considerando 416 da decisão impugnada) e do eventual impacto cumulativo da referida perda e do referido reembolso dos pagamentos em causa (considerando 417 da decisão impugnada).

387    Por outro lado, na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, a Comissão considerou que os documentos internos e as explicações da Apple confirmavam a referida apreciação (considerando 423 da decisão impugnada). Esta subsecção divide‑se em quatro sub‑subsecções: a primeira contém a análise da Comissão sobre os referidos documentos internos e explicações da Apple (subsubsecção 11.4.2.1 da decisão impugnada); a segunda visa responder ao argumento da recorrente segundo o qual esses documentos internos e essas explicações não são fiáveis (subsubsecção 11.4.2.2 da decisão impugnada); a terceira visa responder ao argumento da recorrente segundo o qual a exclusividade foi pedida pela Apple (subsubsecção 11.4.2.3 da decisão impugnada); e a quarta visa responder ao argumento da recorrente segundo o qual a Apple a escolheu, seja como for, devido à qualidade superior dos seus chipsets LTE e contém a apreciação da Comissão segundo a qual, contrariamente aos argumentos da recorrente, os pagamentos em causa tinham tido impacto na estratégia de abastecimento da Apple (subsubsecção 11.4.2.4 da decisão impugnada).

388    Em segundo lugar, importa salientar que, como decorre do seu conteúdo e das explicações prestadas pela Comissão ao Tribunal Geral, o âmbito das demonstrações feitas nas subsecções 11.4.1 e 11.4.2 da decisão impugnada é diferente.

389    Por um lado, a subsecção 11.4.1 da decisão impugnada visa demonstrar que os pagamentos em causa tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente, durante o período em causa, para se abastecer em chipsets LTE para todos os seus aparelhos, a saber, os iPhones e os iPads. Neste âmbito, como decorre da decisão impugnada e foi explicitado pela Comissão no Tribunal Geral, esta baseou‑se numa análise da capacidade dos pagamentos em causa para produzir efeitos anticoncorrenciais.

390    Além disso, no que respeita à procura da Apple em chipsets LTE visada pela análise da Comissão, há que observar que, na subsecção 11.4.3 da decisão impugnada, a fim de determinar a taxa de cobertura do mercado dos pagamentos em causa, a Comissão se referiu igualmente a todos os chipsets LTE obtidos pela Apple junto da recorrente, sem distinção entre iPhones e iPads. Do mesmo modo, na subsecção 11.4.4 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a Apple era um cliente atrativo para os fornecedores de chipsets LTE, sem distinguir entre iPhones e iPads.

391    Assim, a subsecção 11.4.1 da decisão impugnada, como as subsecções 11.4.3 e 11.4.4 da mesma decisão, diz respeito à totalidade da procura da Apple em chipsets LTE para os iPhones e os iPads. A Comissão confirmou, aliás, nos seus articulados que tinha concluído que, durante o período em causa, os referidos pagamentos eram capazes de produzir efeitos anticoncorrenciais relacionados com os chipsets LTE destinados tanto aos iPhones como aos iPads.

392    Por outro lado, a subsecção 11.4.2 da decisão impugnada visa confirmar, essencialmente com base nos documentos internos e nas explicações da Apple, a apreciação constante da subsecção 11.4.1 da decisão impugnada e, mais precisamente, como decorre da decisão impugnada e foi explicitado pela Comissão no Tribunal Geral, demonstrar que os pagamentos em causa tinham realmente reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente a fim de se abastecer em chipsets LTE para alguns dos seus aparelhos.

393    Com efeito, a este respeito, na contestação, a Comissão confirmou expressamente que a referida subsecção da decisão impugnada visava demonstrar que os pagamentos em causa tinham «realmente influenciado», ou tinham tido um «efeito real de influenciar», as decisões de compra de chipsets LTE tomadas pela Apple para «os iPads que previa lançar em 2014 e 2015». Assim, a Comissão explicou que a conclusão a que tinha chegado a este respeito era referente aos «efeitos reais» dos pagamentos em causa.

394    Além disso, no que respeita à procura da Apple em chipsets LTE visada pela sua análise constante da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, questionada no âmbito das medidas de organização do processo sobre o alcance das palavras e expressões «aparelhos», «lançados» (em 2014 e 2015) e «ser lançados» (em 2014 e 2015) usadas nessa subsecção, a Comissão confirmou expressamente que a referida subsecção não dizia respeito aos iPhones, mas apenas aos iPads, referiu um lamentável «erro de escrita», na medida em que a subsecção era referente aos iPads efetivamente «lançados» em 2014 e 2015 e, depois, confirmou expressamente que a subsecção dizia respeito apenas a certos modelos «não‑CDMA» de iPads que deviam «ser lançados» pela Apple em 2014 e 2015.

395    Resulta daí, por um lado, que, como decorre do conteúdo da decisão impugnada e foi confirmado pela Comissão tanto nos seus articulados como na audiência, toda a análise da Comissão constante da subsecção 11.4.1 da decisão impugnada incide sobre a capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais relacionados tanto como os iPhones como com os iPads, conforme sugere aliás o título da secção 11.4 da decisão impugnada na medida em que se refere globalmente aos «potenciais» efeitos anticoncorrenciais desses pagamentos. Esta análise é visada pela presente primeira alegação da terceira parte do terceiro fundamento. Por outro lado, a análise da Comissão constante da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada versa sobre os efeitos que os pagamentos em causa tiveram relativamente a determinados modelos de iPads que a Apple previa lançar em 2014 e 2015. Esta análise é visada pela segunda e terceira alegação da terceira parte do terceiro fundamento (v. n.os 429 e segs., infra).

396    Em terceiro lugar, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 355, supra, a análise da capacidade dos pagamentos em causa de restringir a concorrência e, particularmente, de excluir os concorrentes pelo menos tão eficazes deve ser efetuada à luz de todas as circunstâncias factuais relevantes em torno do referido comportamento.

397    Resulta daí que, devendo ter em conta todas as circunstâncias relevantes em torno do comportamento imputado, a análise da capacidade anticoncorrencial do comportamento não deve ser puramente hipotética (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Post Danmark, C‑23/14, EU:C:2015:651, n.os 65 e 68).

398    Em quarto lugar, à luz do que precede, há que examinar se, como sustenta a recorrente, a Comissão chegou à apreciação de que os pagamentos em causa tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente a fim de se fornecer em chipsets LTE para os iPhones e os iPads que deviam ser lançados durante o período em causa sem ter devidamente tido em conta todas as circunstâncias factuais relevantes.

399    Primeiro, decorre da decisão impugnada que, para os modelos de iPhones e de iPads lançados antes de 2011, a Apple se abasteceu em chipsets UMTS junto da Infineon, cujas atividades de fornecimento de chipsets foram adquiridas pela Intel em 2011 (considerandos 89 e 90 da decisão impugnada). Entre 2011 e 2015, e até 16 de setembro de 2016, ou seja, no período em causa, a Apple forneceu‑se em chipsets LTE para os iPhones e os iPads exclusivamente junto da recorrente (considerando 168 da decisão impugnada). A partir do iPhone 7, lançado em 16 de setembro de 2016, a Apple incorporou os chipsets LTE da Intel em algumas versões deste modelo (considerandos 91 e 169 da decisão impugnada).

400    Segundo, como sublinha a recorrente, importa salientar que, no considerando 322 da decisão impugnada, no âmbito da secção 10 desta decisão relativa à posição dominante da recorrente, a Comissão concluiu que, entre 2011 e 2015, «a Apple não tinha alternativa para as necessidades em chipsets LTE dos seus aparelhos iPhones».

401    A este respeito, importa salientar, por um lado, que a Comissão não precisou, na decisão impugnada, a origem da conclusão efetuada no seu considerando 322. Com efeito, a respetiva nota de rodapé 392, na versão da decisão impugnada notificada à recorrente, remete para uma secção da decisão impugnada inexistente (secção 0) e, na versão pública da decisão impugnada, remete, sem outra explicação, para a subsecção 11.4.2 da decisão impugnada. No entanto, há que lembrar que, como a Comissão confirmou em resposta às medidas de organização do processo, a subsecção 11.4.2 da decisão impugnada não é referente aos iPhones, dizendo apenas respeito a certos modelos de iPads destinados a ser lançados em 2014 e 2015 (n.o 394, supra). Ora, questionada a este respeito na audiência, a Comissão explicou que a referência à secção 0, constante da versão da decisão impugnada notificada à recorrente, resultava de um erro técnico e que a referência à subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, que figura na versão pública da decisão impugnada, devia ser entendida por oposição, no sentido de que, embora a Apple não tivesse alternativa aos chipsets LTE da recorrente para os iPhones a lançar entre 2011 e 2015 de acordo com o considerando 322 da decisão impugnada, essa alternativa existia para alguns iPads a lançar em 2014 e 2015 de acordo com a subsecção 11.4.2 da decisão impugnada.

