Language of document : ECLI:EU:T:2000:180

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

6 de Julho de 2000 (1)

«Concorrência - Distribuição de veículos automóveis - Compartimentação - Artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) - Regulamento (CEE) n.° 123/85 - Divulgações à imprensa - Segredo profissional - Boa administração - Coima - Gravidade da infracção»

No processo T-62/98,

Volkswagen AG, com sede em Wolfsburg (Alemanha), representada por R. Bechtold, advogado em Estugarda, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolter, 11, rue Goethe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K. Wiedner, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por H. J. Freund, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 98/273/CE da Comissão, de 28 de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/35.733 - VW) (JO L 124, p. 60) ou, subsidiariamente, de redução da coima aplicada por esta decisão à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Outubro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto e enquadramento jurídico

1.
    A recorrente é a sociedade holding do grupo Volkswagen. As actividades comerciais do grupo incluem a construção de veículos das marcas Volkswagen, Audi, Seat e Skoda, bem como o fabrico de componentes e de peças. O grupo exerce igualmente outras actividades nos domínios dos motores industriais, dos serviços financeiros e dos seguros. A recorrente detém uma participação de 98,99% na Audi AG (a seguir «Audi»). A actividade comercial da Audi, com sede em Ingolstadt (Alemanha) consiste essencialmente na construção e na distribuição de veículos automóveis da marca Audi, bem como na produção de componentes e de motores.

2.
    Os veículos automóveis das marcas Volkswagen e Audi são vendidos na Comunidade por intermédio de redes de distribuição selectiva. A importação em Itália destes veículos, bem como das respectivas peças e acessórios, é garantida em exclusivo pela sociedade italiana Autogerma SpA (a seguir «Autogerma»), com sede em Verona (Itália), que é uma filial totalmente controlada pela recorrente e que, desse modo, constitui com esta última e a Audi uma entidade económica. A distribuição em Itália efectua-se por intermédio de concessões jurídica e economicamente independentes mas contratualmente ligadas à Autogerma.

3.
    Os contratos de concessão estão, sob certas condições, isentos da aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) pelo Regulamento (CEE) n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO L 15, p. 16; EE 02 F8 p. 50), substituído, a partir de 1 de Outubro de 1995, pelo Regulamento (CE) n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO L 145, p. 25). Nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 1475/95, a proibição prevista no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado não se aplica durante o período de 1 de Outubro de 1995 a 30 de Setembro de 1996 aos acordos já em vigor em 1 de Outubro de 1995 que preencham as condições de isenção previstas no Regulamento (CEE) n.° 123/85.

4.
    O artigo 1.° do Regulamento n.° 123/85 dispõe:

«Nos termos do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE, o n.° 1 do artigo 85.° (do Tratado) é declarado inaplicável, nas condições fixadas no presente regulamento, aos acordos em que participam apenas duas empresas e nos quais uma parte se obriga perante a outra a, numa parte definida do mercado comum, fornecer:

1) só a esta,

ou

2) só a esta e a um número determinado de empresas da rede de distribuição,     para fins de revenda, certos veículos automóveis de três ou mais rodas, destinados a serem utilizados na via pública...»

5.
    No artigo 2.° do Regulamento n.° 123/85 indica-se que a isenção prevista no n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE se aplica igualmente «quando a obrigação referida no artigo 1.° estiver ligada à obrigação do fornecedor de não vender produtos contratuais a utilizadores finais, no território contratual».

6.
    O artigo 3.° do Regulamento n.° 123/85 dispõe: «A isenção... aplica-se igualmente quando (o acordo de distribuição selectiva) estiver ligado à obrigação do distribuidor de:

...

8)    Fora do território contratual:

    a)    Não manter sucursais ou armazéns para a distribuição de produtos contratuais e produtos correspondentes;

    b)    Não procurar clientela para produtos contratuais e produtos correspondentes;

9)    Não confiar a terceiros a distribuição ou o serviço de venda e pós-venda de produtos contratuais e de produtos correspondentes fora do território contratual;

10)    Só fornecer a um revendedor:

    a)    Produtos contratuais e produtos correspondentes se este revendedor for uma empresa da rede de distribuição, ou

    ...

11)    Só vender veículos automóveis... a utilizadores finais que utilizem os serviços dum intermediário se esses utilizadores tiverem anteriormente autorizado por escrito o intermediário a comprar um veículo automóvel determinado e, se for o caso, aceitar a respectiva entrega por sua conta.»

7.
    A redacção dos artigo 1.°, 2.° e 3.° do Regulamento n.° 1475/95 é praticamente idêntica à das disposições correspondentes do Regulamento n.° 123/85. O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1475/95 prevê: «A isenção não se aplica quando:

...

3)    as partes estipulem restrições de concorrência que não são isentadas expressamente pelo presente regulamento, ou

...

7)    O construtor, o fornecedor ou outra empresa de rede, restrinja directa ou indirectamente a liberdade de os utilizadores finais, intermediários mandatados ou distribuidores se abastecerem junto duma empresa da rede à sua escolha no mercado comum de produtos contratuais ou de produtos correspondentes e obterem o serviço pós-venda desses produtos, ou a liberdade de os utilizadores finais revenderem produtos contratuais ou produtos correspondentes, desde que a venda não se realize com fins comerciais, ou

8)    O fornecedor atribua, sem razão objectivamente justificada aos distribuidores remunerações calculadas em função do local de destino dos veículos automóveis revendidos ou do domicílio do comprador...»

8.
    A partir de Setembro de 1992 e em 1993 a lira italiana desvalorizou-se fortemente em relação ao marco alemão. Todavia, a recorrente não aumentou em proporção os seus preços de venda em Itália. As diferenças de preços resultantes dessasituação criaram um interesse económico na reexportação, a partir de Itália, de veículos das marcas Volkswagen e Audi.

9.
    No decurso dos anos de 1994 e 1995, a Comissão recebeu cartas dos consumidores alemães e austríacos queixando-se de obstáculos à aquisição de veículos novos das marcas referidas em Itália, com vista à sua reexportação imediata para a Alemanha ou a Áustria.

10.
    Por carta de 24 de Fevereiro de 1995, a Comissão informou a recorrente de que, com base nas queixas dos consumidores alemães, tinha chagado à conclusão de que esta última e a Autogerma tinham imposto aos concessionários italianos das marcas Volkswagen e Audi, ameaçando-os com a rescisão dos seus contratos de concessão, a obrigação de venderem veículos unicamente a clientes italianos. Na mesma carta, a Comissão intimou a recorrente a pôr termo a esse entrave à reexportação e a comunicar-lhe, no prazo de três semanas a contar da data de recepção da carta, as medidas tomadas para resolver esta questão.

11.
    Por carta de 30 de Março de 1995, a recorrente respondeu que as dificuldades encontradas por certos consumidores podiam ter sido causadas por um problema de comunicação, nomeadamente entre a Autogerma e os concessionários italianos. Anexou à sua carta uma cópia da circular enviada em 16 de Março de 1995 aos concessionários italianos para eliminar qualquer possibilidade de mal-entendido.

12.
    Por carta de 2 de Maio de 1995, a Comissão respondeu à recorrente que a circular de 16 de Março de 1995 não tinha posto termo aos entraves à reexportação. A este propósito, fez referência a novas queixas provenientes de diversos consumidores alemães e austríacos.

13.
    Em 17 de Outubro de 1995, a Comissão adoptou uma decisão ordenando verificações em conformidade com o artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, n.° 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). As verificações decorreram em 23 e 24 de Outubro de 1995 nas instalações da recorrente e da Audi, bem como, em Itália, junto da Autogerma, da Auto Brenner SpA em Bolzano, da Auto Pedross Herbert & Co. em Silandro, da Dorigoni SpA em Trento, da Eurocar SpA em Udine, da IOB Silvano & C. SRL em Gemona, de Adriano Mansutti em Tricesimo, de Günther Rabanser em Pontegardena, da Muntschlechner SAS em Brunico e de Franz Nitz em Vipiteno. Através destas verificações, a Comissão procurava apurar se a recorrente e a Audi tinham concluído acordos ou efectuado práticas concertadas com a Autogerma e os seus concessionários em Itália tendo por finalidade não vender veículos novos a consumidores domiciliados noutros Estados-Membros.

14.
    Com base nos documentos encontrados no decurso das verificações, a Comissão considerou que a recorrente, a Audi e a Autogerma tinham instituído com os seusconcessionários italianos uma política de compartimentação do mercado. Em 25 de Outubro de 1996, a Comissão notificou uma comunicação de acusações à recorrente e à Audi.

15.
    Por carta de 18 de Novembro de 1996, a recorrente e a Audi requereram acesso ao processo. Tomaram conhecimento do processo em 5 de Dezembro de 1996.

16.
    Em 19 de Dezembro de 1996, a Autogerma, a pedido expresso da recorrente, enviou uma circular aos concessionários italianos, precisando que as exportações com destino a utilizadores finais (eventualmente através de intermediários) bem como a concessionários pertencentes à rede de distribuição eram lícitas e não seriam por isso penalizadas. Esta circular indicava igualmente que o desconto concedido aos concessionários sobre o preço de venda dos veículos encomendados, chamado «margem» e o pagamento do prémio eram inteiramente independentes da questão de saber se os veículos tinham sido vendidos dentro ou fora do seu território contratual.

17.
    A recorrente e a Audi enviaram à Comissão as suas observações sobre a comunicação de acusações por carta de 12 de Janeiro de 1997.

18.
    Apresentaram igualmente o seu ponto de vista aos serviços competentes da Comissão numa audição que decorreu em 7 de Abril de 1997.

19.
    Em 7 de Outubro de 1997, o advogado da recorrente teve ainda um encontro, realizado a seu pedido, com o director dos referidos serviços em que se discutiu, designadamente, a questão de saber se a Comissão considerava que as infracções detectadas tinham terminado ou se mantinham.

20.
    Em 28 de Janeiro de 1998, a Comissão adoptou a Decisão 98/273/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/35.733 - VW) (JO L 124, p. 60, a seguir «decisão» ou «decisão impugnada»). A recorrente é designada na decisão como único destinatário. A este propósito, a Comissão afirma que a recorrente é responsável pela infracção detectada, uma vez que a Audi e a Autogerma são suas filiais e que conhecia as suas actividades. Quanto aos concessionários italianos, a Comissão indica que estes não participaram activamente nos entraves à reexportação mas que se viram na obrigação, enquanto vítimas da política restritiva encetada pelos construtores e pela Autogerma, de aprovar essa política sob coacção.

21.
    Quanto aos factos imputados, a Comissão enumera uma série de documentos destinados a provar, por um lado, que a recorrente e a Audi, através de ameaças localizadas e com meios financeiros e em pessoal próprios, impediram a reexportação de veículos de Itália para a Alemanha ou outros Estados-Membros e, por outro lado, que, sob instruções da recorrente e da Audi, a Autogerma procedeu a verificações rigorosas junto dos concessionários italianos a fim deerradicar a prática de alguns deles que consistia em vender veículos a compradores estrangeiros e aplicou sanções severas a alguns dessas concessionários.

22.
    No que respeita às medidas tomadas pela recorrente e pela Audi, a Comissão cita a criação, pela recorrente, de uma «sistema de margem fraccionada» aplicável às vendas do novo automóvel Volkswagen Polo em Itália. Segundo este sistema, o concessionário, em vez de beneficiar de um desconto global de 13% sobre o montante facturado por cada veículo encomendado, recebe, no momento da elaboração da factura, uma redução de apenas 8%, sendo-lhe concedido posteriormente um desconto de 5%, mas apenas em caso de registo do veículo no território contratual. Segundo a decisão, a Audi instituiu um sistema semelhante para a venda do automóvel Audi A4 em Itália. A Comissão menciona igualmente a redução pela recorrente e a Audi das existências dos concessionários. Esta medida, acompanhada de uma política de abastecimento restrito, causou um alongamento considerável dos prazos de entrega e levou certos clientes a anularem as suas encomendas. Além disso, autorizou a Autogerma a recusar os pedidos de entrega de concessionários alemães (entregas cruzadas no interior da rede de distribuição Volkswagen). A Comissão invoca igualmente as condições fixadas pela Audi e pela Autogerma para o cálculo do prémio trimestral de 3% pago aos concessionários com base no número de veículos vendidos.

23.
    Entre as sanções aplicadas pela Autogerma aos concessionários, a Comissão menciona a rescisão de certos contratos de concessão e a supressão do prémio trimestral de 3% para as vendas fora do território contratual.

24.
    Sublinha-se na decisão que as medidas tomadas pela recorrente, a Audi e a Autogerma, tendo por objectivo enquadrar as vendas de veículos automóveis pelos concessionários italianos, eram aplicáveis tanto às entregas a revendedores não pertencentes à rede (a seguir «revendedores não autorizados») como a consumidores finais e a concessionários das marcas Volkswagen e Audi sediadas ou estabelecidas em Estados-Membros diferentes da Itália.

25.
    A Comissão cita igualmente documentos que demonstram que as medidas acima referidas restringiram efectivamente o comércio entre a Itália, por um lado, e a Alemanha e a Áustria, por outro, na medida em que numerosos clientes residentes nestes dois últimos Estados foram recusados pelos concessionários italianos.

26.
    A Comissão conclui que essas medidas, que se inscrevem no quadro da relação contratual entre os construtores, por intermédio da Autogerma, e os concessionários italianos da sua rede de distribuição selectiva, procedem de um acordo ou de uma prática concertada e constituem uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, dado que consubstanciam uma política de compartimentação do mercado. Precisa que estas medidas não estão abrangidas pelos Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95, dado que nenhuma disposição destes regulamentos permite excluir um acordo destinado a impedir exportações paralelas por consumidoresfinais, através de intermediários mandatados por estes últimos ou por outros concessionários da rede de distribuição. Precisa igualmente que a concessão de uma isenção individual está excluída no presente caso porque nem a recorrente, nem a Audi nem a Autogerma notificaram qualquer elemento do acordo celebrado com os concessionários e porque, de qualquer forma, os entraves à reexportação constituem uma violação do objectivo de protecção dos consumidores que figura no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

27.
    Na medida em que a recorrente e a Audi tinham sublinhado, nas respectivas observações sobre a comunicação de acusações, que alguns documentos em que a Comissão se baseia mais não são do que relatórios internos do grupo Volkswagen, que reflectem apenas um debate e por vezes conflitos de interesses no interior do grupo, a Comissão afirma que os conflitos internos do grupo não são pertinentes uma vez que em nada alteram o facto de que a recorrente e as suas filiais Audi e Autogerma celebraram com os respectivos concessionários um acordo que é incompatível com as regras comunitárias da concorrência. Contra a argumentação desenvolvida igualmente nas observações sobre a comunicação de acusações, segundo a qual, por um lado, uma grande maioria de reexportações de Itália para a Alemanha e a Áustria era composta por entregas ilegais a revendedores não autorizados e, por outro, as vendas aos particulares (eventualmente por intermediários) ou a outros concessionários das marcas Volkswagen e Audi eram mínimas, a Comissão considera que, mesmo que apenas uma parte ínfima das vendas impedidas tenha afectado consumidores finais, seus intermediários ou outros concessionários das referidas marca, as trocas comerciais entre Estados-Membros não deixam por isso de ser sensivelmente afectadas havendo, portanto, uma infracção às regras comunitárias da concorrência.

28.
    No artigo 1.° da decisão, a Comissão constata que a recorrente, em conjunto com as suas filiais Audi e Autogerma, «cometeu infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao celebrar, com os concessionários italianos da sua rede de distribuição, acordos destinados a impedir ou a restringir qualquer venda a utilizadores finais de outros Estados-Membros - quer estes encomendassem pessoalmente ou utilizassem os serviços de um intermediário mandatado - bem como a outros concessionários da rede noutro Estado-Membro». No artigo 2.° da decisão, ordena à recorrente que ponha termo a essas infracções e, para esse efeito, intima-a a tomar, entre outras, as medidas que enumera.

29.
    No artigo 3.° da decisão, a Comissão aplica uma coima de 102 000 000 de ecus à recorrente em razão da gravidade da infracção constatada. Quanto a esta questão, a Comissão considera que o facto de entravar as exportações paralelas de veículos pelos consumidores finais e as entregas cruzadas no âmbito da rede de concessionários é um obstáculo ao objectivo de criação de um mercado comum, que é um dos princípios fundamentais da Comunidade Europeia, de modo que a infracção constatada é especialmente grave. A isto acresce o facto de as regras aplicáveis na matéria já existirem há vários anos e a circunstância de o grupo Volkswagen ter, entre todos os construtores de veículos a motor na Comunidade,a quota de mercado mais elevada. A Comissão cita igualmente documentos a fim de provar que a recorrente tinha plena consciência de que o seu comportamento constituía uma infracção ao artigo 85.° do Tratado. Sublinha também que a infracção durou mais de dez anos. Finalmente, a Comissão tomou em conta, como circunstâncias agravantes, o facto de a recorrente, por um lado, não ter posto termo às medidas em questão, embora lhe tenha enviado duas cartas em 1995 assinalando-lhe que o comportamento que consistia em impedir ou em restringir as exportações paralelas a partir de Itália constituía uma infracção às regras da concorrência e, por outro, ter aproveitado a situação de dependência existente entre um construtor de veículos automóveis e os seus concessionários, na origem, no caso vertente, para vários distribuidores, de perdas substanciais em termos de volume de negócios. A este propósito, é explicado na decisão que a recorrente, a Audi e a Autogerma ameaçaram mais de cinquenta concessionários de rescindirem os respectivos contratos no caso de estes continuarem a vender veículos aos seus clientes estrangeiros e que doze contratos de concessão foram efectivamente rescindidos, pondo em perigo a existência das empresas em causa.

30.
    A decisão foi notificada por carta enviada à recorrente em 5 de Fevereiro de 1998 e por ela recebida no dia seguinte.

31.
    Por carta de 2 de Março de 1998, a recorrente informou a Comissão das medidas tomadas em execução do artigo 2.° da decisão e perguntou-lhe se de facto correspondiam às previstas pelo referido artigo. Por carta de 27 de Março de 1998, a Comissão respondeu que as medidas citadas eram, no essencial, conformes às impostas pela decisão.

Tramitação processual e pedidos das partes

32.
    Por petição entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Abril de 1998, a recorrente interpôs o presente recurso.

33.
    A fase escrita do processo terminou em 11 de Janeiro de 1999.

34.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral e, como medidas de organização do processo, pediu às partes que respondessem a perguntas escritas e que apresentassem certos documentos. As partes deram satisfação a estes pedidos.

35.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais do Tribunal na audiência pública de 7 de Outubro de 1999.

36.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão;

-    condenar a recorrida nas despesas.

37.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Mérito da causa

38.
    A recorrente invoca, no essencial, cinco fundamentos de anulação. Os primeiro e segundo fundamentos baseiam-se, respectivamente, em erros de facto e erros de direito na aplicação do artigo 85.° do Tratado. Os três últimos fundamentos baseiam-se na violação do princípio da boa administração, na obrigação de fundamentação e no direito de ser ouvido.

39.
    Além disso, a recorrente invoca, a título subsidiário, um fundamento em que pede a redução da coima aplicada pela decisão, baseado no carácter excessivo dessa coima.

A - Primeiro fundamento: erros de facto na aplicação do artigo 85.° do Tratado

Quanto aos entraves à reexportação

Apreciações preliminares

40.
    A recorrente sustenta, no âmbito deste primeiro fundamento, que respeitou os princípios da distribuição selectiva estabelecidos pelos Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95. Sempre reconheceu que as vendas, pelos seus concessionários italianos, a consumidores finais estrangeiros e a outros concessionários da sua rede de distribuição eram lícitas. Em sua opinião, todas as medidas que a Comissão qualificou, na decisão impugnada, de incompatíveis com as regras comunitárias da concorrência tinham, na realidade, como único objectivo impedir as vendas ilícitas, ou seja, as vendas aos revendedores não autorizados. A argumentação da recorrente baseia-se na afirmação de que «todos os interessados sabiam que as vendas dos concessionários italianos a consumidores finais estrangeiros e a outros concessionários da rede de distribuição eram lícitas e não deviam ser entravadas» e destina-se, portanto, a demonstrar que os entraves alegados não se verificaram. Mais concretamente, a recorrente afirma que todos os concessionários do grupo tiveram, ao longo do período abrangido pela decisão da Comissão, o direito de vender veículos novos a consumidores finais, tanto no interior como no exterior do seu território contratual e de efectuar entregas cruzadas a outros concessionários das marcas Volkswagen e Audi.

41.
    A recorrente não contesta que, se tivesse impedido as reexportações a partir de Itália nas condições indicadas pela Comissão, tal comportamento teria sidoincompatível com os contratos de concessão e com a regulamentação comunitári a. Ter-se-ia exposto às actuações da Comissão e seria responsável contratualmente em relação aos concessionários da sua rede de distribuição, por não respeito dos Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95.

42.
    A recorrida não contesta que a proibição das reexportações por revendedores não autorizados e as disposições adoptadas para esse efeito sejam compatíveis com as regras comunitárias da concorrência. Todavia, sustenta que as medidas adoptada s pela recorrente, pela Audi e pela Autogerma incidiam, na realidade, sobre tod as as reexportações de veículos automóveis a partir de Itália.

43.
    Nestas circunstâncias, importa analisar se a Comissão cometeu erros de apreciação dos factos ao concluir, no artigo 1.° da decisão, que a recorrente, juntamente com as suas filiais Audi e Autogerma, «cometeu infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao celebrar, com os concessionários italianos da sua rede de distribuição, acordos destinados a impedir ou a restringir qualquer venda a utilizadores finais de outros Estados-Membros - quer estes encomendassem pessoalmente ou utilizassem os serviços de um intermediário mandatado - bem como a outros concessionários da rede noutro Estado-Membro». Para esse efeito, há que verificar se a Comissão reuniu elementos de prova suficientemente precisos e concordantes para basear a firme convicção de que a infracção alegada teve lugar (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Janeiro de 1999, Riviera auto service e o./Comissão, T-185/96, T-189/96 e T-190/96, Colect., p. II-93, n.° 47).

Quanto ao entrave resultante do sistema de prémio

-    Argumentos das partes

44.
    Quanto às medidas concretas que terão sido tomadas pela Autogerma em relação aos concessionários que efectuaram vendas fora do seu território contratual, a recorrente opõe-se, em primeiro lugar, às constatações feitas pela Comissão relativamente às modalidades de cálculo do prémio trimestral de 3%. Explica que a Autogerma tem por hábito conceder aos concessionários um prémio, definido na «convenzione B», que varia com os anos em termos de montante e de condições de concessão, e que tem por finalidade recompensá-los pelos resultados obtidos no quadro da execução das suas obrigações contratuais. Dado que, entre essas obrigações, a que consiste em promover o mais possível as vendas de veículos novos no território contratual e em oferecer um serviço pós-venda de qualidade à clientela nesse território reveste um carácter importante, a concessão do prémio teria sido, logicamente, em função da boa execução dessa obrigação. Segundo a recorrente, entre 1 de Janeiro de 1988 e 31 de Dezembro de 1990, esse prémio de 3% era concedido à razão de 2% e de 0,5% se as quotas de vendas de veículos a realizar, respectivamente, no prazo de quatro meses e de um ano fossem respeitadas e, à razão de 0,5% se outros objectivos fossem alcançados. Posteriormente, esta repartição foi alterada (entre 1 de Janeiro de 1991 e 30 deAbril de 1995: 1,5% para a quota de venda a alcançar em quatro meses e 1,5% para a quota a alcançar num ano; entre 1 de Maio de 1994 e 31 de Dezembro de 1994: 1,4% para a quota a alcançar em quatro meses, 1% para a quota a alcançar num ano e 0,6% para o grau de satisfação da clientela). Foi expressamente estipulada na convenzione B a regra segundo a qual, para o cálculo do prémio, todas as vendas deviam ser tomadas em conta, mas as realizadas fora do território contratual apenas o seriam até ao máximo de 15% da totalidade das vendas efectuadas pelo concessionário (a seguir «cláusula dos 15%»). Na prática, portanto, a cláusula dos 15%, em vigor até 30 de Setembro de 1996, não foi aplicada. A partir de 1 de Outubro de 1996, todas as vendas de veículos novos foram tomadas em consideração para o cálculo do prémio. A recorrente explica ainda que, embora inicialmente a quantidade de veículos vendidos fosse determinada com base nas entregas, a partir de 1 de Janeiro de 1995 e até 30 de Setembro de 1996, o prémio correspondente à quota das vendas a realizar no período de quatro meses dependia dos registos.

45.
    A recorrente afirma que os documentos citados pela Comissão para demonstrar que foram aplicadas sanções através deste prémio ou não tem qualquer relação com esta questão ou são desprovidos de força probatória. Sublinha que só foram alvo de sanções distribuidores que tinham violado os seus contratos de concessão ao entregarem automóveis a revendedores não autorizados. Resulta claramente da redacção e do contexto de todos os documentos citados pela Comissão que só as vendas a revendedores não autorizados eram visadas. Além disso, nenhum elemento justifica a conclusão tirada pela Comissão (considerando 80 da decisão), segundo a qual o sistema de prémio em questão incitou numerosos concessionários a renunciarem de uma forma geral a efectuarem vendas fora do seu território contratual. Assim, contrariamente ao que afirma a Comissão, a «Unione Concessionari Audi Volkswagen» nunca expressou o seu desacordo em relação a este sistema. Por outro lado, a Comissão estava há bastante tempo informada do seu conteúdo, uma vez que recebeu uma cópia da convenzione B em 1998. Não manifestou nenhuma objecção em relação ao sistema porque, segundo a recorrente, a globalidade deste, em especial a cláusula dos 15%, era compatível com o Regulamento n.° 123/85.

46.
    A recorrida começa por afirmar que, em relação ao veículo Audi A4, o prejuízo financeiro sofrido pelo concessionário em caso de ultrapassagem do limite fixado pela cláusula dos 15%, em caso de venda e de registo do automóvel fora do território contratual, elevava-se a 8% do preço de facturação desta, correspondente à perda do prémio de 3% e da margem fraccionada igual a 5%.

47.
    A recorrida observa, em seguida, que, em nenhum dos documentos citados na decisão é feita uma diferenciação no que respeita ao pagamento do prémio consoante as vendas fora do território contratual fossem concluídas com revendedores não autorizados ou com consumidores finais ou outros concessionários. A recorrida faz referência a um documento em que se declara que o prémio estava «bloqueado em relação a todas as vendas fora do territóriocontratual». Menciona igualmente documentos que demonstram que o sistema d e prémio constituía um meio de pressão destinado a desencorajar as vendas aos estrangeiros e que os concessionários italianos sentiam que a sua liberdade de acção se encontrava limitada por tal sistema. Finalmente, a recorrida alega que o referido sistema, aplicável desde 1988, foi reforçado a partir do Outono de 1993, passando o pagamento do prémio de 3% a ficar dependente do registo dos veículos no território contratual do concessionário.

-    Apreciação do Tribunal

48.
    Importa observar, a título preliminar, que não é contestado pela recorrente que, entre 1 de Janeiro de 1988 e 30 de Setembro de 1996, o cálculo do prémio concedido pela Autogerma aos concessionários italianos para recompensar a bo a execução das respectivas obrigações contratuais estava sujeito à cláusula dos 15%, estipulada na convenzione B. Segundo esta cláusula, tanto as vendas dentro como fora do território contratual eram tomadas em consideração para o pagamento do prémio, mas estas últimas unicamente até ao máximo de 15% da totalidade das vendas efectuadas (v., supra, n.° 44).

49.
    Há que reconhecer que esta regra era susceptível de incitar os concessionários italianos a venderem pelo menos 85% dos veículos disponíveis no interior do respectivo território contratual. Consequentemente, era susceptível de restringir as possibilidades de os utilizadores finais e os concessionários de outros Estados-Membros adquirirem veículos em Itália, designadamente em períodos em que, por um lado, tais compras apresentavam grande interesse para eles e, por outro, o número de veículos disponíveis para venda neste Estado era limitado (a este propósito, v. infra n.os 79 e seguintes). Daqui resulta que a Comissão concluiu acertadamente, entre outros no considerando 181 da decisão, que a cláusula dos 15% não se enquadrava no âmbito da isenção concedida pelo Regulamento n.° 123/85. Efectivamente, apesar de o Regulamento n.° 123/85 oferecer aos construtores importantes meios de protecção das suas redes, não os autoriza, no entanto, a tomar medidas que contribuam para compartimentar os mercados (acórdão de 24 de Outubro de 1995, Bayerische Motorenwerke, C-70/93, Colect., p. I-3439, n.° 37).

