Language of document : ECLI:EU:C:2014:48

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

6 de fevereiro de 2014 (*)

«Pauta aduaneira comum — Classificação pautal — Nomenclatura Combinada — Capítulo 64 — Importação de componentes necessários para o fabrico de calçado de desporto — Posição 6404 — Calçado com sola exterior de borracha, plásticos, couro natural ou reconstituído e parte superior de matérias têxteis — Posição 6406 — Partes de calçado — Regra geral 2, alínea a), para a interpretação da Nomenclatura Combinada — Artigo incompleto ou inacabado desde que apresente as ‘características essenciais do artigo completo ou acabado’ — Artigo ‘desmontado ou por montar’ — Nota explicativa para a interpretação do Sistema Harmonizado — Operações de ‘montagem’ com exclusão de qualquer ‘operação de complemento suscetível de completar o fabrico dos componentes destinados a ser montados’»

No processo C‑2/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Cour de cassation (França), por decisão de 4 de dezembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de janeiro de 2013, no processo

Directeur général des douanes et droits indirects,

Chef de l’agence de la direction nationale du renseignement et des enquêtes douanières

contra

Humeau Beaupréau SAS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: A. Borg Barthet (relator), presidente de secção, E. Levits e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Humeau Beaupréau SAS, por F. Puel, avocat,

¾        em representação do Governo francês, por D. Colas e C. Candat, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por L. Keppenne e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da regra geral 2, alínea a), para a interpretação da Nomenclatura Combinada que constitui o Anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1), na sua versão em vigor à data dos factos (a seguir «NC»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o directeur général des douanes et droits indirects e o chef de l’agence de la direction nationale du renseignement et des enquêtes douanières à Humeau Beaupréau SAS (a seguir «Humeau»), sociedade de direito francês, no que respeita à classificação na NC dos componentes necessários para o fabrico de calçado desportivo e importados da China, entre maio de 1998 e novembro de 2000.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A NC, criada pelo Regulamento n.° 2658/87, baseia‑se no Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (a seguir «SH»), elaborado pelo Conselho de Cooperação Aduaneira, atual Organização Mundial das Alfândegas (OMA), e instituído pela Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, celebrada em Bruxelas, em 14 de junho de 1983, e aprovada, em nome da Comunidade Económica Europeia, pela Decisão 87/369/CEE do Conselho, de 17 de abril de 1987 (JO L 198, p. 1). A NC reproduz as posições e subposições com seis algarismos do SH e só o sétimo e oitavo algarismos formam subdivisões próprias.

4        A primeira parte da NC contém um conjunto de disposições preliminares. Nessa parte, sob o título I, consagrado às regras gerais, a secção A, intitulada «Regras gerais para a interpretação da [NC]», dispõe:

«A classificação das mercadorias na [NC] rege‑se pelas seguintes regras:

1.       Os títulos das Secções, Capítulos e Subcapítulos têm apenas valor indicativo. Para os efeitos legais, a classificação é determinada pelos textos das posições e das Notas de Secção e de Capítulo e, desde que não sejam contrárias aos textos das referidas posições e Notas, pelas Regras seguintes:

2.      a)     Qualquer referência a um artigo em determinada posição abrange esse artigo mesmo incompleto ou inacabado, desde que apresente, no estado em que se encontra, as características essenciais do artigo completo ou acabado. Abrange igualmente o artigo completo ou acabado, ou como tal considerado nos termos das disposições precedentes, mesmo que se apresente desmontado ou por montar.

[…]

6.       A classificação de mercadorias nas subposições de uma mesma posição é determinada, para efeitos legais, pelos textos dessas subposições e das notas de subposição respetivas, assim como, mutatis mutandis, pelas regras precedentes, entendendo‑se que apenas são comparáveis subposições do mesmo nível. […]»

5        A segunda parte da NC inclui uma secção XII, que compreende nomeadamente o capítulo 64, intitulado «Calçado, polainas e artefactos semelhantes, e suas partes».

6        A posição 6404 da NC, intitulada «Calçado com sola exterior de borracha, plásticos, couro natural ou reconstituído e parte superior de matérias têxteis», compreende a subposição 6404 11 00 com a seguinte redação:

«Calçado de desporto; calçado para ténis, basquetebol, ginástica, treino e semelhantes».