402    Por outro lado, decorre da decisão impugnada que a conclusão constante do seu considerando 322 é referente à falta de alternativa técnica atendendo às necessidades da Apple em chipsets LTE para os iPhones. Com efeito, no considerando 447 da decisão impugnada, baseando‑se nas observações da Apple sobre a resposta da recorrente à comunicação de acusações, a Comissão indicou que, para os aparelhos a lançar em 2016, a melhoria da Intel nas «tecnologias‑chaves» permitiu que esta última fosse considerada para os iPhones e não apenas para os iPads. Do mesmo modo, nos considerandos 491, 492 e 495 da decisão impugnada, a Comissão indicou que as necessidades da Apple em chipsets LTE para os iPhones não eram disputáveis entre 2012 e 2015, realçando, nomeadamente, o facto de os chipsets LTE da Intel não disporem de determinadas características técnicas.

403    Em resposta às questões postas pelo Tribunal Geral na audiência com base na conclusão constante do considerando 322 da decisão impugnada, tanto a Comissão como a recorrente confirmaram expressamente, por um lado, que a referida conclusão devia efetivamente ser entendida no sentido de que se referia a uma falta de alternativa técnica tendo em conta as necessidades da Apple em chipsets LTE para os iPhones que deviam ser lançados entre 2011 e 2015 e, por outro, que essa conclusão era correta do ponto de vista factual.

404    De resto, no âmbito do presente litígio, não é necessário determinar a ou as características técnicas a que se refere a referida falta de alternativa para os diferentes modelos de iPhones que a Apple devia lançar entre 2011 e 2015 e, especialmente, se se tratava da norma «Code Division Multiple Access» (CDMA) visada designadamente pelas declarações reproduzidas no considerando 187, ponto 2, e nos considerandos 454 e 461 da decisão impugnada, da tecnologia «Voice over LTE» (VoLTE) referida, designadamente, pela declaração retomada na respetiva nota de rodapé 586 (por remissão efetuada na nota de rodapé 587) do considerando 447 da decisão impugnada, da «conectividade voz» ou da «função voz» visadas pelas declarações retomadas no considerando 492 da decisão impugnada, ou ainda de outras características.

405    Com efeito, seja qual for a explicação técnica a dar à conclusão factual efetuada pela Comissão no considerando 322 da decisão impugnada, é pacífico entre as partes que a Apple não dispunha de nenhuma alternativa técnica aos chipsets LTE da recorrente para as suas necessidades relativas aos iPhones a lançar entre 2011 e 2015.

406    Além disso, nenhum elemento constante da decisão impugnada permite considerar, por um lado, que a Apple pretendeu fornecer‑se, para os iPhones a lançar entre 2011 e 2015, em chipsets LTE que não respeitassem as suas exigências técnicas e, por outro, que essa falta de alternativa para os iPhones, constatada no considerando 322 da decisão impugnada, se deveu a outras razões para lá das técnicas.

407    Terceiro, nos considerandos 491, 493 e 495 da decisão impugnada, a Comissão concluiu igualmente que apenas cerca de metade das necessidades da Apple em chipsets LTE para os iPhones a lançar em 2016 eram disputáveis. Com efeito, no considerando 493 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se na declaração da Apple, constante das suas observações sobre a resposta da recorrente à comunicação de acusações, de que apenas conseguia abastecer‑se junto da Intel para menos de metade das suas necessidades em volume para os iPhones a lançar em 2016. Ora, os elementos constantes da decisão impugnada a este respeito referem‑se igualmente a considerações técnicas. Com efeito, a nota de rodapé 586 da decisão impugnada, que retoma as observações da Apple sobre a resposta da recorrente à comunicação de alegações, refere que a Apple apenas podia abastecer‑se junto da Intel para a «parte não‑CDMA» das suas necessidades em chipsets LTE para o iPhone a lançar em 2016, o que subentende que a Apple não podia fornecer‑se junto da Intel para a parte CDMA das referidas necessidades.

408    Quarto, segundo as estimativas constantes da decisão impugnada, os iPhones representavam cerca de 90 % das vendas da Apple de aparelhos LTE no período em causa e, portanto, das suas necessidades em chipsets LTE, ao passo que os iPads representavam cerca de 10 % das vendas da Apple de aparelhos LTE no período em causa e, portanto, dessas mesmas necessidades (v. considerando 421 da decisão impugnada).

409    Daqui resulta que, para uma grande parte das necessidades da Apple em chipsets LTE para os aparelhos a lançar no período em causa, a saber, todos os iPhones a lançar entre 2011 e 2015 e mais de metade dos iPhones a lançar em 2016, a Apple não tinha alternativa técnica aos chipsets LTE da recorrente e não podia, portanto, procurar fornecedores concorrentes.

410    Ora, o facto incontestado de, no mercado relevante, não existir alternativa técnica aos chipsets LTE da recorrente para uma parte significativa das necessidades da Apple no período em causa é uma circunstância factual relevante que deve ser tida em conta na análise da capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos de exclusão, uma vez que a referida capacidade foi determinada pela Comissão à luz de todas as necessidades da Apple em chipsets LTE e, especialmente, da redução dos incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente para todas as suas necessidades.

411    Quinto, atendendo ao que precede, é forçoso constatar que a Comissão chegou à conclusão de que os pagamentos em causa eram capazes de restringir a concorrência, na medida em que tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente a fim de se abastecer em chipsets LTE para a totalidade da sua procura referente aos iPhones e aos iPads, na sequência de uma análise na qual não teve devidamente em conta todas as circunstâncias factuais relevantes em torno do comportamento imputado.

412    Com efeito, embora a Comissão tenha concluído que a Apple não tinha alternativa técnica aos chipsets LTE da recorrente para todos os iPhones a lançar entre 2011 e 2015 e para mais de metade dos iPhones a lançar em 2016, não relacionou esta circunstância factual relevante, que implicava a falta de concorrentes que pudessem abastecer a Apple em chipsets LTE para os referidos iPhones, com a alegada redução dos incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente a fim de se fornecer em chipsets LTE relativamente a todas as suas necessidades, incluindo, portanto, para os iPhones e apesar de estes aparelhos representaram um parte significativa dessas necessidades.

413    Além disso, de forma contraditória, na secção 11.5 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se, nomeadamente, na referida circunstância para excluir a análise da margem crítica da recorrente, com o fundamento de que na parte disputável da procura da Apple invocada pela recorrente não foi considerada a impossibilidade de a Apple mudar de fornecedor de chipsets LTE para os iPhones a lançar em 2012, 2013, 2014 e 2015 e para mais de metade dos iPhones a lançar em 2016 (considerando 491 e considerando 495, ponto 2, da decisão impugnada).

414    Nestas circunstâncias, na medida em que a Comissão não teve em conta que a Apple não podia procurar outro fornecedor a fim de satisfazer as suas exigências técnicas para uma parte significativa da sua procura em chipsets LTE (correspondente aos iPhones, exceto para menos de metade dos iPhones a lançar em 2016), não podia validamente concluir que os pagamentos em causa tinham reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente para a totalidade das suas necessidades referentes a todos os iPhones e os iPads a lançar no período em causa, e que esses pagamentos eram, assim, capazes de restringir a concorrência na totalidade do mercado relevante dos chipsets LTE. Com efeito, a circunstância — que não foi devidamente tida em conta na decisão impugnada — de a Apple se ter fornecido em chipsets LTE junto da recorrente, e não junto dos concorrentes da recorrente, atendendo à falta de alternativas que respondessem às suas próprias exigências técnicas, podia integrar‑se numa concorrência baseada no mérito e não de um efeito de exclusão anticoncorrencial resultante dos pagamentos em causa.

415    É certo que o artigo 102.o TFUE proíbe os comportamentos de uma empresa em posição dominante que tenham por objetivo reforçar essa posição e abusar dela, designadamente, quando visem privar potenciais concorrentes comprovados do acesso efetivo a um mercado [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 151]. No caso vertente, tendo em conta a teoria do prejuízo formulada na decisão impugnada que assenta na redução dos incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente relativamente a todas as suas necessidades em chipsets LTE no período em causa, a Comissão não podia deixar de ter em conta a circunstância de a Apple, devido às suas próprias exigências técnicas, não poder procurar os concorrentes da recorrente para uma parte significativa da sua procura em chipsets LTE no referido período.