50.
    Por outro lado, a argumentação da recorrente segundo a qual a cláusula dos 15% não foi aplicada na prática e, portanto, não foi utilizada como um meio de restringir as reexportações a partir de Itália, carece de credibilidade à luz de diversos documentos que constam dos autos.

51.
    Assim, numa nota interna de 28 de Junho de 1994 (nota n.° 97 da decisão), com o título de «Recusa/retenção do prémio para as vendas fora da zona (nomeadamente as exportações paralelas)», o Sr. Schlesinger, presidente da Autogerma, declara o seguinte

«Confirmo pela presente, tal como já tinha indicado verbalmente, que pretendo aprovar ou recusar por escrito... cada caso de concessão eventual ou de retenção do prémio em relação às vendas fora zona/exportações paralelas.

...

Recordo-vos uma vez mais que a nossa rede deve vender os nossos veículos em Itália (quanto mais não seja para 'sobreviver‘) e não exercer actividades de 'distribuição‘ fora zona.

Tal como é do vosso conhecimento, desde há muito que a Autogerma solicita insistentemente às suas próprias empresas-mãe facilidades em matéria de fornecimentos, preços, equipamentos especiais, etc., e não lhes podemos 'agradecer‘ revendendo os nossos veículos ao estrangeiro».

52.
    Numa nota de 4 de Julho de 1994 (nota n.° 97 da decisão), o Sr. Schlesinger indica:

«A propósito, recordo pela enésima vez que... os nossos concessionários devem cessar totalmente a sua actividade de venda 'fora da zona‘ (com exclusão dos 1 5% previstos contratualmente mas que devem ser 'registados‘); o prémio não será concedido às vendas 'fora da zona‘ e, doravante, o prémio e eventuais prémios/campanhas de promoção de qualquer natureza serão pagos por nós em relação aos veículos 'registados‘ (e não já em relação aos entregues)».

53.
    Em seguida, a acta da reunião de 27 de Julho de 1994 entre a UCAV e a Autogerma (nota n.° 67 da decisão) faz referência à seguinte discussão:

«Scarabel:

Sublinha que as reduções especiais foram bloqueadas em relação a determinados concessionários no que diz respeito às vendas fora do território contratual e que poderiam - pelo menos em teoria - ser legalmente reclamadas. Sublinha igualmente a necessidade de reexaminar a quota de 15% tolerada para as venda s no exterior do território contratual.

Sr. Schlesinger:

... A redução especial é uma simples redução suplementar - um pequeno suplemento adicional. No passado, foi atribuída de forma muito generosa e se actualmente cerca de 20 concessionários, num total de 234, não beneficiaram desta redução especial, é porque não é necessário recompensar grossistas ou exportadores. Anteriormente, fechámos um olho, por vezes os dois, mas hoje em dia temos tendência para recusar a redução especial em caso de venda fora do território contratual, uma vez que esta é concedida com base nos registos e não nas entregas.

...

Sr. Schlesinger:

Solicitar à UCAV que sensibilize a base para um bom arranque do novo Polo (limite das reduções, fim das exportações)».

54.
    Um relatório da Audi sobre um contacto com a Autogerma em 12 de Outubro de 1994 (nota n.° 101 da decisão) confirma:

«As vendas fora do território contratual são autorizadas até ao máximo de 15% (filiais, etc.); em caso de ultrapassagem, não será pago o prémio de 3%»

55.
    A circular de 20 de Outubro de 1994, dirigida pela Autogerma aos concessionários, relativa à facturação do novo automóvel Volkswagen Polo (nota n.° 85 da decisão), deixa igualmente entender que a cláusula dos 15% era aplicada, uma vez que assinala:

«Resta examinar se é oportuno, ou seja, no nosso interesse comum, alterar ou não (aumentar ou diminuir) e actual franquia de 15% (para as vendas fora território)»

56.
    Em seguida, numa nota interna de 22 de Novembro de 1994 (nota n.° 91 da decisão), é declarado que «O prémio trimestral será pago com base nas entrega s de veículos no território contratual, não com base na globalidade das vendas». Segundo uma circular da Audi de 8 de Dezembro de 1994, esta medida estava ligada ao sistema de margem fraccionada previsto e tinha por finalidade «que a margem ou o prémio só serão pagos na condição de se reportarem a actividades realizadas no próprio território do mercado de que é responsável...» (nota n.° 92 da decisão).

57.
    Finalmente, numa nota interna da recorrente de 21 de Março de 1995 (nota n.° 91 da decisão), é confirmado:

«O concessionário é autorizado a entregar até 15% para outros territórios contratuais. O pagamento do prémio efectuar-se-á quando forem alcançados 80 - 85% do objectivo. Actualmente, o prémio depende das entregas, no futuro ficará condicionado aos registos»

58.
    Estes documentos demonstram que a cláusula dos 15% foi aplicada com o objectivo expresso de desencorajar as vendas no estrangeiro pelos concessionários italianos. Resulta, além disso, das citadas declarações do Sr. Schlesinger de 4 de Julho de 1994 e do Sr. Scarabel de 27 de Julho de 1994, bem como da circular de 20 de Outubro de 1994, do relatório da Audi sobre o contacto com a Autogerma de 12 de Outubro de 1994 e da nota de 24 de Março de 1995, já referidos, que a cláusula dos 15% não só foi aplicada como critério de não pagamento do prémiopara as vendas realizadas fora do território contratual além do limite de 15% da totalidade das vendas efectuadas, mas igualmente interpretada no sentido de que proibia tais vendas.

59.
    Resulta de quanto precede que a argumentação segundo a qual a Comissão concluiu erradamente que a recorrente, juntamente com as suas filiais Audi e Autogerma, pretendeu entravar as reexportações da partir de Itália através do sistema de prémio previsto pela convenzione B, deve ser rejeitada.

60.
    A argumentação segundo a qual, uma vez que a convenzione B foi notificada em 1988, a Comissão não podia aplicar uma sanção à recorrente por ter aplicado a cláusula dos 15% estipulada nessa convenção, será examinada no âmbito do fundamento subsidiário destinado a obter a redução da coima.

Quanto à criação de um sistema de margem fraccionada

-    Argumentos das partes

61.
    A recorrente defende que, se a ideia de um sistema de margem fraccionada foi efectivamente discutida em 1994, designadamente no que respeita aos novos automóveis Volkswagen Polo e Audi A4, e era inspirada pelo desejo de que cada concessionário concentrasse a sua actividade no seu próprio território contratual, tal sistema nunca foi instituído, contrariamente ao que a Comissão afirma. A recorrente assinala igualmente que a instituição de tal sistema obrigaria à elaboração de uma adenda ao contrato de concessão. Ora, o documento-chave em matéria de margem, ou seja, a adenda aos contratos celebrados com os concessionários italianos, habitualmente chamado «allegato A», em nada prova que tenha sido instituída uma margem fraccionada. A recorrente cita várias circulares da Autogerma aos concessionários. Na circular de 20 de Outubro de 1994, a Autogerma apenas deu esclarecimentos quanto ao estado das discussões com a UCAV. Nas circulares de 2 de Novembro de 1994 e de 9 de Maio de 1995, anunciou que deixaria de ser aplicada, na facturação do novo automóvel Volkswagen Polo, uma margem fraccionada e que passaria portanto a ser aplica do um desconto global de 13%. A recorrente menciona também um documento com conteúdo semelhante no que respeita ao automóvel Audi A4 e reproduz uma declaração no mesmo sentido do presidente da UCAV. Assinala que a única pessoa citada pela Comissão, segundo a qual um sistema de margem fraccionada foi efectivamente aplicado, é o Sr. Mutschlechner, que era sub-concessionário do concessionário Beikircher. A este propósito, a recorrente alega que não se pode excluir que certos concessionários tenham aplicado tal sistema em relação a sub-concessionários, mas que isso não é minimamente da responsabilidade dos construtores ou da Autogerma. A recorrente não contesta, por outro lado, que um sistema de margem fraccionada como o previsto na época dos factos controvertidos fosse incompatível com o direito comunitário.

62.
    A recorrida afirma, com base nos documentos citados na decisão, que uma sistema de margem fraccionada foi instituído em Outubro/Novembro de 1994. Defende que o facto de a UCAV ter recusado uma tentativa anterior da Autogerma de instaurar tal sistema em Maio de 1994 não dá nenhuma indicação quanto à questão de saber se esta última não o terá, apesar disso, instituído no Outono de 1994. A circular da Autogerma de 2 de Novembro de 1994 demonstra, pelo contrário, que um sistema provisório de margem fraccionada foi introduzido até 30 de Abril de 1995, no que respeita ao novo automóvel Volkswagen Polo. Este sistema foi efectivamente aplicado. Do mesmo modo, no que respeita ao automóvel Audi A4, a recorrida assinala que, segundo um documento interno da Audi de 25 de Novembro de 1994, a UCAV aceitou o sistema proposto de margem fraccionada em 18 de Outubro de 1994 e este veio a ser aplicado. O facto de, vários meses mais tarde, em Fevereiro de 1995, a UCAV não ter querido aprovar tal sistema não afectou a aplicação deste. De resto, a recorrida contesta que uma modificação do contrato de concessão fosse necessária para instituir tal sistema.

63.
    Na réplica, a recorrente assinala que, na contestação, a Comissão, por um lado, reconhece que o sistema de margem fraccionada não foi instituído pela circular de 20 de Outubro de 1994 e, por outro lado, afirma que tal sistema foi criado pela circular de 2 de Novembro de 1994. A recorrente sublinha, além disso, que, contrariamente ao que acontecia na decisão, perante o Tribunal de Primeira Instância a Comissão defende a hipótese de este sistema apenas ter sido aplicad o temporariamente, ou seja, até 30 de Abril de 1995. Ora, nenhum sistema de margem fraccionada foi instituído. A recorrente junta à sua réplica um relatório da sociedade de contabilidade Coopers & Lybrand, de 30 de Outubro de 1998, segundo o qual: «As nossas verificações de todos os dados determinantes para a apreciação do período compreendido entre 1 de Julho de 1994 e 31 de Dezemb ro de 1995 revelaram que em caso algum se verificou uma redução da margem aplicada pela [Autogerma] - nem no que respeita ao VW Polo nem ao Audi A4 . Os concessionários receberam, em todas as ocasiões, a margem completa que lhes era devida de 13% (VW Polo) ou de 15% (Audi).»

64.
    A recorrida contesta que exista uma contradição entre a decisão e a contestação no que respeita ao sistema de margem fraccionada. Efectivamente, segundo a recorrida, a decisão e a contestação remetem para a circular de 2 de Novembro de 1994 relativa à instituição deste sistema e indicam que, inicialmente, apenas se devia aplicar até 30 de Abril de 1995. Além disso, a recorrida observa que o relatório da Coopers & Lybrand não põe em causa a força probatória das circulares dirigidas aos concessionários pela Autogerma em 20 de Outubro e 2 de Novembro de 1994.

-    Apreciação do Tribunal

65.
    A tese da Comissão segundo a qual um sistema de margem fraccionada foi instituído em Outubro ou Novembro de 1994 no que respeita aos novos automó veis Audi A4 e Volkswagen Polo (v., supra, n.° 62) não encontra apoio suficiente nos documentos que figuram nos autos.

66.
    Assim, numa nota de 10 de Novembro de 1994 (nota n.° 87 da decisão), a Autogerma indica que restavam alguns pontos a regular com os concessionários antes de o novo sistema poder efectivamente ser instaurado. Efectivamente, afirma-se:

«Ambas as partes, Autogerma e concessionários, concordam na instituição de um novo sistema de margem até 30.4.95».

67.
    Do mesmo modo, num relatório de 10 de Fevereiro de 1995 sobre um contacto com a Autogerma (nota n.° 42 da decisão), a Audi declara:

«A Autogerma indica medidas adoptadas até à data: - Fraccionamento da margem para o A4 -> ainda não foi aprovada pelo conselho consultivo dos concessionários italianos; de facto, não está em vigor, provavelmente nos próximos meses...»

68.
    Quanto ao veículo Volkswagen Polo, alguns documentos sugerem que um sistem a de margem fraccionada foi proposto pela recorrente e pela Autogerma. Efectivamente, notas internas de 22 de Novembro de 1994 e de 6 de Fevereiro de 1995 (nota n.° 91 da decisão; nota n.° 49 da decisão) mencionam «Fraccionamento margens do concessionário Polo» e, por outras palavras, «Fraccionamento da margem para o Polo A03» como uma medida tomada pela Autogerma. Além disso, uma nota interna da recorrente de 24 de Março de 1995 (nota n.° 91 da decisão) indica que «O fraccionamento das margens para o Polo (8 + 5) foi debatido de modo crítico». Finalmente, por ocasião das verificações da Comissão, um sub-concessionário italiano, Sr. Mutschlechner, terá declarado que «a partir de Novembro de 1994, com o início da comercialização do novo Polo, houve um acordo entre a Autogerma e os seus concessionários (acordo dito UCAV) segundo o qual a margem de 9% [concedida] ao [sub-concessionário] não era paga integralmente no momento da venda do veículo mas uma parte (os 4%) era retida e o seu pagamento condicionado à apresentação da prova de que o veículo tinha realmente sido registado no local» (nota n.° 86 da decisão).

69.
    Todavia, à parte este testemunho do Sr. Mutschlechner, que respeita ao caso específico dos sub-concessionários, nenhum elemento de prova permite concluir sem hesitação que a instituição da margem fraccionada no que respeita ao novo veículo Volkswagen Polo tenha sido objecto de um acordo entre todas as partes interessadas, incluindo a UCAV. Uma nota da Autogerma de 24 de Outubro de 1994 (nota n.° 79 da decisão) faz referência a um parecer favorável deste organismo, mas indica igualmente que o acordo definitivo deste ainda não tinha sido obtido:

«O resultado da nossa reunião com o conselho consultivo dos concessionários UCAV é que passaremos a fraccionar as margens do novo Polo do seguinte mo do:

-    um desconto imediato (na factura do veículo)

-    um desconto parcial posterior, quando o veículo for registado no território contratual do concessionário.

No que respeita aos Polos de demonstração, a totalidade do desconto será imediatamente paga. Para a facturação normal prevemos introduzir o novo sistema: oito mais cinco por cento ou dez mais três por cento após o acordo definitivo da UCAV nos próximos dias».

70.
    Por outro lado, resulta dos autos que o sistema previsto de uma margem fraccionada foi objecto de críticas no interior do grupo Volkswagen. Efectivamente, numa nota interna de 23 de Fevereiro de 1995 (nota n.° 80 da decisão), o Sr. Botte, que estava ao serviço da recorrente, escreve:

«Recebi por intermédio da BMW a informação de que a Autogerma pretende introduzir uma margem fraccionada. Pelo volume que não seja registado no território contratual do concessionário, este apenas receberá dois terços da margem habitual.

Esta disposição, da qual já fui informado pelo Sr. Bertino em 10 de Fevereiro, preocupa-me. É contrária ao artigo 6.°, n.° 8, do novo projecto [de regulamento comunitário]... e provoca a inaplicabilidade da isenção.

Não obstante, já hoje a Comissão Europeia deve considerar que o presente [regulamento comunitário] não autoriza a margem fraccionada, uma vez que acaba por impedir as trocas comerciais transfronteiriças precisamente desejadas pela Comissão.

Disse ao Sr. Bertino que a solução proposta seria difícil e só é defensável enqua nto não for divulgada. No entanto, a informação da BMW mostra que a questão já é debatida fora da empresa. Acresce que, aparentemente, o Sr. Breitgoff, reimportador do norte de Alemanha nosso conhecido, afirmou ontem de manhã na Bayerischer Rundfunk: 'em Itália, a VW é hermética‘. Dado que, no passado, o Sr. Breitgoff várias vezes se queixou de nós à Comissão, na minha opinião saber quando é que a Comissão se ocupará deste problema é apenas uma questão de tempo, que muito provavelmente dará lugar a uma coima.

Consequentemente, deveríamos pôr-nos imediatamente de acordo com a Autogerma sobre o discurso e o comportamento a adoptar, que também sejam aceitáveis perante a Comissão».

71.
    Resulta deste documento que, por volta do mês de Fevereiro de 1995, a Autogerma ainda não tinha posto em prática um sistema de margem fraccionada («que a Autogerma pretende instituir um sistema de margem fraccionada») e que a própria recorrente hesitava em favorecer a criação de tal sistema.

72.
    Importa concluir que, no que respeita aos novos automóveis Audi A4 e Volkswagen Polo, os documentos que figuram nos autos não são concordantes quanto à questão de saber se um sistema de margem fraccionada foi realmente acordado entre os construtores, a Autogerma e os concessionários. Nestas circunstâncias, a Comissão não demonstrou de forma suficientemente precisa e concordante a instituição, sob a forma de acordo ou de prática concertada, de ta l sistema. A decisão impugnada comporta, consequentemente, um erro de apreciação quanto a esta questão.

Quanto ao entrave resultante das medidas tomadas ao nível do abastecimento

-    Argumentos das partes

73.
    Segundo a recorrente, a Comissão considerou erradamente que as entregas pela Autogerma aos concessionários foram atrasadas e limitadas em razão do aumento das reexportações e que as medidas tomadas a nível do abastecimento constituíram também, em consequência, um entrave a essas reexportações.

74.
    Quanto a esta questão, a recorrente começa por explicar que, durante um certo período e em razão de dificuldades no lançamento da produção de modelos especialmente procurados, como os novos Volkswagen Polo e Audi A4, a Autogerma apenas pôde abastecer os concessionários italianos proporcionalmente, a fim de assegurar uma distribuição equitativa desses modelos. Reduções de entrega são, por outro lado, inatacáveis do ponto de vista jurídico. Quanto às medidas que lhe foram propostas pela Autogerma por carta de 26 de Setembro de 1994 (consistentes, nomeadamente, em controlar a distribuição do automóvel Volkswagen Polo), a recorrente indica que estas nunca foram postas em execução. Este automóvel ainda não tinha sido comercializado no momento da redacção da referida carta.

75.
    A recorrente apresenta igualmente uma análise baseada em números destinada a demonstrar que a afirmação da Comissão segundo a qual o mercado italiano foi abastecido de forma restritiva é destituída de fundamento. Cita dados através dos quais pretende provar que, por volta de finais de 1992, a Autogerma e os concessionários italianos tinham acumulado existências demasiado importantes de veículos das marcas Volkswagen e Audi devido a uma importante regressão da procura em Itália. Todavia, posteriormente, a desvalorização da lira italiana provocou uma forte procura no mercado italiano por parte de compradores alemães e austríacos. Consequentemente, durante os anos de 1994 e 1995, as necessidades e as encomendas ultrapassaram claramente a produção, o que ocasionou um alongamento dos prazos de entrega. Por essa razão, e devido aosriscos de variação das taxas de câmbio, alguns clientes viram-se obrigados a anular as suas encomendas. A recorrente esclarece que, habitualmente, este problema se apresenta com mais acuidade quando são lançados novos modelos, como o automóvel Audi A4, uma vez que, nesse caso, a produção só progressivamente se adapta à procura. A recorrente sublinha que, de qualquer forma, nunca foi aplicada em Itália uma política de distribuição diferente da que vigorava nos outros países da Comunidade. A distribuição sempre foi determinada pela procura nos Estados-Membros, por um lado, e pelas possibilidades de produção, por outro. Os prazos de entrega dos novos modelos de veículos em Itália e noutros países da Comunidade foram portanto semelhantes.

76.
    Segundo a recorrente, a circunstância de, nos anos de 1993, 1994 e 1995, pelo menos 20 000 veículos por ano terem sido efectivamente reexportados de Itália prova que havia mais veículos entregues do que os que eram necessários para o abastecimento dos consumidores finais italianos.

77.
    Finalmente, a recorrente afirma que a Comissão não apresentou nenhum elemento comprovativo de que os construtores e a Autogerma proibiram os concessionários italianos de abastecer outros concessionários da rede. A recorrente reconhece que um concessionário alemão, o Sr. Sengerd, a tinha informado, por carta de 26 de Novembro de 1993, de que um concessionário italiano lhe tinha dito que o abastecimento dos concessionários alemães tinha sido proibido. Sublinha, no entanto, que refutou imediatamente essa afirmação indicando, por carta de 7 de Dezembro de 1993, que não existia nenhum meio legal ou contratual de proibir as entregas cruzadas. A recorrente assinala, neste contexto, que se um concessionário italiano recusou abastecer concessionários alemães, isso explica-se sem dúvida pela vontade de servir em primeiro lugar a clientela habitual local. Além disso, a recorrente considera que os documentos em que a Comissão se baseia demonstram apenas que a prática habitual de entregas a revendedores alemães, que alguns deles pediram aos construtores para intervir e que a Autogerma considerava que os concessionários alemães incomodavam demasiadamente os concessionários italianos com pedidos incessantes de entregas cruzadas. Sublinha, porém, que o pedido da Autogerma no sentido de ser posto fim a este comportamento dos concessionários alemães não foi satisfeito nem deveria sê-lo.

78.
    A recorrida alega, referindo-se a documentos citados na decisão, que os longos períodos de entrega invocados pela Autogerma nas suas respostas a certos compradores potenciais eram a consequência do «abastecimento do mercado italiano em função das suas necessidades». Vários documentos demonstram, de facto, que se tratava de uma verdadeira contingentação das entregas aos concessionários italianos, destinada a reduzir as reexportações a partir de Itália. Tal contingentação foi efectivamente posta em prática, designadamente para as entregas dos automóveis Audi A4 e Volkswagen Polo, embora seja verdade que este último ainda não estava disponível no mercado no momento em que a carta da Autogerma de 26 de Setembro de 1994 foi redigida.

-    Apreciação do Tribunal

79.
    Há que reconhecer que vários documentos apreendidos pela Comissão demonstram que foi posta em prática uma estratégia de contingentação com o objectivo de restringir a globalidade das reexportações a partir de Itália.

80.
    Assim, um documento interno denominado «Ponto da situação quanto às medidas contra o mercado cinzento, 25.11.1994», indica que, relativamente ao novo automóvel Audi A4, «as entregas processar-se-ão de modo a que só a procura italiana seja satisfeita» (nota n.° 58 da decisão). Daqui se deduz que o objectivo prosseguido era eliminar a entrega de veículos a quaisquer compradores residentes fora de Itália, incluindo os consumidores finais e os concessionários das marcas Volkswagen e Audi. Precisa-se, neste mesmo documento, que a referida medida entrará em vigor em Janeiro de 1995 («Entrada em vigor: Janeiro de 1995»). Segundo uma carta enviada pela Autogerma à Audi, datada de 13 de Julho de 1994 (nota n.° 62 da decisão), a contingentação dos veículos Audi já estava em vigor no decurso do ano de 1994 para os antigos modelos. Efectivamente, pode ler-se nessa carta: «Embora se tenha conseguido uma redução substancial dos prazos de entrega do Audi 80, que chegaram a ser de oito meses, continuará a aplicar-se uma contingentação aos concessionários.»

81.
    Por outro lado, resulta de uma nota de 30 de Agosto de 1993 relativa a um contacto entre a recorrente e a Audi que estas encaravam já a possibilidade de adoptar medidas destinadas a reorganizar o abastecimento dos seus concessionários de forma a que o número de veículos disponíveis em Itália fosse reduzido drasticamente (nota n.° 105 da decisão). Indica-se:

«Medidas práticas

1. Redução das existências em Itália através do desvio do volume de produção de Itália para outros mercados...

2. Reaquisição através da VW AG de veículos dos armazéns de importação da Autogerma para os vender, em cumprimento do ponto 1, noutros mercados. O 'controlling‘ procederá a uma avaliação detalhada dos custos.

...»

82.
    Aparentemente, esta reorganização alcançou os seus objectivos a partir de 1993. Efectivamente, numa carta de 26 de Novembro de 1993 dirigida à recorrente (nota n.° 112 da decisão), um concessionário alemão das marcas Volkswagen e Audi denuncia os seguintes factos:

«Segundo informação do nosso concessionário italiano, em cumprimento de instruções dadas pela Volkswagen AG, a partir deste momento fica proibido ofornecimento aos concessionários VW/Audi alemães. Os veículos cuja encomenda esteja confirmada não serão entregues».

83.
    Na sua resposta, por carta de 7 de Dezembro de 1993, a esta grave acusação de entrave às entregas cruzadas (nota n.° 113 da decisão), a recorrente não contesta que uma estratégia de abastecimento destinada a satisfazer unicamente a procura dos consumidores italianos já esteja em vigor e produza os seus efeitos. Declara:

«Queremos também fazer referência a uma afirmação constante da sua carta, segundo a qual o concessionário italiano em questão declarou que 'em cumprimento de instruções dadas pela Volkswagen AG, a partir deste momento fica proibido o fornecimento aos concessionários VW/Audi alemães‘.

Isto não é verdade, uma vez que não assenta em nenhuma base jurídica ou contratual. Antes parece que as medidas adoptadas em Wolfsburg para abastecer o mercado italiano em conformidade com a sua procura começam a produzir efeitos, o que tem como consequência que os concessionários italianos começam por satisfazer a sua clientela tradicional com a mercadoria disponível».

84.
    Resulta de uma nota interna da Audi de 6 de Fevereiro de 1995 que este construtor decidiu responder negativamente a um pedido de abastecimento proveniente de concessionários italianos para o fornecimento de 8 000 veículos. Esta recusa de abastecimento foi fundamentada do seguinte modo (nota n.° 109 da decisão).

«Com a confirmação de 8 000 veículos adicionais, os concessionários já se podem preparar, no momento actual, para a reexportação do Audi A4 e para realizar as actividades correspondentes em relação aos importadores livres a aos concessionários... Para deixar claro em Itália que... o fornecimento restritivo será mantido e de acordo com o mercado anunciado, a intenção manifestada na reunião de área para que os 8 000 veículos pedidos não sejam fornecidos, deve informar-se imediatamente o importador.»

85.
    Mesmo após a recepção, pela recorrente, da carta da Comissão de 24 de Fevereiro de 1995 (v., supra, n.° 10), a Audi, num relatório de 15 de Maio de 1995, qualifica a «satisfação unicamente da procura interna italiana» como um sucesso (nota n.° 104 da decisão)

86.
    Um documento da Autogerma, provavelmente datado de 31 de Janeiro de 1995, relativo às medidas destinadas a «impedir as reexportações a partir de Itália», menciona «adaptação dos fornecimentos à procura» (nota n.° 42 da decisão).

87.
    Além disso, resulta de uma telecópia enviada pela Autogerma à Audi em 6 de Outubro de 1995 (nota n.° 111 da decisão), que esta política de abastecimentorestrito como instrumento de compartimentação do mercado italiano foi mantida até perto do final de 1995. É indicado:

«Do ponto de vista actual, não é realista esperar alcançar as desejadas 36 000 vendas aos clientes. O incremento de actividade acrescido do 'forte programa de fim-de-ano‘ que já vos apresentámos levaria inevitavelmente a uma situação em que alguns destes veículos adicionais entregues aos consumidores não seriam realmente registados em Itália.

Por esta razão, manteremos a perspectiva de um volume de vendas total de 35 190 unidades aos clientes...»

88.
    Resulta claramente do conjunto destes documentos que a Comissão concluiu acertadamente que a recorrente, com a ajuda das suas filiais Audi e Autogerma, pôs em prática um política de contingentação do abastecimento dos concessionários italianos, com o objectivo declarado de entravar as reexportações a partir de Itália e, portanto, de compartimentar o mercado italiano.

89.
    Uma vez que esta política se destinava abertamente a entravar as reexportações, a sua qualificação como medidas de compartimentação do mercado italiano não pode ser posta em causa pelas dificuldades de produção invocadas pela recorrente. Esta contingentação, conjugada com o sistema de pagamento do prémio (a cláusula dos 15%, v. supra, n.os 48 a 58), era de natureza a incitar os concessionários italianos a recusar vender veículos a compradores de outros Estados-Membros que não a Itália, aí se incluindo portanto, contrariamente ao que sustenta a recorrente (v., supra, n.° 77), concessionários das marcas Volkswagen e Audi.

90.
    Contrariamente aos argumentos da recorrente segundo os quais estes concessionários decidiram por sua própria iniciativa que não tinham interesse em vender veículos fora do seu território contratual, os documentos citados supra demonstram que o respectivo abastecimento foi restringido a fim de os influenciar e, designadamente, de os desencorajar de reexportar veículos a partir de Itália.

