Language of document : ECLI:EU:T:2002:19

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Segunda Secção Alargada)

30 de Janeiro 2002 (1)

«Auxílios de Estado - Empresas activas no sector da construção de material circulante ferroviário - Empresas em regime de administração extraordinária - Auxílios das regiões da Sicília e da Sardenha - Empréstimos bonificados - Auxílios existentes ou novos - Extensão das decisões de aprovação dos regimes em causa - Auxílio de emergência ou à reestruturação de empresas em dificuldade - Orientações da Comissão - Artigo 92.° do Tratado CE (actual artigo 87.° CE) - Dever de fundamentação»

No processo T-35/99,

Keller SpA, com sede em Palermo (Itália),

Keller Meccanica SpA, com sede em Villacidro (Itália),

representadas por D. Corapi, V. Cappucelli e M. Merola, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

apoiadas por

República Italiana, representada por U. Leanza e O. Fiumara, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por G. Rozet e A. Aresu, e em seguida por G. Rozet e V. Di Bucci, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 99/195/CE da Comissão, de 1 de Julho de 1998, relativa aos auxílios já concedidos e a conceder pela Itália a favor da Keller SpA e da Keller Meccanica SpA (JO 1999, L 63, p. 55),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção Alargada),

composto por: A. W. H. Meij, presidente, K. Lenaerts, M. Jaeger, J. Pirrung e M. Vilaras, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Junho de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

Disposições legislativas pertinentes da região da Sicília

1.
    O artigo 2.° da Legge n.° 119 da região da Sicília, de 13 de Dezembro de 1983, relativa às intervenções no que respeita ao crédito nos sectores da indústria, do comércio, do artesanato, da pesca e da cooperação (Gazzetta ufficiale dellaRepubblica italiana n.° 51, de 21 de Fevereiro de 1984, a seguir «Lei regional n.° 119/83»), prevê que as suas disposições se apliquem às «empresas industriais que exerçam a sua actividade no território da região e que tenham por objecto valorizar os recursos económicos e as possibilidades de trabalho da Sicília». O artigo 3.° dessa mesma lei, tal como foi alterado pelo artigo 31.°, n.° 1, da Legge n.° 25 da região da Sicília, de 1 de Setembro de 1993, relativa às intervenções extraordinárias a favor do emprego produtivo na Sicília (Gazzetta ufficiale della Regione Siciliana n.° 42, de 6 de Setembro de 1993, a seguir «Lei regional n.° 25/93»), prevê que o fundo de rotação instituído junto da Irfis-Mediocredito della Sicilia SpA (a seguir «Irfis») seja utilizado com vista ao financiamento de encomendas obtidas por empresas industriais, que requeiram prazos de natureza técnica e/ou imobilizações de particular importância.

2.
    Essa Lei regional n.° 25/93 foi notificada à Comissão e, mais tarde, aprovada por esta por Decisão SG(94) D/3031, de 3 de Março de 1994, auxílio estatal C 12/92 (ex NN 113/A/93) - Itália - Sicília, dirigida ao Governo italiano (a seguir «decisão de aprovação do regime siciliano»). Essa decisão expõe, nomeadamente, o que se segue:

«[...] Por carta de 6 de Maio de 1992 [...], a Comissão informou o governo de V. Ex.a da abertura de um procedimento, nos termos do disposto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CE, relativo à Lei regional n.° 23/1991 da região da Sicília relativa a intervenções extraordinárias em favor da indústria (auxílio C 12/92).

[...]

Contudo, tendo em conta a urgência invocada pelas autoridades italianas quanto a uma tomada de posição da Comissão sobre as medidas em causa e a disponibilidade das informações relativas aos artigos 13.° da Lei n.° 23/1991 e 30.°-31.° da Lei n.° 25/1993, a Comissão decidiu retirar a reserva manifestada sobre esse ponto específico nas condições a seguir indicadas. As disposições supramencionadas prevêem medidas de auxílio em favor das empresas que operam na Sicília sob a forma de um adiantamento, à taxa reduzida de 4%, de 30% do montante contratual das encomendas conseguidas por essas empresas. Essa intervenção é motivada pela necessidade de compensar a actual inaplicação da intervenção extraordinária do Estado no Sul da Itália e pelo elevado custo do dinheiro na Sicília.

Embora se trate, aqui, de auxílios ao funcionamento, em princípio, contrários ao direito comunitário, a Comissão teve em conta as condições económicas e sociais da Sicília, região em atraso de desenvolvimento e com elevada taxa de desemprego.

Por essas razões e em conformidade com o que prevêem as modalidades de aplicação das derrogações aos auxílios com finalidade regional (JO C 212 de 12 de Agosto de 1988, p. 2-5), a Comissão decidiu autorizar uma derrogação para osauxílios em questão de harmonia com o disposto no artigo 92.°, n.° 3, a), do Tratado CE, na medida em que essas intervenções se destinem a favorecer o desenvolvimento económico de uma região que apresenta um nível de vida anormalmente baixo e um alto nível de desemprego. Todavia, a fim de evitar eventuais distorções do funcionamento normal do mercado que possam decorrer de uma aplicação prolongada das medidas em questão, a Comissão decidiu limitar a sua aprovação às medidas que ocorrerem antes de 31 de Dezembro de 1994, na base do crédito actualmente disponível de 50 mil milhões de [ITL] (+/-27 MECU), e de excluir qualquer eventual prorrogação do refinanciamento dessas disposições.

A Comissão deseja chamar a atenção do Governo italiano para o facto de a aplicação das referidas disposições estar sujeita às regras e disciplina comunitárias relativas a alguns sectores da indústria, da agricultura e da pesca, bem como às empresas agrícolas organizadas segundo critérios industriais. [...]»

3.
    A Legge n.° 20 da região da Sicília, de 1 de Março de 1995, intitulada «Integração e alteração da Lei regional n.° 119, de 13 de Dezembro de 1983, completada e alterada posteriormente, relativa aos créditos concedidos para a aquisição de encomendas pelas empresas industriais. Regras de interpretação autêntica do artigo 9.° da Lei regional n.° 27, de 15 de Maio de 1991», (a seguir «Lei regional n.° 20/95» ou «Lei n.° 20/95»), contém um primeiro artigo, intitulado «Integração e alteração do artigo 3.° da Lei regional n.° 119/1983», formulado da seguinte forma:

    «1. Os financiamentos referidos no artigo 3.° da Lei regional n.° 119, de 13 de Dezembro de 1983, alterada pelo artigo 31.° da Lei regional n.° 25, de 1 de Setembro de 1993, são igualmente concedidos às empresas sujeitas ao processo de administração extraordinária previsto pela Lei n.° 95, de 3 de Abril de 1979.