7        A posição 6406 da NC intitula‑se «Partes de calçado (incluindo as partes superiores, mesmo fixadas a solas que não sejam as solas exteriores); palmilhas amovíveis, reforços interiores e artefactos semelhantes amovíveis; polainas, perneiras e artefactos semelhantes, e suas partes».

8        A subposição 6406 10 inclui as «Partes superiores de calçado e seus componentes, exceto contrafortes e biqueiras rígidas».

9        A subposição 6406 20 corresponde às «Solas exteriores e saltos, de borracha ou plásticos».

10      O artigo 249.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2000 (JO L 311, p. 17, a seguir «código aduaneiro»), dispõe:

«O comité [do código aduaneiro] pode analisar qualquer questão sobre regulamentação aduaneira, suscitada pelo presidente, por sua própria iniciativa ou a pedido do representante de um Estado‑Membro.»

 Notas explicativas do SH

11      A OMA aprova, nas condições fixadas no artigo 8.° da Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, as notas explicativas e os pareceres de classificação adotados pelo Comité do SH.

12      A nota explicativa relativa à regra geral 2, alínea a), para a interpretação do SH [a seguir «NESH relativa à regra 2, alínea a)»], regra formulada de maneira idêntica à regra geral 2, alínea a), para a interpretação da NC, tem a seguinte redação:

«I)      A primeira parte da regra 2 a) amplia o alcance das posições que mencionam um artigo determinado de maneira a englobar não apenas o artigo completo mas também o artigo incompleto ou inacabado, desde que apresente, no estado em que se encontra, as características essenciais do artigo completo ou acabado.

[…]

Artigos desmontados ou por montar

V)       A segunda parte da regra 2 a) classifica na mesma posição que o artigo montado, o artigo completo ou acabado quando se apresente desmontado ou por montar. As mercadorias apresentam‑se dessa forma sobretudo por razões relacionadas com a necessidade ou a comodidade da embalagem, da manutenção ou do transporte.

VI)      Esta regra de classificação também se aplica ao artigo incompleto ou inacabado quando se apresente desmontado ou por montar a partir do momento em que se considera completo ou acabado devido às disposições da primeira parte da regra.

VII)      Para efeitos da aplicação da presente regra, considera‑se artigo apresentado no estado de desmontado ou por montar[…] o artigo cujos diferentes componentes se destinam a ser montados, quer por meio de parafusos, pinos, cavilhas, etc., quer por rebitagem ou soldagem, por exemplo, desde que, no entanto, se trate unicamente de operações de montagem.

A este respeito não deve ser tida em conta a complexidade do método de montagem. Contudo, os diferentes componentes não podem sofrer qualquer operação de complemento suscetível de completar o seu fabrico.

Os complementos por montar de um artigo, que excedam o número exigido para a constituição de um artigo completo, seguem o seu regime próprio.

VIII) Nas considerações gerais das secções ou dos capítulos (nomeadamente na secção XVI, capítulos 44, 86, 87 e 89), são indicados casos de aplicação da regra.

IX)      Tendo em conta o alcance das posições das secções I a VI, a presente parte da regra normalmente não se aplica aos produtos dessas secções.»

 Direito francês

13      Nos termos do artigo 443.°, n.° 1, do Código Aduaneiro francês (code des douanes), conforme alterado pela Lei n.° 77‑1453, de 29 de dezembro de 1977, que estabelece garantias processuais aos contribuintes em matéria fiscal e aduaneira (loi n.° 77‑1453, du 29 décembre 1977, accordant des garanties de procédure aux contribuables en matière fiscale et douanière) (JORF de 30 de dezembro de 1977, p. 6279):

«A Comissão de Conciliação e Perícia Aduaneira é constituída por:

¾        um magistrado da ordem jurisdicional, presidente;

¾        dois assessores designados em função da sua competência técnica;

¾        um consultor do tribunal administrativo.

Em caso de empate de votos, o presidente dispõe de voto de qualidade.»