91.
    A eficácia desta estratégia era reforçada pela informação transmitida aos concessionários, igualmente mencionada no documento da Autogerma de 31 de Janeiro de 1995 («Informação de que, em relação a veículos reexportados, não serão pagos prémios nem apoios à venda»). Simultaneamente confrontados com um abastecimento restrito e com a «cláusula dos 15%» e sabendo que as reexportações eram muito mal aceites pela Autogerma e pelos construtores, os concessionários italianos tinham manifestamente todo o interesse em vender o número limitado de veículos disponíveis unicamente ou quase unicamente a compradores residentes em Itália. O seu comportamento comercial foi, assim, influenciado pelos construtores e pela Autogerma.

92.
    Esta análise é ainda corroborada por uma carta de 6 de Outubro de 1994, dirigida à sociedade Silemotori Negro, de Conegliano (Itália), na qual a Autogerma escreve:

«Informamos que a comercialização do novo Audi A4 Avant se iniciará aproximadamente um ano depois do lançamento do novo Audi A4 berlina (Janeiro de 1995), pelo que será ainda mais importante distribuir adequadamente os poucos veículos que restam durante um período tão alargado, devendo dar-se especial atenção às vendas no território contratual.»

93.
    Resulta do conjunto dos factos acabados de apurar que a argumentação da recorrente relativa à inexistência de entrave ao nível do abastecimento não pode ser acolhida.

Quanto ao entrave resultante do comportamento comercial em relação aos consumidores

-    Argumentos das partes

94.
    A recorrente acusa igualmente a Comissão de ter erradamente concluído que o comportamento comercial dos construtores e das suas redes de distribuição em Itália em relação aos consumidores de outros Estados-Membros constituía um entrave às reexportações.

95.
    A este propósito, a recorrente assinala, em primeiro lugar, que a Comissão invoca queixas que certos clientes terão enviado aos construtores. Na realidade, os construtores elaboraram uma carta-tipo para responder aos potenciais compradores que lhes perguntavam por que razão os preços eram diferentes de um país para outro. A recorrente sublinha que não só não deu falsas informações aos consumidores mas, pelo contrário, ajudou os potenciais compradores de outros Estados-Membros além da Itália que pretendiam comprar um veículo das marcas Volkswagen ou Audi nesse Estado, dando ordens aos seus colaboradores para lhes fornecerem uma lista de todos os concessionários italianos.

96.
    Por sua vez, o comportamento da Autogerma que consistia em enviar os compradores potenciais para os concessionários era perfeitamente legítimo uma vez que a própria Autogerma não vendia directamente veículos aos consumidores. É certo que os concessionários têm o direito de entregar automóveis aos consumidores finais sem restrições, mas não são a isso obrigados. Num caso especial, a Autogerma pediu efectivamente a um comprador potencial que confirmasse a sua intenção de comprar um veículo em Itália mas, contrariamente ao que defendeu a Comissão, não exigiu que o cliente confirmasse realizar essa aquisição «directamente ou através de um intermediário fiável». Além disso, quando os clientes solicitavam a ajuda da Autogerma em caso de problemas com um concessionário, esta procurava ajudá-los. Também os construtores fizeram esforços para aconselhar os clientes alemães que tinham tido problemas para obter um veículo de um concessionário italiano.

97.
    A recorrente acrescenta que, embora seja verdade que certas cartas redigidas por clientes alemães ou austríacos revelam que lhes foi recusada uma venda exclusivamente com fundamento na sua nacionalidade, é errado concluir que essas recusas eram devidas a uma proibição por parte dos construtores ou da Autogerma. Observa que, manifestamente, um concessionário que, por qualquer razão, não deseja vender, prefere afirmar que não pode e não que não quer vender. De qualquer forma, as cartas citadas pela Comissão não demonstram apenas que os seus autores foram recusados pelos concessionários italianos. Provam igualmente que a recorrente, a Audi e a Autogerma, sempre que um cliente as contactava, explicavam imediatamente que as entregas a consumidores finais não deviam ser recusadas e ajudavam esse cliente a obter um veículo.

98.
    A recorrente sustenta que pode haver concessionários que têm interesse em vender certos modelos de veículos especialmente procurados mas disponíveis em quantidades limitadas prioritariamente aos clientes do seu território contratual. Efectivamente, desse modo, asseguram a rentabilidade do seu serviço pós-venda. Evitam igualmente as dificuldades ligadas à recuperação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA). Assim, os concessionários italianos interrogados no quadro das verificações efectuadas pela Comissão não confirmaram ter recusado vender a consumidores finais estrangeiros sob pressão dos construtores ou da Autogerma mas declararam que, simplesmente, tais vendas não lhes interessavam. Alguns deles negaram mesmo firmemente a existência de uma proibição de venda no estrangeiro ou afirmaram ter recebido ordens expressas para servir todos os consumidores finais, independentemente do respectivo domicílio.

99.
    No que respeita ao compromisso que, em virtude de uma circular de 15 de Outubro de 1993, a Autogerma tinha recomendado aos concessionários obter de alguns compradores, a recorrente contesta que se tenha destinado a impedir as reexportações. Através deste compromisso, o adquirente obrigava-se a não revender o veículo, sob pena de uma multa equivalente a 10% do preço de compra, antes de decorrido um prazo de três meses e de ter percorrido com esse veículo 3 000 quilómetros. Efectivamente, tal medida não perturbou de nenhum modo as entregas a consumidores finais fora do território contratual. Apenas protegeu o sistema de distribuição selectiva, permitindo ao concessionário garantir que o comprador não era um testa de ferro actuando por conta de um revendedor não autorizado. Por outro lado, segundo a carta de 26 de Setembro de 1994 dirigida pela Autogerma à recorrente, o compromisso controvertido apenas deveria ter sido exigido a compradores estrangeiros suspeitos, ou seja, a clientes cuja qualidade de consumidor final fosse duvidosa. Já na sua circular de 15 de Outubro de 1993 a Autogerma aconselhava os concessionários a apenas recorrer a esta medida nessa hipótese. A recorrente acrescenta que tinha o direito de considerar que tal medida era lícita, pelo menos até à entrada em vigor do Regulamento n.° 1475/95. Isso resulta de uma carta da Comissão de 31 de Março de 1995. Precisa, além disso, que, a partir do início do ano de 1996, o compromisso em questão deixou de ser exigido.

100.
    Finalmente, na medida em que a Comissão concluiu que a Autogerma pretendeu entravar as reexportações ao facturar todos os veículos entregues com IVA (considerando 42 da decisão), a recorrente alega que mais não fez do que aplicar a legislação segundo a qual entregas como as da Autogerma aos seus concessionários estão sujeitas a IVA.

101.
    A recorrida começa por recordar o conteúdo de uma nota manuscrita, citada no considerando 34 da decisão, segundo a qual a recorrente aconselhava os seus serviços a nunca darem aos consumidores finais ou aos intermediários autorizados que tivessem enviado um pedido de informações a impressão de que tinha dado instruções para que nenhuma informação fosse comunicada. Afirma, em seguida, que, em várias ocasiões, compradores potenciais denunciaram entraves à reexportação, a tal ponto que a recorrente escreveu uma carta-tipo para lhes responder. Os consumidores alemães e austríacos foram sujeitos a uma verdadeira corrida de obstáculos, de que os prazos de entrega faziam igualmente parte. O elevado número de cartas de reclamação de compradores potenciais é revelador deste fenómeno.

102.
    No que respeita, mais concretamente, à medida que consiste em fazer subscrever um compromisso aos clientes de cuja qualidade de consumidor final se possa duvidar, após ter simplesmente sido recomendada aos concessionários, tornou-se posteriormente obrigatória.

103.
    A recorrida defende igualmente que as declarações escritas dos concessionários, feitas por ocasião das verificações de Outubro de 1995, não têm grande força probatória, tendo em conta que os referidos concessionários já tinham sido objecto de advertências e de ameaças de rescisão dos contratos de concessão por parte da Autogerma. Essas ameaças explicam, além disso, as diferenças entre as declarações escritas e orais de certos concessionários. De qualquer forma, vários documentos demonstram inequivocamente que foram recusadas vendas, de forma expressa, a potenciais compradores estrangeiros.

104.
    Finalmente, a recorrida cita um documento do qual resulta, sem margem para dúvidas, que a facturação IVA incluído era um meio deliberadamente utilizado para entravar as reexportações.

-    Apreciação do Tribunal

105.
    Há que reconhecer que a argumentação da recorrente é manifestamente desmentida por um número considerável de queixas que foram enviadas, designadamente ao longo do ano de 1995, por consumidores de Estados-Membros que não a Itália e, na sua grande maioria, de nacionalidade alemã ou austríaca, quer à recorrente, à Audi ou à Autogerma, quer à Comissão. Em resposta ao pedido do Tribunal para que lhe fossem comunicadas todas as cartas de consumidores por ela recebidas ou apreendidas, a Comissão apresentou mais desessenta cartas ou telecópias que têm como objecto comum a denúncia dos obstáculos encontrados por esses consumidores para adquirirem um veículo das marcas Volkswagen ou Audi em Itália. Basta citar a seguir alguma da correspondência analisada pela Comissão na decisão impugnada

106.
    Numa telecópia de 15 de Fevereiro de 1995 dirigida à Audi (nota n.° 33 da decisão), o Sr. Wieser escreve:

«Entrei em contacto com um concessionário Audi do Trentino para adquirir um Audi A4 1,8 e importá-lo para a Áustria.

No entanto, apercebi-me de que, por instruções da Audi do Trentino, não podem ser feitas vendas a austríacos...

Depois de assinalar que tais medidas são contrárias ao direito comunitário, o seu concessionários explicou-me que sabia que tal medida era ilegal, mas que receava as represálias da sua empresa...»

107.
    Numa telecópia de 27 de Abril de 1995 dirigida à Comissão (nota n.° 36 da decisão), o Sr. Bernhard escreve o seguinte:

«Através da presente pretendo queixar-me das seguintes empresas da rede VW...: Quis encomendar na Autohaus Lanz um VW Passat GL e informaram-me de que, como cidadão alemão, não havia qualquer problema em me vender um automóvel dentro da Comunidade Europeia. Dois dias mais tarde sabia que modelo e equipamentos desejava e fiz o pedido. No dia seguinte, o dono da empresa comunicou-me telefonicamente que, como cidadão alemão, não me podia vender nenhum automóvel (instruções da Volkswagen AG).

Seguidamente, tentei comprar um veículo à Brenner-Garage S.P.A. AG, concessionário e garagem Volkswagen. Também se negaram».

108.
    Numa telecópia de 27 de Abril de 1995 dirigida à recorrente (nota n.° 132 da decisão), o Sr. Lenz escreve:

«No que respeita à conversa telefónica que tivemos, quero tornar a expor os factos que me ocorreram em Itália e que constituem, não só do meu ponto de vista, factos inaceitáveis.

Como cliente de boa-fé de um Golf atrás mencionado (para o meu filho), por ocasião da minha permanência no Trentino durante as férias da Semana Santa, três concessionários VW comunicaram-me que a exportação de qualquer veículo não é permitida e que deviam cumprir escrupulosamente essa ordem. Já foi retirada a concessão a alguns concessionários por incumprimento da referida ordem.

Foram igualmente dadas instruções no sentido de que se deviam desencorajar os compradores estrangeiros com desculpas como: prazo de entrega de aproximadamente um ano, os veículos disponíveis já estão vendidos ou reservados...

Aparentemente, ignora-se que não pode haver nenhum tipo de proibições deste género, uma vez que vivemos no quadro da União Europeia. Este facto já deveria ser conhecido no lugar mais recôndito da União Europeia, ou não?

A televisão alemã já abordou este tema, em 22 de Abril de 1995, no programa da ARD 'Auto & Verkehr‘ e deu informações pormenorizadas ácerca da ilicitude de tais ordens em general. Disto também deveriam V. Exas. ter conhecimento!»

109.
    Numa carta de 18 de Maio de 1995 dirigida à Autogerma, com cópia à Audi e à Comissão (nota n.° 39 da decisão), o Sr. Baur escreve

«Mais uma vez com respeito aos factos que me dizem respeito: em 19 de Fevereiro de 1995 encomendei, através de um intermediário, autorizado para actuar em meu nome, um Audi A6 na empresa Funari. O pedido está registado junto de V. Exas. sob o número 95/0014. Dado que existe um contrato juridicamente válido, quero que me comuniquem imediatamente quando me entregarão o carro.

Segundo parece, V. Exas. procuram por todos os meios afastar clientes da Audi. Pus-me em contacto com vários concessionários italianos que me informaram que sofrerão represálias (como é evidente, as ameaças apenas são feitas pelo telefone) se entregarem um único Audi para a Áustria...»

110.
    Numa carta de 8 de Junho de 1995 dirigida à recorrente (nota n.° 36 da decisão), o Sr. Keppler escreve:

«Entre 2 e 4 de Maio de 1995 estive em Itália. Nos arredores de San Leonardo recebemos a decepcionante resposta do concessionário VW local de que em todo o Trentino não encontraríamos nenhum concessionário VW que vendesse VW a estrangeiros. Como justificação afirmou que a VW tinha proibido as vendas. Em caso de incumprimento de tal proibição, a VW ameaçava retirar a concessão. E de facto confirmou-se: em todo o Trentino (pelo menos em Merano, Bolzano e Silandro) nenhum concessionário nos vendeu um VW...

A este propósito, o comentário da 'Brenner-Garage‘ em Bolzano e Merano: 'Até Dezembro de 94 vendemos uma quantidade enorme de automóveis a alemães, mas lamentavelmente a Volkswagen fechou-nos a torneira. Apenas recebemos da VW automóveis para abastecer, com prazos de entrega consideráveis, o mercado interno. Gostaríamos de lhes vender um VW, mas lamentavelmente a Volkswagen torna-nos isso impossível‘»

111.
    Numa carta de 23 de Junho de 1995 dirigida à Autogerma (nota n.° 133 da decisão), o Sr. Schneider escreve:

«Gostaria de comprar um Audi A4 1.8 em Itália e de o exportar para a Áustria.

Todos os concessionários me referiram ser (isso) impossível... uma vez que deixariam de receber veículos automóveis se encomendassem mais um para um austríaco.»

112.
    Numa telecópia de 19 de Julho de 1995 dirigida à recorrente (nota n.° 134 da decisão), o Sr. Mosser escreve:

«Uma vez que a Áustria também pertence neste momento à UE tenho uma pergunta muito importante.

Em 8.06.1995 estive no país vizinho Itália a fim de comprar um Audi A4 TDI. Comecei por ir a Gemona e a seguir a San Daniele...

No entanto, tive uma surpresa desagradável. A direcção da empresa em Gemona e em San Daniele comunicou-me que o importador oficial da Audi tinha proibido aos concessionários vender automóveis a estrangeiros...»

113.
    Numa telecópia de 3 de Agosto de 1995 dirigida à Audi (nota n.° 135 da decisão), o Sr. Bilogan escreve:

«Pretendia comprar [um Audi A4] em Itália.

Várias pessoas me avisaram que os concessionários italianos não devem vender a pessoas da República Federal da Alemanha e da Áustria, seguindo alegadamente instruções do construtor...»

114.
    Numa carta dirigida à recorrente (nota n.° 136 da decisão), o Sr. Albrecht escreve:

«Como europeu convicto, quis beneficiar das vantagens da União Europeia, do mesmo modo que a empresa de V. Exas., pelo que eu e a minha mulher fomos a Itália.

Parámos em Milão e procurámos um concessionário VAG. Ficámos muito satisfeitos ao ver em exposição os automóveis que tínhamos em mente. Para a minha mulher seria um Polo, para mim um novo Audi A4.

Todavia, rapidamente chegou a decepção. Sem rodeios foi-nos comunicado que, por ordens de Wolfsburg, como alemães, não podíamos comprar nenhum dos referidos modelos.

... A única coisa que ficou depois das nossas belas férias de dois dias foram as despesas de viagem e de estada e a certeza de que a sua empresa quer ser a única a beneficiar das vantagens da União Europeia, mas que o cidadão comum, como sempre, fica a perder e tem que fazer as suas compras na Alemanha.»

115.
    Resulta de forma suficientemente representativa destes documentos que, durante o período em questão, um cliente potencial residente fora de Itália deparava com as maiores dificuldades para encontrar um concessionário italiano das marcas Volkswagen e Audi disposto a vender-lhe um veículo. Consequentemente, a Comissão concluiu acertadamente que o comportamento comercial dos construtores e respectivas redes de distribuição em Itália relativamente aos consumidores de outros Estados-Membros constituía igualmente um entrave às reexportações.

116.
    Esta conclusão não é posta em causa pela interpretação de cada um destes documentos avançada pela recorrente nos seus articulados nem pelas explicações fornecidas por esta em matéria de IVA nem, finalmente, pela reacção dos construtores e da Autogerma consistente em responder sistematicamente ao queixoso que se tratava de um mal-entendido e em tomar as medidas práticas para que este pudesse comprar um veículo num concessionário italiano. A este propósito, há que assinalar que, quando a mesma recusa é feita de forma sistemática, não pode ser qualificada de mal-entendido. Seguidamente, o facto de ter ajudado os queixosos a comprar um veículo em Itália pode explicar-se pelo receio de que estes últimos intentassem uma acção judicial e em nada altera o facto de que se tornou difícil para os clientes potenciais de outro Estado-Membro comprarem em Itália um veículo das marcas Volkswagen e Audi.

117.
    No que respeita às críticas formuladas pela recorrente sobre as apreciações feitas na decisão impugnada quanto à medida consistente em fazer subscrever um compromisso a certos compradores, importa observar que, na verdade, esta medida não era, isoladamente considerada, susceptível de impedir as reexportações por consumidores finais. Todavia, esta constatação não põe em causa a afirmação feita atrás segundo a qual os concessionários italianos foram levados a recusar sistematicamente vender veículos a compradores estrangeiros. Consequentemente, não é necessário analisar de que modo há que interpretar a medida controvertida. Além disso, o argumento da recorrente segundo o qual podia deduzir da correspondência com a Comissão que esta última considerava que a medida em causa era lícita, é desmentido por uma carta de 23 de Novembro de 1994 que lhe foi enviada por esta instituição e que será analisada no quadro do fundamento subsidiário baseado no carácter excessivo da coima aplicada (v., infra, n.os 338 e 339).

118.
    Resulta de quanto precede que a argumentação da recorrente segundo a qual o comportamento comercial dos construtores e respectivas redes de distribuição em Itália não constituía um entrave às reexportações não pode ser acolhida.

Quanto à argumentação da recorrente segundo a qual as medidas tomadas tinham como único objectivo impedir as vendas aos revendedores não autorizados

-    Argumentos das partes

119.
    A recorrente afirma que a constatação, na decisão impugnada, de que o conjunto das reexportações foi entravado, é igualmente devida ao facto de a Comissão ter interpretado incorrectamente a terminologia utilizada na correspondência interna do grupo Volkswagen.

120.
    Assim, a Comissão terá interpretado erradamente a expressão «mercado cinzento» como designando, além das vendas aos revendedores não autorizados, as vendas aos concessionários e a consumidores finais de outros Estados-Membros que não a Itália. A este propósito, a recorrente opõe-se à afirmação da Comissão segundo a qual os construtores e a Autogerma equipararam deliberadamente o mercado cinzento às reexportações a partir de Itália e evitaram assim fazer a distinção entre reexportações legais e ilegais (considerandos 43 a 58 da decisão). Em sua opinião, é evidente que a expressão mercado cinzento evoca transacções ilegais e não vendas lícitas.

121.
    A recorrente não contesta que, na correspondência trocada no âmbito do grupo e entre a Autogerma e os concessionários, expressões mais genéricas como «reexportações», «vendas organizadas fora do território contratual», «vendas fora do território contratual» e «revendedores» são utilizadas mas, em todos esses casos resulta da redacção ou do contexto da correspondência em questão, ou de um documento posterior, que só as reexportações ilegais, ou seja, as não conformes aos contratos de concessão, eram visadas.

122.
    A recorrente cita algumas circulares enviadas pela Autogerma a concessionários, das quais resulta claramente que esta última os proibia unicamente de vender a revendedores não autorizados. Não contesta que a Autogerma tenha recomendado aos concessionários, nomeadamente no que respeita ao novo automóvel Volkswagen Polo, para concentrarem as suas actividades de venda no território contratual em Itália, mas isto é lícito.

123.
    De qualquer forma, a Comissão não forneceu a prova de que a utilização de expressões genéricas em comunicações e circulares tenha criado incerteza junto dos concessionários, incitando-os a renunciar a celebrar contratos com consumidores finais ou com intermediários mandatados por estes últimos (considerandos 60 e 61 da decisão). A recorrente observa, a este propósito, que os concessionários, como profissionais, conhecem a legislação comunitária na matéria e que, além disso, é recordado no seu contrato de concessão a diferença existente entre as vendas autorizadas a consumidores finais e as vendas proibidas a revendedores não autorizados.

124.
    A recorrente contesta, seguidamente, a interpretação feita pela Comissão de certos documentos, invocados por esta a título de prova da existência de uma «estratégia de conjunto» visando impedir as exportações legais. Assim, a nota de 21 de Setembro de 1994, enviada pela recorrente à Autogerma (considerando 21 da decisão), mais não contém do que reflexões gerais sobre o tipo de medidas susceptíveis de ser adoptadas. Nessa nota, a Autogerma procurou demonstrar à recorrente que pretendia actuar activamente contra qualquer reexportação, quando, na verdade, os únicos instrumentos de que dispunha eram os que resultavam dos contratos de concessão.

125.
    Por sua vez, os outros documentos apenas se referem às vendas a revendedores não autorizados. No que respeita à nota de 26 de Setembro de 1994, enviada igualmente à recorrente pela Autogerma (considerando 22 da decisão), isso resulta da própria redacção deste documento, designadamente da referência ao Regulamento n.° 123/85. Esta interpretação é, por outro lado, confirmada por outra nota da Autogerma à recorrente, datada de 24 de Janeiro de 1994.

126.
    O mesmo acontece no que respeita a uma nota interna da recorrente de 6 de Fevereiro de 1995, a propósito de medidas tomadas pela Autogerma para evitar as reexportações (considerando 23 da decisão), e a uma comunicação interna da Audi de 12 de Dezembro de 1994 (considerando 24 da decisão), que apenas respeitava a um projecto de circular sobre o «mercado cinzento; sistema de margem em Itália». Além disso, a circular que acabou por ser enviada aos concessionários alemães com o título «mercado cinzento» pedia-lhes que recolhessem informações sobre revendedores não autorizados. O mesmo aconteceu com os relatórios de 17 de Dezembro de 1993 do serviço encarregado pela Autogerma de vigiar os concessionários italianos sobre as práticas de venda de dois concessionários, de uma nota da Autogerma de 15 de Março de 1995, de uma telecópia da recorrente à Audi de 24 de Março de 1995, de uma comunicação da Audi aos seus concessionários alemães de 16 de Março de 1995 e de uma telecópia de 27 de Março de 1995 da sociedade Porsche Austria, que assegura a importação dos automóveis das marcas Volkswagen, Audi e Porsche para a Áustria (considerandos 25, 28, 31, 41 e 42 da decisão).

127.
    Finalmente, a recorrente acusa a Comissão de não ter tido em conta os conflitos de interesses no interior do grupo Volkswagen, que levaram por vezes a declarações exageradas nas notas internas, nem a identidade dos autores dos documentos em causa, quando a verdade é que esses autores eram por vezes empregados subalternos.

128.
    A recorrida afirma que a recorrente não assegurou que as medidas em causa visavam efectivamente apenas as reexportações por revendedores não autorizados e que não afectavam igualmente as efectuadas pelos consumidores finais, pelos intermediários mandatados por estes e por outros concessionários da mesma rede de distribuição. Segundo a Comissão, a finalidade das medidas controvertidasultrapassava o objectivo pretensamente prosseguido pela recorrente, ou seja, impedir unicamente as vendas a revendedores não autorizados. Se é possível, como alega a recorrente, que a Autogerma e os concessionários italianos tenham sabido que as vendas a consumidores finais estrangeiros e a outros concessionários da rede de distribuição eram autorizadas e não deviam, portanto, ser entravadas, a verdade é que, em nenhuma circunstância, puseram esta regra em prática.

129.
    Segundo a recorrida, falta uma distinção clara entre as reexportações autorizadas e as reexportações proibidas, tanto na correspondência entre a recorrente, a Audi e a Autogerma, como na correspondência entre a Autogerma e os concessionários. Assim, vários documentos demonstram que o conceito de «mercado cinzento» ou de «mercado cinzento das reimportações» incluía, para as pessoas interessadas, as exportações para consumidores finais e para outros concessionários da rede. A recorrida remete, a este propósito, para uma apresentação destinada à reunião do comité director da Audi de 13 de Fevereiro de 1995, que faz referência a instruções destinadas a reduzir de pelo menos 50% o «volume actual das reimportações», indicando que essas reimportações podem ser «aquisições cruzadas dos concessionários alemães no estrangeiro» ou «entregas a revendedores não pertencentes à rede (revendedores do mercado cinzento)». Faz igualmente referência a uma nota interna da Audi de 12 de Dezembro de 1994 e a uma carta escrita pelo serviço encarregado do acompanhamento da clientela da Audi a um comprador potencial austríaco.

130.
    Quanto aos outros termos que figuram na correspondência do grupo Volkswagen para indicar as transacções a impedir, a recorrida cita um relatório de 4 de Junho de 1994 sobre um controlo efectuado junto de um concessionário. Resulta claramente deste relatório que a expressão «actividades de venda organizada no estrangeiro» engloba todas as reexportações a partir de Itália. A recorrida observa igualmente que a Autogerma, na sua correspondência com os concessionários, omitiu por vezes acrescentar o adjectivo «organizado».

131.
    Seja como for, resulta inequivocamente das notas da Autogerma que certas medidas eram dirigidas contra as exportações em geral. A recorrida menciona ainda outros documentos citados na decisão que provam que todas as reexportações eram visadas.

132.
    A recorrida considera que as notas de 21 e de 26 de Setembro e de 24 de Outubro de 1994, enviadas pela Autogerma à recorrente, e a nota da Autogerma de 15 de Março de 1995, são testemunho da confusão criada pela recorrente entre as reexportações autorizadas e as reexportações proibidas. Além disso, estas notas fazem claramente referência a medidas já tomadas. Outra nota da Autogerma à recorrente, datada de 14 de Junho de 1994, tem o mesmo alcance e demonstra, além disso, que a Autogerma se baseou abusivamente no Regulamento n.° 123/85 a fim de enquadrar a actividade dos concessionários. A nota interna da Audi de 12 de Dezembro de 1994 prova, por seu lado, a instituição de um sistema de margem fraccionada, destinado a impedir as reexportações autorizadas.

-    Apreciação do Tribunal

133.
    Tendo em conta o conjunto dos elementos e documentos acima evocados, a argumentação da recorrente segundo a qual as medidas tomadas por ela, pela Audi e pela Autogerma tinham como único objectivo, na realidade, impedir as vendas aos revendedores não autorizados, não pode ser acolhida. Como acabou de se concluir, o limite previsto pela cláusula dos 15% era aplicado em relação ao conjunto das reexportações (v., supra, n.os 48 a 58), o abastecimento dos concessionários italianos estava contingentado com o objectivo explícito de diminuir o conjunto das reexportações (v., supra, n.os 80 a 89) e consumidores finais de Estados-Membros que não a Itália viram-se confrontados com obstáculos à aquisição de um veículo neste Estado (v. supra, n.os 105 a 115).

134.
    Daqui resulta que o argumento da recorrente segundo o qual a expressão «Graumarkt» demonstra que só as vendas a revendedores não autorizados eram visadas não pode ser acolhido. Embora seja verdade que esta expressão figura num grande número de documentos apreendidos pela Comissão e que pode fazer pensar nas transacções ilegais, ou seja, nas vendas aos revendedores não autorizados, também é verdade que alguma correspondência no âmbito do grupo Volkswagen tem por objecto as reexportações a partir de Itália em geral (v. por exemplo, os documentos citados supra, n.os 51 e 87) e que a cláusula dos 15% e as queixas dos potenciais clientes não se referem manifestamente, de forma específica, às vendas aos revendedores não autorizados.