416    Por outro lado, deve salientar‑se que, na decisão impugnada, a Comissão não sustentou que o comportamento da recorrente impediu concorrentes menos eficazes do que esta última de desenvolver produtos que respeitassem as exigências da Apple, mas apenas que tinham sido reduzidos os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente relativamente a todas as necessidades em chipsets LTE. De qualquer modo, importa recordar que, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 351, supra, a concorrência baseada no mérito pode conduzir ao desaparecimento do mercado ou à marginalização dos concorrentes menos eficazes e, portanto, menos interessantes para os consumidores do ponto de vista, nomeadamente, dos preços, das opções de produtos, da qualidade ou da inovação.

417    Resulta de tudo o que precede que a conclusão da Comissão quanto à capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos de exclusão, devido ao facto de terem reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente a fim de se fornecer em chipsets LTE para a totalidade da sua procura, assenta numa análise que não foi efetuada à luz de todas as circunstâncias factuais relevantes e que, por este motivo, está ferida de ilegalidade.

418    Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos da Comissão.

419    Primeiro, na audiência, em resposta às questões do Tribunal Geral, a Comissão baseou‑se no considerando 421 da decisão impugnada para sustentar que o mesmo expõe o efeito de «alavancagem» no qual assentava a demonstração da capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais. Em substância, segundo a Comissão, mesmo que o fornecimento dos iPhones pelos concorrentes da recorrente não fosse tecnicamente possível, os acordos em causa permitiriam à recorrente fazer «alavancagem» na parte não disputável da procura da Apple relativa aos iPhones para excluir os concorrentes da parte disputável da procura relativa aos iPads e impedir, assim, os concorrentes de se expandirem e crescerem no mercado.

420    A este respeito, há que observar, antes de mais, que o argumento da Comissão não está de acordo com a teoria do prejuízo exposta na decisão impugnada, que visa capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais em todo o mercado relevante dos chipsets LTE, com o fundamento de que a Apple foi dissuadida de se fornecer junto dos concorrentes da recorrente relativamente a todas as suas necessidades em chipsets LTE para os iPhones e os iPads. Por outras palavras, a decisão impugnada visa um efeito de exclusão que é, global e indistintamente, referente aos chipsets LTE, tanto para os iPhones como para os iPads, e não um efeito de exclusão circunscrito apenas ao fornecimento à Apple de chipsets LTE para os iPads. De resto, por um lado, a infração imputada à recorrente na decisão impugnada foi definida em relação à procura global da Apple para os iPhones e iPads e, por outro, o próprio conceito de efeito de «alavancagem» exercido pela recorrente em relação aos diferentes aparelhos da Apple não figura no raciocínio apresentado pela Comissão na Secção 11.4 da decisão impugnada.

421    Em seguida, importa salientar que, embora fazendo parte da Secção 11.4.1 da decisão impugnada, o considerando 421 da referida decisão visa responder, com os considerandos 419 e 420, ao argumento apresentado pela recorrente no procedimento administrativo relativo à possibilidade de os seus concorrentes oferecerem à Apple incentivos idênticos. Não se pode, portanto, considerar que a teoria do prejuízo que fundamenta a capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais seja exposta no referido considerando. Por outro lado, seja como for, contrariamente ao que sugere a Comissão, o considerando 421 da decisão impugnada não contém nenhuma indicação precisa sobre o facto de a recorrente, através da parte não disputável da procura da Apple em chipsets LTE, ter obtido um efeito de «alavancagem» na parte disputável dessa procura.

422    Por último, a título exaustivo, importa salientar que o argumento da Comissão extraído do considerando 421 da decisão impugnada assenta na premissa de que a decisão impugnada demonstra a capacidade anticoncorrencial dos pagamentos em causa relativamente aos iPads. Ora, por um lado, como observado no n.o 391, supra, nas subsecções 11.4.1, 11.4.3 e 11.4.4 da decisão impugnada, a Comissão efetuou uma análise global da capacidade dos pagamentos em causa de produzirem efeitos anticoncorrenciais, sem fazer nenhuma análise específica relativamente aos iPads. Por outro lado, conforme observado nos n.os 392 a 394, supra, relativamente aos iPads, a Comissão limitou‑se, na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, a examinar os alegados efeitos reais dos pagamentos em causa relacionados com os modelos não‑CDMA dos iPads a lançar em 2014 e 2015, análise que é objeto da segunda e terceira alegação examinadas em seguida.

423    Segundo, conforme salientado no n.o 375, supra, a Comissão baseia‑se nos elementos mencionados no considerando 411 da decisão impugnada e relembrados no n.o 383, supra, para demonstrar que teve em conta as circunstâncias relevantes do caso em apreço.

424    Por um lado, na medida em que a Comissão se baseia nas condições de concessão dos pagamentos em causa referidas na secção 11.3 da decisão impugnada, importa recordar que, na referida secção, e mesma se limitou a concluir que os pagamentos em causa eram pagamentos de exclusividade, e que a análise da alegada capacidade desses pagamentos de produzir efeitos anticoncorrenciais estava contida na secção 11.4 da referida decisão. Além disso, deve observar‑se que, nas circunstâncias do presente processo, a qualificação dos pagamentos em causa como pagamentos de exclusividade não bastava para concluir que esses pagamentos eram constitutivos de um abuso de posição dominante. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 354, supra, tendo em conta as objeções apresentadas pela recorrente no procedimento administrativo, a Comissão tinha a obrigação de proceder a uma análise da capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais e, particularmente, da capacidade de exclusão de concorrentes pelo menos tão eficazes.

425    Por outro lado, embora a Comissão sublinhe, legitimamente, que, em substância, os elementos referidos no n.o 383, supra, não devem ser descurados, não é menos verdade que os referidos elementos, apesar de serem elementos que podem ser pertinentes na apreciação da capacidade de um comportamento de produzir efeitos anticoncorrenciais, não demonstram, enquanto tais, no caso em apreço, um efeito anticoncorrencial e, particularmente, um efeito de exclusão. O mesmo se aplica à extensão da posição dominante da recorrente (referida na secção 10 da decisão impugnada), à duração e ao montante dos pagamentos em causa (referidos na subsecção 11.4.1 e na secção 11.8 da decisão impugnada), à quota do mercado abrangida por esses pagamentos (referida na subsecção 11.4.3 da decisão impugnada) e à importância da Apple como cliente (referida na subsecção 11.4.4 da decisão impugnada). Com efeito, a evocação dos referidos elementos não pode pôr em causa o facto de, no caso em apreço, a demonstração pela Comissão da capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais, no que respeita, nomeadamente, à capacidade de exclusão dos concorrentes pelo menos tão eficazes inerente à prática em causa, não ter sido efetuada à luz de todas as circunstâncias factuais relevantes em torno do comportamento imputado, tendo em conta a alegada redução dos incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente relativamente a todas as suas necessidades em chipsets LTE para os iPhones e os iPads.

426    Além disso, há que salientar que, como decorre da decisão impugnada e foi indicado expressamente pela Comissão no Tribunal Geral, a Comissão, na referida decisão, não se baseou num modelo económico, como o critério do concorrente igualmente eficaz, para concluir que os pagamentos em causa eram capazes de produzir efeitos anticoncorrenciais e, na secção 11.5 da decisão impugnada, limitou‑se a indicar que a análise da margem crítica apresentada pela recorrente não punha em causa as suas conclusões.

427    Terceiro, os argumentos da Comissão extraídos dos considerandos 426, 464 e 486 da decisão impugnada não podem ser acolhidos. Com efeito, os considerandos 426 e 464, relativos à subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, referem‑se apenas a determinados modelos de iPads a lançar em 2014 e 2015 e não podem, portanto, pôr em causa as constatações efetuadas no n.o 409, supra, relacionadas com os iPhones. Por último, contrariamente ao que é sugerido pela Comissão, a conclusão constante do considerando 486 da decisão impugnada também não é suscetível de pôr em causa as referidas constatações.

428    Tendo em conta todos estes elementos, há que julgar procedente a primeira alegação da terceira parte do terceiro fundamento do recurso.

3.      Quanto à segunda e terceira alegação da terceira parte do terceiro fundamento, relativas à falta de demonstração de que os acordos em causa influenciaram as decisões de fornecimento da Apple para os iPads «de 2014» e «de 2015»

429    A segunda e terceira alegação da terceira parte do terceiro fundamento visam contestar a demonstração constante da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada.