14      O artigo 450.° do referido código, conforme alterado pela Lei n.° 96‑314, de 12 de abril de 1996, relativo a diversas disposições em matéria económica e financeira (loi n.° 96‑314, du 12 avril 1996, portant divers dispositions d’ordre économique et financier) (JORF de 13 de abril de 1996, p. 5707), dispõe:

«1.      Quando, depois do desalfandegamento das mercadorias, no âmbito de fiscalizações ou inspeções efetuadas nas condições previstas, nomeadamente nos artigos 63.°‑B, 65.° e 334.°, acima, sejam suscitadas impugnações relativas à espécie, à origem ou ao valor:

a)      qualquer das partes pode, nos dois meses seguintes à notificação do ato administrativo que declara a infração, solicitar um parecer à Comissão de Conciliação e Perícia Aduaneira […]

[…]

d)       no caso de um subsequente processo jurisdicional, as conclusões emitidas pela Comissão de Conciliação e Perícia Aduaneira no âmbito da consulta referida nas alíneas a) e b) do presente artigo são juntas aos autos pelo presidente da referida comissão.

2.       Em todos os casos em que seja iniciado um processo jurisdicional, independentemente de ter ou não havido consulta prévia da Comissão de Conciliação e Perícia Aduaneira, a perícia judicial, se ordenada pelo órgão jurisdicional competente para se pronunciar sobre os litígios aduaneiros, é confiada à referida comissão.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

15      A Humeau dedica‑se ao fabrico de calçado. Entre maio de 1998 e novembro de 2000, importou da China componentes necessários para o fabrico de calçado de desporto.

16      Como decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, foram importados em quantidades idênticas os seguintes componentes:

¾        gáspeas, declaradas na alfândega na subposição 64 06 10 90 da NC;

¾        solas exteriores, declaradas na alfândega nas subposições 6406 20 10 e 6406 20 90 da NC;

¾        solas interiores, declaradas na alfândega na subposição 6406 99 80 da NC;

¾        atacadores, declarados na alfândega na subposição 6307 90 99 da NC.

17      Às solas exteriores e interiores, bem como às gáspeas, foram aplicados direitos de importação de 3,3% em 1998 e de 3% a partir de 1999, ao passo que os atacadores foram tributados em 6,3%.

18      Na sequência de uma inspeção nas instalações da Humeau, as autoridades aduaneiras francesas, em aplicação da regra geral 2, alínea a), para a interpretação da NC, consideraram que essas mercadorias deviam ser classificadas como calçado apresentado no estado por montar, na posição pautal 6404 11 00. Assim, as referidas autoridades consideraram que essas mercadorias, depois da sua importação, não necessitavam de uma operação de complemento, mas unicamente de uma montagem, de modo que o direito aduaneiro pertinente era o aplicável ao produto acabado a que estavam destinados os referidos componentes, ou seja, 17,6% em 1998 e 17% a partir de 1999. Consequentemente, em 5 de junho de 2001, levantaram um auto de infração.

19      Em 24 de julho de 2001, a Humeau consultou a Comissão de Conciliação e Perícia Aduaneira. Por parecer de 2 de julho de 2002, esta última considerou que os componentes importados pela Humeau deviam ser classificados como partes de calçado. Considerou, com efeito, «após o exame dos exemplares e a apresentação do processo de fabrico, que dois dos quatro componentes importados, a gáspea e a sola exterior, sofreram operações de complemento, concretamente, o boleamento do contraforte com humidificação no que respeita à gáspea e à cardagem tanto da gáspea como da sola, ‘suscetível de complementar o seu fabrico’, o que, em conformidade com a [NESH relativa à regra 2, alínea a)], não permite considerar o artigo controvertido, ‘cujos diferentes elementos são — como no caso vertente — destinados a ser montados’, como apresentado desmontado ou por montar na aceção dessa regra».

20      Contudo, em 8 de julho de 2004, as autoridades aduaneiras consideraram que as mercadorias em causa no processo principal estavam incluídas na posição pautal 6404 11 00 e, consequentemente, emitiram um aviso de cobrança no montante de 349 517 euros.

21      Por carta de 30 de julho de 2004, a Humeau interpôs um recurso administrativo perante as referidas autoridades, em que contesta o fundamento desse aviso.