135.
    Além disso, vários documentos relativos, de acordo com os seus títulos, ao mercado cinzento, às «exportações cinzentas [a partir de Itália]» ou às «importações cinzentas [provenientes de Itália]» parecem no entanto, de acordo com o seu conteúdo, cobrir a generalidade das reexportações a partir de Itália.

136.
    Assim, uma nota interna da Audi de 12 de Dezembro de 1994 (nota n.° 17 da decisão) tem a seguinte redacção:

«Importações cinzentas Itália

Como solicitado, junto remetemos o projecto de carta à organização de concessionários alemã.

Esta carta é crítica. O motivo é o regulamento de isenção por categoria. Nele se expõe claramente que os construtores não podem adoptar medidas para impedir a importação paralela lícita. Consequentemente, envolve um certo risco relacionar as medidas que tomámos em Itália com o obstáculo à reimportação e disso deixar rasto numa carta dirigida à organização de concessionários alemã. Isto deve ser considerado tendo especialmente em conta a prorrogação e a alteração do regulamento de isenção por categoria controvertidas.

As medidas em Itália devem ser comunicadas verbalmente através das regiões».

137.
    É assim sublinhado, nesta nota, que era preferível comunicar oralmente as medidas que tinham sido tomadas no que respeita a Itália, uma vez que comunicações escritas a este respeito poderiam revelar a incompatibilidade destas medidas com o Regulamento n.° 123/85. Esta nota demonstra a ambiguidade da expressão mercado cinzento na correspondência interna do grupo Volkswagen. Efectivamente, enquanto o título desta nota indica que ela tem por objecto as «importações cinzentas Itália», o seu conteúdo aborda a questão das importações paralelas em geral e não apenas as importações por revendedores não autorizados.

138.
    Outro exemplo desta mesma ambiguidade é fornecido pela telecópia de 27 de Março de 1995 da sociedade Porsche Austria à Audi (nota n.° 31 da decisão). Esta telecópia tem o título de «Importações cinzentas» mas indica em seguida que, graças às medidas tomadas, todas as reexportações de veículos Audi A4 a partir de Itália para a Alemanha foram eliminadas. Indica:

«Assunto: Importações cinzentas

...

Finalmente boas notícias relativamente a esta questão!

As reuniões que tivemos recentemente com os concessionários dos territórios em causa permitiram-nos verificar que as importações cinzentas diminuíram. Assim, actualmente não foi ainda importado de Itália para a Áustria qualquer A4.

As medidas que tomaram, conjuntamente com o importador italiano, parecem por conseguinte ser eficazes.»

139.
    Sobre esta mesma questão, há que fazer igualmente referência ao «Plano de marketing Alemanha 1995» (nota n.° 50 da decisão). Neste documento, a recorrente anuncia como estratégia a propósito das reimportações na Alemanha:

«Medidas para a contenção das reimportações através da análise contínua dos preços e dos fluxos de abastecimento, bem como da influência sobre os concessionários.

Medidas selectivas contra 'importadores cinzentos‘».

140.
    Neste documento, a expressão «Importações cinzentas» poderia significar os «revendedores não autorizados» mas o número precedente mostra que as reimportações na Alemanha são igualmente visadas na generalidade, por contra-medidas que tinham por objecto a restrição dessas reimportações através de adaptações de preços e de um controlo das entregas ou do abastecimento, e por uma influência sobre os concessionários.

141.
    Há que concluir que, à luz do conjunto da correspondência interna do grupo Volkswagen, a expressão «mercado cinzento», tal como é utilizada, não pode manifestamente ser interpretada no sentido de que cobre unicamente as vendas aos revendedores não autorizados. Esta conclusão não é infirmada pelo facto de as circulares enviadas pela Autogerma aos concessionários italianos distinguirem nitidamente, referindo-se ao Regulamento n.° 123/85, as vendas aos consumidores finais (independentemente do local de residência), que qualificam de lícitas, das vendas aos revendedores não autorizados, que qualificam de ilícitas. Com efeito, é concebível que, na redacção de tais comunicações formais aos concessionários, a Autogerma se tenha submetido à regulamentação comunitária, reservando-se a possibilidade de dar instruções a estes últimos por vias mais informais.

142.
    A conclusão de que a recorrente, a Audi e a Autogerma não limitaram as suas acções à repressão das vendas aos revendedores não autorizados é ainda corroborada pelas notas de 21 e 26 de Setembro de 1994, dirigidas pela Autogerma à recorrente (notas n.os 14 e 15 da decisão). Essas notas contêm a maior parte dos elementos invocados pela Comissão contra a recorrente.

143.
    A nota de 21 de Setembro de 1994 indica ter por objecto «Importações paralelas» e tem a seguinte redacção:

«Excelentíssimos Senhores,

Referimo-nos ao tema em epígrafe, já amplamente tratado, a fim de lhes expor a situação actual

O conjunto da rede de venda italiana está muito preocupado com a realização dos objectivos de venda e com a necessidade de prolongar os êxitos já obtidos. Esta necessidade levou vários parceiros pressionados por redes de venda externas (nomeadamente inúmeros concessionários Volkswagen e Audi estrangeiros), a efectuarem vendas igualmente em territórios afastados da zona contratual, por vezes mesmo no estrangeiro.

A intervenção da Autogerma tem, por conseguinte, por objectivo remeter os concessionários Volkswagen e Audi para o seu território contratual de venda, através de controlos relativos ao cumprimento do contrato, nomeadamente no que se refere às actividades de venda no próprio território: estes controlos são efectuados em cada empresa (deram origem à rescisão de seis contratos de concessão por não cumprimento das disposições contratuais, tendo em conta os prazos previstos, ou seja, o termo dos contratos no final de 1994 ou em meados de 1995. Tencionamos, em relação a outros concessionários, invocar o não cumprimento, na sequência de certos 'resultados de auditorias‘ relativas às entregas, para obter informações mais exactas sobre os consumidores finais que compraram os veículos em questão.

Desenvolveremos mais este procedimento no âmbito da rede de venda. O projecto prevê uma nova estrutura de margem ainda com uma maior importância, no âmbito da qual a taxa dos 'maggiori-sconti‘ (prémios), que está sujeita ao cumprimento das obrigações contratuais a nível tanto quantitativo como qualitativo, é aumentada e a redução fixa sobre as facturas de veículos, reduzida o que permite repartir melhor as margens que estão a nosso cargo...»

144.
    Esta nota faz manifestamente referência a uma intervenção da Autogerma destinada a remeter os concessionários italianos para os seus territórios contratuais. Tendo em conta o objecto da referida nota («Parallelexporte») e o nexo que nela se faz entre, por um lado, a constatação de que certos concessionários fazem por vezes comércio com o estrangeiro e, por outro lado, a intervenção da Autogerma («por conseguinte»), a expressão «remeter os concessionários Volkswagen e Audi para o seu território contratual de venda» deve ser razoavelmente entendida como significando o exercício, pela Autogerma, de pressões sobre os concessionários para que estes deixassem de vender fora dos seus territórios contratuais, nomeadamente aos estrangeiros.

145.
    Esta nota demonstra igualmente que, para realizar essa intervenção, foram instituídos controlos sistemáticos («devendo efectuar-se controlos... em cada uma das empresas»).

146.
    Além disso, a sua redacção no presente e os termos empregues provam que a intervenção da Autogerma já era efectiva. Só as medidas citadas no que respeita à margem são apresentadas como projecto.

147.
    Finalmente, importa observar que a Autogerma considerava útil obter «informações mais exactas sobre os consumidores finais». Ora, uma vez que as vendas aos consumidores finais são, por definição, legais, a Autogerma não tinha nenhuma razão válida para querer conhecer a identidade destes últimos. Do mesmo modo, importa observar que, no segundo parágrafo da sua nota, no qual descreve o problema ao qual a sua intervenção responde, a Autogerma sugere que os concessionários da rede estabelecidos no estrangeiro são intrusos. Esta apresentação da situação parece exprimir um desejo de entravar as entregas cruzadas. Seja como for, a referência aos consumidores finais e aos concessionários estrangeiros indica que esta nota não diz unicamente respeito às vendas aos revendedores não autorizados.

148.
    A lista das medidas comunicadas pela Autogerma à recorrente alguns dias mais tarde, por nota de 26 de Setembro de 1994 (nota n.° 15 da decisão), confirma as considerações anteriores.

149.
    Essa nota menciona dezanove «medidas destinadas a controlar e a impedir as reexportações». Se é verdade que a descrição de várias dessas medidas não permite determinar o seu alcance (v. igualmente as expressões «controlos junto dos concessionários suspeitos», «os concessionários recidivistas receberão umpré-aviso» e «... [evitar] que os concessionários procurem canais de venda indesejáveis»), a nota comporta também frases que dão claramente a entender que todas as reexportações são visadas.

150.
    Assim, é mencionado que «o prémio trimestral, bloqueado para todas as vendas extraterritoriais, só será pago, a partir do próximo trimestre, com base no registo do veículo». A exigência, como condição de pagamento do prémio, do registo do veículo em Itália, desencoraja manifestamente não só as vendas aos revendedores não autorizados, mas igualmente as entregas cruzadas e as vendas directas a consumidores finais de outros Estados-Membros. Consequentemente, esta medida tem claramente por objecto a compartimentação do mercado italiano. Embora seja verdade que esta medida é apresentada como só devendo ser aplicada «a partir do próximo trimestre», não é esse o caso no que respeita a outra medida semelhante mencionada na mesma nota, segundo a qual «Também no que respeita às acções de promoção, que são na maioria favoráveis ao consumidor final, o registo em Itália é exigido para o pagamento do apoio geralmente consistente em acessórios, promessa de retoma ou oportunidades financeiras».

151.
    A estes indícios acresce o facto de que a nota trata em termos gerais do impedimento das reexportações como objectivo a prosseguir («medidas destinadas a controlar e a impedir as reexportações» ou ainda «... dissuadir os concessionários envolvidos em reexportações»)

152.
    Finalmente, a recorrente tão-pouco pode utilmente acusar a Comissão de não ter tido em conta os conflitos de interesses no interior do grupo Volkswagen ou a identidade dos autores dos documentos apreendidos. Efectivamente, estes elementos em nada infirmam o conteúdo desses documentos.

Quanto aos controlos, advertências e sanções de que os concessionários terão sido objecto

-    Argumentos das partes

153.
    Segundo a recorrente, a Comissão concluiu erradamente que a recorrente, a Audi e a Autogerma vigiavam sistematicamente as vendas efectuadas pelos concessionários italianos.

154.
    A este propósito, a recorrente observa que a Comissão concluiu, com base num correio electrónico de 26 de Janeiro de 1995, que uma taxa de 150 marcos alemães tinha sido instituída para o estabelecimento do certificado de conformidade (considerando 27 da decisão), quando a verdade é que essa taxa foi introduzida durante algumas semanas, na sequência da entrada em vigor de uma nova regulamentação, e isto para um número de veículos muito reduzido. A circunstância de a taxa ser apresentada, no referido correio electrónico, como destinada a entravar as reexportações deve-se ao facto de o seu redactor não serresponsável pela taxa nem pelo estabelecimento dos certificados de conformidade. Na medida em que a Comissão teve igualmente em conta o facto de a Audi, além de uma taxa, ter exigido a prova de aquisição do veículo (considerando 27 da decisão), a recorrente esclarece que uma cópia do contrato de venda ou da factura era exigida unicamente com o objectivo de garantir que o autor do pedido do certificado de conformidade era realmente o comprador. A recorrente sublinha igualmente que a taxa se destinava a cobrir os custos internos e externos ligados ao estabelecimento dos certificados e dá uma ideia desses custos.

155.
    Em segundo lugar, a recorrente afirma que a Comissão concluiu, tendo em conta um certo número de documentos, que os construtores tinham encarregado a Autogerma de controlar sistematicamente as reexportações e de comunicar as suas observações sobre este ponto (considerandos 28, 29 e 39 da decisão), quando a verdade é que era manifestamente impossível, com base nas informações contidas nesses documentos, controlar as vendas de cada concessionário. Efectivamente, os números das reexportações não permitem determinar através de que concessionário um veículo foi vendido. A recorrente, a Audi e a Autogerma procederam unicamente a controlos em caso de pedido de certificado de conformidade por uma empresa ou por uma pessoa manifestamente suspeita de ser um revendedor não autorizado. Foi o que aconteceu, por exemplo, por ocasião dos 25 controlos efectuados pela Audi entre os meses de Junho de 1994 e Fevereiro de 1995. Após tais controlos, a recorrente e a Audi comunicaram à Autogerma os nomes dos concessionários que tinham gravemente violado as suas obrigações contratuais, ou os números de chassis dos veículos comprados por revendedores não autorizados, a fim de permitir à Autogerma identificar os concessionários que tinham vendido esses veículos. A troca de tais informações entre os construtores e a Autogerma não constituiu de nenhum modo uma prática ilegal mas apenas teve por finalidade detectar as vendas a revendedores não autorizados.

156.
    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a Comissão afirmou que a Autogerma vigiava «diariamente» as encomendas de veículos (considerando 40 da decisão), ao passo que a nota de 10 de Fevereiro de 1995, na qual se baseia esta afirmação, menciona um controlo por amostragem dessas encomendas. Embora seja verdade que, segundo esta nota, a Autogerma prometia instituir um controlo permanente, tal controlo nunca foi posto em prática. Tão-pouco se confirmou que a Autogerma tenha obrigado os concessionários italianos a abster-se de vender veículos a clientes que não residissem em Itália sem a sua autorização prévia (considerando 114 da decisão). Finalmente, a recorrente observa que, mesmo que a Autogerma tivesse exercido uma vigilância permanente das encomendas registadas, isso não teria sido ilícito, uma vez que tal vigilância constitui um meio de detectar atempada e preventivamente as vendas a revendedores não autorizados.

157.
    Em quarto lugar, a recorrente alega que o fundamento da decisão segundo o qual o Kraftfahrt-Bundesamt (Departamento federal alemão dos veículos a motor) ajudou a vigiar os concessionários italianos (considerandos 26 e 28 da decisão), é igualmente erróneo. Nas informações que fornecia, o Kraftfahrt-Bundesamtapagava os três últimos algarismos dos números de chassis, impedindo assim a identificação dos veículos em causa. Além disso, este departamento mais não fez do que comunicar dados para efeitos estatísticos, permitindo assim à recorrente e à Audi apurar, em relação a cada modelo, o número total de veículos reimportados na Alemanha.

158.
    A recorrente defende que, se é verdade que a Autogerma intimou os concessionários a porem termo «à venda organizada fora do território contratual», é igualmente evidente que a expressão «venda organizada» significa vendas a revendedores não autorizados. Isto resulta inequivocamente de um relatório de 7 de Dezembro de 1993 relativo, nomeadamente, às intimações da Autogerma aos concessionários e às respostas enviadas por alguns deles, nas quais estes se comprometiam a deixar de vender a revendedores não autorizados. A recorrente cita documentos para demonstrar que os concessionários que eram assim notificados vendiam efectivamente veículos em grandes quantidades a revendedores não autorizados, pelo que era necessária uma reacção firme da Autogerma, tanto do ponto de vista jurídico como económico. A recorrente observa igualmente que mais de 90% das reexportações de veículos das marcas Volkswagen e Audi a partir de Itália com destino à Alemanha, calculadas pela Comissão em 19 000 veículos em 1993, 22 000 em 1994 e 19 000 em 1995 (considerando da decisão), eram asseguradas por revendedores não autorizados. Menciona ainda cartas de concessionários alemães nas quais estes se queixam do facto de concessionários abastecerem, em violação dos seus contratos, revendedores que não fazem parte da rede e pedem à recorrente que tome as medidas necessárias para pôr termo a essas práticas.

159.
    No que respeita às sanções que foram efectivamente aplicadas, a recorrente sublinha que as rescisões de contratos de concessão em que se baseia Comissão dizem respeito a todos os concessionários que tinham por diversas vendido veículos a revendedores não autorizados e que, por vezes, tinham igualmente cometido outras violações graves das suas obrigações contratuais.

160.
    Segundo a recorrida, resulta do conjunto dos documentos citados na decisão que as vendas dos concessionários italianos, incluindo as feitas aos particulares, foram sistematicamente vigiadas e foram objecto de um controlo diário por parte da Autogerma. A recorrida contesta, por outro lado, que se afirme na decisão que a Audi pôde exercer tal controlo graças às informações fornecidas pelo Kraftfahrt-Bundesamt. Assinala, porém, que um colaborador da Audi que tinha comprado um automóvel Audi A 4 em Itália receou que o veículo «[fosse] assinalado como reimportação, o que [teria criado] problemas» por ocasião do controlo das estatísticas do Kraftfahrt-Bundesamt (considerando 30 da decisão).

161.
    Quanto às advertências e às sanções, a recorrida cita a carta de 13 de Junho de 1994 na qual a Autogerma informa a Audi de que, por um lado, fez uma advertência a concessionários, intimando-os a limitar as suas vendas exclusivamenteao mercado interno italiano e, por outro lado, rescindiu dois contratos de concessão. Por carta de 14 de Junho de 1994 enviada à recorrente, a Autogerma afirmou ter continuamente exortado, ameaçando-os com a rescisão do contrato de concessão, cerca de sessenta concessionários a abster-se de qualquer actividade fora do respectivo território contratual. A recorrida menciona igualmente uma nota interna da recorrente de 20 de Fevereiro de 1995, segundo a qual, por um lado, o grupo Volkswagen está «em infracção com a legislação em vigor» e, por outro lado, «proximamente vários concessionários (entre os quais empresas de dimensão bastante importante) verão os seus contratos de concessão rescindidos em razão de importações cinzentas (para o exterior, por outras razões, naturalmente)». A recorrida assinala também que a Autogerma não mencionou especificamente, nas notas de Junho de 1994 acima referidas, revendedores não autorizados. Pelo contrário, trata nessas notas, de uma forma geral, de intimações e da rescisão de certos contratos de concessão em razão de vendas fora do território contratual.

-    Apreciação do Tribunal

162.
    Em primeiro lugar, importa assinalar que a decisão impugnada comporta indícios pertinentes e concordantes de que a recorrente, nomeadamente com a ajuda da sua filial Autogerma, exerceu sistematicamente controlos destinados a assegurar a eficácia das medidas tomadas com vista a entravar as reexportações a partir de Itália e fez advertências aos concessionários com vista a limitar a actividade comercial destes.

163.
    Efectivamente, como se verificou supra, no n.° 145, a Autogerma confirmou, na sua nota de 25 de Setembro de 1994 dirigida à recorrente, exercer controlos junto de cada um dos seus concessionários, a fim de garantir que estes não efectuavam vendas fora dos respectivos territórios contratuais. Do mesmo modo, resulta das declarações do Sr. Schlesinger, citadas no n.° 51, que este fazia questão em verificar pessoalmente cada caso de concessão eventual ou de retenção do prémio quando havia que aplicar a cláusula dos 15%. Estes indícios não podem ser desmentidos pelos argumentos específicos avançados pela recorrente (v. supra, n.os 154 a 157). Por outro lado, a afirmação da recorrente segundo a qual um controlo dos concessionários permanente e individualizada não era possível, não põe em causa a conclusão de que uma política de controlo sistemático foi posta em prática pela Autogerma e reforçava assim as outras medidas tomadas com o objectivo de entravar as reexportações a partir de Itália.

164.
    Quanto às advertências feitas pelos construtores, importa observar, em primeiro lugar, que os consumidores alemães e austríacos, nas queixas que enviaram à Comissão, fazem unanimemente referência a essas advertências, com base em declarações que lhes foram feitas pelos concessionários italianos. Isso resulta, por exemplo, das cartas ou telecópias citadas nos n.os 106, 107, 109, 110 e 112 a 114 (telecópia do Sr. Wieser: «... por instruções da Audi»; telecópia do Sr. Bernhardt: «instruções da Volkswagen AG»; carta do Sr. Baur: «como é evidente, as ameaças apenas são feitas pelo telefone»; carta do Sr. Keppler: «... a VW tinha proibido asvendas. Em caso de incumprimento de tal proibição, a VW ameaçou retirar a concessão»; telecópia do Sr. Mosser: «... o importador oficial da Audi tinha proibido aos concessionários vender automóveis a estrangeiros»; telecópia do Sr. Bilogan: «seguindo alegadamente instruções do construtor»; carta do Sr. Albrecht: «por ordens de Wolfsburg»). Estas declarações são confirmadas pela carta da Autogerma dirigida à sociedade Silemotori Negro, citada supra, no n.° 92, e, no que respeita mais concretamente às entregas cruzadas, pela carta de 26 de Novembro de 1993 enviada por um concessionário alemão das marcas Volkswagen e Audi à recorrente, citada no n.° 82.

165.
    A nota interna da Audi de 12 de Dezembro de 1994, citada supra no n.° 136, confirma, por seu turno, que este construtor considerava preferível que as medidas tomadas no que respeita às vendas em Itália fossem comunicadas oralmente. Além disso, do objectivo definido na nota de 21 de Setembro de 1994 enviada pela Autogerma à recorrente, citada no n.° 143, de «remeter os concessionários Volkswagen e Audi para o seu território contratual de venda», presume-se que foram feitas advertências neste sentido aos concessionários. A este propósito, a carta enviada pela Autogerma à Audi em 13 de Junho de 1994 (citada no n.° 80), confirma: «a Autogerma advertiu em numerosas ocasiões os concessionários afectados de que devem limitar as suas vendas exclusivamente ao mercado nacional italiano. Dois contratos de concessão foram inclusivamente rescindidos». Do mesmo modo, numa carta de 14 de Junho de 1994 enviada à recorrente e relativa às exportações paralelas, (nota n.° 65 da decisão), a Autogerma escreve: «Desde Setembro de 1993 aproximadamente 60 concessionários foram avisados para se absterem das suas actividades de venda fora do território contratual no interior e no estrangeiro. Esses concessionários foram expressamente informados de que, em caso de incumprimento, deviam contar com a rescisão do contrato de concessão... A Autogerma tenciona actuar no futuro com a mesma determinação para alcançar o objectivo prosseguido, impedir as exportações a partir de Itália.» Finalmente, a influência sobre os concessionários estava literalmente prevista no «Plano de marketing Alemanha 1995» , citado supra, no n.° 139 («Influência sobre os concessionários»). No contexto deste documento, esta influência deve ser entendida como a intimação feita aos concessionários alemães para deixarem de importar veículos.

166.
    Em segundo lugar, importa, em contrapartida, ter presente que a decisão impugnada não comporta indícios suficientemente pertinentes e concordantes de que a recorrente, com a ajuda da sua filial Autogerma, aplicou efectivamente sanções a concessionários italianos, designadamente rescindindo os seus contratos de concessão, com o fundamento de que estes entregavam veículos a consumidores finais ou a concessionários das marcas Volkswagen e Audi de outros Estados-Membros.

167.
    É verdade que resulta de certos documentos que a sanção da rescisão dos seus contratos de concessão foi aplicada a certos concessionários italianos por motivosrelacionados com reexportações. É o caso, por exemplo, da nota enviada pela Autogerma à Audi, em 13 de Junho de 1994, citada no n.° 165, supra, e da lista comunicada pela Autogerma à recorrente por carta de 7 de Junho de 1994 (nota n.° 121 da decisão), relativa a três contratos de concessão rescindidos em 1993 e assim redigida

«Em 1993 três contratos com os seguintes concessionários foram rescindidos:

1)    Dino CONTI    TRIESTE

    Razões:

    a) Exportação cinzenta

    b) Cooperação com outras marcas

2)    BERETICH    PORDENONE

    Razões:

    a) Exportação cinzenta

    b) Cobertura do mercado

    c) Organização fraca

    d) Problemas financeiros

3)    AUTOSIAL    S. BENEDETTO (AP)

    a) Exportação cinzenta

    b) Problemas financeiros»

168.
    Todavia, é perfeitamente concebível que estes concessionários tenham realmente cometido infracções aos seus contratos de concessão, designadamente vendendo veículos a revendedores não autorizados, o que justificaria plenamente a sanção aplicada. A declaração da Audi no seu relatório de 10 de Fevereiro de 1995 sobre o contacto com a Autogerma (nota n.° 125 da decisão), segundo a qual «Foram rescindidos os contratos de 8 concessionários... como fundamento para a rescisão indicou-se exportação cinzenta», não põe em causa esta consideração, na medida em que, de qualquer forma, existem outros tipos de infracções ao contrato de concessão para além das vendas a revendedores não autorizados. O agente da recorrida confirmou, por outro lado, na audiência, em resposta a uma pergunta do Tribunal, que os concessionários que foram objecto de uma rescisão de contrato tinham vendido veículos a revendedores não autorizados.

169.
    Consequentemente, os elementos de prova fornecidos pela Comissão relativamente às rescisões dos contratos de concessão não permitem excluir que só os concessionários, que, entre outros incumprimentos das suas obrigações contratuais, venderam veículos a revendedores não autorizados, tenham efectivamente sido penalizados. Daqui resulta que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar provado que as rescisões dos contratos de concessão em causa constituíam uma medida ilegal.

Quanto aos efeitos dos entraves à reexportação

Argumentos das partes

170.
    Segundo a recorrente, a Comissão tão-pouco demonstrou que as pretensas medidas tomadas pelos construtores e pela Autogerma tenham influenciado as reexportações legais a partir de Itália.

171.
    O facto de, durante todos os períodos em que se verificaram disparidades importantes entre a lira italiana, por um lado, e o marco alemão e o schilling austríaco, por outro, as reexportações de automóveis a partir de Itália terem sido numerosas, demonstra que as medidas pretensamente tomadas pela recorrente, pela Audi e pela Autogerma não tiveram efeitos sensíveis. A este propósito, a recorrente observa que, durante os anos de 1993 a 1995, as reexportações efectivas de Itália para a Alemanha de cerca de 20 000 veículos por ano mostram que as medidas contra as vendas a revendedores não autorizados eram ineficazes ou que essas medidas eram eficazes mas que as compras lícitas por consumidores finais alemães em Itália aumentaram proporcionalmente. A recorrente assinala também que, em 1995, relativamente aos 19 338 veículos reexportados, só se verificaram 36 queixas de pessoas que se apresentavam como consumidores finais que não conseguiram obter um veículo em Itália. Um grande número dessas queixas é, além do mais, injustificado. A recorrente acrescenta que alguns destes queixosos acabaram por obter o veículo pretendido, ao passo que outros eram, na realidade, revendedores não autorizados.

172.
    A recorrente alega igualmente que, durante a maior parte do período tomado em conta pela Comissão, isto é, entre 1987 e o início do ano de 1993, os consumidores que não residissem em Itália não tinham qualquer interesse em adquirir um veículo nesse Estado. Seriam antes os clientes italianos que teriam interesse em comprar noutro Estado-Membro.

173.
    Finalmente, quanto à afirmação da Comissão segundo a qual os concessionários, na sequência da proibição que lhes era imposta, decidiram deixar de efectuar exportações ou unicamente dentro do limite dos 15% das vendas totais ou ainda adoptaram outras medidas como o registo de todos os veículos em Itália ou o despedimento de colaboradores que venderam no estrangeiro, não é justificada por nenhum dos documentos citados em seu apoio.

174.
    A recorrida recorda, a título preliminar, que qualquer medida que tenha como objectivo ou como efeito compartimentar os mercados nacionais impedindo importações paralelas, é contrária ao Tratado CE desde que seja perceptível. A infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não depende do sucesso das tentativas destinadas a compartimentar os mercados nacionais.

175.
    A recorrida afirma, seguidamente, que, visto o grande número de cartas de reclamação enviadas por compradores potenciais, não restam dúvidas de que os concessionários italianos consideravam ter recebido a proibição de venderemautomóveis a estrangeiros. Em sua opinião, é evidente que esta situação foi provocada, em grande medida, pela falta de distinção, nas instruções dadas pela Autogerma aos seus concessionários, entre as vendas lícitas e as vendas ilícitas.

176.
    Do mesmo modo, as cartas enviadas por concessionários aos compradores potenciais informando-se de um prazo de entrega de mais de um ano e de prováveis alterações de preços, tiveram como consequência evidente que, na maioria dos casos, estes últimos se abstiveram de comprar um veículo em Itália. O facto de exigir que o comprador se comprometa, sob pena de uma sanção grave, a não revender o veículo durante os três meses subsequentes à compra ou antes de o veículo percorrer 3 000 quilómetros, é igualmente de natureza a desencorajar as aquisições nestes Estado.

177.
    A recorrida cita, finalmente, um documento que demonstra um recuo das reexportações de veículos da marca Audi a partir de Itália.