430    A recorrente contesta as conclusões da Comissão constantes dos considerandos 424 e 451 da decisão impugnada, alegando que a referida decisão não prova, no que respeita ao primeiro considerando, que os acordos em causa reduziram os incentivos da Apple para procurar os fornecedores concorrentes para os «aparelhos lançados em 2014 e 2015» ou, no que respeita ao segundo considerando, que tiveram impacto na estratégia de fornecimento da Apple para os «aparelhos a lançar em 2014 e 2015».

431    Por um lado, relativamente aos iPads «de 2014», a recorrente sustenta, antes de mais, que a decisão impugnada não contém provas de que a Apple tenha previsto utilizar os chipsets da Intel nos iPads «efetivamente lançados em outubro de 2014». Em seguida, a Comissão fez várias vezes referência a um modelo de iPad que a Apple «[confidencial]», denominado «[confidencial]», mas não demonstrou que os acordos em causa tenham influenciado a decisão de fornecimento da Apple para este modelo. Ora, a Apple nunca reviu seriamente utilizar os chipsets da Intel para esse modelo, tendo percebido que não era possível utilizar o chipset da Intel, o que é confirmado pelo relatório apresentado pela recorrente, anexo à sua resposta à comunicação de acusações. Por último, é a incapacidade dos chipsets da Intel de respeitar as exigências técnicas e o calendário da Apple que explica que não fossem considerados para equipar os iPads «de 2014».

432    A recorrente acrescenta que é inexata a asserção da Comissão de que tinha conhecimento dos aparelhos para os quais a Apple tencionava fornecer‑se junto da Intel. Além disso, a decisão impugnada não contém nenhuma análise relativa à seleção do fornecedor para o modelo «[confidencial]» e não estabelece um nexo de causalidade entre o primeiro aditamento ao acordo de transição e a decisão de utilizar um chipset da recorrente para o modelo «[confidencial]».

433    A Comissão começa por salientar que a decisão impugnada diz respeito aos aparelhos «a lançar em 2014», e não aos «efetivamente lançados». A recorrente estava perfeitamente ciente dos aparelhos para os quais a Apple pretendia fornecer‑se junto da Intel. A Apple confirmou igualmente que procurava diversificar o seu fornecimento. Em seguida, relativamente ao modelo «[confidencial]», a Comissão sublinha que os considerandos 428 a 435 da decisão impugnada demonstram a influência dos acordos em causa. Além disso, as negociações entre a recorrente e a Apple relativas ao primeiro aditamento ao acordo de transição influenciaram a decisão de compra da Apple tomada no início do ano de 2013. De qualquer forma, o acordo de transição bastou para influenciar a Apple, que tencionava introduzir a Intel para uma parte dos iPads a lançar em 2014. Mais, a alegação da recorrente de que a Apple nunca previu seriamente utilizar os chipsets da Intel no modelo «[confidencial]» não foi comprovada. Por último, no que respeita ao relatório apresentado pela recorrente, anexo à sua resposta à comunicação de acusações, a Comissão remete para a resposta dada pela Apple a este respeito nas suas observações sobre a resposta da recorrente à comunicação de alegações.

434    A Comissão acrescenta que a Apple decidiu [confidencial] e que esta decisão tinha sido influenciada pela negociação do primeiro aditamento ao acordo de transição e pela perda dos pagamentos em causa decorrente do acordo de transição. Os documentos da Apple demonstram que os pagamentos em causa influenciaram realmente a decisão de compra de chipsets LTE para os «iPads que previa lançar em 2014».

435    Por outro lado, relativamente aos iPads «de 2015», a recorrente salienta que a Comissão não faz referência aos modelos de iPads «lançados» na primavera ou em setembro e novembro de 2015, nem àqueles cujo «lançamento estava previsto para a primavera de 2015», mas evocava um modelo indeterminado «a lançar no outono de 2015». Para sustentar a afirmação de que os chipsets da Intel tinham sido seriamente considerados, a decisão impugnada baseia‑se numa única mensagem de correio eletrónico de um engenheiro da Apple cujas palavras foram deturpadas pela Comissão. Os autos não contêm nenhum elemento de prova, nomeadamente de funcionários da Apple que tenham efetivamente tomado as decisões de compra de chipsets, que revele que o chipset da Intel era uma verdadeira opção. Além disso, os elementos dos autos demonstram que os chipsets da Intel não respeitavam os imperativos técnicos e de calendário da Apple.

436    A recorrente acrescenta que a Comissão interpreta pela primeira vez na contestação documentos internos da Apple.

437    A Comissão salienta, no que respeita aos efeitos reais dos pagamentos em causa sobre as compras de chipsets, que mensagens de correio eletrónico internas da Apple comprovam o interesse da Apple em recorrer a outro fornecedor. Em seguida, a mensagem de correio eletrónico de um engenheiro da Apple referida no considerando 436 da decisão impugnada não contém nenhuma incerteza quanto ao chipset da Intel, o que é confirmado pela mensagem de correio eletrónico de outro funcionário da Apple. Por último, a Comissão remete para o considerando 437 da decisão impugnada, que contém a declaração de um funcionário da Apple que qualifica de insustentável, do ponto de vista comercial, o facto de passar para um chipset da Intel tendo em conta os pagamentos em causa, e para uma declaração contida nas observações da Apple sobre a resposta da recorrente à comunicação de acusações. Os argumentos da recorrente referentes ao calendário dos chipsets são, portanto, irrelevantes e, seja como for, errados.

438    A Comissão acrescenta que o relatório apresentado pela recorrente, anexo à sua resposta à comunicação de acusações, se baseia em ensaios realizados em chipsets utilizados nos aparelhos de outros fabricantes e que as suas conclusões não são, portanto, surpreendentes. Além disso, a recorrente não explica por que razão a interpretação pela Comissão da mensagem de correio eletrónico de um funcionário da Apple referida no considerando 437 da decisão impugnada é inexata e não põe em causa a declaração da Apple invocada na contestação. Além disso, os argumentos da recorrente são contraditos pelos seus próprios elementos de prova no âmbito do processo FTC.

a)      Observações preliminares

439    Há que recordar que, como resulta dos n.os 392 a 394, supra, a subsecção 11.4.2 da decisão impugnada visa demonstrar que, segundo a Comissão, os documentos internos e as explicações da Apple confirmam que os pagamentos em causa reduziram realmente os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente a fim de se fornecer em chipsets LTE no que respeita especificamente às suas necessidades para algumas dos seus aparelhos. Como confirmou expressamente a Comissão no Tribunal Geral, esta demonstração é referente aos «efeitos reais» dos pagamentos em causa relativamente a esses aparelhos.

440    Por outras palavras, a referida subsecção visa confirmar a capacidade de os pagamentos em causa produzirem efeitos anticoncorrenciais, demonstrando os seus efeitos reais relativamente a certos aparelhos.

441    Em especial, no que respeita à procura da Apple referida pela análise da Comissão constante da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, importa recordar que esta subsecção visa apenas os alegados efeitos reais produzidos pelos pagamentos em causa relacionados com certas versões não CDMA de determinados modelos de iPads «lançados» ou «que deviam ser lançados» em 2014 e em 2015. Em contrapartida, a referida subsecção não visa outros iPads «lançados» ou «que deviam ser lançados» no período em causa.

442    Ora, antes de mais, há que salientar que essa demonstração específica dos alegados efeitos reais dos pagamentos em causa, limitada a certas versões dos modelos de iPads de 2014 e de 2015, não pode sanar a falta de tomada em consideração de todas as circunstâncias factuais relevantes no âmbito da demonstração geral da Comissão, apreciada no exame da primeira alegação da terceira parte do terceiro fundamento, da capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais no período em causa relativamente a todas as necessidades da Apple em chipsets LTE, tanto para os iPhones como para os iPads.

443    Por outras palavras, mesmo admitindo que a segunda e terceira alegação da terceira parte do terceiro fundamento do recurso não sejam procedentes e que a análise constante da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada não seja assim posta em causa, a referida subsecção, tendo em conta o seu âmbito limitado a determinados iPads de 2014 e de 2015, não pode sustentar validamente a conclusão tirada na decisão impugnada quanto ao caráter anticoncorrencial dos pagamentos em causa, durante todo o período em questão, relativamente a todas as necessidades da Apple em chipsets LTE, tanto para os iPhones como para os iPads.

444    Por conseguinte, é a título exaustivo que, nas circunstâncias do presente processo, há que examinar o mérito da referida subsecção e, portanto, se, como contesta a recorrente, a Comissão não demonstrou devidamente os efeitos realmente produzidos pelos pagamentos em causa sobre os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente para os modelos de iPads referidos nessa subsecção.

445    No caso em apreço, a segunda e terceira alegação da terceira parte do terceiro fundamento dividem‑se cada uma, em substância, em três vertentes, relativas, a primeira, à identificação dos aparelhos examinados na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, a segunda, aos elementos de prova tidos em conta pela Comissão na referida subsecção e, a terceira, à não tomada em consideração de outros elementos pertinentes.