    2. Os financiamentos consentidos às empresas mencionadas no n.° 1 são acompanhados de garantias hipotecárias e, mesmo que não sejam do primeiro grau, de privilégios sobre os bens da empresa numa proporção não superior a 50% dos adiantamentos concedidos, ou, em alternativa, na hipótese de a empresa a isso ter sido autorizada, da garantia pública prevista no artigo 2.°-A do Decreto-Lei n.° 26, de 20 de Janeiro de 1979, convertido com alterações na Lei n.° 95, de 3 de Abril de 1979, num montante igual a 50% do adiantamento concedido.»

Disposições legislativas pertinentes da região da Sardenha

4.
    O artigo 1.° da Legge n.° 66 da região da Sardenha, de 10 de Dezembro de 1976, que institui um fundo de protecção dos níveis de produção e de emprego no sector industrial (Bolletino ufficiale della Regione Autonoma della Sardegna n.° 1054, de 14 de Dezembro de 1976, a seguir «Lei regional n.° 66/76» ou «Lei n.° 66/76»), prevê a consituição de um fundo ad hoc destinado a garantir a salvaguarda dos níveis deprodução e de emprego no sector industrial e a facilitar o restabelecimento financeiro, técnico e económico de empresas industriais que tenham a sua sede legal e as suas instalações na Sardenha e que tenham dificuldades em prosseguir as suas actividades, se bem que possuam um valor produtivo determinado. Esse fundo foi instituído, nomeadamente, junto da Società Finanziaria Industriale Rinascita Sardegna (a seguir «Sfirs»).

5.
    Esse regime de auxílio sardo foi notificado à Comissão pelas autoridades italianas em 3 de Agosto de 1984. Por nota de 28 de Junho de 1985, essas autoridades comunicaram à Comissão um projecto de directivas de aplicação da Lei regional n.° 66/76 que especifica o que se segue: «Só podem beneficiar dos empréstimos as pequenas e médias empresas cujos investimentos fixos não ultrapassem 7 mil milhões de liras italianas e que não empreguem mais de 100 assalariados [Possono beneficiare dei mutui soltanto le piccole e medie imprese, aventi investimenti fissi non superiori a 7 miliardi di Lire e nei limiti di 100 addetti.]»

6.
    Esse regime de auxílio foi objecto de uma decisão de aprovação da Comissão, comunicada por nota SG(85) D/9533, de 25 de Julho de 1985 (a seguir «decisão de aprovação do regime sardo»). Essa decisão está redigida nos seguintes termos:

«[...] Tenho a honra de comunicar a V. Ex.a que, tendo em conta as adaptações introduzidas nos regimes pelas directivas de aplicação que emanam da Região, a Comissão considerou oportuno retirar as suas reservas no que respeita às medidas previstas pela Lei regional n.° 66/1976 e pelo artigo 14.° da Lei regional n.° 31/1983. No seu exame, a Comissão teve particularmente em conta o facto de se tratar de dois regimes em favor de pequenas e médias empresas, de a taxa de juro a cargo do beneficiário ser em geral da ordem dos 8%, de o financiamento só poder ocorrer uma única vez para cada empresa e de essas empresas operarem em sectores ao nível essencialmente local, numa região desfavorecida [...].

No que respeita à Lei n.° 66/1976 sobre as empresas em dificuldade, a Comissão deu conta, em particular, das limitações relativas à dimensão das empresas beneficiárias (efectivo limitado a 100 e investimentos fixos não superiores a 7 mil milhões de [ITL]), da não cumulação desse regime com outros auxílios com idêntica finalidade, bem como do facto de os sectores da química e das fibras sintéticas, da mesma forma que o dos têxteis e do vestuário, não poderem, em princípio, beneficiar desse regime [...].

[...]

A Comissão decidiu, por isso, arquivar o procedimento aberto de harmonia com o disposto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CEE, contra o artigo 49.° da Lei n.° 26/84 da região da Sardenha. [...]»

7.
    Em 22 de Outubro de 1985, a Giunta da Região Autónoma da Sardenha adoptou formalmente directivas de aplicação da Lei regional n.° 66/76, idênticas às aprovadas no quadro da decisão de aprovação do regime sardo. Por decisão de 6 de Novembro de 1986, essa Giunta adoptou, todavia, novas directivas de aplicação dessa lei. O artigo 2.° dessas novas directivas prevê: «Só podem beneficiar do financiamento as pequenas e médias empresas com investimentos fixos não superiores a 7 mil milhões de liras, calculados na base do valor do balanço, limpos de amortizações técnicas e de eventuais revalorizações monetárias. O financiamento é proporcional ao limite máximo de 100 assalariados.»

8.
    Essas directivas foram, em seguida, outra vez alteradas, por decisões de 23 de Junho de 1992 e de 1 de Junho de 1993 da Giunta da Região Autónoma da Sardenha. As condições postas pelas directivas de aplicação da Lei regional n.° 66/76, tal como foram alteradas, são nomeadamente as seguintes: limitação dos financiamentos às empresas cujos investimentos fixos não ultrapassem 80 mil milhões de liras italianas (ITL); respeito do parâmetro constituído pela relação entre o número de pessoas empregadas e o montante unitário do financiamento (65 milhões de ITL por pessoa); limite máximo fixado em 100 pessoas. Essas novas directivas não foram notificadas à Comissão antes da sua aplicação.