-    Apreciação do Tribunal

178.
    Segundo jurisprudência assente, para efeitos de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é supérflua quando se demonstre que este tem por objectivo impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. Consequentemente, a demonstração de efeitos anticoncorrenciais reais não é exigida quando estiver provado o objectivo anticoncorrencial dos comportamento controvertidos (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect., p. 423, 427 e de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C-219/95 P, Colect., p. I-4411, n.os 12 a 14). Ora, como acabou de se verificar, a Comissão provou que a recorrente tomou medidas que tinham por objectivo a compartimentação do mercado italiano (v. supra, entre outros, os n.os 88 e 89). Por conseguinte, a Comissão não estava obrigada a apurar os efeitos concretos destas medidas sobre o jogo da concorrência no interior do mercado comum.

179.
    Além disso, tais medidas eram, por natureza, susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1979, BMW Belgium e o./Comissão, 32/78, 36/78 a 82/78, Colect., p. 2435, n.° 32). Efectivamente, para ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros, um acordo ou prática deve, com base em elementos objectivos de direito ou de facto, permitir prever com um grau de probabilidade suficiente que poderá exercer influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre a corrente de trocas entre Estados-Membros. Quanto a este ponto, importa precisamente examinar se as medidas em questão são susceptíveis de compartimentar o mercado de certos produtos entre Estados-Membros e de tornar assim mais difícil a interpenetração económica pretendida pelo Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1966, Société Technique Minière, processo 56/65, Colect., p. 337, 359; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, ParkerPen/Comissão, T-77/92, Colect., p. II-549, n.° 39). É o que manifestamente aqui acontece. A cláusula dos 15% e a contingentação no abastecimento dos concessionários italianos equivalem cada uma a uma protecção territorial, designadamente para os concessionários alemães e austríacos, e a uma redução da liberdade de acção comercial dos concessionários italianos. Essas medidas vinculavam o conjunto dos concessionários das marcas Volkswagen e Audi numa parte substancial do mercado comum (a Itália) e contribuiam, desse modo, para a compartimentação do mercado italiano. Efectivamente, práticas restritivas da concorrência que se estendem ao conjunto do território de um Estado-Membro são, pela sua própria natureza, susceptíveis de consolidar compartimentações de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado (v. por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 1985, Remia e o./Comissão, processo 42/84, Rec. p. 2545, n.° 22, e o acórdão Bayerische Motorenwerke, já referido, n.os 19 e 20).

180.
    Finalmente, e de qualquer modo, as queixas dos consumidores alemães e austríacos, mencionadas nos n.os 105 a 116, demonstram que as medidas tomadas pela recorrente, pela Audi e pela Autogerma tiveram efeitos reais. A Audi, de resto, não escondia que se tratava de um «sucesso» (v. o documento citado no n.° 85; v. igualmente a telecópia da sociedade Porsche Austria citada no n.° 138).

181.
    Por todos estes motivos, a argumentação da recorrente a propósito dos efeitos dos entraves à reexportação não pode ser acolhida.

Quanto à duração dos entraves à reexportação

Argumentos das partes

182.
    A recorrente afirma que os comportamentos que lhe são imputados de modo nenhum se iniciaram em 1987 nem continuaram após Outubro de 1995. Assinala, a este propósito, que os documentos apreendidos pela Comissão apenas se referem aos anos de 1993 a 1995.

183.
    No que respeita à data de início destes comportamentos, a recorrente esclarece que a Comissão a fixou em 30 de Dezembro de 1987, baseando-se na data de uma versão da convenzione B (considerando 202 da decisão). Dado que este documento apenas prova o acordo dos concessionários e da Autogerma sobre o sistema de prémio e que não incide sobre as outras medidas denunciadas na decisão, a afirmação da Comissão segundo a qual a infracção tratada na decisão está, de uma maneira geral, provada a partir de 30 de Dezembro de 1987, não é coerente.

184.
    No que respeita à data da cessação dos comportamentos imputados, a recorrente observa que, à luz da circular enviada aos concessionários em Dezembro de 1996, a conclusão no considerando 216 da decisão segundo a qual naquele momento «[a infracção] ainda não se [tinha finalizado] completamente», é errada.Consequentemente, mesmo que a constatação feita no artigo 1.° da decisão fosse correcta, o artigo 2.° da decisão deveria ser anulado, uma vez que intima a recorrente a tomar certa medidas que já tomou.

185.
    A recorrida começa por declarar que, no considerando 202 da decisão, fixou a data de início da infracção em 30 de Dezembro de 1987 baseando-se unicamente no sistema de prémio, de modo que não é possível qualquer mal-entendido quanto ao objecto ou ao alcance da infracção imputada ao longo do período em causa. Em sua opinião, o facto de as outras medidas apenas terem sido tomadas mais tarde não impede que se qualifique o conjunto destas medidas, incluindo o sistema de prémio, como estratégia global.

186.
    Seguidamente, a recorrida observa que uma infracção começa sempre com o primeiro acordo ou com a primeira prática concertada e que continua enquanto o último acordo ou a última prática concertada não for suprimida ou terminar de qualquer outra forma. Em sua opinião, a circular de 16 de Março de 1995 não eliminou a infracção uma vez que esta circular não foi posta em prática. Isto é demonstrado através de vários documentos. Além disso, a referida circular não alterou as medidas destinadas a punir financeiramente as vendas efectuadas fora do território contratual, como o bloqueio do prémio de 3%. A circular de Dezembro de 1996 também não pôs completamente termo à infracção.

187.
    Finalmente, a recorrida afirma que o facto de a gravidade da infracção se ter atenuado em 1997 foi tomado em consideração, aquando da fixação da coima, pela determinação degressiva das majorações aplicáveis enquanto duraram os factos incriminados.

-    Apreciação do Tribunal

188.
    Importa recordar, a título preliminar, que a exigência de segurança jurídica, de que devem beneficiar os operadores económicos, implica que, verificando-se um litígio sobre a existência de uma infracção às regras da concorrência, a Comissão forneça elementos de prova relativos a factos suficientemente próximos em termos temporais, de modo a poder-se razoavelmente admitir que esta infracção perdurou ininterruptamente entre duas datas precisas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T-43/92, Rec. p. II-441, n.° 79).

189.
    Em primeiro lugar, no caso vertente, importa observar que resulta claramente do facto de a cláusula dos 15% ter estado em vigor ininterruptamente entre 1 de Janeiro de 1988 e 30 de Setembro de 1996 (v. supra, n.° 48), que a recorrente esteve em infracção com as regras comunitárias da concorrência durante todo o referido período (v. supra, n.° 49). Embora seja verdade que, como também se indicou no n.° 49, esta cláusula era susceptível de desempenhar um papel mais sensível nos períodos em que existia um grande interesse para consumidores de outros Estados-Membros de comprar um veículo em Itália (no caso vertente, apartir de 1993), não é menos verdade que a cláusula em questão tem por objectivo assegurar uma certa protecção territorial e, portanto, nesta medida, a compartimentação do mercado na medida em que incita os concessionários italianos a reservarem anualmente pelo menos 85% dos veículos disponíveis para venda à clientela italiana. Finalmente, embora seja certo que a Comissão fez uma delimitação ligeiramente imprecisa situando a data de entrada em vigor da cláusula dos 15% em 1987 (considerando 75 da decisão), em 30 de Dezembro (considerandos 202 e 216 da decisão) ou em 31 de Dezembro (considerando 215 da decisão), não é menos verdade que isso não tem nenhuma incidência na economia da decisão e não pode, consequentemente, levar à sua anulação, dado que a Comissão não tomou em conta o ano de 1987 para fixar o montante da coima (considerando 217 da decisão).

190.
    Em segundo lugar, há que sublinhar que o único elemento de prova avançado pela Comissão para demonstrar que a recorrente ainda estava, em certa medida, em infracção no período entre 1 de Outubro de 1996 e a data de adopção da decisão impugnada, é a afirmação de que a recorrente, após a comunicação de acusações em Outubro de 1996 e durante todo esse período, não fez uma declaração clara segundo a qual as medidas de compartimentação do mercado eram revogadas. Isso é confirmado pelos pontos 27, 28 e 348 da contestação e pelo ponto 126 da tréplica. Neste último ponto, a Comissão explicou que, no final de 1996 e durante o ano de 1997, não era possível considerar que tivesse sido posto termo à infracção, uma vez que a recorrente não tinha justificado ter suprimido «qualquer restrição territorial igualmente nos acordos». Na sua resposta a uma pergunta do Tribunal na audiência, o agente da recorrida confirmou esta explicação.

191.
    Há que reconhecer que esta apreciação dos factos é desmentida por certas peças que constam dos autos. Assim, no ponto 48 da resposta da recorrente e da Audi à comunicação de acusações, indica-se claramente que «A cláusula dos 15% foi suprimida com efeitos a 1 de Outubro de 1996...». Além disso, na audição de 7 de Abril de 1997, a recorrente sublinhou que «os contratos de concessão da Volkswagen e da Audi, bem como os contratos de importador na área da União Europeia... foram alterados em 1 de Outubro de 1996, de modo que, a partir desse momento, cumprem as condições gerais estabelecidas pela Comissão no Regulamento n.° 1475/95». Acresce que, na circular de 19 de Dezembro de 1996, enviada a pedido da recorrente aos concessionários italianos, a Autogerma expôs claramente a estes últimos os direitos comerciais de que beneficiavam ao abrigo da regulamentação comunitária nos seguintes termos:

«Caros Senhores,

Em Outubro de 1996 a Comissão da União Europeia acusou-nos formalmente de, a partir de 1987, vos termos proibido, através de medidas diversas, de vender veículos das marcas Volkswagen e Audi a clientes e a concessionários da rede Volkswagen e Audi na Alemanha e na Áustria. Tal como a Volkswagen AG e aAudi AG, somos de opinião que estas afirmações carecem de justificação. A este propósito, queremos esclarecer o seguinte:

1.    Estão autorizados, sem qualquer limite, a vender veículos automóveis a consumidores finais de todos os Estados-Membros da União Europeia e da Zona Europeia de Comércio Livre. Isto é igualmente válido no caso de os consumidores finais utilizarem os serviços de um intermediário.

    Além disso, estão autorizados, sem qualquer limite, a vender veículos automóveis a outros concessionários da rede Volkswagen e Audi nos Estados-Membros da União Europeia e da Zona Europeia de Comércio Livre.

    No caso de efectuarem vendas destes tipo, não ficarão sujeitos a nenhuma sanção, directa ou indirecta, aplicada por nós, pela Volkswagen AG ou pela Audi AG.

2.    Em contrapartida, não estão autorizados a vender automóveis a revendedores que não pertençam à rede Volkswagen-Audi.

3.    Os descontos que vos são concedidos pela Autogerma e o reconhecimento e pagamento dos bónus respectivos não dependerão, de forma nenhuma, directa ou indirecta, no todo ou em parte, do vosso volume de vendas fora do vosso território contratual.»

192.
    Ao não ter apresentado elementos de prova, a Comissão não demonstrou de forma juridicamente relevante que a recorrente ainda se encontrava em infracção entre 1 de Outubro de 1996 e o mês de Janeiro de 1998.

Conclusões

193.
    Os documentos, pertinentes e concordantes, apreendidos pela Comissão, demonstram que a recorrente tomou medidas tendo por objectivo a compartimentação do mercado italiano dos veículos novos das marcas Volkswagen e Audi, sob a forma de uma contingentação dos abastecimento dos concessionários italianos, uma política segundo a qual o prémio habitual de 3% só parcialmente é concedido aos concessionários que efectuem mais de 15% das suas vendas a pessoas que residem fora de Itália, e de controlos e advertências. Além disso, ficou provado que estas medidas se traduziram em obstáculos à aquisição em Itália de veículos das marcas Volkswagen e Audi, por consumidores e concessionários das referidas marcas de outros Estados-Membros.

194.
    Por conseguinte, resulta da apreciação deste primeiro fundamento que a Comissão concluiu acertadamente que a recorrente, juntamente com as suas filiais Audi e Autogerma, cometeu infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. A questão de saber se a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar as medidas ilegaisde «acordos» entre a recorrente, a Audi e a Autogerma, por um lado, e os concessionários italianos, por outro (v. a redacção do artigo 1.° da decisão impugnada, citado no n.° 28) será analisada no âmbito do segundo fundamento.

195.
    Por outro lado, os elementos de prova fornecidos pela Comissão e citados supra têm um tal valor probatório que os dados numéricos e os argumentos da recorrente relativos às quantidades consideráveis de veículos que, apesar de tudo, foram reexportados a partir de Itália com destino à Alemanha no período em questão na presente situação (v. supra, n.° 76) não podem, em nenhuma circunstância, afectar as conclusões relativas à existência da infracção. Efectivamente, estes elementos mostram, quando muito, que as medidas tomadas pela recorrente e pelas suas filiais não permitiram alcançar o objectivo fixado (v. igualmente o n.° 178, supra). De qualquer forma, mesmo que se viesse a concluir que o número de reexportações impedidas é pouco elevado em comparação com o número das reexportações realizadas apesar das medidas tomadas com o objectivo de as entravar, isso não poria em causa o carácter sistemático dos comportamentos irregulares devidamente verificados pela Comissão e atrás analisados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, processo 107/82, Rec. p. 3151, n.os 45 e 46).

196.
    Importa também ter presente que, se é verdade que a recorrente demonstrou que certos considerandos da decisão padeciam de um erro de facto, na medida em que a Comissão tirou as suas conclusões quanto ao sistema de margem fraccionada e às rescisões de certos contratos de concessão sem ter à sua disposição indícios suficientemente precisos, pertinentes e concordantes (v. supra, n.os 65 a 72 e 166 a 169), isso não poderá, no entanto, levar à anulação da totalidade da decisão. Efectivamente, como se declarou nos n.os 193 e 194, a Comissão concluiu acertadamente que a recorrente cometeu infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

197.
    Não obstante, os referidos erros de facto cometidos pela Comissão afectam, em certa medida, o dispositivo da decisão. Em especial, como resulta dos considerandos 214 e 220 da decisão, o sistema de margem fraccionada e a rescisão de certos contratos de concessão foram tomados em consideração, embora de forma mínima, para a determinação da gravidade da infracção e, portanto, para a fixação da coima, cujo montante figura no artigo 3.° da decisão.

198.
    Daqui resulta que a decisão impugnada deve ser anulada na medida em que conclui que um sistema de margem fraccionada e a rescisão de certos contratos de concessão a título de sanção constituíam medidas tomadas com o objectivo de entravar as reexportações de veículos das marcas Volkswagen e Audi a partir de Itália, por consumidores finais e concessionários das referidas marcas de outros Estados-Membros.

199.
    Quanto à falta de provas relativamente ao período entre 1 de Outubro de 1996 e a data de adopção da decisão impugnada, há que afirmar que isso não põe em causa a legalidade do artigo 1.° da decisão, na medida em que a Comissão conclui que a recorrente violou o disposto no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Tão-pouco põe em causa a legalidade dos artigos 2.° e 5.° da decisão, nos quais a Comissão intima a recorrente a tomar, nomeadamente, certas medidas para que seja posto termo à infracção e fixa uma sanção pecuniária a fim de garantir a execução dessas instruções. A este propósito, há que constatar que o facto de a Comissão não ter fornecido indícios pertinentes e concordantes da persistência da infracção depois de 1 de Outubro de 1996 não dá, por si só, a certeza de que esta cessou efectivamente. Consequentemente, se se pode censurar a Comissão por ter fixado a coima com base, entre outros elementos, na afirmação não provada de que a infracção continuou entre 1 de Outubro de 1996 e a data de adopção da decisão, em contrapartida não se pode acusá-la de, no dispositivo da decisão, a fim de assegurar com segurança a cessação dos comportamentos anticoncorrenciais, ter dado certas instruções à recorrente sob pena de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias. Por outro lado, mesmo admitindo que a infracção cessou efectivamente, isso privaria de efeito, em qualquer circunstância, os artigos 2.° e 5.° da decisão.

200.
    Não obstante, o erro cometido pela Comissão em matéria de duração da infracção afecta, em certa medida, o dispositivo da decisão. Mais concretamente, como resulta do considerando 217 da decisão, o fim do ano de 1996 e o ano de 1997 foram tomados em conta na fixação da coima, cujo montante figura no artigo 3.° da decisão.

201.
    Em consequência, a decisão impugnada deve ser anulada igualmente na medida em que declara que a infracção em causa não tinha terminado completamente no período entre 1 de Outubro de 1996 e a adopção da decisão.

202.
    Resulta de quanto precede que a decisão impugnada deve ser anulada, por um lado, na medida em que conclui que um sistema de margem fraccionada e a rescisão de certos contratos de concessão a título de sanção constituíam medidas tomadas com o objectivo de entravar as reexportações de veículos das marcas Volkswagen e Audi a partir de Itália, por consumidores finais e concessionários das referidas marcas de outros Estados-Membros e, por outro, na medida em que conclui que a infracção em causa não tinha terminado completamente no período entre 1 de Outubro de 1996 e a adopção da decisão.

B - Quanto ao segundo fundamento, baseado em erros de direito na aplicação do artigo 85.° do Tratado

Argumentos das partes

203.
    A recorrente defende que a Comissão cometeu vários erros de direito na aplicação do artigo 85.° do Tratado.

Quanto à falta de delimitação do mercado

204.
    A recorrente observa que a Comissão examinou na decisão os critérios de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado mais fáceis de verificar, como saber se os construtores, a Autogerma e os concessionários são empresas, mas, contrariamente ao que acontecia na comunicação de acusações, não abordou o modo como o mercado em que se terá desenrolado a violação do Tratado deve ser definido. A recorrente reconhece que a delimitação material do mercado é evidente no caso vertente (mercado dos veículos automóveis), mas considera que a falta de delimitação geográfica deste põe em causa a legalidade da decisão.

205.
    Quanto a este ponto, a recorrente recorda que só quando o mercado é definido é que é possível determinar exactamente se o acordo ou a prática concertada em questão é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e tem por objecto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum. Assinala, além disso, que a posição defendida pela Comissão na comunicação de acusações, segundo a qual o mercado geográfico pertinente é o mercado comum, foi firmemente desmentida pelos construtores nas suas observações sobre esta comunicação. Em sua opinião, o mercado comum não é o mercado geográfico pertinente, uma vez que existem diferenças jurídicas (em matéria de fiscalidade) e económicas (disparidades monetárias, diferenças nas preferências de compra) importantes entre os Estados-Membros.

206.
    Segundo a recorrida, uma delimitação geográfica do mercado não era necessária no presente caso. Afirma que uma delimitação do mercado só se impõe, regra geral, no quadro do controlo de fusões ou de procedimentos destinados a constatar um abuso de posição dominante. No caso de uma aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a única questão imperativa que se coloca no plano geográfico é saber se o acordo ou as práticas concertadas em causa são susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros.

Quanto à apreciação errada dos entraves na globalidade

207.
    A recorrente recorda que, ao apreciar um acordo à luz do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, há que distinguir as partes desse acordo que são realmente afectadas pela proibição constante deste artigo das que não o são. No caso vertente, a Comissão ignorou esta regra ao deduzir uma proibição ou uma limitação das exportações de um «conjunto de medidas» (considerandos 112 e 131 da decisão).

208.
    Por outro lado, as medidas a que a Comissão se refere não são um conjunto, uma vez que não há um nexo entre elas.

209.
    A recorrida replica que, manifestamente, as medidas tratadas na decisão, como os sistemas de prémio e de margem fraccionada, a contingentação do abastecimento e o compromisso exigido aos adquirentes, formam uma estratégia global que temcomo objectivo levar os concessionários italianos a renunciarem a exercer qualquer actividade fora do respectivo território contratual. Além disso, a recorrida alega que fez a distinção entre as medidas autorizadas e as proibidas, uma vez que apenas criticou as medidas que tinham por objecto ou por efeito entravar ou impedir as vendas a consumidores finais (eventualmente através de intermediários) e a concessionários de outros Estados-Membros que não a Itália.

Quanto à qualificação errada dos entraves, tomados globalmente, como acordos

210.
    A recorrente considera que a Comissão qualificou erradamente as medidas tomadas pelos dois construtores em causa e pela Autogerma como acordos entre estas três empresas e os concessionários italianos. Reconhece que existiu um acordo no que respeita ao sistema de prémio, expressamente estipulado na convenzione B, anexa ao contrato de concessão, e que o mesmo teria acontecido no que respeita ao sistema de margem fraccionada se este tivesse sido instituído. Todavia, as outras medidas, como uma proibição das entregas cruzadas no interior da rede de distribuição e uma restrição do abastecimento no mercado italiano, não podem, segundo a recorrente, receber tal qualificação. Por outro lado, a decisão é contraditória sobre este ponto, uma vez que afirma, por um lado, que as referidas medidas «foram tomadas de comum acordo para fazerem parte integrante do contrato de concessão» (considerando 128) e, por outro, que «(é) suficiente, para que exist(a) prática concertada, que uma empresa independente adapte consciente e voluntariamente o seu comportamento aos desejos expressos por uma outra empresa» (considerando 129).

211.
    A recorrente acrescenta ainda que o compromisso exigido a certos clientes, que a Comissão qualificou igualmente como incompatível com as regras comunitárias da concorrência, não pode constituir um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, uma vez que os clientes não são empresas.

212.
    A recorrida começa por indicar que as diferentes medidas tratadas na decisão apresentam, com graduações diversas, os elementos de um acordo ou representam, pelo menos, práticas concertadas. Uma delimitação pormenorizada entre estes dois conceitos não é útil uma vez que o Tratado proíbe do mesmo modo os acordos e as práticas concertadas.

213.
    A recorrida reconhece, em seguida, que não pode haver acordo nem prática concertada no âmbito de uma única entidade económica. Acrescenta, no entanto, que isso não impede que documentos internos sejam susceptíveis de provar que medidas que foram discutidas tenham posteriormente sido postas em prática e sido objecto de acordos ou de práticas concertadas. Assim, o abastecimento restritivo do mercado italiano inscreveu-se nas relações contratuais entre a Autogerma e os concessionários, na medida em que o contrato de concessão subordinou as entregas da Autogerma aos concessionários ao abastecimento desta última pelos construtores.

214.
    De qualquer forma, existiu acordo no sentido de que numerosos concessionários aceitaram aplicar a proibição de entregas cruzadas no interior da rede de distribuição.

215.
    Finalmente, o argumento segundo o qual o comprador de um veículo não é uma empresa não é pertinente. A este propósito, a recorrida observa que não é o compromisso exigido ao cliente pelo concessionário que é contrário ao Tratado, mas o acordo entre a Autogerma e os concessionários relativo à obrigação de exigir tal compromisso.

Quanto à violação dos Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95

216.
    A recorrente acusa igualmente a Comissão de não ter devidamente tido em conta o Regulamento n.° 123/85, que define, no seu primeiro considerando, os acordos no sistema de distribuição selectiva de veículos automóveis como acordos «pelos quais o contratante fornecedor encarrega o contratante revendedor de promover, num território determinado, a distribuição e o serviço de venda e pós-venda de produtos determinados do sector dos veículos automóveis e pelos quais o fornecedor se obriga perante o distribuidor a, no território contratual, fornecer só ao distribuidor os produtos contratuais, para fins de revenda, ou, além do distribuidor, apenas a um número limitado de empresas da rede de distribuição». Nos termos do nono considerando do mesmo regulamento, podem ser aplicadas restrições às actividades do distribuidor fora do território contratual na medida em que estas lhe permitam «assegurar melhor a distribuição e o serviço num território determinado e controlável, a conhecer o mercado de maneira mais próxima da óptica do utilizador e a orientar a sua oferta em função das necessidades». Além disso, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 3), do Regulamento n.° 123/85 prevê que os concessionários podem ter que se comprometer a «procurar vender, no território contratual e num período determinado, uma quantidade mínima de produtos contratuais». A Comissão violou o Regulamento n.° 123/85, nomeadamente na sua apreciação do sistema de prémio. Segundo a recorrente, a cláusula dos 15% era perfeitamente justificada pelos termos suscitados do Regulamento n.° 123/85. Cada concessionário é, com efeito, suposto concentrar a sua actividade no seu território contratual. Daqui resulta que o sistema de prémio não era restritivo da concorrência no seu objecto nem nos seus efeitos.

217.
    A recorrente esclarece que, no que respeita à apreciação jurídica deste sistema, só o Regulamento n.° 123/85 é determinante, uma vez que, relativamente ao período posterior à entrada em vigor do Regulamento n.° 1475/95, já não era aplicável. Acrescenta, no entanto, que mesmo após a entrada em vigor do Regulamento n.° 1475/95, o sistema de prémio era legal, dado que este regulamento autoriza uma diferenciação na concessão da remuneração «em função do local de destino dos veículos automóveis revendidos ou do domicílio do comprador».

218.
    A Comissão também não tomou em conta os Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95 na sua apreciação dos pretensos esforços dos construtores para limitarem o abastecimento dos concessionários em Itália ao número de veículos efectivamente encomendados localmente. Quanto a este ponto, a recorrente sublinha que, no sistema criado pelos referidos regulamentos, o construtor não é obrigado a fornecer aos importadores e aos concessionários os veículos que estes encomendaram. Pelo contrário, cada construtor tem o direito de aplicar um política de venda que, num contexto de possibilidades de entrega eventualmente reduzidas, tenha como finalidade abastecer um mercado nacional segundo as necessidades deste.

219.
    A recorrente opõe-se, além disso, à tese da Comissão segundo a qual a medida que consiste em exigir um compromisso a certos clientes é incompatível com o artigo 3.°, ponto 11, do Regulamento n.° 123/85. Segundo esta disposição, não é permitido restringir as possibilidades de um concessionário vender a utilizadores finais que utilizem os serviços dum intermediário se esses utilizadores tiverem anteriormente autorizado por escrito o intermediário a comprar um veículo automóvel determinado. Ora, no caso vertente, foram exigidos compromissos precisamente noutra hipótese, ou seja, a de um cliente comprar sem intermediário.

220.
    A recorrente sublinha também que ela própria, a Audi e a Autogerma sempre se ativeram ao quadro traçado pelo artigo 3.°, ponto 10, alínea ), do Regulamento n.° 123/85, respeitando o direito dos concessionários de entregarem veículos a revendedores que sejam empresas da rede de distribuição.

221.
    A recorrente invoca os próprios textos dos contratos de concessão para sustentar os argumentos acima referidos. Cita, nomeadamente, o contrato de concessão das marcas Volkswagen e Audi na versão de Janeiro de 1989, aplicável na Alemanha até à data em que o Regulamento n.° 123/85 deixou de vigorar, ou seja, até 30 de Setembro de 1996. Segundo este contrato, «o concessionário não está autorizado a vender os artigos do programa de entregas a pessoas ou empresas alheias à rede de distribuição VW e AUDI que revendem... veículos automóveis e/ou peças sobressalentes sem o prévio acordo escrito da VW AG». Cita igualmente o «contrato de transição» que foi aplicado entre 1 de Outubro de 1996 e 31 de Dezembro de 1997, que continha a mesma regra. Remete também para o contrato em vigor na Alemanha desde 1 de Janeiro de 1998, que retoma a referida regra e acrescenta que «o concessionário só pode vender veículos automóveis novos... a consumidores finais que tenham solicitado a intervenção de um intermediário se este último tiver sido previamente mandatado por escrito para a aquisição de determinado veículo e, em caso de levantamento do veículo por um intermediário, se este último tiver sido igualmente mandatado para o fazer.» Cita, em seguida, o contrato de concessão aplicável em Itália entre 30 de Dezembro de 1987 e 30 de Setembro de 1996. Este contrato prevê: «O concessionário pode vender os produtos contratuais a todos os consumidores finais, independentemente do seu domicílio. Se o consumidor final solicitar a intervenção de um intermediário para a aquisição de um veículo contratual, o concessionário não procederá à entrega seo intermediário em questão não apresentar um mandato escrito do consumidor final; em caso de entrega directa ao intermediário, esta última deve estar expressamente prevista no mandato. O concessionário não está autorizado a vender produtos contratuais a revendedores que não façam parte da rede, podendo ser vendidas peças para reparações a terceiros.» Cita, finalmente, o contrato em vigor em Itália desde 1 de Outubro de 1996, segundo o qual: «O concessionário não está autorizado a distribuir e a vender produtos contratuais a revendedores alheios à rede de distribuição... Segundo este contrato, o concessionário só pode vender veículos novos a consumidores finais que tenham solicitado a intervenção de um intermediário quando este último tiver sido previamente mandatado por escrito para a aquisição de determinado veículo e, em caso de levantamento do veículo por um intermediário, se este último tiver sido igualmente mandatado para o fazer.» Segundo a recorrente, todas estas disposições provam que os Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95 estavam a ser respeitados.