446    Nas circunstâncias do presente processo, há que começar por examinar a primeira vertente da alegação, em seguida, a terceira vertente da alegação e, por último, a segunda vertente da mesma alegação, à luz da jurisprudência recordada nos n.os 357 a 359, supra.

b)      Quanto à primeira vertente da alegação, relativa aos aparelhos a que se refere a subsecção 11.4.2 da decisão impugnada

447    A recorrente alega, em substância, de forma prévia, que a Comissão não especificou os aparelhos visados pela sua análise. Esta alegação junta‑se à primeira alegação da terceira parte do terceiro fundamento, na qual a recorrente indicou que o raciocínio da Comissão era impreciso, na medida em que se referia genericamente a «aparelhos» e mencionava erradamente o «iPad [confidencial]» como o «[confidencial]».

448    A este respeito, a título preliminar, importa recordar que a subsecção 11.4.2 da decisão impugnada se divide em quatro partes: a primeira (11.4.2.1) contém a análise dos documentos internos e das explicações da Apple que levaram a Comissão a concluir que os pagamentos em causa reduziram realmente os incentivos da Apple para procurar fornecedores concorrentes, ao passo que as três últimas (11.4.2.2, 11.4.2.3 e 11.4.2.4) se limitam, em substância, a responder a argumentos da recorrente que não afetam a referida conclusão (v. considerando 423 da decisão impugnada e n.o 387, supra).

449    Antes de mais, no que respeita à parte 11.4.2.1 da decisão impugnada, esta inclui os considerandos 424 a 439 da referida decisão e, como resulta do considerando 424, visa demonstrar que os pagamentos em causa reduziram os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente, particularmente a Intel, cujos chipsets tinham sido seriamente avaliados pela Apple para serem utilizados nos «aparelhos lançados em 2014 e 2015».

450    Ora, no corpo da referida parte da subsecção, a Comissão deixou de se referir a esses aparelhos, mas a elementos de prova relativos aos «modelos de iPads não‑CDMA» (considerando 425 da decisão impugnada), ao «lançamento em 2014 das versões não‑CDMA dos iPads» (considerando 426 da decisão impugnada), aos «dispositivos móveis de 2014» (considerando 427 da decisão impugnada), aos «[confidencial]» e aos «[confidencial]» (considerando 428 da decisão impugnada), a «alguns dos seus iPads em 2014» e a «todo o seu portefólio de iPads celulares em 2015» (considerando 430 da decisão impugnada), aos «modelos de iPads de 2014 e 2015» e ao «modelo de iPhone de 2015» (considerando 431 da decisão impugnada), aos «[confidencial] inicialmente previstos para serem lançados na primavera de 2014» e «finalmente lançados no outono de 2013» (considerando 433 e nota de rodapé 558 da decisão impugnada), aos «dispositivos móveis de 2014 e 2015» (considerando 435 da decisão impugnada), ao «modelo de iPad do outono de 2015» (considerando 436 da decisão impugnada), ao «lançamento de um iPad […] em 2015» (considerando 437 da decisão impugnada), às «necessidades da Apple em chipsets não‑CDMA» (considerando 438 da decisão impugnada), bem como aos «modelos de aparelho de 2015» e à «programação de dispositivos móveis do outono de 2015» (considerando 439 da decisão impugnada). Por conseguinte, é forçoso constatar que a Comissão qualificou de forma variada os aparelhos e os períodos visados pelos elementos de prova invocados.

451    Em seguida, no que respeita às partes 11.4.2.2 e 11.4.2.3 da referida subsecção da decisão impugnada, estas visam responder aos argumentos da recorrente destinados, por um lado, a contestar a fiabilidade dos documentos internos e das explicações da Apple e, por outro, a sustentar que a exclusividade tinha sido pedida pela Apple.

452    Ora, no âmbito da primeira das referidas partes daquela subsecção, a Comissão referiu‑se tanto aos «aparelhos lançados em 2014 e 2015» (considerando 442 da decisão impugnada) como aos «aparelhos a lançar em 2014» (considerando 445 da decisão impugnada), ou mesmo, numa única frase, aos «aparelhos a lançar em 2015» e aos «aparelhos lançados em 2015» (considerando 446 da decisão impugnada).

453    Por último, no que respeita à parte 11.4.2.4 da referida subsecção da decisão impugnada, respondendo aos argumentos da recorrente segundo os quais a Apple optou, de qualquer modo, por se abastecer junto da recorrente tendo em conta a superioridade dos seus chipsets (considerando 423 da decisão impugnada), a Comissão concluiu que os pagamentos em causa tinham tido impacto na estratégia de fornecimento da Apple para os «aparelhos a lançar em 2014 e 2015» (considerando 451 da decisão impugnada).

454    Ora, embora no corpo dessa parte da subsecção, a Comissão se tenha referido aos «aparelhos a lançar em 2014 e 2015» (considerandos 455 da decisão impugnada) e aos «iPads a lançar em 2014 e 2015» (considerando 464 da decisão impugnada), referiu‑se várias vezes aos «aparelhos lançados em 2014 e 2015» (considerandos 456 a 458, 462 e 463 da decisão impugnada), bem como à «versão CDMA do iPhone 4 que foi lançado em fevereiro de 2011» (considerando 460 da decisão impugnada) e à «[confidencial]» (considerando 465 da decisão impugnada).

455    Decorre do que precede que, na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, a Comissão desenvolveu um raciocínio global que se referia, tratando em conjunto, tanto aos «aparelhos» como aos iPads, identificados variavelmente como sendo, designadamente, «de 2014 e de 2015», «lançados em 2014 e em 2015» ou «a lançar em 2014 e 2015», sem precisar o alcance destas expressões nem revelar as suas ligações.

456    Em especial, no considerando 424 da decisão impugnada, ao apresentar a conclusão relativa à parte 11.4.2.1 da mesma subsecção da decisão, a Comissão referiu‑se aos aparelhos «lançados» em 2014 e em 2015, ao passo que, no considerando 451 da mesma decisão, ao apresentar a conclusão relativa à parte 11.4.2.4 da referida subsecção da decisão, a Comissão referiu‑se aos aparelhos «a lançar» em 2014 e em 2015. No entanto, no corpo de cada um dessas partes da subsecção, a Comissão fez igualmente referência a outros aparelhos, cuja denominação não corresponde aos visados pela sua demonstração.

457    É certo que, na contestação, e em resposta às medidas de organização do processo, a Comissão precisou que a demonstração dos efeitos realmente produzidos pelos pagamentos em causa, constante da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, não só não era referente aos iPhones mas dizia unicamente respeito a determinados modelos de iPads «não‑CDMA» que «deviam ser lançados» em 2014 e em 2015, e não aos iPads efetivamente «lançados» em 2014 e em 2015, tendo a Comissão lamentado, aliás, qualquer mal‑entendido causado por esse «erro de escrita».

458    No entanto, contrariamente ao que sugere a Comissão, a identificação errada dos aparelhos visados pela demonstração dos efeitos reais dos pagamentos em causa não pode ser considerada um simples «erro de escrita». Assim, nomeadamente, o modelo [confidencial] identificado pela sigla «[confidencial]» mencionado nos considerandos 433 e 465 da decisão impugnada corresponde, do ponto vista comercial, ao modelo denominado «[confidencial]» e, como sublinha a própria Comissão na decisão impugnada, este modelo foi «lançado» no outono de 2013. Ora, na medida em que o referido modelo foi «lançado» em 2013, é irrelevante no âmbito de uma demonstração, como a constante da parte 11.4.2.1 da referida subsecção da decisão impugnada, que visa examinar os efeitos reais dos pagamentos em causa nos modelos «lançados» em 2014 e em 2015.

459    Além disso, importa recordar que a fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE incide sobre o ato recorrido e não sobre o conteúdo dos articulados apresentados pelo recorrido no órgão jurisdicional da União (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Orange Polska/Comissão, C‑123/16 P, EU:C:2018:590, n.o 85).

460    Além disso, a este último respeito, o argumento da Comissão segundo o qual a recorrente estava ciente dos aparelhos relativamente aos quais a Apple tencionava fornecer‑se junto da Intel é irrelevante, na medida em que, como resulta do n.o 459, supra, a fiscalização do Tribunal Geral incide sobre o conteúdo da decisão impugnada. Aliás, tendo em conta as expressões usadas na decisão impugnada, a recorrente foi levada a contestar o raciocínio da Comissão tanto no que diz respeito aos aparelhos «lançados» como aos aparelhos «a lançar» (n.o 430, supra).