Orientações comunitárias relativas aos auxílios de Estado de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade

9.
    As orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1994, C 368, p. 12, a seguir «orientações sobre as empresas em dificuldade»), tal como foram alteradas em 1997 (JO 1997, C 283, p. 2), especificam, nomeadamente, que os auxílios à reestruturação só podem ser autorizados no respeito de condições rigorosas. Um plano de reestruturação apresentado nesse contexto deve, em particular, preencher o conjunto das seguintes condições gerais:

«i) Restauração da viabilidade

A condição sine qua non de todos os planos de reestruturação reside no restabelecimento, num período razoável, da viabilidade a longo prazo da empresa, com base em hipóteses realistas no que diz respeito às suas condições futuras de exploração. Por consequência, o auxílio à reestruturação deve estar associado a um programa de reestruturação/recuperação viável, que deve ser apresentado à Comissão com todos os dados relevantes. [...] Para satisfazer o critério da viabilidade, o plano de reestruturação deve permitir à empresa cobrir todos os seus custos, incluindo as amortizações e os encargos financeiros, bem como obter uma rendibilidade mínima do capital que lhe permita, depois da sua reestruturação, não ter de novo de solicitar auxílios estatais e competir no mercado contando apenas com as suas próprias capacidades. [...]

ii) Evitar distorções indevidas da concorrência

Uma outra condição imposta aos auxílios à reestruturação é que sejam tomadas medidas para atenuar tanto quanto possível as consequências desfavoráveis para os concorrentes. A não ser assim, o auxílio seria contrário ao interesse comum e não poderia beneficiar de qualquer derrogação com base no n.° 3, alínea c), do artigo 92.° Quando uma avaliação objectiva da situação da procura e da oferta revela a existência de um excesso de capacidade estrutural [...] no mercado da Comunidade Europeia em que o beneficiário opera, o plano de reestruturação deve dar uma contribuição, proporcional ao auxílio recebido, para a reestruturação do sector que serve esse mercado na Comunidade Europeia, através de uma redução ou de uma suspensão irreversíveis da capacidade. [...] Pode ser autorizada uma atenuação do princípio da exigência de redução proporcional das capacidades se essa redução for susceptível de conduzir a uma deterioração manifesta da estrutura do mercado, por exemplo ao criar um monopólio ou uma situação de oligopólio muito restrito. [...]

iii) Auxílio proporcional aos custos e benefícios da reestruturação

O montante e a intensidade do auxílio devem ser limitados ao mínimo rigorosamente necessário para permitir a reestruturação e devem ser proporcionais aos benefícios previstos do ponto de vista comunitário. Por tais razões, os beneficiários do auxílio devem normalmente contribuir de maneira significativa para o plano de reestruturação com recursos próprios ou através de um financiamento externo obtido em condições de mercado. [...]»

Comunicações e orientações da Comissão relativas aos auxílios regionais

10.
    No ponto I.6 da comunicação da Comissão sobre as modalidades de aplicação do n.° 3, alíneas a) e c), do artigo 92.° aos auxílios com finalidade regional (JO 1988, C 212, p. 2), especifica-se:

    «[...] algumas regiões podem enfrentar custos de tal modo importantes e desvantagens em infra-estruturas tais que mesmo a manutenção do investimento existente é extremamente difícil. Nas fases iniciais do desenvolvimento, a manutenção do investimento existente, possivelmente numa base a curto ou a médio prazo, pode constituir uma condição sine qua non para a atracção de novo investimento, que, por sua vez, contribuirá para o desenvolvimento da região. [...] Reconhecendo as dificuldades especiais destas regiões, a Comissão pode, através de uma derrogação, autorizar certos auxílios ao funcionamento nas regiões abrangidas pelo n.° 3, alínea a), do artigo 92.° nas seguintes condições: [..] desde que tais auxílios não sejam concedidos em violação das regras específicas relativas a auxílios concedidos a empresas em dificuldade; [..]».

Factos que deram origem ao litígio

11.
    As duas recorrentes, Keller SpA (a seguir «Keller») e Keller Meccanica SpA (a seguir «Keller Meccanica»), no momento da introdução do presente recurso, pertenciam ao grupo industrial Keller, do sector da construção de material circulante ferroviário. A Keller tem sede na Sicília e tem ao seu serviço 294 trabalhadores. A Keller Meccanica, controlada a 100% pela Keller, tem sede na Sardenha e emprega 319 trabalhadores. Uma parte considerável das actividades destas sociedades provinha das encomendas feitas pelas Ferrovie dello Stato (Caminhos de Ferro do Estado italiano). As propostas destas sociedades tinham sido igualmente aprovadas no quadro de um certo número de concursos lançados noutros Estados-Membros, nomeadamente na Alemanha. Todavia, no início dos anos 90, a procura de material circulante ferroviário conheceu uma significativa redução. Paralelamente, o endividamento das recorrentes aumentou de forma exponencial. Em aplicação da Legge n.° 95/79, de 3 de Abril de 1979, relativa ao regime de administração extraordinária (Gazzetta ufficiale della Republica italiana n.° 94, de 4 de Abril de 1979, a seguir «Lei n.° 95/79»), as duas recorrentes foram colocadas sob esse regime por decretos ministeriais com datas, respectivamente, de 16 de Junho e 3 de Agosto de 1994.

12.
    Um programa de recuperação apresentado pelo administrador extraordinário e baseado nas encomendas existentes junto de cada uma das recorrentes foi aprovado por decreto ministerial de 22 de Dezembro de 1994 (a seguir «programa de recuperação»). As outras empresas do grupo Keller foram postas em liquidação. Entre os financiamentos obtidos nesse contexto, a Keller usufruiu de um empréstimo bonificado de 33 839 milhões de ITL, concedido pela Irfis, e a Keller Meccanica de um empréstimo bonificado de 6 500 milhões de ITL, concedido pela Sfirs. Ambos os empréstimos foram concedidos a taxas de juro (respectivamente de 4% e 5%) inferiores à taxa de referência para a Itália no momento da sua concessão (11,35% em 1995).

13.
    Mais precisamente, por contrato com data de 29 de Dezembro de 1994, a Irfis comprometeu-se a abrir à Keller uma linha de crédito, em conformidade com a Lei regional n.° 25/93. Esse contrato foi celebrado na base do programa de recuperação, com vista à execução de encomendas já feitas, de um montante de 126 131 milhões de ITL. Por convenção de 22 de Dezembro de 1995, após ter registado o facto de a garantia do Estado não poder ser obtida, as partes alteraram as formas de garantias previstas pelo contrato inicial, confirmando, quanto ao resto, as condições do financiamento. O financiamento foi concedido em Abril de 1996.