22      Em paralelo, as referidas autoridades submeteram ao Comité do código aduaneiro a questão da classificação pautal das mercadorias em causa no processo principal. Na sequência da reunião de 6 e 7 de março de 2008, o referido comité considerou que «a montagem dos elementos por montar é realizada unicamente mediante operações de montagem [v. primeiro parágrafo e primeira frase do segundo parágrafo do ponto VII da NESH relativa à regra 2, alínea a),] e que o artigo inacabado tem as características essenciais do artigo acabado na aceção da primeira parte da regra geral 2[, alínea a),] para a interpretação da NC».

23      Em 11 de junho de 2008, as autoridades aduaneiras negaram provimento ao recurso administrativo.

24      Seguidamente, em 29 de julho de 2008, a Humeau intentou uma ação no tribunal d’instance du 11e arrondissement de Paris, tendente à anulação do referido aviso de cobrança. Por sentença de 16 de março de 2010, esse órgão jurisdicional julgou procedente a ação da Humeau, por considerar, nomeadamente, que «a declaração da infração se baseava numa apreciação errada das operações necessárias para obter o produto acabado».

25      Pronunciando‑se sobre o recurso das autoridades aduaneiras, a cour d’appel de Paris considerou também que a descrição feita pela Administração Aduaneira quanto às operações que permitem, a partir de um conjunto de partes, chegar ao produto acabado, e segundo a qual, «tecnicamente, uma operação de colagem basta para montar o calçado», não correspondia à realidade.

26      Considerando que certas partes deviam sofrer transformações, como a cardagem da sola exterior e da parte inferior da gáspea, bem como operações de acabamento nas palmilhas das solas, e que certas operações não envolviam uma simples montagem, ainda que complexa, como a colocação e a prensagem sobre uma forma e a enformação do contraforte, a cour d’appel de Paris concluiu daqui que a infração aduaneira imputada à Humeau assentava numa apreciação errada das operações necessárias para chegar ao produto acabado e, consequentemente, anulou o aviso de cobrança de 8 de julho de 2004.

27      As autoridades aduaneiras recorreram para o órgão jurisdicional de reenvio, sustentando, nomeadamente, que, tendo considerado que a cardagem da gáspea e da sola exterior importadas e o boleamento do contraforte inserido na gáspea constituíam operações de complemento que completam o fabrico das gáspeas e das solas exteriores importadas, quando na sua opinião se trata apenas de operações de montagem de componentes pré‑fabricados com vista a constituir um sapato, a cour d’appel de Paris violou a regra geral 2, alínea a), para a interpretação do SH e o ponto VII da NESH relativa a essa regra.

28      Nestas condições, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«No processo de fabrico de calçado, as operações de boleamento do contraforte de uma gáspea e de cardagem dessa gáspea e de uma sola exterior, prévias à sua montagem, devem ser qualificadas como ‘operações de montagem’ ou ‘operações de complemento suscetíveis de completar o seu fabrico’, na aceção do ponto VII [da NESH relativa à regra 2 a)]?»

 Quanto à questão prejudicial

29      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, no processo de fabrico do calçado, o boleamento do contraforte e a cardagem da parte superior e da sola exterior antes da sua montagem constituem «operações de montagem» ou «operações de complemento suscetíveis de completar o seu fabrico», na aceção do ponto VII da NESH relativa à regra 2, alínea a).

30      A título preliminar, deve recordar‑se que, segundo a primeira frase da regra geral 2, alínea a), para a interpretação da NC, qualquer referência a um artigo numa determinada posição abrange esse artigo mesmo incompleto ou inacabado, desde que apresente, no estado em que se encontra, as características essenciais do artigo completo ou acabado. Nos termos da segunda frase desta regra geral 2, alínea a), está também incluído nessa posição o artigo completo ou acabado, ou considerado como tal por efeito da primeira frase, quando é apresentado desmontado ou por montar.

31      O ponto VII da NESH relativa à regra geral 2, alínea a), precisa, a este respeito, que deve considerar‑se como artigo desmontado ou por montar o artigo cujos diferentes componentes se destinam a ser montados, desde que, no entanto, se trate unicamente de operações de montagem e que os diferentes componentes não sejam sujeitos a nenhuma operação de complemento suscetíveis de completar o seu fabrico.