461    Por último, deve salientar‑se que, na falta de qualquer precisão a este respeito constante da decisão impugnada, não compete ao Tribunal Geral determinar a posteriori os aparelhos objeto de cada uma das expressões usadas pela Comissão em cada considerando da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada.

462    Por conseguinte, é forçoso constatar que os elementos de prova em que se baseou a Comissão em apoio das suas conclusões na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada são incoerentes, tanto entre eles como em relação às conclusões que visam sustentar no âmbito das partes 11.4.2.1, 11.4.2.2 e 11.4.2.4 da referida subsecção daquela decisão, o que, de resto, se repercute na coerência interna da subsecção 11.4.2 da decisão.

463    Daqui resulta que a apreciação feita pela Comissão na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada dos efeitos anticoncorrenciais realmente produzidos pelos pagamentos em causa, ou seja, de ter realmente reduzido os incentivos da Apple para procurar os fornecedores concorrentes de chipsets LTE para certos aparelhos, está ferida de falta de coerência dos elementos de prova em que se baseou para fundamentar as suas conclusões.

c)      Quanto à terceira vertente da alegação, relativa à não tomada em consideração de certos elementos de prova pertinentes no âmbito da demonstração constante da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada

464    A recorrente alega, em substância, que os chipsets da Intel não foram selecionados pela Apple devido à sua incapacidade de respeitar as necessidades técnicas e de calendário da Apple para esses aparelhos, e não devido aos pagamentos em causa, o que não foi tido em conta pela Comissão.

465    A este respeito, embora a decisão impugnada padeça já de uma falta de coerência apontada no âmbito da primeira vertente da alegação (v. n.o 463, supra), há que verificar se, além disso, a Comissão teve em conta na sua análise todos os elementos pertinentes que deviam ser tomados em consideração. Para o efeito, importa prosseguir a análise pressupondo que, como indicou a Comissão na contestação e na audiência, os aparelhos visados pela referida análise são as versões «não‑CDMA» do modelo «[confidencial]» (ou «[confidencial]») para 2014 e dos modelos «[confidencial]» e «[confidencial]» para 2015 (a seguir «modelos alegadamente em causa»), sem que haja que abordar mais aprofundadamente a questão de saber se esses aparelhos são identificados de forma clara e inequívoca na decisão impugnada.

466    Importa, desde já, observar que a questão de saber se os chipsets LTE dos concorrentes da recorrente tinham realmente condições de responder às exigências técnicas e de calendário da Apple para os modelos alegadamente em causa é, nas circunstâncias do caso em apreço, um elemento pertinente a ter em consideração na análise dos efeitos realmente produzidos pelos pagamentos em causa nas decisões de fornecimento da Apple relativamente às suas necessidades em chipsets LTE para os modelos alegadamente em causa. Com efeito, se, como alega a recorrente, a Apple não tinha uma alternativa técnica ou de calendário aos chipsets LTE da recorrente para os modelos alegadamente em causa, tal circunstância teve necessariamente impacto nas suas decisões de fornecimento para esses modelos e, assim, nos eventuais efeitos que os pagamentos em causa poderiam ter sobre tais decisões.

467    Ora, os elementos de prova invocados pela recorrente suscitam dúvidas a este respeito.

468    Primeiro, relativamente ao modelo alegadamente em causa que devia «ser lançado» em 2014, identificado pela sigla «[confidencial]», como sublinha a recorrente, resulta dos elementos juntos aos autos que o desenvolvimento do chipset da Intel ([confidencial]) que a Apple tinha considerado para uma eventual utilização no modelo «[confidencial]» era [confidencial].

469    Em especial, a apresentação interna da Apple do [confidencial], mencionada pela Comissão na nota de rodapé 612 da decisão impugnada correspondente ao seu considerando 464, refere [confidencial].

470    As provas adicionais de 26 de julho de 2019 corroboram estas constatações. Com efeito, uma mensagem de correio eletrónico interna da Apple de [confidencial] indica, no que respeita à utilização do chipset [confidencial] para o iPad previsto para [confidencial], a saber, o modelo «[confidencial]», que [confidencial] e [confidencial]. Uma outra mensagem de correio eletrónico interna da Apple de [confidencial] salienta que esse chipset era [confidencial] e que, se [confidencial].

471    Por outro lado, na medida em que a Apple previa lançar em 2014 modelos de iPads diferentes do modelo «[confidencial]», há que observar que, seja como for, resulta dos documentos dos autos que os chipsets dos concorrentes da recorrente não cumpriam as exigências técnicas e de calendário da Apple. Assim, o quadro intitulado [confidencial] relativo a 2014, anexo a uma mensagem de correio eletrónico interna da Apple de [confidencial], mostra que os chipsets dos concorrentes da recorrente, e particularmente os da Intel, não respeitavam completamente as necessidades técnicas ou de calendário da Apple, como decorre de [confidencial].

472    Em especial, como confirmou aliás a Comissão em resposta às medidas de organização do processo, o chipset da Intel que tinha sido contemplado para o modelo «[confidencial]» [confidencial] preenchia «em parte» as «necessidade[s] da Apple», faltando a característica ligada à tecnologia [confidencial]. A este respeito, basta salientar que uma mensagem de correio eletrónico interna da Apple de [confidencial], cujo objeto era [confidencial], indica, em substância, que [confidencial], que, todavia, [confidencial] e que, nesse novo contexto, [confidencial]. Nesta perspetiva, uma mensagem de correio eletrónico interna da Apple de [confidencial] refere um [confidencial]. De resto, a importância da referida tecnologia para os outros iPads que a Apple previa lançar em 2014 não pode ser infirmada pelos argumentos da Comissão baseados em declarações dos funcionários da Apple sobre o modelo «[confidencial]» ou inerentes à situação prevalecente quando essa tecnologia não tinha adquirido importância, uma vez que tais argumentos são irrelevantes.

473    Segundo, no que respeita aos modelos alegadamente em causa que deviam «ser lançados» em 2015, como sublinha a recorrente, resulta dos autos que os chipsets dos concorrentes da recorrente, especialmente os chipsets da Intel, que a Apple tinha considerado para uma eventual utilização nos iPads que previa lançar em 2015, não cumpriam as exigências técnicas e de calendário da Apple.

474    Por um lado, a recorrente invocou o quadro intitulado [confidencial] referente a 2015, que estava anexado a uma mensagem de correio eletrónico da Apple de [confidencial]. Este quadro mostra que os chipsets da Intel não satisfaziam completamente as necessidades técnicas e de calendário da Apple, como resulta de [confidencial].

475    Por outro lado, há que salientar que, na troca de mensagens de correio eletrónico internas da Apple, datada de 18 de fevereiro de 2014, que se seguiu à mensagem de correio eletrónico interna da Apple mencionada no considerando 436 da decisão impugnada e cujo teor foi revelado no âmbito das provas adicionais de 26 de julho de 2019, dois engenheiros da Apple indicaram que o chipset da Intel previsto para um iPad a lançar no outono de 2015 não estava «verdadeiramente» em paridade de funções com o chipset da recorrente. Ora, importa observar que estes dois engenheiros especificaram que esta diferença resultava da inexistência, no chipset da Intel, da tecnologia [confidencial], tecnologia considerada como sendo [confidencial].

476    Decorre do que precede que vários elementos factuais que estavam à disposição da Comissão, confirmados, por outro lado, pelos elementos juntos aos autos, suscitam dúvidas quanto à capacidade dos chipsets da Intel, ou mesmo dos outros concorrentes da recorrente, de satisfazer as necessidades técnicas e de calendário da Apple para os modelos alegadamente em causa, bem como, sendo o caso, para os outros modelos de iPads que a Apple pretendia lançar no mesmo período.

477    Ora, a Comissão não podia validamente concluir que os pagamentos em causa tinham realmente reduzido os incentivos da Apple para procurar os fornecedores concorrentes de chipsets LTE sem ter em conta o facto de, para as necessidades da Apple relativamente aos modelos alegadamente em causa, não existir alternativa técnica ou de calendário aos chipsets da recorrente.

478    É certo que, no considerando 464 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que a Apple tinha previsto utilizar os chipsets da Intel para os «iPads a lançar em 2014 e 2015 tendo em conta todos os parâmetros, não apenas a superioridade técnica, incluindo as exigências específicas para esses modelos» e considerou, assim, que a Intel não era menos atrativa que a recorrente, pelo menos para os referidos modelos. No entanto, o alcance desta afirmação da Comissão não resulta de forma clara da sua redação, no que diz respeito, designadamente, à referida «superioridade técnica».