14.
    Por contrato de 14 de Dezembro de 1995, a Sfirs concedeu à Keller Meccanica um empréstimo, de harmonia com o artigo 2.°, alínea a), da Lei regional n.° 66/76, com vista a permitir a realização do programa de recuperação.

15.
    Por cartas de 12 de Abril e 2 de Maio de 1996, o Governo italiano notificou à Comissão a sua intenção de conceder garantias públicas às recorrentes no quadro dos empréstimos bonificados, já referidos.

16.
    Numa nota de 20 de Setembro de 1996 intitulada «C.E. - Lei regional de 1 de Março de 1995 Auxílio de Estado em favor do grupo Keller (auxílio n.° 316/96)», dirigida ao Ministério da Indústria, do Comércio e do Artesanato italiano, mais tarde comunicada à Comissão, a região da Sicília considerou que «a Lei regional n.° 20/95 estendeu às empresas em administração extraordinária os benefícios previstos no artigo 31.° da Lei regional n.° 25/93, a aplicar aos créditos, aliás já autorizados, mas ainda não utilizados».

17.
    Devido às informações insuficientes fornecidas pelas autoridades italianas e às sérias dúvidas que lhe inspiravam as medidas notificadas, a Comissão decidiu, em 5 de Março de 1997, dar início ao procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 2, CE) em relação ao empréstimo bonificado concedido pela Irfis à Keller a uma taxa de juro anual de 4%, ao empréstimo bonificado concedido pela Sfirs à Keller Meccanica a uma taxa de juro anual de 5% e ao projecto de conceder garantias públicas à Keller e à Keller Meccanica, a fim de cobrir 50% dos empréstimos bonificados supramencionados.

18.
    Foi publicada em 7 de Maio de 1997 no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO C 140, p. 12) uma cópia da carta que a Comissão endereçou às autoridades italianas. Nenhuma observação de terceiros chegou à Comissão no quadro do procedimento administrativo. Por carta de 19 de Maio de 1997, as autoridades italianas apresentaram as suas observações sobre a abertura desse procedimento. Juntaram a essa carta uma nota da região da Sicília, de 21 de Abril de 1997, em que esta especifica nomeadamente: «[...] trata-se da Lei regional n.° 119 de 1983, alterada pela Lei regional n.° 25 de 1993 no quadro da qual a operação de empréstimo foi completada pela Irfis, segundo as condições prescritas, de facto, pela União Europeia. No que toca, em contrapartida, à Lei regional n.° 20 de 1995, esta não tem qualquer influência sobre os prazos: esta, na realidade, pretendeu simplesmente tornar exequível uma operação concluída anteriormente. [...]»

19.
    Por carta de 27 de Janeiro de 1998, as autoridades italianas informaram a Comissão de que as garantias públicas não seriam concedidas e retiraram a notificação que a elas se reportava. A Comissão encerrou, portanto, nessa medida, o procedimento a título do artigo 93, n.° 2, do Tratado.

Decisão impugnada e tramitação do processo

20.
    Em 1 de Julho de 1998, a Comissão adoptou a Decisão 99/195/CE, relativa aos auxílios já concedidos e a conceder pela Itália a favor da Keller SpA e da Keller Meccanica SpA (JO 1999, L 63, p. 55, a seguir «decisão impugnada»).

21.
    A Comissão impôs a adopção, pelas autoridades italianas, de medidas apropriadas para garantir a recuperação dos auxílios pagos ilegalmente. A fim de pôr em execução a decisão impugnada, a Irfis e a Sfirs convidaram, respectivamente pornotas de 14 e 18 de Dezembro de 1998, a Keller e a Keller Meccanica a restituir esses auxílios.

22.
    A decisão impugnada contém nomeadamente as seguintes menções:

«IV [...] B. O empréstimo bonificado de 33 839 milhões de liras italianas concedido à Keller SpA

No momento do início do processo, a Comissão declarou que as autoridades italianas tinham afirmado anteriormente que o empréstimo tinha sido concedido em 22 de Abril de 1996, ao abrigo da Lei regional 20/1995, através da qual a região da Sicília tinha alargado os benefícios dos artigos 30.° e 31.° da Lei regional 25/1993 às empresas submetidas a administração extraordinária. As medidas previstas nos artigos 30.° e 31.° da Lei regional 25/1993 tinham sido aprovadas pela Comissão em 1994 [...] Visto que a Lei regional 20/1993 constituía uma alteração da Lei regional 25/1993, a Comissão considerou-a como parte integrante do regime original objecto de exame (auxílio estatal NN 113/A/93 - Itália). [...]

Por carta de 20 de Setembro de 1996 [...], a região da Sicília informou que a Lei regional 20/1995 alargava às empresas submetidas a administração extraordinária os benefícios da Lei regional 25/1993. Além disso, numa carta de 21 de Abril de 1997 [...], a região da Sicília referiu que a Lei regional 20/1995 tinha por objectivo tornar exequível uma operação concluída anteriormente.

Este facto demonstra que a Lei regional 25/1993 não era aplicável às empresas em administração extraordinária ao abrigo do artigo 2.°-A da Lei 95/1979. Esta circunstância é confirmada igualmente pelo facto de as autoridades italianas terem decidido em 14 de Março de 1995 notificar à Comissão, nos termos do n.° 3 do artigo 93.° do Tratado, as alterações estabelecidas pela Lei regional 25/1993. [...]

Além disso, o empréstimo bonificado foi concedido antes da adopção das alterações que o autorizavam e antes de a Comissão poder tomar uma posição sobre o mesmo. O elemento do auxílio contido no empréstimo bonificado deve portanto considerar-se ilegal [...]. A Comissão deve portanto considerar o auxílio em questão como uma nova medida individual, não abrangida pelo regime. [...]

C. O empréstimo bonificado de 6 500 milhões de liras italianas concedido à Keller Meccanica SpA

[...] No momento do início do processo, a Comissão observou que o empréstimo bonificado não preenchia as condições com base nas quais a Comissão tinha autorizado o regime de auxílios (auxílio estatal C 4/85 - Itália), em especial no que se refere à dimensão dos eventuais beneficiários. O regime de auxílios, tal como aprovado pela Comissão, estabelecia que os beneficiários deviam ser apenas as empresas que tivessem investimentos fixos não superiores a 7 000 milhões de liras italianas e um máximo de 100 trabalhadores. Segundo as informações fornecidaspelas autoridades italianas antes do início do processo, a Keller Meccanica SpA tinha ao seu serviço 319 trabalhadores e investimentos fixos globais de 53 466 milhões de liras italianas. [...]