32      Ora, embora as notas explicativas elaboradas pela OMA constituam meios importantes para assegurar a aplicação uniforme da pauta aduaneira comum e forneçam, enquanto tal, elementos válidos para a sua interpretação (v., designadamente, acórdão de 20 de junho de 2013, Agroferm, C‑568/11, n.° 28 e jurisprudência referida), não são, no entanto, juridicamente vinculativas (v., designadamente, acórdãos de 11 de julho de 1980, Chem‑Tec, 798/79, Recueil, p. 2639, n.° 11; de 16 de junho de 1994, Develop Dr. Eisbein, C‑35/93, Colet., p. I‑2655, n.° 21; e de 15 de novembro de 2012, Kurcums Metal, C‑558/11, n.° 30).

33      Por conseguinte, há que reformular a questão submetida no sentido de que, com a mesma, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a regra geral 2, alínea a), para a interpretação da NC deve ser interpretada no sentido de que a parte superior, a sola exterior e a sola interior estão incluídas, enquanto artigo apresentado no estado por montar com as características essenciais de calçado, na posição 6404 da NC, quando, depois da sua importação, a parte superior e a sola exterior devam ser objeto de uma operação de cardagem antes da sua montagem e um contraforte, inserido na parte superior, deva ser objeto de uma operação de boleamento por humidificação.

34      As características do calçado residem fundamentalmente na combinação de uma parte superior e de uma sola exterior. Esses componentes representam, com efeito, a maior parte do artigo completo a que se destinam e conferem‑lhe o aspeto de calçado. Além disso, contornam e protegem o pé do utilizador, permitindo assim ao calçado cumprir a sua função principal.

35      A este respeito, é também pertinente o facto de que, para determinar a posição pautal em que deve ser classificado o calçado, cumpre, em conformidade com as posições 6401 a 6405 da NC, examinar as suas partes superiores e as suas solas exteriores.

36      Por último, segundo o texto da posição 6406 da NC, as partes superiores constituem «[p]artes de calçado», mesmo fixadas a solas que não sejam as solas exteriores. Daí decorre, a contrario, que um conjunto constituído por uma parte superior de calçado fixada a uma sola exterior não pode ser classificado na posição 6406 da NC e, por conseguinte, está incluído numa das posições 6401 a 6405 da NC que correspondem ao calçado completo.

37      Assim, em aplicação da regra geral 2, alínea a), primeira frase, da NC, deve considerar‑se que um conjunto constituído por uma parte superior, uma sola exterior e uma sola interior possui as características essenciais do calçado.

38      Por outro lado, no que respeita à questão de saber se as mercadorias importadas pela Humeau devem ser consideradas calçado «por montar» na aceção da referida regra, importa observar que a NC não contém nenhuma definição do conceito de artigo «por montar» na aceção da regra geral 2, alínea a), dessa nomenclatura.

39      Em contrapartida, as notas explicativas do SH, que, segundo a jurisprudência recordada no n.° 32 do presente acórdão, constituem um meio importante para assegurar a aplicação uniforme da pauta aduaneira comum e fornecem, enquanto tal, elementos válidos para a interpretação dessa pauta, indicam no ponto VII da NESH relativa à regra geral 2, alínea a), que «[se considera] artigo apresentado no estado de desmontado ou por montar para efeitos de aplicação da presente regra[…] o artigo cujos diferentes componentes se destinam a ser montados […] por rebitagem ou soldagem, por exemplo, desde que, no entanto, se trate unicamente de operações de montagem». Além disso, «os diferentes componentes não podem sofrer qualquer operação de complemento suscetível de completar o seu fabrico».

40      No que se refere, antes de mais, à operação de cardagem da parte superior e da sola exterior, decorre das observações escritas apresentadas pela República Francesa e pela Comissão Europeia que, no processo de fabrico do calçado, a referida operação consiste em lixar a parte superior e a sola exterior que se destinam a entrar em contacto para serem coladas.

41      Por conseguinte, se, como sustentam a República Francesa e a Comissão, esta operação se destina unicamente a melhorar a aderência entre a parte superior e a sola exterior, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, deve ser considerada uma etapa do processo de colagem e, como tal, não pode ser qualificada de «operação de complemento suscetível de completar o fabrico» dos referidos componentes na aceção do ponto VII da NESH relativa à regra 2, alínea a).