222.
    A recorrente conclui que, na medida em que o Tribunal viesse a declarar que se verificou uma incompatibilidade com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado deveria ter sido aplicado pela Comissão através do Regulamento n.° 123/85 e, eventualmente, do Regulamento n.° 1475/95.

223.
    A recorrente insiste, porém, no facto de todos os comportamentos detectados pela Comissão serem anteriores ao mês de Outubro de 1996 e sustenta que o Regulamento n.° 1475/95 não é, portanto, aplicável no caso vertente. Efectivamente, no que respeita ao período posterior a 1 de Outubro de 1996, a Comissão não apresentou um único elemento que permita concluir que a pretensa infracção persistiu. Por esta razão, a recorrente considera que a Comissão afirmou erradamente na decisão a inaplicabilidade ao presente caso da isenção prevista no Regulamento n.° 1475/95. Acrescenta que terceiros interessados poderão invocar este considerando perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Além disso, segundo o artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1475/95, a inaplicabilidade da isenção é válida apenas enquanto o comportamento em causa se mantiver. Também por esta razão não se pode falar da inaplicabilidade da isenção, uma vez que o comportamento em causa deixou de existir. A recorrente assinala que a Comissão se baseou igualmente, na decisão, no artigo 6.°, n.° 1, ponto 3), do Regulamento n.° 1475/95, nos termos do qual a isenção não se aplica se «as partes (estipularem) restrições de concorrência que não são isentadas expressamente pelo presente regulamento», ao passo que esta disposição não era referida na comunicação de acusações e que, de qualquer forma, não pode ser aplicada ao presente caso uma vez que os construtores, a Autogerma e os concessionários não acordaram nenhuma restrição da concorrência. A recorrente considera que a isenção da rede de distribuição do grupo Volkswagen ainda é aplicável. Em sua opinião, o artigo 6.° do Regulamento n.° 1475/95 não pode ser interpretado no sentido de que a adopção de medidas de restrição priva inteiramente e duradouramente a rede de distribuição em causa do benefício da isenção. Neste contexto, a recorrente assinala ainda que o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1475/95, segundo o qual a isençãodeixa de se aplicar quando uma das condições de facto enumeradas no n.° 1 do mesmo artigo estiver preenchida, é incompatível com o artigo 7.° do Regulamento n.° 19/65/CEE do Conselho, de 2 de Março de 1965, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos e prática concertada (JO 36, p. 533; EE 08 F1 p. 85), que habilita a Comissão a retirar o benefício da aplicação da isenção num caso individual apenas depois de um procedimento nos termos do Regulamento n.° 17.

224.
    A recorrida contesta, em primeiro lugar, o argumento da recorrente segundo o qual a cláusula dos 15% era autorizada pelos considerandos e pelo artigo 4.°, n.° 1, ponto 3), do Regulamento n.° 123/85. Recorda que há infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado quando as partes num acordo de distribuição exclusiva acordam ou praticam preços, descontos ou deduções susceptíveis de tornar as reexportações mais difíceis. Ora, é esse manifestamente o caso quando um acordo sujeita a concessão de prémios à não exportação dos produtos que são objecto do contrato. O facto de o concessionário ser em primeira linha responsável pelo seu próprio território contratual não justifica medidas destinadas a entravar as vendas no exterior do referido território. O considerando 9 do Regulamento n.° 123/85, citado pela recorrente, é revelador precisamente quanto a este ponto. A recorrida assinala igualmente que a concessão de uma melhor remuneração para as vendas efectuadas no interior do território contratual provoca indirectamente uma limitação territorial não prevista pelo artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 123/85. Finalmente, afirma que a cláusula dos 15% não podia ser justificada pelo artigo 6.°, n.° 1, ponto 8), do Regulamento n.° 1475/95, uma vez que esta cláusula, longe de ter uma finalidade objectiva, se destinava a restringir as reexportações.

225.
    A recorrida alega, em seguida, que o facto de atrasar e de contingentar, como no caso vertente, o abastecimento dos concessionários a fim de entravar exportações autorizadas não é com certeza compatível com os Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95.

226.
    A recorrida considera igualmente que a medida consistente em impor aos concessionários italianos a obrigação de fazerem subscrever um compromisso a certos clientes, na medida em que torna a venda de veículos mais difícil, constitui uma restrição à liberdade de acção desses concessionários e, consequentemente, é contrária ao artigo 3.°, ponto 11), do Regulamento n.° 123/85.

227.
    Quanto à aplicabilidade do Regulamento n.° 1475/95, a recorrida reafirma que a infracção em causa não terminou com as medidas tomadas pela recorrente em conformidade com o artigo 2.° da decisão. Consequentemente, este regulamento também era aplicável. Além disso, a recorrida contesta ter afirmado na decisão que a isenção nos termos do Regulamento n.° 1475/95 era inaplicável. Limitou-se a reproduzir certas passagens do artigo 6.° do Regulamento n.° 1475/95.

228.
    A recorrida deduz que os limites das obrigações que é permitido impor aos concessionários em conformidade com o artigo 3.°, ponto 10), alínea a), e ponto11), do Regulamento n.° 123/85, foram ultrapassados, e que o mesmo acontece no que respeita ao âmbito da isenção prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 1475/95, na medida em que os acordos e as práticas concertadas criticados na decisão não tenham sido rescindidos ou eliminadas antes de 1 de Outubro de 1996.

229.
    A recorrida considera que as disposições dos contratos de concessão citadas pela recorrente ficaram letra morta. Sublinha que não recusa à recorrente o direito de tomar medidas destinadas a impedir as entregas a revendedores não autorizados, mas que as medidas tomadas no caso vertente ultrapassaram este objectivo. Manifestamente, as disposições dos contratos de concessão não podem ser utilizadas para justificar infracções às regras da concorrência. Assinala igualmente que o contrato de concessão de 30 de Dezembro de 1987 sujeita a entrega de veículos novos encomendados pelos concessionários italianos ao abastecimento da Autogerma pelos construtores e que foi ao nível deste abastecimento que a recorrente tomou medidas destinadas a impedir as reexportações a partir de Itália.

Apreciação do Tribunal

Quanto à falta de delimitação do mercado

230.
    Para determinar o alcance da obrigação da Comissão de definir o mercado pertinente antes de declarar uma infracção às regras comunitárias da concorrência, importa recordar que a delimitação do mercado não tem a mesma função consoante se trate de aplicar o artigo 85.° do Tratado ou o artigo 86.° do Tratado CE. No âmbito da aplicação do artigo 86.° do Tratado, a definição adequada do mercado em causa é condição necessária e prévia a qualquer julgamento que incida sobre um comportamento pretensamente anticoncorrencial, uma vez que, antes de estabelecer a existência de um abuso de posição dominante, é necessário estabelecer a existência de uma posição dominante num dado mercado, o que pressupõe que este mercado tenha sido previamente delimitado. Em contrapartida, no âmbito da aplicação do artigo 85.° do Tratado, é para determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros e tem por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum que é necessário, eventualmente, definir o mercado em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T-29/92, Colect., p. II-289, n.° 74). Consequentemente, a obrigação de proceder a uma delimitação do mercado numa decisão adoptada em aplicação do artigo 85.° do Tratado impõe-se à Comissão quando, sem essa delimitação, não é possível determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e tem por objecto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (acórdão de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T-374/94, T-375/94, T-384/94, T-388/94, Colect., p. II-3141, n.os 93 a 95 e 105).

231.
    Ora, como se declarou no âmbito do primeira fundamento (v. supra, n.os 179, 193 e 194), a Comissão demonstrou devidamente, na decisão, que a recorrente cometeu uma infracção que tinha por objecto restringir o jogo da concorrência no interior do mercado comum e que, por natureza, era susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros. Dado que a Comissão concluiu acertadamente que a recorrente, juntamente com as suas filiais Audi e Autogerma, compartimentou o mercado italiano, daqui se concluía intrinsecamente que as transacções a partir de Itália para o conjunto dos outros Estados-Membros eram susceptíveis de ser afectadas. Por conseguinte, a aplicação feita pela Comissão do artigo 85.° do Tratado não exigia, no caso vertente, uma definição prévia do mercado geográfico.

232.
    Daqui resulta que esta primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto à apreciação global dos entraves

233.
    Importa observar que, na medida em que a recorrente afirma que a Comissão não distinguiu entre os comportamentos proibidos nos termos do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e os que não o são, a sua argumentação confunde-se, no essencial, com a desenvolvida no quadro do primeiro fundamento, baseada em apreciações erradas dos factos na aplicação deste artigo. Dado que o Tribunal já concluiu, por um lado, que a introdução de um sistema de margem fraccionada não ficou demonstrada e que a rescisão de certos contratos de concessão tinha sido objecto de uma apreciação errada e, por outro lado, que todos os outros comportamentos infraccionais imputados à recorrente visavam a compartimentação do mercado italiano, esta parte do segundo fundamento não tem valor autónomo.

234.
    Além disso, nada se opõe a que os indícios tomados em conta pela Comissão para provar a existência de uma violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado sejam vistos não isoladamente, mas no seu conjunto (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.° 68 e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Kartonfabriek de Eendracht/Comissão, T-311/94, Colect., p. II-1129, n.° 201). Por conseguinte, a Comissão não pode ser acusada de ter associado, no caso vertente, os diferentes elementos de prova apreendidos durante as verificações, a fim de chegar a conclusões globais no que respeita aos comportamentos da recorrente. Este método de investigação e de interpretação era tanto mais justificado quanto todos os documentos apreendidos pela Comissão tinham como objecto comum as reexportações de veículos a partir de Itália. À luz desta circunstância, o argumento da recorrente segundo o qual não existe uma relação interna entre as diferentes medidas alegadas pela Comissão tão-pouco é convincente. Pelo contrário, as diferentes medidas tomadas pela recorrente inscrevem-se numa série de comportamentos tendo um único objectivo económico, isto é, a compartimentação do mercado italiano. Assim, seria artificial subdividir estritamente este comportamento caracterizado por uma única finalidade (v. o acórdão do Tribunalde Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T-7/89, Colect., p. II-1711, n.° 263).

235.
    Daqui resulta que a segunda parte do segundo fundamento deve igualmente ser julgada improcedente.

Quanto à qualificação dos entraves, tomados globalmente, como acordos

236.
    Segundo jurisprudência assente, um convite dirigido por um construtor automóvel aos seus revendedores constitui não um acto unilateral que escaparia ao âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, mas um acordo, na acepção desta disposição, quando se insere num conjunto de relações comerciais contínuas reguladas por um acordo geral preestabelecido (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1985, Ford/Comissão, 25/84 e 26/84, Recueil, p. 2725, n.° 21 e Bayerische Motorenwerke, já referido, n.os 15 e 16). Esta jurisprudência aplica-se à presente situação. Efectivamente, como resulta da análise do primeiro fundamento (v. supra, em especial, n.os 49, 58, 89 a 92 e 162 a 165), a cláusula dos 15%, a contingentação do abastecimento, os controlos e as advertências tinham todos como objectivo influenciar os concessionários italianos na execução dos seus contratos com a Autogerma.

237.
    Por outro lado, no quadro de uma infracção constituída por vários comportamentos ligados entre si, não se pode exigir da Comissão que qualifique precisamente os diferentes elementos da infracção como acordo ou como prática concertada. De qualquer modo, ambas as formas de infracção são visadas pelo artigo 85.° do Tratado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazione, C-49/92 P, ainda não publicado na Colectânea, n.os 132 e 133).

238.
    No que respeita, finalmente, ao argumento da recorrente segundo o qual os compromissos exigidos a certos clientes não podem constituir acordos uma vez que esses clientes não são empresas, basta sublinhar que, como observou com razão a Comissão, não são os compromissos enquanto tais que assim foram qualificados, mas a posição adoptada pelo grupo Volkswagen de os fazer subscrever.

239.
    Daqui resulta que a terceira parte do segundo fundamento deve igualmente ser julgada improcedente.

Quanto à pretensa violação dos Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95

240.
    Importa começar por sublinhar que já não há necessidade de se pronunciar sobre esta quarta parte do segundo fundamento, na medida em que tem por objecto a violação do Regulamento n.° 1475/95. Efectivamente, o Tribunal já reconheceu que a Comissão não provou a existência de uma infracção além de 30 de Setembro de 1996 (v. supra, n.os 190 a 192). Por conseguinte, a apreciação da Comissão, nomeadamente no considerando 191 da decisão, segundo a qual a partir de 1 deOutubro de 1996 os entraves à reexportação impostos pela Volkswagen, pela Audi e pela Autogerma não são abrangidos pelo Regulamento (CE) n.° 1475/95, perde automaticamente o seu valor tendo em conta a verificação acima mencionada.

241.
    No que respeita, em seguida, à pretensa violação do Regulamento n.° 123/85, importa sublinhar novamente que a Comissão demonstrou que a recorrente, juntamente com as suas filiais Audi e Autogerma, entravou as reexportações a partir de Itália (v. supra, as análises e conclusões no quadro do primeiro fundamento). Ora, segundo jurisprudência assente, o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não pode, em circunstância alguma, ser declarado inaplicável a um contrato de distribuição selectiva no caso de as partes no contrato se comportarem de modo a restringir as importações paralelas (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1984, Hasselblad/Comissão, 86/82, Recueil, p. 883, n.° 35; acórdão Dunlop Slazenger/Comissão, já referido, n.° 88; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports Group/Comissão, T-49/95, Colect., p. II-1799, n.° 35). Efectivamente, o espírito de um regulamento de isenção de categorias de acordos de distribuição é subordinar a isenção que prevê à condição de se garantir, através da possibilidade de importações paralelas, que os utilizadores beneficiem de uma parte equitativa das vantagens que decorrem da distribuição exclusiva (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Trefileurope/Comissão, T-141/89, Colect., p. II-791, n.° 119).

242.
    Consequentemente, a Comissão não pode ser acusada de ter violado o Regulamento n.° 123/85 ao recusar-se a declarar inaplicável o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado aos comportamentos devidamente verificados no caso vertente (v. supra, a propósito da cláusula dos 15%, os n.os 49 a 58, 179 e 189, no que respeita às contingentação do abastecimento, os n.os 79 a 92 e em relação aos controlos e advertências, os n.os 162 a 165). Embora o Regulamento n.° 123/85 ofereça aos construtores importantes meios de protecção das suas redes, não os autoriza a compartimentar os seus mercados (acórdão Bayerische Motorwerke, já referido, n.° 37). É certo que este regulamento isenta os acordos pelos quais o fornecedor encarrega um revendedor autorizado de promover num território determinado a distribuição e o serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis e se compromete a reservar-lhe nesse território o fornecimento dos produtos contratuais. Entre outras, isenta, portanto, a obrigação imposta ao revendedor autorizado de não vender a revendedores não autorizados (artigo 3.°, ponto 10), a menos que se trate de intermediários, isto é, de operadores que agem em nome e por conta dos consumidores finais e que recebem, para esse efeito, um mandato escrito (artigo 3.°, ponto 11) (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Grand Garage Albigeois e o., C-226/94, Colect., p. I-651, n.os 13 e 14). Todavia, não deixa de ser verdade que, nos termos do artigo 10.° do Regulamento n.° 123/85, a Comissão pode retirar o benefício da aplicação do presente regulamento se verificar que, em determinado caso, um acordo isentado por força do regulamento tem, no entanto, certos efeitos incompatíveis com as condições previstas no n.° 3 do artigo 85.° do Tratado e, nomeadamente, «quando o construtor ou uma empresa da rede de distribuição impedirem, de maneiracontínua ou sistemática, que ultrapasse o âmbito da isenção prevista no presente regulamento, utilizadores finais ou outras empresas da rede de distribuição de adquirirem no mercado comum produtos contratuais ou produtos correspondentes».

243.
    Resulta de quanto precede que não há necessidade de se pronunciar sobre esta quarta parte do segundo fundamento na medida em que tem por objecto a violação do Regulamento n.° 1475/95 e que esta parte do fundamento deve, quanto ao mais, ser julgada improcedente.

244.
    De todas as considerações anteriores resulta que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente

C - Quanto ao terceiro fundamento, baseado na violação do princípio da boa administração

Argumentos das partes

245.
    A recorrente acusa a Comissão de ter ignorado princípios processuais elementares. Nomeadamente, a Comissão fez prova de falta de objectividade e de imparcialidade no desenrolar do procedimento e fez escolhas e apreciações parciais no que respeita aos elementos de prova. As observações em resposta à comunicação de acusações, por seu lado, não foram tomadas em consideração. Sobretudo, os elementos fornecidos pela recorrente e pela Audi foram apreciados com ideias preconcebidas. Ao conduzir o inquérito deste modo, a Comissão violou a sua obrigação de lealdade, ou seja, a sua obrigação de examinar, com diligência e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso em análise.

Quanto à violação do princípio da boa administração na interpretação dos documentos apreendidos nas verificações

246.
    A Comissão comportou-se de um modo desleal ao efectuar escolhas entre os documentos apreendidos nas verificações e ao interpretar estes com parcialidade. Em especial, não encarou seriamente a possibilidade de a recorrente, a Audi e a Autogerma terem tentado impedir unicamente as vendas aos revendedores não autorizados. Querendo a todo o custo provar a sua tese, a Comissão desvirtuou vários documentos e tirou conclusões com base em presunções gratuitas. Em contrapartida, não quis ter em conta os elementos de prova que ilibariam a recorrente, como relatórios redigidos por ocasião das verificações efectuadas junto dos concessionários italianos e informações fornecidas pela Autogerma sobre o sistema de prémio, nem certos dados comerciais pertinentes fornecidos pela recorrente e pela Audi em resposta à comunicação de acusações, como por exemplo o facto de a Itália ser o mercado de exportação mais importante da Europa para as marcas Volkswagen e Audi. Segundo a recorrente, se o conteúdo de alguns documentos ultrapassava a medida daquilo que é legal do ponto de vistado direito comunitário, a Comissão poderia ter concluído que se tratava de iniciativas intempestivas que não são nunca de excluir no âmbito de uma grande organização de distribuição.

247.
    A recorrida alega que a argumentação da recorrente não se baseia em nenhum elemento. Acrescenta que as provas de que a recorrente impediu o conjunto das reexportações eram simplesmente demasiado abundantes para que os comportamentos desta última pudessem ser interpretados noutro sentido.

248.
    A recorrida acrescenta que, no que respeita às verificações junto dos concessionários, teve em conta não só as declarações escritas destes, mas também as suas declarações orais. Observa, a este propósito, que as segundas diferiam logicamente das primeiras, uma vez que os concessionários tinham sido ameaçados com a rescisão dos respectivos contratos. Por outro lado, os registos das declarações escritas dos concessionários, considerados pela recorrente como documentos que a ilibam, são na verdade documentos que a acusam, se forem lidos «entre linhas».

Quanto à violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 89.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 85.° CE)

249.
    A Comissão comportou-se de forma desleal ao não tomar posição, antes da adopção da decisão, sobre a questão de saber se as medidas tomada pela recorrente na sequência da comunicação de acusações eram ou não adequadas para pôr termo à pretensa violação das regras comunitárias da concorrência. A recorrente sublinha, a este propósito, que comunicou à Comissão o texto da circular enviada aos concessionários em Dezembro de 1996 e que de novo evocou expressamente esse documento na audição de 7 de Abril de 1997. Segundo a recorrente, no termo dessa audição, o seu representante legal pediu ao chefe de unidade competente que lhe confirmasse se o envio da referida circular aos concessionários tinha posto termo às pretensas infracções e propôs a realização de um encontro sobre esta questão, que decorreu em 7 de Outubro de 1997 e apesar dos pedidos expressos da recorrente, a Comissão não se pronunciou sobre a questão de saber se a recorrente e a Audi tinham efectivamente posto termo à pretensa infracção, mas concluiu, no considerando 216 da decisão, que, naquele momento, «[a infracção], ainda não se [tinha finalizado] completamente.»

250.
    A recorrente considera que este comportamento é incompatível com a obrigação de lealdade. Observa, além disso, que a referida obrigação deve ser interpretada à luz do artigo 89.°, n.° 1, do Tratado, segundo o qual a Comissão, se verificar uma infracção aos artigos 85.° e 86.° do Tratado, proporá os meios adequados para se lhe pôr termo. No caso vertente, a Comissão ignorou esta disposição, tendo admitido tomar uma posição sobre as medidas adoptadas pela recorrente na sequência da comunicação de acusações.

251.
    A recorrida sustenta que as medidas tomadas pela recorrente após a comunicação de acusações não puseram termo à infracção. Nem as explicações dadas na resposta a essa comunicação no decurso da audição, nem a circular enviada aos concessionários em Dezembro de 1996 foram suficientes, uma vez que tais medidas se limitaram a uma intimação no sentido de se eliminarem os entraves às reexportações na prática, quando a verdade é que a recorrente foi igualmente notificada, na comunicação de acusações, a rescindir o acordo que previa os entraves. A este propósito, a recorrida assinala que a circular em causa não alterou o sistema de prémio. Só na petição é que a recorrente explicou, ao apresentar o contrato de concessão em vigor desde 1 de Outubro de 1996, que esse sistema já não vigorava desde essa data. Na resposta à comunicação de acusações, a recorrente limitou-se a declarar que a cláusula dos 15% era suprimida a contar de 1 de Outubro de 1996.

252.
    A recorrida esclarece que a referida circular, tal como a enviada aos concessionários em 1995 na sequência da notificação de incumprimento de 24 de Fevereiro de 1995, continha apenas «esclarecimentos», quando o que a Comissão tinha exigido era a supressão das restrições instituídas.

253.
    Finalmente, a recorrida afirma que o representante da recorrente estava informado de que o objectivo do encontro de 7 de Outubro de 1997 não era reiterar ou prosseguir a audição, uma vez que o projecto da decisão já estava na fase da consulta interna. Por esta razão, não foi possível responder à questão de saber se as medidas tomadas para pôr termo à infracção eram suficientes.

Quanto à violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 191.° do Tratado CE (actual artigo 254.° CE)

254.
    A recorrente qualifica de desleal a recusa da Comissão, comunicada por carta de 26 de Fevereiro de 1998, de transmitir ao seu representante legal cópias dos documentos de prova por ordem das notas da decisão, em resposta a um pedido deste último formulado por carta de 18 de Fevereiro de 1998. A recorrente afirma que esta recusa lhe causou um acréscimo de trabalho considerável, quando se sabe que a Comissão tem a obrigação, por força do artigo 191.°, n.° 3, do Tratado, de notificar o conjunto da decisão, incluindo, portanto, os documentos para os quais remetem as suas notas.

255.
    A recorrida considera que a recorrente confunde o alcance da notificação exigida e o objecto do acesso aos autos. Afirma que não é porque certos documentos são citados no texto ou nas notas de rodapé do acto impugnado que fazem parte integrante desse acto. De qualquer forma, a recusa controvertida não põe em causa a legalidade da decisão, uma vez que ocorreu após a adopção desta.

256.
    A recorrida acrescenta que os actos administrativos, incluindo os elementos de prova, são transmitidos ao Tribunal pelos seus serviços quando uma medida deinstrução nesse sentido é decretada em aplicação do artigo 49.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Enquanto uma medida desse tipo não for ordenada, um pedido destinado a obter novamente, após consulta dos autos e adopção da decisão final, a consulta dos elementos de prova classificados segundo uma ordem diferente, não é procedente.

Quanto à violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 214.° do Tratado CE (actual artigo 287.° CE)

257.
    A recorrente acusa a Comissão de, antes da adopção da decisão, ter dado publicidade às suas apreciações e às suas intenções em matéria de coima.

258.
    Efectivamente, em 6 de Janeiro de 1998, a Westdeutsche Rundfunk difundiu uma reportagem sobre as infracções imputadas à recorrente e sobre a coima prevista, que se cifraria em «centenas de milhões». Esta reportagem foi retomada pela imprensa escrita e a recorrente observa que isso não teria sido possível sem a colaboração de um funcionário da Comissão.

259.
    Além disso, em 26 de Janeiro de 1998, a Comissão confirmou à Deutsche Press Agentur que uma coima de centenas de milhões seria aplicada à recorrente.

260.
    Acresce que, na manhã do dia 28 de Janeiro de 1998, o serviço de imprensa da Comissão fez chegar às redacções dos principais diários uma versão do comunicado à imprensa preparado para posterior difusão no momento da adopção da decisão.

261.
    Finalmente, numa entrevista ao semanário Die Zeit, o membro da Comissão competente, K. Van Miert afirmou que a recorrente devia pagar uma coima que se elevaria a 200 milhões de DEM. Esta entrevista foi publicada em 28 de Janeiro de 1998, mas uma nota a ela relativa já tinha sido divulgada na manhã de 28 de Janeiro de 1998.

262.
    A recorrente afirma que estes factos demonstram não só uma violação do artigo 214.° do Tratado, que impõe a obrigação de confidencialidade, mas igualmente que a reunião do comité consultivo de 26 de Janeiro de 1998, a reunião preparatória dos chefes de gabinete de 27 de Janeiro de 1998 e a reunião plenária da Comissão que levou à adopção da decisão na tarde de 28 de Janeiro de 1998, não puderam ter lugar em circunstâncias normais e sem ideias preconcebidas. Observa, além disso, que tal modo de actuar da Comissão lesa necessariamente a empresa em questão, sem que esta se possa defender de forma útil, uma vez que não dispõe ainda da fundamentação exacta da decisão final.

263.
    Aliás, esta situação perdurou durante a semana subsequente à adopção da decisão. A recorrente afirma que, apesar de ter pedido para dispor antecipadamente do texto completo da decisão, apenas recebeu, em 28 de Janeiro de 1998 às 16h42m, o dispositivo e teve que aguardar a notificação em 6 de Fevereiro para ter em mão a exposição de motivos, quando K. Van Miert organizou uma conferência deimprensa em 28 de Janeiro de 1998 pelas 17 horas, no decurso da qual comentou esses motivos em pormenor. Em 2 de Fevereiro de 1998 às 17 horas, uma revista publicou uma reportagem tendo por tema a decisão, na qual eram citados vários documentos.

264.
    A recorrida assinala, a título preliminar, que o processo movido à recorrente suscitou um grande interesse da opinião pública.

265.
    Afirma, em seguida, que as únicas informações que os seus serviços comunicaram à imprensa antes da adopção da decisão foram informações relativas ao estado de adiantamento do procedimento administrativo e não influenciaram as deliberação no âmbito da instituição (comité consultivo de 26 de Janeiro de 1998; reunião preparatória da reunião dos chefes de gabinete de 27 de Janeiro de 1998; reunião plenária da Comissão de 28 de Janeiro de 1998).

266.
    Além disso, contrariamente ao que afirma a recorrente, K. Van Miert não se pronunciou, na entrevista dada a um jornalista do semanário Die Zeit, sobre o montante provável da coima. Interrogado sobre esta questão, o jornalista em causa declarou que o membro da Comissão lhe tinha indicado, na tarde de 27 de Janeiro de 1998, que o montante da coima seria provavelmente de cerca de 200 milhões de DEM. Tendo solicitado precisões suplementares por telefone em 28 de Janeiro de 1998, obteve a confirmação desse montante através do porta-voz de K. Van Miert. Este porta-voz, igualmente interrogado sobre esta questão, declarou ter expressamente chamado a atenção do jornalista em causa para o facto de que a reunião da Comissão estava interrompida no momento do contacto telefónico e que o montante da coima ainda não tinha sido fixado.

267.
    Quanto às comunicações ao público feitas em 28 de Janeiro de 1998, a recorrida afirma que, em conformidade com a sua prática corrente, transmitiu à recorrente o dispositivo da decisão no dia da adopção desta e procedeu à notificação do texto completo alguns dias mais tarde. Efectivamente, segundo a recorrida, a decisão devia ser previamente autenticada pelas assinaturas do presidente e do secretário executivo e nenhuma disposição prevê a notificação ou a comunicação de tal acto, de maneira informal, aos representantes do destinatário. Além disso, a recorrida sublinha que os seus serviços sabem que um acto como a decisão só pode ser comunicado a terceiros após ter sido notificado à empresa em causa e após esta ter declarado que ela não contém segredos comerciais. No caso vertente, a Comissão recebeu a referida declaração em 24 de Fevereiro de 1998 e, antes dessa data, a decisão não foi, nem total nem parcialmente, comunicada a terceiros. Por outro lado, a recorrente conhecia os factos que lhe eram imputados e poderia, se o tivesse querido, tomar posição sobre as reportagens publicadas na imprensa antes de 6 de Fevereiro de 1998.