No que se refere ao empréstimo bonificado a favor da Keller Meccanica SpA, a Comissão observa que os critérios de admissibilidade tinham sido claramente estabelecidos na sua decisão de 1985 (auxílio estatal C 4/85 - Itália). A carta enviada às autoridades italianas para as informar da decisão da Comissão estabelece expressamente que 'a Comissão registou os limites colocados à dimensão das empresas beneficiárias (um máximo de 100 trabalhadores e 7 000 milhões de liras italianas de investimentos fixos)'. O limite de 100 trabalhadores deve, portanto, ser entendido como um critério dimensional e um limite máximo. Mesmo admitindo que as autoridades italianas tivessem considerado que a decisão da Comissão não reflectia o significado do regime notificado, a verdade é que não a impugnaram perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no prazo estabelecido. A decisão é portanto definitiva e irrevogável.

Dado que o regime aprovado não previa um mecanismo de adequação dos parâmetros de auxílio e de admissibilidade dos beneficiários, as alterações posteriores são substanciais e deviam ser notificadas à Comissão nos termos do n.° 3 do artigo 93.° do Tratado. Visto que esta notificação não foi efectuada, não se pode considerar que em relação ao empréstimo bonificado já concedido a favor da Keller Meccanica SpA seja válida a autorização concedida pela Comissão para este regime. [...]

V [...] As orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade estabelecem que os auxílios a favor da recuperação e reestruturação de empresas em dificuldade, pela sua própria natureza, falseiam a concorrência e afectam as trocas comerciais entre os Estados-Membros. A distorção da concorrência e a afectação das trocas comerciais são confirmadas igualmente pela situação existente no sector em que operam ambas as sociedades.

O sector do material circulante compreende a fabricação de equipamentos para os caminhos-de-ferro e para o transporte urbano sobre carris [...]. Após um período de estagnação que se prolongou da metade dos anos 80 até ao fim da década, a procura cresceu rapidamente de 1991 até 1994. Quer a produção, quer o consumo registaram uma ligeira redução em 1994 [...] após o que ambos sofreram uma quebra acentuada [...] situando-se a níveis inferiores aos de 1992.

A procura neste sector concentra-se num pequeno número de clientes [...]. A procura de material circulante depende da política a longo prazo em matéria de infra-estruturas e de transporte, que são por sua vez influenciadas pelo clima político e económico. Visto que o mercado é constituído por um número muito limitado de clientes, que realizam de tempos a tempos grandes projectos que emgeral duram vários anos, a concorrência entre os fornecedores é sempre extremamente intensa. [...]

VI As autoridades italianas definiram em termos de auxílio à reestruturação a garantia pública proposta para uma parte dos empréstimos bonificados a favor da Keller SpA e da Keller Meccanica SpA. Consequentemente, também os empréstimos devem ser considerados como auxílios financeiros à reestruturação. [...]

No caso presente, o auxílio destina-se a permitir às duas empresas finalizar as encomendas existentes. [...] Além disso, como será explicado a seguir, os planos comunicados à Comissão destinam-se unicamente à finalização das encomendas e não podem ser considerados como planos de reestruturação capazes de restituir a eficiência económica-financeira a longo prazo às empresas. [...]

Para efeitos da aprovação do auxílio por parte da Comissão, o plano de reestruturação deve satisfazer [quatro condições cumulativas]. [...]

[...] O plano financeiro apresentado à Comissão pela Keller SpA prevê, após a execução das encomendas, um resultado final positivo de 1 805 milhões de liras italianas. No caso da Keller Meccanica SpA, o resultado final previsto é de 8 300 milhões de liras italianas. [...]

No momento do início do processo, nenhuma das duas empresas tinha novas encomendas. A Comissão não podia concluir que os planos de reestruturação previstos para ambas as empresas restituíssem a rendibilidade económica-financeira a longo prazo, porque mesmo considerando a finalização das encomendas existentes, os resultados perspectivados não eram suficientes para permitir que as empresas saneassem as perdas anteriores. [...]

Com base nas informações acima referidas, a Comissão não pode alterar as suas conclusões preliminares, ou seja, que 'o programa de recuperação' concebido pelo comissário extraordinário para a Keller SpA e para a Keller Meccanica SpA no quadro da Lei 95/1979 representa apenas um plano financeiro destinado à finalização das encomendas existentes no momento da aplicação da lei. O programa de recuperação não pode ser considerado um plano de reestruturação, tal como definido nas orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, dado que não representa um plano exequível, coerente e de longa duração capaz de restituir a eficiência económica-financeira a longo prazo. Para cumprir o critério de rendibilidade, o plano de reestruturação deve ser considerado como adequado para permitir à empresa cobrir a totalidade dos seus custos, incluindo as amortizações e os encargos financeiros e permitir além disso um mínimo de rendimento do capital, a fim de garantir que, após a realização do programa de reestruturação, a empresa não tenha necessidade de mais injecções de auxílios estatais e estará emcondições de enfrentar a concorrência no mercado, baseando-se apenas nos seus recursos.

No caso em apreço é óbvio que isto não se verifica. A medida é destinada a manter em actividade ambas as empresas durante um período transitório limitado, enquanto não for encontrado um comprador privado. [...] Deve portanto concluir-se que a primeira e mais importante condição estabelecida pelas orientações comunitárias [...] não está preenchida.

Do mesmo modo, não está preenchida a condição relativa à prevenção das distorções indevidas da concorrência induzidas pelo auxílio, visto que durante o período transitório ambas as empresas são mantidas artificialmente em vida em detrimento dos concorrentes não subsidiados que operam no sector. Além disso, não se exclui que as duas empresas recebam novas encomendas.

Assim, os elementos de auxílio contidos nos empréstimos bonificados [...] não podem beneficiar da derrogação prevista no n.° 3, alínea c), do artigo 92.°, que é a única aplicável aos auxílios de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade. [...]