42      Em seguida, no que se refere à operação de boleamento por humidificação do contraforte, deve salientar‑se, desde logo, que, como resulta dos autos, os contrafortes, contrariamente às partes superiores e às solas interiores e exteriores, não foram objeto de uma importação, mas de uma aquisição intracomunitária.

43      Ora, decorre dos pontos VI e VII da NESH relativa à regra 2, alínea a), que, no caso de um artigo incompleto apresentado no estado de desmontado, a exigência segundo a qual a montagem dos diferentes componentes deve consistir unicamente em operações de montagem, com exclusão de qualquer operação de complemento suscetível de completar o fabrico dos referidos componentes, refere‑se aos componentes que foram apresentados às autoridades aduaneiras para desalfandegamento.

44      Em contrapartida, não é pertinente que componentes que, como o contraforte em causa no litígio no processo principal, foram objeto de uma aquisição intracomunitária sejam submetidos a operações de complemento antes de serem montados com os componentes importados.

45      Com efeito, no caso contrário, a classificação pautal dos componentes importados dependeria de uma circunstância que não é inerente a essas mercadorias, de modo que as autoridades aduaneiras não poderiam comprovar se componentes que não foram apresentados à alfândega devem ou não ser objeto de uma operação de complemento antes de poderem ser montados com os componentes importados, o que violaria o objetivo de facilidade dos controlos aduaneiros e a segurança jurídica que deve presidir à referida classificação.

46      Daqui resulta que, no âmbito do litígio no processo principal, a operação de boleamento por humidificação do contraforte, independentemente da sua qualificação para efeitos do ponto VII da NESH relativa à regra 2, alínea a), não afeta a aplicação da regra geral 2, alínea a), para a interpretação da NC.

47      Em contrapartida, deve examinar‑se, por último, se o acrescentar do contraforte implica uma operação de complemento dos componentes importados.

48      A este respeito, não se afigura, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a operação que consiste em acrescentar um contraforte na parte superior do calçado implique mais do que a inserção e a fixação deste componente entre a parte exterior e o forro da parte superior do calçado.

49      A ser efetivamente assim, essa etapa constitui uma operação de montagem e, como tal, não pode ser considerada uma operação de complemento suscetível de completar o fabrico da parte superior, na aceção do ponto VII da NESH relativa à regra 2, alínea a).

50      A este respeito, o Comité do código aduaneiro, na sequência da reunião de 6 e 7 de março de 2008, considerou, a propósito das mercadorias em causa no processo principal, que «a montagem dos componentes por montar é realizada unicamente mediante operações de montagem».

51      Ora, embora as conclusões do Comité do código aduaneiro não sejam juridicamente vinculativas, constituem meios importantes para assegurar uma aplicação uniforme do código aduaneiro pelas autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros e podem, como tal, ser consideradas meios válidos para a interpretação do referido código (v., designadamente, acórdão de 22 de maio de 2008, Ecco Sko, C‑165/07, Colet., p. I‑4037, n.° 47).

52      Em face do exposto, há que responder à questão submetida que a regra geral 2, alínea a), para a interpretação da NC deve ser interpretada no sentido de que a parte superior, a sola exterior e a sola interior estão incluídas na posição 6404 da NC, como artigo apresentado por montar com as características essenciais de calçado, quando, depois da importação desses componentes, um contraforte deva ser inserido na parte superior e a sola exterior e a parte superior devam ser objeto de uma operação de cardagem para a sua montagem.

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

A regra geral 2, alínea a), para a interpretação da Nomenclatura Combinada que constitui o Anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, na sua versão em vigor à data dos factos, deve ser interpretada no sentido de que a parte superior, a sola exterior e a sola interior estão incluídas na posição 6404 da referida Nomenclatura Combinada, como artigo apresentado por montar com as características essenciais de calçado, quando, depois da importação desses componentes, um contraforte deva ser inserido na parte superior e a sola exterior e a parte superior devam ser objeto de uma operação de cardagem para a sua montagem.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.