479    Além disso, mesmo admitindo que a referida afirmação deva ser entendida no sentido de que, segundo a Comissão, os chipsets LTE da Intel eram uma alternativa viável para os modelos alegadamente em causa, incluindo no plano técnico ou de calendário, há que observar que, em apoio da referida apreciação, na nota de rodapé 612 da decisão impugnada correspondente ao considerando 464 da decisão, a Comissão se limitou a referir, a título de exemplo, três documentos internos da Apple que, todavia, não permitem concluir que os chipsets da Intel respondiam às exigências técnicas ou de calendário da Apple para os modelos alegadamente em causa. Com efeito, o primeiro documento referido pela Comissão, que evoca apenas a sua página de rosto, é uma apresentação da Apple [confidencial] que faz antes referência ao [confidencial] dos chipsets da Intel (v., igualmente a este respeito, n.o 469, supra); o segundo documento é uma mensagem de correio eletrónico interna da Apple de outubro de 2012, referida igualmente no considerando 433 da decisão impugnada, que indica, é certo, que a Intel era um «bom plano» para o modelo «[confidencial]», mas sem nenhuma indicação quanto à exequibilidade desse «plano» em termos de calendário; e o terceiro documento é uma mensagem de correio eletrónico interna da Apple de junho de 2012, referida igualmente no considerando 428 da decisão impugnada, que faz referência a uma proposta da Intel que não era satisfatória em termos de preço. Assim, não só a afirmação da Comissão de que a Intel não era menos atrativa do que a recorrente para os modelos alegadamente em causa não é corroborada por estes três documentos, como não permite concluir que a Apple podia realmente fornecer‑se junto dos concorrentes da recorrente para os modelos alegadamente em causa atendendo às suas exigências técnicas e de calendário.

480    Por conseguinte, é forçoso constatar que, na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, a Comissão não efetuou nenhum verdadeiro exame sobre a existência de fornecedores concorrentes de chipsets LTE para o abastecimento da Apple relativamente aos modelos alegadamente em causa, tendo em conta às suas exigências técnicas, incluindo em termos de calendário.

481    Daqui resulta que a apreciação feita pela Comissão na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada dos efeitos anticoncorrenciais realmente produzidos pelos pagamentos em causa, ou seja, de estes terem reduzido os incentivos da Apple para procurar os fornecedores concorrentes de chipsets LTE para os modelos alegadamente em causa, a mesma não foi efetuada à luz de todos os elementos pertinentes que deviam ser tomados em consideração.

d)      Quanto à segunda vertente da alegação, relativa aos elementos de prova tidos em conta no âmbito da demonstração constante da subsecção 11.4.2 da decisão impugnada

482    A recorrente alega, em substância, que a Comissão não fez prova de que, para os aparelhos visados pela sua análise, os pagamentos em causa reduziram os incentivos da Apple para se fornecer junto dos seus concorrentes.

483    A este respeito, embora a decisão impugnada já sofra da falta de coerência salientada no âmbito da primeira vertente da alegação (v. n.o 463, supra) e da falta de tomada em consideração de todos os elementos pertinentes salientada no âmbito da terceira vertente da alegação (v. n.o 481, supra), importa, igualmente, examinar se, além disso, os elementos de prova invocados pela Comissão podem sustentar as conclusões que deles são retiradas relativamente aos modelos alegadamente em causa.

484    A título preliminar, importa salientar, por um lado, que, com exceção do modelo «[confidencial]», nenhum dos modelos alegadamente em causa é expressamente mencionado na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada. Com efeito, resulta da referida subsecção que a Comissão não fez uma demonstração específica para cada modelo em causa, mas desenvolveu uma demonstração global destinada a abranger, no seu conjunto, iPads «lançados» ou «a lançar» em 2014 e em 2015, examinando por vezes até conjuntamente os dois anos.

485    Por outro lado, há que observar que, na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, a Comissão se baseou essencialmente em elementos de prova provenientes da Apple, uma vez que a parte 11.4.2.1 da referida subsecção da decisão assenta exclusivamente na resposta da Apple à questão [confidencial] do pedido de informações de [confidencial] e em documentos internos da Apple transmitidos anexamente à referida resposta.

486    Em primeiro lugar, relativamente ao modelo em causa que devia «ser lançado» em 2014, a saber, segundo a Comissão, o modelo identificado pela sigla «[confidencial]» (ou «[confidencial]»), como decorre da decisão impugnada e como explicou a Comissão na sua contestação, a demonstração dos alegados efeitos dos pagamentos em causa na decisão da Apple de compra de chipsets LTE consta dos considerandos 428 a 435 da decisão impugnada.

487    Primeiro, há que salientar, a este respeito, que, nos considerandos 425 a 433 da decisão impugnada, a Comissão realçou, em substância, os elementos que demonstram, em seu entender, que, antes de celebrar o primeiro aditamento ao acordo de transição, a Apple tinha previsto procurar os concorrentes da recorrente para os modelos alegadamente em causa e que isso podia ser interessante para a Apple do ponto de vista económico, uma vez que «a oportunidade de economizar a longo prazo exced[ia] os pagamentos decorrentes do acordo de transição».

488    Assim, embora as apreciações constantes dos considerandos 425 a 433 da decisão impugnada revelem, é certo, que a Apple tinha tido em conta a existência dos pagamentos decorrentes do acordo de transição, não indicam que os pagamentos em causa decorrentes do acordo de transição tinham realmente reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente para os modelos alegadamente em causa, especialmente para o modelo «[confidencial]».

489    Com efeito, como resulta dos considerandos 434 e 435 da decisão impugnada, a Comissão considerou que o primeiro aditamento ao acordo de transição explicava que a Apple tivesse deixado de tomar em consideração os fornecedores concorrentes para os modelos alegadamente em causa que previa lançar em 2014 e 2015.

490    Por conseguinte, contrariamente ao que é sustentado pela Comissão, não decorre da decisão impugnada que o acordo de transição tenha, por si só, reduzido realmente os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente para os modelos alegadamente em causa.

491    Segundo, deve salientar‑se que a apreciação constante do considerando 435 da decisão impugnada, segundo a qual «em consequência do primeiro aditamento ao acordo de transição, a Apple tinha “deixado de considerar os fornecedores de chipsets alternativos à recorrente para os dispositivos móveis de 2014 e 2015”», se baseia exclusivamente numa declaração constante da resposta da Apple à questão [confidencial] do pedido de informações de [confidencial].

492    Ora, é forçoso constatar que esta resposta não é referente ao modelo «[confidencial]» (ou «[confidencial]»), que, segundo a Comissão, é o único modelo alegadamente em causa de 2014 visado pela subsecção 11.4.2 da decisão impugnada. Com efeito, relativamente aos modelos não‑CDMA de 2014, a referida resposta refere‑se apenas aos modelos [confidencial]. Além disso, a declaração da Apple reproduzida no considerando 435 da decisão impugnada encontra‑se na parte da sua resposta relativa a estes dois últimos modelos. A referida declaração é, portanto, irrelevante na perspetiva da demonstração constante da decisão impugnada relativa ao modelo «[confidencial]».

493    Terceiro, há que salientar que, no considerando 465 da decisão impugnada, no âmbito da subsecção 11.4.2.4 da referida decisão, a Comissão indicou [confidencial] e, para o efeito, se baseou em duas declarações da Apple relativas ao ponto 52, terceiro travessão, das suas observações sobre a resposta da recorrente à comunicação de acusações.

494    No entanto, como sublinha acertadamente a recorrente, essas declarações não indicam [confidencial] em consequência dos pagamentos em causa. Em especial, as referidas declarações não fornecem nenhuma indicação sobre as razões pelas quais [confidencial]. Ora, na falta de elementos de prova concludentes apresentados pela Comissão na decisão impugnada, não compete ao Tribunal Geral determinar as razões que conduziram [confidencial].

495    Em segundo lugar, no que respeita aos modelos alegadamente em causa que a Apple previa lançar em 2015, a saber, segundo a Comissão, os modelos «[confidencial]» e «[confidencial]», como decorre da decisão impugnada e a Comissão explicou na sua contestação, a demonstração dos alegados efeitos dos pagamentos em causa baseia‑se nos elementos de prova invocados nos considerandos 436 e 437 da decisão impugnada.

496    A título preliminar, na medida em que a declaração da Apple reproduzida no considerando 435 da decisão impugnada se refere, conjuntamente e em geral, aos «dispositivos móveis de 2014 e 2015», basta recordar que foi feita relativamente a determinados modelos de iPads de 2014 que não o «[confidencial]» (n.o 492, supra). Por conseguinte, também não está determinada a pertinência da referida declaração relativamente aos modelos alegadamente em causa de 2015.