Por outro lado, o facto de as duas empresas estarem sujeitas à administração extraordinária não altera as conclusões da Comissão. [...]

VII Os elementos de auxílio equivalem à diferença entre as taxas de juro aplicadas às empresas e a taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente-subvenção líquido dos auxílios regionais em Itália em 1995, ou seja, 11,35%. Deste facto se deduz que existe um elemento de auxílio de 4 288 milhões de liras italianas relativamente ao empréstimo bonificado concedido à Keller SpA e um elemento de auxílio de 903 milhões de liras italianas para o empréstimo bonificado concedido à Keller Meccanica SpA. [...]

Artigo 1.°

As condições em que foram concedidos os empréstimos bonificados [...] não correspondem às previstas pelos regimes de auxílio regional aprovados pela Comissão. Além disso, os referidos empréstimos foram concedidos antes de a Comissão, nos termos do n.° 3 do artigo 93.° do Tratado, formular as suas acusações sobre as alterações aprovadas posteriormente.

Artigo 2.°

Os auxílios concedidos sob forma de bonificação dos juros, num montante de 4 288 milhões de liras italianas a favor da Keller SpA e de 903 milhões de liras italianas a favor da Keller Meccanica SpA, são ilegais.

Estes auxílios não podem beneficiar de qualquer das derrogações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 92.° [...], sendo portanto incompatíveis com o mercado comum nos termos do n.° 1 do artigo 92.° do Tratado [...].

Artigo 3.°

A Itália deve adoptar as medidas adequadas para assegurar a recuperação dos auxílios pagos ilegalmente referidos no artigo 2.° A recuperação é determinada em conformidade com as normas processuais em vigor em Itália.

Os montantes a recuperar são acrescidos de juros a contar da data do pagamento dos auxílios até à data da sua recuperação efectiva. [...]»

23.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Fevereiro de 1999, as recorrentes interpuseram o presente recurso, sem esperar a publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial.

24.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Julho de 1999, a República Italiana pediu para intervir em apoio dos pedidos das recorrentes. Por despacho de 24 de Novembro de 1999, o presidente da Segunda Secção Alargada deferiu esse pedido

25.
    A República Italiana apresentou o seu articulado de intervenção em 19 de Janeiro de 2000.

26.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) decidiu dar início à fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a responder a algumas questões escritas e a apresentar determinados documentos. As partes acederam a esses pedidos.

27.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões orais do Tribunal na audiência de 6 de Junho de 2001.

Pedidos das partes

28.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    declarar que os auxílios em litígio não podem ser recuperados;

-    a título subsidiário, anular o dispositivo da decisão impugnada relativo aos cálculos dos juros sobre os montantes a recuperar;

-    condenar a Comissão nas despesas.

29.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar solidariamente as recorrentes nas despesas do processo.

30.
    A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar procedentes os pedidos das recorrentes;

-    condenar a Comissão na totalidade das despesas, incluindo as efectuadas pela interveniente.

Quanto ao mérito

Quanto aos primeiro e segundo aspectos do pedido

31.
    As recorrentes invocam, em substância, quatro fundamentos em apoio do primeiro aspecto do pedido relativo à anulação da decisão impugnada. O primeiro desses fundamentos é tirado de uma interpretação errada da legislação italiana aplicável e, portanto, de uma aplicação errada do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE), bem como de uma fundamentação insuficiente no que respeita ao empréstimo bonificado concedido à Keller; o segundo prende-se com uma interpretação errada da legislação italiana aplicável e, portanto, com uma aplicação errada do artigo 92.° do Tratado, bem como com uma fundamentação insuficiente no que respeita ao empréstimo bonificado concedido à Keller Meccanica; o terceiro é tirado de uma violação das orientações sobre as empresas em dificuldade, de uma aplicação errada do artigo 92.° do Tratado e de uma violação do dever de fundamentação; finalmente, o quarto prende-se com uma violação do dever de fundamentação no que respeita à referência à legislação italiana relativa ao regime de administração extraordinária.

32.
    Há que salientar que o segundo aspecto do pedido, pelo qual as recorrentes pedem que se declare que os auxílios em litígio não podem ser recuperados, visa, na realidade, a anulação parcial da decisão impugnada, mais precisamente, do seu artigo 3.°, primeiro parágrafo, que prevê a recuperação dos auxílios pagos ilegalmente.

33.
    Por outro lado, há igualmente que salientar que as recorrentes não invocam qualquer fundamento específico em apoio desse segundo aspecto do pedido. O Tribunal considera, por isso, oportuno tratar conjuntamente os dois primeiros aspectos do pedido.

Quanto ao primeiro fundamento, tirado de uma interpretação errada da legislação italiana aplicável e, portanto, de uma aplicação errada do artigo 92.° do Tratado, bem como de uma fundamentação insuficiente no que respeita ao empréstimo bonificado concedido à Keller

- Apresentação sucinta da argumentação das partes

34.
    As recorrentes salientam, em primeiro lugar, que, na decisão impugnada, a Comissão considerou que a Lei regional n.° 25/93 não era aplicável às empresas em administração extraordinária.

35.
    Ora, expõem, a esse propósito, que, por virtude do artigo 3.° da Lei regional n.° 25/93, objecto da decisão de aprovação do regime siciliano, a Keller estava apta a receber o empréstimo bonificado em litígio.

36.
    A alegação segundo a qual a Lei regional n.° 25/93 não era aplicável às empresas em administração extraordinária era desprovida de fundamento, em primeiro lugar, porque essa lei visava promover o financiamento de encomendas obtidas por «empresas industriais» em sentido amplo, sem que nenhum elemento permita excluir a sua aplicação às empresas em administração extraordinária. A interveniente apoia a argumentação das recorrentes a esse propósito. Em segundo lugar, segundo as recorrentes, a sua interpretação da Lei regional n.° 25/93 e da Lei n.° 95/79 não é contrariada pelo facto de se ter precisado, na Lei regional n.° 20/95, que as empresas em administração extraordinária tinham igualmente acesso a esses financiamentos. As disposições em causa dessa última lei teriam, com efeito, um valor interpretativo, porquanto visavam unicamente precisar o âmbito de aplicação de disposições anteriores.