268.
    De qualquer modo, a recorrente não indicou em que é que as comunicações feitas pela Comissão antes e depois da adopção da decisão poderiam ter afectado a legalidade desta.

Apreciação do Tribunal

269.
    Importa assinalar, a título preliminar, que a recorrente formula um certo número de críticas contra o procedimento que levou à adopção da decisão. Acusa a Comissão, designadamente, de falta de imparcialidade e de diligência nas escolhas e apreciações dos elementos de prova. Segundo a recorrente, as irregularidades cometidas pela Comissão constituem, no seu conjunto, uma violação da obrigação de lealdade. Ora, à luz da jurisprudência, os vícios invocados pela recorrente devem ser analisados como violações do princípio da boa administração, do qual resulta para a Comissão a obrigação de examinar, com diligência e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso em apreço (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1991, Technische Universität München, C-269/90, Colect., p. I-5469, n.os 14 e 26 e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.° 62; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1992, La Cinq/Comissão, T-44/90, Colect., p. II-1, n.° 86 e de 11 de Julho de 1996, Métropole Télévision e o./Comissão, T-528/93, T-542/93, T-543/93 e T-546/93, Colect., p. II-649, n.° 93). A este propósito, a recorrente, no ponto 22 da petição, invocou esta jurisprudência em apoio da sua argumentação relativa à obrigação de lealdade.

Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração na interpretação dos documentos apreendidos por ocasião das verificações

270.
    Importa sublinhar que a argumentação apresentada pela recorrente em apoio desta parte do terceiro fundamento, segundo a qual a Comissão fez prova de parcialidade e não teve em conta certos elementos que a poderiam ilibar, confunde-se com a questão de saber se os factos verificados na decisão são devidamente sustentados pelos elementos de prova apresentados pela instituição (v. acórdão de 24 de Outubro de 1991, Atochem/Comissão, T-3/89, Colect., p. II-1177, n.° 39). Com efeito, a materialidade de uma infracção efectivamente demonstrada no termo do procedimento administrativo não pode ser posta em causa pela prova de uma manifestação prematura pela Comissão, no decurso desse procedimento, da sua convicção de que a referida infracção existe.

271.
    Ora, como se afirmou no âmbito do primeiro fundamento, os elementos de facto tomados em conta pela Comissão na decisão impugnada estão, no essencial, suficientemente provados. Consequentemente, nesta medida, a recorrente não pode utilmente afirmar que a Comissão apreciou os documentos apreendidos com parcialidade ou que tirou conclusões com base em presunções gratuitas. Na medida em que constatou factos que não estavam suficientemente provados, o Tribunal já declarou que a decisão deve ser anulada. (v. supra, n.° 202).

272.
    Além disso, os argumentos da recorrente procedem de simples afirmações e não são susceptíveis de demonstrar que a Comissão adoptou efectivamente a decisão impugnada com base num juízo antecipado ou que conduziu o inquérito com ideias preconcebidas.

273.
    Resulta do conjunto destas considerações que esta primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 89.° do Tratado

274.
    Recorde-se que o artigo 89.° do Tratado prevê que a Comissão velará pela aplicação dos princípios enunciados nos artigos 85.° e 86.° do Tratado e definirá e porá em prática a orientação da política comunitária da concorrência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C-234/89, Colect., p. I-935, n.° 44 e de 4 de Março de 1999, Ufex e o./Comissão, C-119/97 P, Colect., p. I-1341, n.° 88). Como a recorrente alega com razão, a obrigação da Comissão de conduzir os inquéritos com diligência e imparcialidade deve ser igualmente interpretada à luz do referido artigo.

275.
    Todavia, a recorrente não demonstrou que a Comissão não analisou se a infracção terminou ou não. Pelo contrário, o considerando 216 da decisão, segundo o qual, naquele momento «[a infracção] ainda não se [tinha finalizado] completamente» e o considerando 219, que justifica esta apreciação (v. infra, n.° 300), embora careçam de provas, (v. supra, n.os 190 a 192), indicam que a Comissão tratou desta questão. Além disso, o facto de a Comissão não se ter querido pronunciar sobre este ponto na audição de 7 de Abril de 1997 e na entrevista de 7 de Outubro de 1997 não pode ser considerado um incumprimento da obrigação de conduzir o inquérito com diligência, interpretada à luz da obrigação de velar pelo respeito, por parte da recorrente, dos princípios estabelecidos no artigo 85.° do Tratado. A este propósito, basta ter presente que, no ponto 203 da comunicação de acusações, a Comissão indicou que, segundo as suas análises, a infracção cometida era de molde a obrigar a recorrente, a Audi e a Autogerma a «[eliminar] quaisquer limitações territoriais intracomunitárias resultantes dos seus acordos ou comportamentos». Tendo em conta esta informação clara sobre as medidas a tomar para o restabelecimento de uma situação conforme ao direito comunitário, não se pode afirmar que a Comissão devesse de novo tomar formalmente posição sobre o respeito, pela recorrente, dos princípios fixados pelo artigo 85.° do Tratado, entre a comunicação de acusações e a decisão adoptada mais de um ano depois.

276.
    Daqui resulta que esta parte do terceiro fundamento deve igualmente ser julgada improcedente.

Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 191.° do Tratado

277.
    Há que reconhecer que o pedido da recorrente no sentido de lhe serem transmitidos os documentos de prova foi enviado à Comissão em 18 de Fevereiro de 1998, isto é, após a adopção e a notificação da decisão, pelo que se trata de um elemento posterior à adopção da decisão e, por conseguinte, a legalidade desta última não pode, em caso algum, ser afectada pela recusa da Comissão em satisfazer tal pedido (v. por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 40 e os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Baustahlgewebe/Comissão, T-145/89, Colect., p. II-987, n.° 30, e de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T-229/94, Colect., p. II-1689, n.° 102).

278.
    Consequentemente, esta parte do terceiro fundamento deve igualmente ser julgada improcedente.

Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 214.° do Tratado

279.
    Importa recordar que o artigo 214.° do Tratado obriga os membros, funcionários e agentes das instituições da Comunidade «a não divulgar as informações que, por sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional, designadamente as respeitantes às empresas e respectivas relações comerciais ou elementos dos seus preços de custo». Embora esta disposição tenha sobretudo em vista as informações recolhidas nas empresas, o advérbio «designadamente» mostra que se trata de um princípio geral que se aplica também a outras informações confidenciais (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 1985, Adams/Comissão, 145/83, Recueil, p. 3539, n.° 34; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Postbank/Comissão, T-353/94, Colect., p. II-921, n.° 86).

280.
    No caso vertente, resulta dos autos que, antes da adopção da decisão impugnada, um elemento essencial do projecto de decisão submetido ao comité consultivo e em seguida, para aprovação definitiva, ao colégio dos comissários, foi objecto de várias divulgações à imprensa. A partir do mês de Janeiro de 1998, a imprensa obteve a informação de que seria brevemente aplicada à recorrente uma coima elevada. Seguidamente, foi publicado: «A Volkswagen AG, Wolfsburg, terá que pagar uma coima de 'aproximadamente‘ 200 milhões de DEM por violação do direito comunitário, segundo foi anunciado pelo comissário europeu Karel Van Miert numa entrevista ao semanário de Hamburgo Die Zeit. Até ao presente, uma coima deste montante só tinha sido confirmada em meios geralmente bem informados. A decisão será tornada pública na quarta-feira em Bruxelas.» Também o semanário Der Spiegel anunciava: «A quarta-feira desta semana voltará a ser desagradável para [o presidente da VW] Piëch: a Comissão Europeia em Bruxelas aplicará uma coima milionária de três algarismos a Piëch e ao presidente da Audi Herbert Demel». Por outro lado, como resulta de uma resposta a uma pergunta do Tribunal na fase oral, o facto de um jornalista do jornal Die Zeit ter obtido,antes da adopção da decisão, a informação de que a coima prevista era de cerca de 200 milhões de DEM, não é contestado pela recorrida.

281.
    Há que reconhecer que estas divulgações à imprensa não se limitaram a exprimir o ponto de vista pessoal do membro da Comissão encarregado das questões de concorrência sobre a compatibilidade das medidas analisadas com o direito comunitário, mas informavam igualmente o público, com um elevado grau de precisão, sobre o montante da coima que se previa aplicar. Ora, importa sublinhar que, em processos contraditórios susceptíveis de levar a uma condenação, a natureza e o quantum da sanção proposta estão, por natureza, cobertos pelo segredo profissional, enquanto a sanção não for definitivamente aprovada e proferida. Este princípio decorre, nomeadamente, da necessidade de respeitar a reputação e a dignidade do interessado enquanto não for condenado. No caso vertente, há que considerar que a Comissão ofendeu a dignidade da empresa em questão ao provocar uma situação em que esta teve conhecimento através da imprensa do conteúdo preciso da sanção que, com toda a probabilidade, lhe seria aplicada. Nesta medida, o dever da Comissão de não divulgar à imprensa informações sobre a sanção precisa que se previa aplicar não coincide apenas com a sua obrigação de respeitar o segredo profissional mas também com a sua obrigação de boa administração. Finalmente, é útil recordar que o princípio da presunção de inocência se aplica aos processos atinentes a violações das regras de concorrência por empresas susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C-119/92 P, Colect., p. I-4287, n.° 150; Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdãos Öztürk de 21 de Fevereiro de 1984, Série A, n.° 73, e Lutz de 25 de Agosto de 1987, Série A, n.° 123-A). Esta presunção não é manifestamente respeitada pela Comissão quando, antes de condenar formalmente a empresa que acusa, comunica à imprensa as conclusões submetidas à deliberação do comité consultivo e do colégio dos comissários.

282.
    Além disso, ao provocar a divulgação pela imprensa de elementos tão sensíveis da deliberação, a Comissão ofendeu os interesses de uma boa administração comunitária, na medida em que permitiu que o grande público tivesse acesso, no decurso do processo de inquérito e de deliberação, a tais informações internas da administração.

283.
    Segundo jurisprudência assente, uma irregularidade do tipo da verificada pode provocar a anulação da decisão em causa se se provar que, na falta dessa irregularidade, a referida decisão teria tido um conteúdo diferente (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 91; acórdão Dunlop Slazenger/Comissão, já referido, n.° 29). Ora, no caso vertente, a recorrente não fez tal prova. Efectivamente, nada deixa supor que, se as informações controvertidas não tivessem sido divulgadas, o comité consultivo ou ocolégio dos comissários teriam alterado o montante da coima ou o conteúdo da decisão propostos.

284.
    Consequentemente, esta parte do terceiro fundamento deve igualmente ser julgada improcedente. O terceiro fundamento deve, assim, ser globalmente ser julgado improcedente.

D - Quanto ao quarto fundamento, baseado em fundamentação insuficiente

Argumentos das partes

285.
    A recorrente afirma que as objecções suscitadas por si e pela Audi no decurso do procedimento administrativo foram insuficientemente analisadas. Assim, a Comissão não tomou em consideração a análise de documentos apresentados em resposta à comunicação de acusações. A recorrente assinala, a este propósito, que a decisão impugnada é a repetição, quase ipsis verbis, da comunicação de acusações, com excepção de alguns parágrafos. Uma vez que a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os interessados podem ter em receber explicações, a Comissão deveria, no presente caso, que ela própria qualificou como particularmente importante e no qual está em causa a coima mais elevada até hoje aplicada, examinar cuidadosamente as objecções da empresa interessada. Segundo a recorrente, só na contestação que apresentou no presente processo é que a Comissão analisou realmente as observações sobre a comunicação de acusações.

286.
    A recorrente dá alguns exemplos a fim de demonstrar que as objecções suscitadas por si e pela Audi não foram cuidadosamente examinadas.

287.
    Em primeiro lugar, na decisão, a Comissão declarou, sob o título «Política de margem» (considerandos 62 e seguintes) que, a partir do final do ano de 1994, a Autogerma instituiu uma sistema de margem fraccionada, sem evocar nenhuma das objecções pormenorizadas suscitadas pela recorrente, segundo as quais tal sistema foi discutido mas nunca entrou em funcionamento.

288.
    Em segundo lugar, no considerando 56 da decisão, a Comissão afirma que a Autogerma proibiu os concessionários de venderem aos «salonisti» e que esta indicação se aplicava igualmente às vendas a concessionários finais através de intermediários, sem fornecer um único exemplo de um caso concreto e sem responder às objecções suscitadas pela recorrente segundo as quais, por um lado, os «salonisti» são revendedores não autorizados (revendedores independentes que possuem instalações de exposição vulgarmente designadas «stands») e, por outro, a proibição não se aplicava aos casos em que os «salonisti» tivessem sido mandatados por consumidores finais.

289.
    Em terceiro lugar, o considerando 216 da decisão, segundo o qual naquele momento «[a infracção] ainda não se [tinha finalizado] completamente», é igualmente uma ilustração perfeita da violação da obrigação de fundamentação.

290.
    Em quarto lugar, a parte da decisão em que a Comissão determina o montante da coima padece igualmente de uma grave falta de fundamentação. Assim, no considerando 213 da decisão, a Comissão escreve que as reexportações pelos consumidores finais foram «temporariamente» tornadas «impossíve(is)», sem qualquer justificação. No mesmo considerando, a Comissão afirma que a infracção teve efeitos sobre o mercado de veículos automóveis novos de outros Estados-Membros, em particular na Alemanha e na Áustria, sem justificar esta afirmação. A recorrente assinala igualmente que a Comissão determinou o montante da coima baseando-se em directivas (orientações) para o cálculo das coimas infligidas em aplicação do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»). Considera que as orientações, publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias duas semanas antes da adopção da decisão impugnada, foram precisamente formuladas tendo em vista o procedimento desencadeado contra si e sublinha que, em violação da obrigação de fundamentação, a Comissão não lhes fez expressamente referência.

291.
    A recorrente acrescenta que a Comissão remeteu, em numerosas notas da decisão, para documentos que não reproduz ou que apenas reproduz parcialmente.

292.
    Finalmente, a recorrente reafirma que os documentos citados na decisão não demonstram a existência de medidas individuais ou genéricas tomadas contra as reexportações lícitas a partir de Itália.

293.
    A recorrida defende que a fundamentação da decisão não apresenta qualquer irregularidade. Considera que expôs os factos e considerações jurídicas que revestem importância essencial na fundamentação da decisão e revelam os elementos que a levaram a tomá-la. Cada constatação feita na decisão é justificada através da remissão, numa nota, para os documentos em que se baseia. Do mesmo modo, as diferentes medidas qualificadas de infracção são descritas e analisadas em pormenor, e os efeitos dessas medidas são igualmente indicados, designadamente por citações de cartas provenientes de consumidores finais. A apreciação jurídica está também bastante fundamentada. Por outro lado, todos os argumentos principais apresentados pela recorrente no procedimento administrativo são analisados e refutados na decisão.

294.
    No que respeita, em especial, à questão de saber se a pretensa infracção tinha ou não terminado, a recorrida alega que uma fundamentação adequada pode encontrar-se no considerando 219 da decisão, segundo o qual a recorrente não introduziu as alterações exigidas, designadamente nos contratos de concessão, na sequência das notificações de Fevereiro e de Maio de 1995, e nos considerandos202 e 203 da decisão, segundo os quais a infracção se mantinha enquanto o sistema de prémio não fosse alterado. A apreciação da duração da infracção está devidamente justificada.

295.
    Quanto à acusação da recorrente baseada no facto de a decisão remeter, em numerosas notas, para documentos que não são de todo reproduzidos ou que apenas o são parcialmente, a recorrida afirma que foi pela primeira vez apresentada na fase da réplica e que, portanto, é inadmissível. De qualquer forma, esta acusação não é fundada, uma vez que a obrigação de fundamentação não impõe que se reproduzam integralmente todos os elementos de prova invocados em apoio da decisão.

296.
    Finalmente, a recorrida assinala que o facto de a decisão corresponder, em larga medida, à comunicação de acusações não equivale a uma violação da obrigação de fundamentação.

Apreciação do Tribunal

297.
    A fundamentação da decisão impugnada, revelou, em conformidade com o artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE), de forma clara e inequívoca, o raciocínio da Comissão, tendo assim permitido, por um lado, à recorrente conhecer os motivos da referida decisão, a fim de defender os seus direitos e, por outro, ao Tribunal de Primeira Instância o exercício da sua fiscalização sobre a justificação desta (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, Siemens/Comissão, C-278/95 P, Colect., p. I-2507, n.° 17 e os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colect., p. II-1165, n.° 65 e Deutsche Bahn/Comissão, já referido, n.° 96).

298.
    Efectivamente, é explicado claramente na decisão impugnada, e isso através de diversos comportamentos denunciados, o motivo pelo qual a Comissão considerou que a recorrente tinha violado o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. As análises efectuadas pela Comissão permitiram ao Tribunal exercer a sua fiscalização da legalidade. Do mesmo modo, tanto na petição como nas fases posteriores do processo, a recorrente respondeu à argumentação desenvolvida pela Comissão na decisão quanto à verificação de uma infracção, o que demonstra que a decisão lhe forneceu as indicações necessárias para lhe permitir defender os seus direitos.

299.
    Por outro lado, na decisão, mais concretamente nos seus considerandos 194 a 201, a Comissão, como se declara no n.° 27, supra, respondeu expressamente a algumas das observações apresentadas pela recorrente e pela Audi em resposta à comunicação de acusações. Importa acrescentar, a este propósito, que não incumbia à Comissão responder às objecções pormenorizadas da recorrente, como as feitas quanto à sua política em matéria de margem. Bastava que a Comissão explicasse clara e inequivocamente, como fez nos considerandos 62 a 66 da decisão, por que razão considerava que um sistema de margem fraccionada tinha sido instituído (v. o acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.os 17 e 18). Do mesmomodo, a Comissão fundamentou devidamente as suas análises dos documentos apreendidos, explicando amplamente por que motivos considerava que esses documentos eram de molde a demonstrar a existência da infracção alegada, sem responder ponto por ponto às interpretações divergentes defendidas pela recorrente na resposta à comunicação de acusações. Finalmente, a Comissão explicou claramente, no considerando 56 da decisão, por que razão qualificou a proibição de venda aos «salonisti», que deduziu dos documentos citados na nota 68 da decisão, como elemento incriminatório, esclarecendo que este termo não efectuava nenhuma distinção entre revendedores independentes e intermediários e que, consequentemente, estes últimos eram igualmente abrangidos pela proibição assim enunciada.

300.
    Na medida em que a recorrente acusa a Comissão de não ter especificado as razões pelas quais considerava que a infracção não tinha terminado completamente no momento da adopção da decisão, há que reconhecer que esta argumentação também não é fundada. Embora seja verdade que a referida afirmação não ficou demonstrada e constitui, portanto, um erro de facto, de modo que a decisão impugnada deve ser anulada na medida em que contém esta afirmação (v. supra, n.° 202), não é menos certo que a Comissão expôs as suas razões sobre esta questão, explicando, no considerando 219 da decisão, que «não foram tomadas nenhumas medidas de forma que terminassem as restrições de vendas a consumidores finais e a intermediários. Em especial, nenhumas modificações foram introduzidas nesse sentido nos contratos dos concessionários».

301.
    Quanto à fixação da sanção, basta assinalar que a Comissão explicou de forma circunstanciada, nos considerandos 215 a 222 da decisão impugnada, os critérios tomados em conta e o modo de cálculo da coima aplicada à recorrente. Tendo a Comissão indicado, no considerando 213 da decisão, como elementos que conferem à infracção uma especial gravidade, que «as vendas de veículos a consumidores finais para exportação paralela» se tornaram «substancialmente difíc(eis), e temporariamente, mesmo impossíve(is)» e que a infracção teve efeitos directos «sobre o mercado de veículos automóveis novos de outros Estados-Membros, em particular na Alemanha e na Áustria», há que admitir que estas considerações decorrem logicamente das verificações anteriormente feitas na decisão, segundo as quais a recorrente e as suas filiais entravaram o conjunto das reexportações a partir de Itália com sucesso (v. por exemplo, o considerando 146 da decisão). Além disso, contrariamente ao que defende a recorrente, a Comissão, no considerando 217 da decisão, referiu-se expressamente às orientações, nas quais se baseou, e indicou as referências ao Jornal Oficial.

302.
    Finalmente, e ao contrário do que alega a recorrente, a Comissão não era obrigada a reproduzir os documentos para os quais remete nas notas da decisão, uma vez que a recorrente ou as suas filiais dispõem desses documentos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94 a T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 144).

303.
    Resulta de quanto precede que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

E - Quanto ao quinto fundamento, baseado na violação do direito de ser ouvido

Argumentos das partes

304.
    A recorrente observa que, por carta da Comissão de 29 de Novembro de 1996, o seu pedido de prorrogação do prazo que lhe foi fixado para apresentar observações sobre a comunicação de acusações foi indeferido. Este prazo era de dois meses, quando, tendo em conta a importância da comunicação de acusações, o número de interessados e dos documentos a analisar em diferentes línguas, o tempo necessário para elaborar observações seria manifestamente mais longo.

305.
    A recorrente indica que, embora seja certo que a urgência do processo é um elemento a tomar em consideração, é igualmente manifesto que o caso vertente não apresentava tal carácter aos olhos da Comissão, uma vez que esta demorou mais de um ano para realizar o seu inquérito antes da comunicação de acusações e que demorou o mesmo tempo para adoptar a decisão impugnada após ter recebido as observações sobre essa comunicação.

306.
    A recorrida assinala que o prazo concedido, de dois meses e duas semanas (incluindo as férias de Natal), é consideravelmente mais longo do que o prazo mínimo de duas semanas previsto no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62). Em sua opinião, não havia nenhuma razão válida para o prorrogar. Assinala, a este propósito, que a maior parte dos elementos de prova provinha dos estabelecimentos da recorrente e das suas filiais Audi e Autogerma, que esses documentos estavam redigidos nas línguas habitualmente utilizadas por estas para comunicar e que, com excepção dos concessionários italianos que não participaram activamente na infracção, todas as pessoas envolvidas pertenciam ao mesmo grupo.

307.
    Por outro lado, dado que a recorrente não explicou sobre que pontos é que pretendia fazer observações mais pormenorizadas, não demonstrou de que modo é que o seu direito de ser ouvida foi afectado.

308.
    A recorrida defende, finalmente, que o processo era urgente, tendo em conta o grande número de reclamações provenientes de consumidores. Acrescenta que, se é lamentável que o procedimento administrativo se tenha atrasado e que a decisão não tenha podido ser adoptada rapidamente, isso não torna ilegal a posteriori o indeferimento da prorrogação controvertido.

309.
    Na réplica, a recorrente assinala que a recorrida invoca na contestação a urgência do caso para justificar o indeferimento da prorrogação do prazo, ao passo que, nacarta de indeferimento, o motivo apresentado era completamente diferente, ou seja, que o processo não era «excepcionalmente complexo». Além desta manifesta contradição, a recorrente constata que os articulados apresentados ao Tribunal, designadamente o pedido de prorrogação do prazo para a contestação, provam que este processo é «excepcionalmente complexo».

310.
    A recorrida replica que o volume e o conteúdo da contestação correspondem logicamente ao volume e ao conteúdo da petição.

Apreciação do Tribunal

311.
    Segundo jurisprudência assente, o respeito dos direitos de defesa num procedimento susceptível de conduzir à aplicação de sanções exige que a empresa em causa seja colocada em condições de, logo na fase administrativa do processo, dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 11; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T-39/92 e T-40/92, Colect., p. II-49, n.° 48).

312.
    No que respeita, em especial, à fixação do prazo para apresentação das observações sobre a comunicação de acusações, o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 99/63 exige que a Comissão tome em consideração «o tempo necessário para a apresentação das observações» e «a urgência do caso».

313.
    Ora, se é verdade que o prazo fixado no caso vertente era breve tendo em conta o volume do processo e o número de comportamentos ilegais imputados ao grupo Volkswagen, é igualmente pacífico que, apesar disso, a recorrente conseguiu dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista. Com efeito, resulta das observações sobre a comunicação de acusações, expostas por carta de 12 de Janeiro de 1997, que a recorrente exprimiu muito detalhadamente o seu ponto de vista sobre cada uma das alegações essenciais formuladas pela Comissão. Aliás, a recorrente não indicou sobre que aspectos do processo é que poderia ter apresentado observações ainda mais desenvolvidas se o prazo que lhe foi concedido tivesse sido prorrogado.

314.
    Consequentemente, não ficou provado que o prazo concedido no caso vertente para apresentar as observações sobre a comunicação de acusações tenha sido excessivamente curto e que a Comissão não tenha tido devidamente em consideração o tempo necessário para a elaboração das referidas observações.

315.
    De qualquer forma, um fundamento de anulação baseado na violação dos direitos de defesa só pode ser acolhido no caso de a violação alegada ter sido de molde a afectar realmente a defesa do recorrente (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, ICI/Comissão, T-37/91, Colect., p. II-1901,n.os 59, 66 e 70). Ora, como se afirmou nos números anteriores, não foi o que aconteceu no caso vertente.

316.
    Além disso, importa ter presente que o motivo do indeferimento pela Comissão do pedido de prorrogação do prazo, ou seja, que o processo não era excepcionalmente complicado, não é errado. Efectivamente, o processo, embora volumoso, não apresentava grande complexidade para a recorrente, uma vez que era suposto esta estar bem informada tanto em relação aos comportamentos do grupo Volkswagen como da regulamentação e da jurisprudência comunitária em matéria de importações paralelas.

317.
    Finalmente, na medida em que o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 99/63 exige igualmente a tomada em consideração da urgência do processo, importa assinalar que a Comissão, por ter considerado que estava perante uma violação particularmente grave das regras da concorrência, pode ter sido levada a acelerar o procedimento administrativo, a fim de pôr termo o mais rapidamente possível aos comportamentos imputados. Contrariamente ao que alega a recorrente, esta consideração não é desmentida pelo facto de ter decorrido um ano entre as verificações e o envio da comunicação de acusações e um prazo idêntico entre a recepção das observações sobre esta comunicação e a adopção da decisão. Efectivamente, a Comissão teve que analisar um número muito elevado de documentos, enquanto a recorrente e a Audi apenas tiveram que se explicar, no essencial, sobre o seu próprio comportamento, tal como resultava dos referidos documentos (v. o acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 97 e 98).

318.
    Resulta de quanto precede que o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

F - Quanto ao fundamento subsidiário, baseado no carácter excessivo da coima aplicada

Argumento das partes

319.
    A recorrente afirma que, mesmo na hipótese de as constatações materiais e jurídicas da Comissão serem fundadas, a coima aplicada é totalmente desproporcionada. Em primeiro lugar, os efeitos concretos da pretensa infracção sobre as trocas comerciais entre os Estados-Membros foram mínimos. Além disso, a recorrente nunca teve a intenção de cometer as infracções e os documentos citados na decisão para demonstrar o contrário (considerando 214 da decisão) foram interpretados de uma forma completamente deturpada pela Comissão. A recorrente também não abusou da situação de dependência existente entre os concessionários e os construtores. Pelo contrário, só os concessionários que não respeitavam o respectivo contrato é que foram advertidos e sancionados.

320.
    A recorrente considera igualmente que as orientações foram ignoradas, uma vez que a Comissão não delimitou o mercado geográfico pertinente e aquelas prevêem que seja «tomado em consideração... o alcance do mercado geográfico em causa».

321.
    Em seguida, a recorrente reafirma que certos elementos tomados em conta para fixar a coima não ficaram demonstrados na decisão e que a duração da infracção que consta da decisão é inexacta. Recorda igualmente que a Autogerma notificou a convenzione B à Comissão por carta de 20 de Janeiro de 1988, deduzindo a Comissão deste documento a existência de uma infracção a partir de finais de 1987. Consequentemente, se este acordo violou realmente o artigo 85.° do Tratado, a Comissão ignorou a sua obrigação, decorrente do artigo 89.° do Tratado, de propor, quando verifica a existência de uma infracção, os meios adequados para se lhe pôr termo. O facto de a Comissão apenas ter adoptado a decisão em 1998 justificaria uma diminuição da coima. Além disso, segundo o artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17, não podem ser aplicadas coimas em relação a acordos notificados. Esta regra deveria, portanto, ter sido aplicada em relação à convenzione B e igualmente em relação às versões posteriores desta, que sempre respeitaram o quadro da versão notificada.