497    Primeiro, no considerando 436 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se num documento interno da Apple que continha uma troca de mensagens de correio eletrónico internas datada de 18 de fevereiro de 2014, a qual indicava que um engenheiro da Apple tinha sugerido utilizar o chipset da Intel para um modelo de iPad «do outono de 2015», na medida em que estava «em paridade de funções» com o chipset da recorrente.

498    Ora, por um lado, nem o considerando 436 da decisão impugnada, nem a referida troca de mensagens de correio eletrónico internas especificam o modelo de iPad que a Apple previa lançar em 2015 e que é visado pela afirmação do engenheiro da Apple. Por outro lado, no âmbito das provas adicionais de 26 de julho de 2019, a recorrente apresentou outra troca de mensagens de correio eletrónico internas da Apple do mesmo dia, que revela que a afirmação do funcionário da Apple reproduzida no considerando 436 da decisão impugnada tinha sido, na realidade, posta em causa pelo responsável da equipa dos engenheiros da Apple. Com efeito, este último indicou, em resposta, que o chipset da Intel «não estava realmente em paridade de funções» com o chipset da recorrente, estando, aliás, a palavra inglesa que formulava a negação, a saber «not», escrita em maiúsculas nessa mensagem de correio eletrónico interna. Além disso, está última apreciação foi confirmada por outro funcionário da Apple na mesma troca de mensagens de correio eletrónico.

499    Estes elementos levam, portanto, a pôr em causa a justeza da apreciação constante do considerando 436 da decisão impugnada, uma vez que a mesma assenta numa única mensagem de correio eletrónico interna da Apple contradita por outras duas.

500    Segundo, no considerando 437 da decisão impugnada, a Comissão refere‑se a uma troca de mensagens de correio eletrónico internas da Apple de 20 de fevereiro de 2014, que responde à mensagem de correio eletrónico interna referida no considerando 436 da referida decisão, na qual, por um lado, um funcionário da Apple indica que outro funcionário tinha «algumas preocupações em termos de sanções comerciais relacionadas com o calendário» a propósito do lançamento de um iPad que integrava um chipset de outro fornecedor e, por outro, este último funcionário confirma que esse lançamento era «comercialmente insustentável».

501    No entanto, é forçoso constatar que estas mensagens de correio eletrónico e o considerando 437 da decisão impugnada não se referem precisamente a nenhum modelo de iPad nem aos pagamentos e acordos em causa. Nada permite, portanto, concluir com segurança que essas mensagens de correio eletrónico internas se referiam à perda e ao reembolso dos pagamentos em causa.

502    Por outro lado, na medida em que a Comissão, na sua contestação, se baseou numa declaração efetuada pela Apple no âmbito das suas observações sobre a resposta da recorrente à comunicação de acusações para estabelecer a ligação entre as referidas mensagens de correio eletrónico internas e os pagamentos em causa, há que constatar que a referida declaração não figura no considerando 437 da decisão impugnada e, além disso, não diz respeito às mensagens de correio eletrónico internas visadas no referido considerando.

503    Terceiro, além disso, a Comissão referiu‑se, no considerando 438 da decisão impugnada, a uma análise económica da equipa de compras da Apple de 29 de janeiro de 2014, relativa ao impacto económico de uma mudança de fornecedor em 2015 para as necessidades em chipsets não‑CDMA, apresentada pela Apple na sua resposta à questão [confidencial] do pedido de informações de [confidencial].

504    Ora, a este respeito, basta salientar que, como explica a Apple na sua resposta à questão [confidencial] do pedido de informações de [confidencial], a referida análise económica «não serviu de base para nenhuma das decisões de compra da direção da Apple», pelo que, mesmo independentemente das razões pelas quais a direção da Apple não se apoiou nessa análise, o que não compete ao Tribunal Geral determinar, a mesma não permite tirar nenhuma conclusão sobre os efeitos que os pagamentos em causa tiveram realmente nas decisões de abastecimento da Apple em chipsets LTE.

505    Daqui resulta que, na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, no âmbito de uma análise global que misturava modelos e anos, a Comissão se baseou em elementos de prova que não são pertinentes, que são contraditos por outros elementos ou que não são suscetíveis de fundamentar as suas conclusões relativamente aos modelos alegadamente em causa e que, consequentemente, não permitem demonstrar que os pagamentos em causa reduziram realmente os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente a fim de se fornecer em chipsets LTE para os referidos modelos.

506    Decorre de tudo o que precede, por um lado, que a subsecção 11.4.2 da decisão impugnada não pode sanar a ilegalidade verificada na sequência do exame da primeira alegação da terceira parte do terceiro fundamento (n.os 442 e 443, supra) e, por outro, que, de qualquer modo, na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada, a Comissão não desenvolveu uma análise que permita sustentar a conclusão de que os pagamentos em causa tinham realmente reduzido os incentivos da Apple para procurar os concorrentes da recorrente a fim de se fornecer em chipsets LTE para os modelos alegadamente em causa de iPads não‑CDMA que a Apple previa lançar em 2014 e em 2015.

507    Com efeito, a Comissão chegou a essa conclusão no termo de um raciocínio que, primeiro, enferma de falta de coerência dos elementos de prova invocados em apoio das suas conclusões (n.o 463, supra), segundo, foi efetuado, além disso, sem ter em conta todos os elementos pertinentes para o efeito (n.o 481, supra) e, terceiro, foi efetuado, de resto, com base em elementos que não permitiam sustentar as suas conclusões (n.o 505, supra).

508    Por conseguinte, a conclusão da Comissão segundo a qual os pagamentos em causa produziram realmente efeitos anticoncorrenciais que confirmam a sua capacidade de produzir tais efeitos está ferida de ilegalidade.

509    De resto, pelas mesmas razões, e contrariamente ao que sustenta la Comissão, o raciocínio desenvolvido na subsecção 11.4.2 da decisão impugnada também não pode demonstrar, de forma subsidiária, que os pagamentos em causa tinham a capacidade de produzir efeitos anticoncorrenciais relativamente aos modelos alegadamente em causa. De qualquer modo, mesmo admitindo que assim seja, importa recordar que a teoria do prejuízo adotada na decisão impugnada não incide sobre uma capacidade anticoncorrencial dos pagamentos em causa limitada às necessidades da Apple unicamente para os modelos alegadamente em causa, mas visa todas as necessidades da Apple no período em causa, tanto para os iPhones como para os iPads (v. n.os 420, 442 e 443, supra).

510    Atendendo a todos estes elementos, há que julgar procedentes a segunda e terceira alegação da terceira parte do terceiro fundamento do recurso.

4.      Conclusão

511    Decorre do exame da primeira, segunda e terceira alegação da terceira parte do terceiro fundamento, e sem que seja necessário examinar as outras alegações desta parte, que a caracterização dos pagamentos em causa como constitutivos de um abuso de posição dominante está ferida de ilegalidade, na medida em que, por um lado, o exame da capacidade dos pagamentos em causa de produzir efeitos anticoncorrenciais assenta numa análise que não foi efetuada à luz de todas as circunstâncias factuais pertinentes e, por outro, o exame dos efeitos realmente produzidos pelos pagamentos em causa se baseia numa análise que não permite sustentar a conclusão adotada pela Comissão.

512    Por estes motivos, tendo em conta as ilegalidades verificadas no âmbito do exame da terceira parte do terceiro fundamento, e sem que seja necessária a pronúncia sobre as outras partes invocadas pela recorrente, há que julgar procedente o terceiro fundamento do recurso e, igualmente com este fundamento, anular a decisão impugnada.

D.      Conclusão geral

513    Tendo sido julgados procedentes tanto o primeiro fundamento (na sua primeira e terceira parte) como o terceiro fundamento do recurso (na sua terceira parte), há que anular a decisão impugnada, sem que seja necessária a pronúncia sobre os outros fundamentos do recurso, nem sobre os pedidos de medidas de organização do processo ou de diligências de instrução apresentados pela recorrente, na medida em que esses pedidos excedem as medidas decididas ou ordenadas pelo Tribunal Geral, nem sobre provas adicionais distintas das provas adicionais de 26 de julho de 2019.

IV.    Quanto às despesas

514    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

515    Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as despesas da recorrente, em conformidade com os pedidos desta última.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

decide:

A Decisão C(2018) 240 final da Comissão, de 24 de janeiro de 2018, relativa a um processo de aplicação do artigo 102.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do artigo 54.o do Acordo EEE [processo AT.40220 — Qualcomm (pagamentos de exclusividade)], é anulada.A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de junho de 2022.


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*      Língua do processo: inglês.


1 Dados confidenciais ocultados.