37.
    Sublinham ainda que a Comissão alega em apoio da sua tese que as autoridades italianas afirmaram, na correspondência que precedeu a abertura do procedimento administrativo, que o financiamento fora concedido em virtude da Lei regional n.° 20/95. Salientam que, efectivamente, em cartas com datas de 20 de Setembro de 1996 e de 21 de Abril de 1997, a região da Sicília afirmou que a Lei regional n.° 20/95, por um lado, tinha alargado às empresas em administração extraordinária as vantagens previstas pela Lei regional n.° 25/93 e, por outro, visava permitir a execução de uma operação concluída anteriormente. Lembram, todavia, que as disposições legislativas devem ser interpretadas na base do seu texto formal e de critérios de lógica e de sistemática jurídicas. Ora, o facto de o artigo 3.° da Lei regional n.° 25/93 excluir certos sectores (electricidade, petroquímica, etc.), confirma, em sua opinião, que o legislador italiano indicou expressamente os limites de aplicação dos empréstimos bonificados e quis que, para lá desses limites, o regime fosse acessível a todas as empresas industriais locais.

38.
    Na sua réplica, as recorrentes alegam, em segundo lugar, que, na decisão impugnada, a Comissão corrigiu largamente e precisou a argumentação desenvolvida no quadro da decisão de abertura do procedimento administrativo,nomeadamente no que diz respeito à determinação da legislação siciliana aplicável. Ora, o raciocínio errado que a Comissão seguira inicialmente viciara a instrução do presente processo, impedindo, nomeadamente, os interessados de fazer valer o seu ponto de vista de forma adequada.

39.
    As recorrentes sustentam ainda que o exame do empréstimo bonificado concedido à Keller, efectuado pela Comissão, é superficial e teve por consequência uma apreciação errada aquando da aplicação do artigo 92.° do Tratado ao caso em apreço. Finalmente, a tese da Comissão quanto ao empréstimo, que não estava escorada em qualquer argumento jurídico baseado na letra ou na ratio da legislação em apreço, não constituía uma fundamentação adequada da decisão impugnada.

40.
    A Comissão contesta a procedência destes argumentos e conclui, por isso, que o empréstimo bonificado concedido à Keller não satisfazia as condições do regime de auxílio em causa, tal como fora aprovado por si, e, por conseguinte, fora concedido ilegalmente.

- Apreciação do Tribunal

41.
    Tal como a Comissão justamente salientou, o primeiro fundamento refere-se, em primeiro lugar, à procedência da apreciação dessa instituição relativamente à questão de saber se as condições de concessão do empréstimo bonificado obtido pela Keller eram conformes às disposições das Leis regionais n.° 119/83 e n.° 25/93, que constituem o regime visado pela decisão de aprovação do regime siciliano.

42.
    Deve examinar-se a apreciação que a Comissão fez do auxílio concedido à Keller relativamente ao conteúdo da decisão de aprovação do regime siciliano, à luz das informações que lhe tinham fornecido as autoridades italianas no decurso do procedimento administrativo que precedeu a adopção da decisão impugnada.

43.
    A esse propósito, há que salientar, em primeiro lugar, que a Comissão dispunha, no momento da adopção da decisão impugnada, da nota da região da Sicília de 20 de Setembro de 1996 (v., supra, n.° 16). Essa nota refere-se, no seu título, tanto à Lei n.° 20/95 como à Keller. Nela se especifica, além disso, que a Lei n.° 20/95 estendeu o benefício da Lei n.° 25/93 às empresas em regime de administração extraordinária. Esta precisão constitui um primeiro elemento que pode legitimamente levar a Comissão à conclusão de que a sua aprovação do regime siciliano não podia ser considerada como incluindo as sociedades colocadas sob esse regime de administração extraordinária.

44.
    Deve salientar-se, em seguida, que a Comissão dispunha da carta da região da Sicília de 21 de Abril de 1997 (v., supra, n.° 18). Essa carta podia legitimamente confirmar a conclusão supra-referida, na medida em que nela se precisa que a Lei n.° 20/95 visava «tornar exequível uma operação concluída anteriormente».

45.
    Finalmente, a proposta de lei n.° 20/95, tal como foi notificada à Comissão, tendo presente o seu título e o seu texto, sendo este último idêntico ao da própria lei, podia igualmente induzir a Comissão a considerar que a Lei n.° 25/93, tal como aprovada, excluía do seu âmbito de aplicação as empresas colocadas sob o regime de administração extraordinária. Com efeito, o artigo 1.° da Lei n.° 20/95 dispunha que o artigo 3.° da Lei regional n.° 119/83, tal como foi alterado pelo artigo 31.° da Lei regional n.° 25/93, se aplicava também a essas empresas. Além disso, esse artigo 1.° intitulava-se «Integração e alteração do artigo 3.° da Lei regional 119/83», por contraste com o artigo 2.° dessa mesma Lei n.° 20/95, que tinha por título «Normas de interpretação autêntica do artigo 9.° da Lei regional 27/1991».

46.
    Resulta do que precede que foi com razão que a Comissão considerou que o auxílio individual concedido à Keller excedia os limites da Lei regional n.° 119/83, alterada pela Lei regional n.° 25/93, tal como aprovada na decisão de aprovação do regime siciliano.

47.
    No que toca, em segundo lugar, à argumentação das recorrentes relativa aos erros pretensamente cometidos no quadro do processo de instrução (v., supra, n.° 38), deve, antes de mais, salientar-se que se trata de um fundamento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Essa argumentação relativa à comparação dos elementos expostos na decisão impugnada e no decurso do procedimento administrativo não pode, além disso, obviamente basear-se em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo no Tribunal, como prevê o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo. Essa argumentação deve, por conseguinte, ser considerada inadmissível.

48.
    Em seguida, de qualquer forma, essa argumentação também não poderá ter sucesso quando ao fundo, dado que as próprias recorrentes salientam que a Comissão corrigiu os erros pretensamente cometidos durante o procedimento administrativo na fase da decisão impugnada. Além disso, uma vez que a Comissão indicara claramente, na decisão de abertura do procedimento em causa, na base de qual legislação regional considerava que o empréstimo bonificado em litígio fora atribuído, os «interessados» na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, entre os quais figuravam a região da Sicília e as recorrentes, foram utilmente informados a esse respeito e, portanto, puderam dar a conhecer à Comissão as razões pelas quais entendiam que esse empréstimo tinha sido concedido em virtude de uma legislação regional diferente. O objectivo visado por essa legislação foi, portanto, atingido no caso em apreço e os direitos processuais das recorrentes, por conseguinte, não foram violados.