322.
    A recorrente recorda que a Comissão sabia há anos que era exigido um compromisso a certos clientes e que tolerou esta medida e afirmou que uma clarificação sobre este ponto era necessária no Regulamento n.° 1475/95.

323.
    A recorrente assinala igualmente que a recorrida admite, em resposta ao fundamento baseado na violação dos direitos de defesa, que se verificou um atraso lamentável no desenrolar do procedimento administrativo. Ora, manifestamente, este atraso aumentou o período tomado em conta pela Comissão para a fixação da coima e, portanto, também o montante desta sanção.

324.
    A Comissão também considerou erradamente como circunstância agravante o facto de ter assinalado, na carta de 24 de Fevereiro de 1995, ter sido informada da existência de entraves às reexportações a partir de Itália, que constituíam uma infracção às regras comunitárias da concorrência e de a recorrente e a Audi não terem retirado as devidas consequências desta advertência. Ora, a recorrente sublinha que foi enviada uma circular aos concessionários em 16 de Março de 1995. No decurso do inquérito da Comissão, a recorrente tomou várias medidas para pôr termo às pretensas infracções.

325.
    Finalmente, a recorrente acusa a Comissão de não ter tido em conta, como circunstância atenuante, as fortes desvalorizações da lira italiana a partir de Setembro de 1992, quando esta instituição reconheceu, numa comunicação de 31 de Outubro de 1995 sobre o impacto das flutuações monetárias sobre o mercado interno, que as flutuações monetárias suscitam algumas dificuldades para a economia da União. Neste contexto, a recorrente sublinha que ainda não existe mercado europeu único no qual um construtor de automóveis possa vender osmesmos produtos em todo o lado de acordo com uma única estratégia. Efectivamente, em sua opinião, os Estados-Membros têm sistemas fiscais e moedas diferentes, o que, na realidade, limita mais gravosamente o comércio intracomunitário do que as restrições à concorrência instituídas pelos próprios construtores. Devido a essas diferenças, os construtores não têm a possibilidade de vender em todos os Estados-Membros aos mesmos preços. A recorrente cita, a este propósito, uma carta de 25 de Fevereiro de 1998 enviada por K. Van Miert ao antigo presidente do Zentralverband des deutschen Kraftfahrzeuggewerbes, na qual reconhece que «na falta de harmonização e em razão das flutuações monetárias que regularmente ocorrem entre os Estados-Membros, o mercado interno ainda não está realizado no que respeita à distribuição automóvel».

326.
    Segundo a recorrida, a recorrente, de má-fé, tomou medidas que afectavam indistintamente as reexportações proibidas e as autorizadas. Consequentemente, a coima é proporcional à gravidade da infracção. O carácter intencional desta última é, aliás, demonstrado por certas notas da recorrente e da Autogerma, nas quais estas se declaram em infracção.

327.
    A recorrida declara igualmente que informou a recorrente, por carta de 8 de Maio de 1987, de que as «notificações» relativas aos diferentes contratos de concessão bem como às suas versões revistas e anexos, ficavam sem objecto, enquanto não fosse claro, das disposições contratuais não isentas pelo Regulamento n.° 123/85, as razões pelas quais era pedida uma isenção. Além disso, a Comissão informou-a igualmente, por carta de 25 de Novembro de 1988, de que o envio de certos anexos, entre os quais a convenzione B, não podia ser qualificado de «notificação», uma vez que a carta de acompanhamento apenas tinha seis linhas. Ora, a recorrente nunca reagiu a estas cartas. No mesmo contexto, a recorrida considera que a alegação segundo a qual considerou lícito o compromisso exigido a certos compradores é errada e falaciosa. Cita correspondência com a recorrente na qual qualifica expressamente a exigência de tal compromisso de incompatível com os princípios do mercado único. Finalmente, assinala que o artigo 89.°, n.° 1, terceiro parágrafo, do Tratado é uma disposição meramente transitória, que foi substituída pelo Regulamento n.° 17 e que, portanto, ficou sem objecto.

328.
    A recorrida sublinha também que os acordos contrários às regras comunitárias da concorrência foram numerosos, que a infracção durou vários anos (um dos elementos desta, o sistema de prémio, começou no final de 1987), que três empresas do grupo da recorrente, vários serviços e numerosos colaboradores que actuam a diferentes níveis da hierarquia foram associados a esses acordos, que a infracção foi causada por um conjunto de medidas diferentes, tomadas no quadro de uma estratégia global e, finalmente, que essa infracção teve efeitos sensíveis nos mercados de todos os Estados-Membros. Efectivamente, o sistema de prémio dirigiu-se, de um modo geral, contra as reexportações a partir de Itália e as outras medidas também não se limitaram às trocas comerciais entre este Estado, por um lado, e a Alemanha e a Áustria, por outro.

329.
    Em seguida, a recorrida precisa que, no cálculo das majorações aplicáveis tendo em conta a duração da infracção (considerando 217 da decisão), fez a distinção entre, por um lado, o período entre 1988 e 1992 bem como o ano de 1997 e, por outro, o período entre 1993 e 1996. Em relação a este último, o montante de base da coima foi majorado de 10%. Todavia, para o período entre 1988 e 1992 e para o ano de 1997, a majoração aplicada foi de apenas 5%. O montante integral da coima corresponde a cerca de 0,25% do volume de negócios registado pelo grupo Volkswagen na União Europeia no exercício de 1997 e a cerca de 0,5% do volume de negócios que este grupo realizou durante o mesmo exercício nos países expostos directamente ou mais especificamente aos efeitos induzidos pela infracção, isto é, a Itália, a Alemanha e a Áustria.

330.
    A desvalorização da lira italiana não pode, segundo a recorrida, constituir uma circunstância atenuante, uma vez que, de todos os construtores de automóveis estabelecidos em Estados-Membros diferentes da Itália, só a recorrente e a Audi reagiram através de uma estratégia global de entraves à reexportação.

331.
    A recorrida observa, finalmente, que se referiu expressamente às orientações (considerando 217 da decisão) para explicar em pormenor de que forma o montante de base inicialmente fixado em função do grau de gravidade da infracção foi majorado tendo em conta a respectiva duração. Acrescenta que um dos critérios que determinam a gravidade da infracção é a extensão geográfica do mercado em que a referida infracção teve incidência e que, contrariamente ao que afirma a recorrente, nas orientações não se procede a uma delimitação geográfica do mercado.

Apreciação do Tribunal

332.
    Segundo o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas coimas de mil unidades de conta, no mínimo, a um milhão de unidades de conta, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por cento do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção. O montante da coima é determinado tendo em conta simultaneamente a gravidade da infracção e a sua duração.

333.
    Resulta claramente desta disposição que esta trata de duas questões distintas. Por um lado, determina as condições que devem estar reunidas para que a Comissão possa aplicar coimas (condições de aplicação); entre essas condições, figura a relativa ao carácter deliberado da infracção ou a existência de uma negligência na origem desta (primeiro parágrafo). Por outro lado, regulamenta a determinação do montante da coima, que é função da gravidade e duração da infracção (segundo parágrafo) (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. I-1611, n.° 51).

334.
    No que respeita à primeira questão, é ponto assente que, no caso vertente, a Comissão considerou o carácter deliberado da infracção e não a simples negligência (considerando 214 da decisão). Esta apreciação afigura-se inteiramente justificada. De facto, como acima se afirmou no quadro do primeiro fundamento, a recorrente tomou medidas que tinham por objectivo a compartimentação do mercado italiano e, portanto, entravar o jogo da concorrência (v. supra, nomeadamente, n.os 88, 89 e 193). Por outro lado, para que uma infracção às regras de concorrência do Tratado possa ser considerada como tendo sido cometida deliberadamente, não é necessário que a empresa tenha tido consciência de infringir essas regras, sendo suficiente que não tenha podido ignorar que a sua conduta tinha por objectivo restringir a concorrência (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect., p. II-1931, n.° 157, e de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão, T-143/89, Colect., p. II-917, n.° 41). Ora, tendo em conta a existência de uma jurisprudência bem estabelecida segundo a qual comportamentos de compartimentação de mercados são incompatíveis com as regras comunitárias da concorrência (v. supra, n.° 179), a recorrente não podia ignorar que a sua conduta entravava o jogo da concorrência.

335.
    Quanto à segunda questão, importa recordar, em primeiro lugar, que a escolha do montante da coima constitui um instrumento da política de concorrência da Comissão a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras nesta matéria (acórdãos Martinelli/Comissão, já referido, n.° 59, e Van Megen Sports/Comissão, já referido, n.° 53), mas que incumbe ao Tribunal verificar se o montante da coima aplicada é proporcionado em relação à gravidade e à duração infracção (acórdão Deutsche Bahn/Comissão, já referido, n.° 127). O Tribunal deve, nomeadamente, ponderar a gravidade da infracção e as circunstâncias invocadas pela recorrente (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C-333/94 P, Colect., p. I-5951, n.° 48).

336.
    Como resulta da análise do primeiro fundamento, a Comissão dispunha de elementos de prova abundantes de que a infracção visando a compartimentação do mercado italiano estava demonstrada. Ora, tal infracção é, por natureza, particularmente grave. Contraria os objectivos fundamentais da Comunidade e, em especial, a realização do mercado único (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Abril de 1993, Peugeot/Comissão, T-9/92, Colect., p. II-493, n.° 42). De facto, juntamente com as suas filiais, a recorrente impediu certos consumidores de beneficiarem sem obstáculos das liberdades do mercado comum estabelecidas pelo Tratado, prejudicando assim uma das mais importantes realizações da construção europeia. A infracção reveste, no caso vertente, uma gravidade ainda mais forte pela dimensão do grupo Volkswagen (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffussion française/Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 120) e pelo facto de ter sido cometida apesar da advertência que constituía a jurisprudência comunitária constante em matéria de importações paralelas no sector automóvel (v. o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T-304/94, Colect., p. II-869, n.° 91).Tendo em conta estes diferentes elementos, a falta de harmonização monetária e fiscal (v. supra, n.° 325) não pode, muito embora possa ter provocado dificuldades comerciais para a recorrente, constituir uma justificação para a infracção em causa, nem mesmo uma circunstância atenuante. Efectivamente, esta falta de harmonização não isentava a recorrente da sua obrigação de respeitar as regras essenciais do mercado comum, como a proibição de compartimentação.

337.
    Por outro lado, a Comissão não tinha a obrigação de fixar a coima num montante mais moderado com o fundamento de que demorou a actuar contra os comportamentos do grupo Volkswagen, contrariamente ao que afirma a recorrente. É certo que, se a gravidade de uma infracção justifica uma coima importante, há que ter em consideração que a sua duração poderia ter sido diminuída se a Comissão tivesse intervindo mais rapidamente (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, n.° 51). Todavia, no caso em apreço, a Comissão enviou a primeira carta de advertência à recorrente em Fevereiro de 1995, ou seja, pouco tempo depois de ter recebido a primeira série de queixas dos consumidores. Nestas condições, não se pode acusar a Comissão de falta de diligência que teria contribuído para prolongar a duração da infracção vista no âmbito da determinação do montante da coima. Na medida em que a recorrente afirma que a Comissão também aumentou o período tomado em conta para a fixação da coima ao atrasar o desenrolar do procedimento administrativo, basta reafirmar que a duração do referido procedimento não foi excessivamente longa (v. supra, n.° 317).

338.
    A argumentação da recorrente, segundo a qual há anos que a Comissão sabia que era exigido um compromisso a certos compradores e tolerou essa medida, também não pode ser acolhida a favor de uma redução da coima. Em primeiro lugar, a carta citada pela recorrente em apoio desta tese (n.° 220 da petição; anexo 220 à petição) data de 31 de Março de 1995 e, portanto, é posterior à carta de advertência que lhe foi enviada pela Comissão em 24 de Fevereiro de 1995 (v. supra, n.° 10). Em seguida, resulta dos autos que a Comissão, quando tomou conhecimento desta medida, tal como aplicada pelos concessionários das marcas Volkswagen e Audi no final de 1994 em vários Estados-Membros, adoptou uma posição negativa. De facto, numa carta de 23 de Novembro de 1994, escreveu à recorrente:

«Dispomos de formulários procedentes da Dinamarca e da Bélgica nos quais os compradores de veículos VW e Audi novos se comprometem a adquirir o veículo unicamente para uso privado e a não o revender antes de 3 ou 6 meses ou de percorrer 3 000 km ou 6 000 km. Se o veículo for vendido antes do tempo, o comprador compromete-se a pagar uma indemnização de 10% do preço de compra ao importador dinamarquês ou ao concessionário belga respectivo, consoante os casos.

Tais compromissos são incompatíveis com os princípios do mercado único, uma vez que se orientam claramente contra as importações paralelas. Também não podem encontrar apoio nas normas em matéria de concorrência. Pedimos-lhe que nos indique se nos restantes Estados-Membros existem compromissos semelhantes.

Se os referidos compromissos não forem eliminados, seremos obrigados a dar início a um processo. Espero uma resposta no prazo de duas semanas a contar da recepção da presente carta.»

339.
    É verdade que resulta da sua resposta a esta carta que a recorrente tinha enviado em 1979 à Comissão o formulário contendo o compromisso exigido aos compradores naquela altura (anexo 5 da contestação). No entanto, não se pode acusar a Comissão de não ter actuado, em 1979, depois de ter tido conhecimento desta medida isolada, nem de ter sido demasiado severa ao punir a recorrente em 1998 sem admitir circunstâncias atenuantes, por um conjunto de medidas tendo por objectivo a compartimentação do mercado italiano, entre as quais figurava a prática de exigir um compromisso. Além disso, este compromisso era diferente do comunicado em 1979, na medida em que permitia ao grupo Volkswagen verificar mais facilmente a sua observância e, eventualmente, aplicar as sanções previstas em caso de inexecução, dado que obrigava o comprador a apresentar uma justificação, em caso de controlo pelo grupo, da utilização do veículo e da duração desta (nota 128 da decisão; anexo 218.1 da petição: «o comprador compromete-se igualmente, a pedido da organização signatária, a apresentar documentação comprovativa da utilização do veículo referido na qualidade de utilizador final, bem como do respectivo período de posse»).

340.
    Em seguida, a Comissão procedeu acertadamente ao não considerar, como circunstância atenuante, o envio de uma circular aos concessionários italianos em Março de 1995. Efectivamente, como se concluiu nos n.os 57, 58, 88 e 107 a 113, a infracção perdurou após o envio dessa circular.

341.
    No que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão ignorou as orientações, basta observar que estas não exigem que a Comissão delimite formalmente o mercado geográfico pertinente. Desse modo, a Comissão limitou-se a declarar, no considerando 213 da decisão: «A infracção teve efeitos directos no mercado italiano de veículos automóveis novos... Em paralelo, teve ainda efeitos, sobre o mercado de veículos automóveis novos de outros Estados-Membros, em particular na Alemanha e na Áustria.» Aliás, esta constatação, como já se declarou atrás (n.° 231) é perfeitamente fundada.

342.
    Quanto à argumentação segundo a qual a convenzione B tinha sido notificada em 1988 e, por conseguinte, a Comissão não podia punir a recorrente pela cláusula dos 15% constante do referido acordo, importa recordar, em primeiro lugar, que a proibição imposta pelo artigo 15.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 17 de aplicar coimas em relação a comportamentos «posteriores à notificação à Comissão e anteriores à decisão pela qual ela conceda ou recuse a aplicação do n.° 3 doartigo 85.° do Tratado, desde que se mantenham dentro dos limites da actividade descrita na modificação», apenas opera em relação a acordos efectivamente notificados segundo as formalidades exigidas (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, 240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, n.° 77; acórdão SPO e o./Comissão, já referido, n.° 342; v. igualmente o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Distillers Company/Comissão, 30/78, Recueil, p. 2229, n.os 23 e 24). Importa observar também que, por carta de 25 de Novembro de 1998 (anexo 3 da contestação), a Comissão informou a Autogerma de que a comunicação por este da convenzione B não constituía uma notificação na acepção do Regulamento n.° 17:

«Com referência à vossa carta de 20 de Janeiro de 1988, em que nos é comunicado o contrato-tipo de distribuição que a sociedade Autogerma apresenta aos seus concessionários em Itália, juntamos cópia da carta que esta direcção enviou em 8 de Maio de 1987 à sociedade Volkswagen, de Wolfsburg, Alemanha.

Na referida carta, registávamos a confirmação da Volkswagen segundo a qual a sociedade tinha adaptado os contratos de distribuição no mercado comum ao Regulamento n.° 123/85; na mesma ocasião, este organismo comunicou àquela sociedade a lista dos contratos de distribuição do grupo Volkswagen que, em consequência, foram arquivados.

Na referida lista também figurava o contrato-tipo de distribuição para Itália (notificado por V. Exas. em 31.1.1963).

Tendo em atenção tal procedimento, uma simples comunicação, mesmo feita, como V. Exas. assinalam, a título de notificação, não pode substituir uma notificação na acepção do Regulamento n.° 17... e do artigo 8.° do Regulamento n.° 123/85.

Consequentemente, a Comissão não está em condições de se pronunciar sobre a conformidade do vosso contrato-tipo de distribuição com o citado Regulamento n.° 123/85. Com isto não pretendemos excluir que tal compatibilidade exista, mas apenas afirmar que incumbe às partes extrair as necessárias consequências do regulamento de isenção e assumir as devidas responsabilidades ao estipular contratos susceptíveis de respeitar os requisitos estabelecidos por esse regulamento. Tais contratos não devem ser isentos, uma vez que já beneficiam da isenção do regulamento...

Pelo exposto, a presente prática fica arquivada, sem prejuízo de actos posteriores».

343.
    Independentemente da questão de saber se a comunicação da convenzione B constituía ou não uma notificação na acepção do Regulamento n.° 17, o simples facto de esta convenção ter sido comunicada à Comissão em 1988 devia ter conduzido esta a não considerar que a referida convenção justificava, por si só, amajoração do montante fixado para gravidade da infracção (considerando 217 da decisão). Consequentemente, em relação ao período entre 1988 e 1992, durante o qual a cláusula dos 15% estipulada na convenzione B constitui o único acto imputado (v. considerando 202 da decisão), não deve ser tomado em consideração para a fixação da coima, embora a referida cláusula tenha acertadamente sido qualificada de incompatível com o Tratado (v. quanto a esta questão, n.os 19 e 189, supra).

344.
    Em contrapartida, a cláusula dos 15% podia ser tomada em consideração, com vista à fixação da coima, para o período entre 1993 e 1996. De facto, como se constatou supra (nomeadamente nos n.os 79 a 90 e 162 a 165), durante o referido período, o limite previsto pela cláusula dos 15% foi conjugado, e portanto reforçado, com vista a entravar as reexportações, com outras medidas. Além disso, documentos internos do grupo Volkswagen demonstram que a cláusula dos 15% foi, durante esse período, interpretada e aplicada de modo extensivo, ou seja, como uma regra que proibia qualquer venda fora do território contratual além dos 15% da totalidade das vendas efectuada (v. supra, n.° 58). Consequentemente, mesmo que se provasse que a convenzione B foi notificada, haveria que concluir, em qualquer circunstância, que, a partir de 1993, a aplicação da cláusula dos 15% excedeu os limites da actividade descrita no texto da convenção comunicada à Comissão, de modo que resulta da redacção clara do artigo 15.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 17, que a isenção de coima não poderia operar. Daqui se pode concluir que teria sido adequado tomar como data de início do período a tomar em consideração para a fixação da coima a data de 1 de Setembro de 1993 (v. a este propósito, n.os 81 a 83, supra, bem como o considerando 202 da decisão).

345.
    Como o Tribunal já deu como provado, a Comissão teve igualmente em conta, na fixação da coima, a sua conclusão não demonstrada de que a infracção perdurou além de 30 de Setembro de 1996 (v. supra, n.° 200) e mencionou também, para determinar a gravidade da infracção, as suas conclusões erradas segundo as quais um sistema de margem fraccionada e a rescisão, a título de sanção, de certos contratos de concessão, constituíam medidas tomadas a fim de entravar as reexportações (v. supra, n.° 197).

346.
    Resulta das considerações que precedem que a duração da infracção a tomar em consideração para a fixação da coima se encontra reduzida a uma duração da ordem dos três anos e que a descrição da infracção feita pela Comissão para determinar a respectiva gravidade não é integralmente exacta. Nestas circunstâncias, impõe-se, no âmbito do poder de plena jurisdição de que o Tribunal dispõe, proceder à reforma da decisão impugnada e reduzir o montante da coima aplicada à recorrente (v. por analogia, acórdão Dunlop Slazenger, já referido, n.° 154).

347.
    Todavia, a redução da coima não deve necessariamente ser proporcional à redução da duração que a Comissão tinha tomado em conta, nem corresponder à soma das percentagens de majoração calculadas pela Comissão relativamente ao períodoentre 1988 e Agosto de 1993, do último trimestre de 1996 e do ano de 1997 (v. por analogia, acórdão Dunlop Slazenger, já referido, n.° 178). Efectivamente, pertence ao próprio Tribunal, no âmbito da sua competência na matéria, apreciar as circunstâncias do caso vertente a fim de determinar o montante da coima (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Colect., p. 3461, n.° 111; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Preussag Stahl/Comissão, T-148/94, Colect., p. II-613, n.° 728). No caso vertente, a importante gravidade intrínseca da infracção cometida, sublinhada no n.° 336, supra, por um lado, e a intensidade com que as medidas ilícitas foram postas em prática, como demonstra a abundante correspondência acima discutida no âmbito do primeiro fundamento, por outro, impõem a aplicação de uma coima realmente dissuasiva (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T-12/89, Colect., p. II-907, n.° 309 e acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, já referido, n.° 33). À luz destas considerações, a coima aplicada de 102 000 000 ecus, que correspondia aproximadamente, como a recorrente confirmou em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, a 0,5% do volume de negócios realizado em 1997 pelo grupo Volkswagen nos três Estados Itália, Alemanha e Áustria e a 0,25% do realizado na União Europeia no mesmo ano, não tem um carácter anormalmente elevado. Finalmente, o facto de as conclusões da Comissão no que respeita ao sistema de margem fraccionada e à rescisão de certos contratos de concessão terem sido julgadas insuficientemente fundamentadas, não diminui a gravidade importante da infracção em causa, devidamente demonstrada pela prova dos outros comportamentos objecto de acusação (v. supra, n.os 193 e 194).

348.
    Tendo em conta o conjunto das circunstâncias e considerações acima mencionadas, o Tribunal, no exercício da sua competência de plena jurisdição ao abrigo do artigo 172.° do Tratado CE (actual artigo 229.° CE) e 17.° do Regulamento n.° 17 (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994, Finsider/Comissão, C-320/92 P, Colect., p. I-5697, n.° 46 e de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C-185/95 P, Colect., p. I-8417, n.° 129), considera justificado reduzir o montante da coima, expresso em euros em aplicação do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1103/97 do Conselho, de 17 de Junho de 1997, relativo a certas disposições respeitantes à introdução do euro (JO L 162, p. 1), fixando-a em 90 000 000 euros.

Quanto às despesas

349.
    Por força do disposto no n.° 3 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, se cada parte obtiver vencimento parcial, este pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Dado que só parcialmente foi dado provimento ao recurso, as circunstâncias da causa serão devidamente apreciadasdecidindo que a recorrente suportará as suas próprias despesas bem como 90% das despesas da Comissão e que esta última suportará 10% das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

decide:

1.
    A Decisão 98/273/CE da Comissão, de 28 de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/35.733 - VW) é anulada na medida em que conclui:

    a)    que um sistema de margem fraccionada e a rescisão de certos contratos de concessão a título de sanção constituíam medidas tomadas a fim de entravar as reexportações de veículos das marcas Volkswagen e Audi a partir de Itália, por consumidores finais e concessionários das referidas marca de outros Estados-Membros.

    b)    que a infracção não tinha terminado completamente no período compreendido entre 1 de Outubro de 1996 e a adopção da decisão.

2.
    O montante da coima aplicada à recorrente pelo artigo 3.° da decisão impugnada é reduzido, sendo fixado em 90 000 000 euros

3.
    Quanto ao restante, é negado provimento ao recurso.

4.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas e 90% das despesas da Comissão.

5.
    A Comissão suportará 10% das suas próprias despesas.

Moura Ramos
Tiili
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Julho de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili

Índice

     Matéria de facto e enquadramento jurídico

II - 2

     Tramitação processual e pedidos das partes

II - 9

     Mérito da causa

II - 10

         A - Primeiro fundamento: erros de facto na aplicação do artigo 85.° do Tratado

II - 10

             Quanto aos entraves à reexportação

II - 10

                 Apreciações preliminares

II - 10

                 Quanto ao entrave resultante do sistema de prémio

II - 11

                     -    Argumentos das partes

II - 11

                     -    Apreciação do Tribunal

II - 13

                 Quanto à criação de um sistema de margem fraccionada

II - 16

                     -    Argumentos das partes

II - 16

                     -    Apreciação do Tribunal

II - 17

                 Quanto ao entrave resultante das medidas tomadas ao nível do abastecimento

II - 20

                     -    Argumentos das partes

II - 20

                     -    Apreciação do Tribunal

II - 21

                 Quanto ao entrave resultante do comportamento comercial em relação aos consumidores

II - 25

                     -    Argumentos das partes

II - 25

                     -    Apreciação do Tribunal

II - 27

                 Quanto à argumentação da recorrente segundo a qual as medidas tomadas tinham como único objectivo impedir as vendas aos revendedores não autorizados

II - 31

                     -    Argumentos das partes

II - 31

                     -    Apreciação do Tribunal

II - 34

                 Quanto aos controlos, advertências e sanções de que os concessionários terão sido objecto

II - 39

                     -    Argumentos das partes

II - 39

                     -    Apreciação do Tribunal

II - 42

             Quanto aos efeitos dos entraves à reexportação

II - 44

                 Argumentos das partes

II - 44

                 -    Apreciação do Tribunal

II - 46

             Quanto à duração dos entraves à reexportação

II - 47

                 Argumentos das partes

II - 47

                 -    Apreciação do Tribunal

II - 48

         B - Quanto ao segundo fundamento, baseado em erros de direito na aplicação do artigo 85.° do Tratado

II - 52

             Argumentos das partes

II - 52

                 Quanto à falta de delimitação do mercado

II - 53

                 Quanto à apreciação errada dos entraves na globalidade

II - 53

                 Quanto à qualificação errada dos entraves, tomados globalmente, como acordos

II - 54

                 Quanto à violação dos Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95

II - 55

             Apreciação do Tribunal

II - 59

                 Quanto à falta de delimitação do mercado

II - 59

                 Quanto à apreciação global dos entraves

II - 60

                Quanto à qualificação dos entraves, tomados globalmente, como acordos

II - 61

                 Quanto à pretensa violação dos Regulamentos n.° 123/85 e n.° 1475/95

II - 61

         C - Quanto ao terceiro fundamento, baseado na violação do princípio da boa administração

II - 63

             Argumentos das partes

II - 63

                 Quanto à violação do princípio da boa administração na interpretação dos documentos apreendidos nas verificações

II - 63

                 Quanto à violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 89.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 85.° CE)

II - 64

                 Quanto à violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 191.° do Tratado CE (actual artigo 254.° CE)

II - 65

                 Quanto à violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 214.° do Tratado CE (actual artigo 287.° CE)

II - 66

             Apreciação do Tribunal

II - 68

                 Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração na interpretação dos documentos apreendidos por ocasião das verificações

II - 68

                 Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 89.° do Tratado

II - 69

                 Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 191.° do Tratado

II - 69

                 Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração, em relação com o artigo 214.° do Tratado

II - 70

         D - Quanto ao quarto fundamento, baseado em fundamentação insuficiente

II - 72

             Argumentos das partes

II - 72

             Apreciação do Tribunal

II - 74

         E - Quanto ao quinto fundamento, baseado na violação do direito de ser ouvido

II - 76

             Argumentos das partes

II - 76

             Apreciação do Tribunal

II - 77

         F - Quanto ao fundamento subsidiário, baseado no carácter excessivo da coima aplicada

II - 78

             Argumento das partes

II - 78

             Apreciação do Tribunal

II - 81

     Quanto às despesas

II - 87


1: Língua do processo: alemão.