49.
    Resulta, por fim, das considerações que precedem que a decisão impugnada contém uma fundamentação suficiente, que permite, por um lado, às recorrentes compreender as razões pelas quais a Comissão considerou que o auxílio em litígio concedido à Keller era ilegal e, por outro, ao Tribunal exercer o seu controlo jurisdicional. As recorrentes, por conseguinte, puderam defender os seus direitosno quadro do presente recurso no que toca à primeira vertente da decisão impugnada.

50.
    Há que, por conseguinte, rejeitar o primeiro fundamento no seu conjunto.

Quanto ao segundo fundamento, tirado de uma interpretação errada da legislação italiana aplicável e, portanto, de uma aplicação errada do artigo 92.° do Tratado e de uma fundamentação insuficiente no que respeita ao empréstimo bonificado concedido à Keller Meccanica

- Argumentos das partes

51.
    As recorrentes lembram, em primeiro lugar, que, na decisão impugnada, a Comissão alega que o regime de auxílio sardo, tal como fora por si aprovado, era aplicável exclusivamente às empresas cujos investimentos fixos não fossem superiores a 7 mil milhões de ITL e que não empregassem mais de 100 pessoas. Essa instituição considera, mais particularmente, que o empréstimo bonificado concedido à Keller Meccanica não respeitava essas condições, na medida em que essa sociedade empregava na altura 319 pessoas, para um investimento global fixo de 53 466 milhões de ITL.

52.
    As recorrentes sustentam, numa primeira parte do fundamento, de acordo com a interveniente, que o empréstimo bonificado concedido à Keller Meccanica o foi no respeito das condições previstas pelas directivas de aplicação da Lei regional n.° 66/76 editadas pelas autoridades sardas, tal como foram alteradas em 1992 e em 1993. Com efeito, o critério dimensional de 100 empregados, ao qual se referia a Comissão, não figurava na legislação sarda aplicável, uma vez que o artigo 2.°, segundo parágrafo, dessas directivas de aplicação prevê que «o financiamento é limitado a um máximo de 100 trabalhadores». A Comissão cometera, portanto, um erro de apreciação ao considerar esse limite como um limite máximo da dimensão da empresa beneficiária. As recorrentes sublinham ainda que as características de um regime de auxílio autorizado são determinadas pelas disposições combinadas do regime de auxílio em causa e da decisão de aprovação.

53.
    No que toca à afirmação da Comissão, segundo a qual fora induzida em erro pela nota das autoridades italianas de 28 de Junho de 1985, as recorrentes salientam que o conteúdo dessa nota é compatível com as directivas de aplicação da Lei regional n.° 66/76 aplicadas no caso em apreço. Fora, portanto, a Comissão que cometera um erro no caso em apreço.

54.
    As recorrentes alegam, numa segunda parte do fundamento, que a tese da Comissão, segundo a qual as alterações introduzidas nas directivas de aplicação da Lei regional n.° 66/76 instituiram um novo regime de auxílio não notificado, é desprovida de fundamento na medida em que estas foram introduzidas somente com a finalidade de adaptar as condições de aplicação iniciais que remontam a1980, em função da perda de poder de compra sofrida pela lira italiana no decurso dos anos seguintes. Ora, a lira italiana ter-se-ia desvalorizado em 130,6% no decurso do período de 1980/1992. Por isso, a manutenção do limite máximo ao nível inicial teria redundado em excluir do benefício dos auxílios financeiros mesmo as pequenas empresas artesanais. Segue-se, segundo as recorrentes, que as alterações adoptadas no quadro das directivas de aplicação não deram origem a um regime de auxílio novo, apenas tendo permitido adaptar a legislação em causa às novas exigências, mantendo no entanto as finalidades, as modalidades de aplicação, o volume total e a intensidade do auxílio autorizado. Uma vez que a Comissão dispunha do poder de proceder oficiosamente a um reexame dos regimes de auxílio existentes, não seria muito indicado obrigar essa instituição a proceder a um reexame das alterações desses regimes em caso de inalteração do crédito orçamental global, da intensidade máxima do auxílio e das modalidades de concessão dos auxílios em causa.

55.
    Em seguida, as recorrentes expõem que essa reavaliação é conforme à jurisprudência do Tribunal de Justiça, que precisou que a actualização de parâmetros quantitativos de intervenção, nos limites do máximo inicial, não implica uma alteração do regime aprovado (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1993, Itália/Comissão, C-364/90, Colect., p. I-2097). Alegam que, de qualquer forma, a Comissão violou o seu dever de fundamentação no caso em apreço, uma vez que, na decisão impugnada, não indicou de forma alguma os motivos pelos quais a sua tese relativa à necessária reavaliação monetária do regime de auxílio em litígio é errada.

56.
    As recorrentes concluem que a Comissão, porquanto rejeitou, na decisão impugnada, essa argumentação que as autoridades italianas também tinham apresentado no decurso do procedimento administrativo, sem que disso tenha sido dada conta na referida decisão, efectuou um exame incompleto e superficial dos elementos do processo em causa.

57.
    No que respeita à primeira parte do fundamento, a Comissão lembra, em primeiro lugar, que o regime sardo foi objecto de um procedimento de exame, em conformidade com o disposto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, e que, na decisão de aprovação do regime sardo, especifica que deu conta dos limites fixados no que respeita à dimensão das empresas beneficiárias (um máximo de 100 assalariados e de 7 mil milhões de ITL de investimentos fixos). O facto de, após a notificação, as autoridades sardas terem exprimido esses limites de forma ambígua nas directivas de aplicação da Lei regional n.° 66/76, que altera assim sem pré-aviso o texto aprovado pela Comissão, era da responsabilidade exclusiva das autoridades italianas.

58.
    No que respeita à segunda parte do fundamento, relativa ao limite máximo de 7 mil milhões de ITL de investimentos fixos, a Comissão lembra que, no momento da obtenção do auxílio em litígio, a Keller Meccanica tinha 53 466 milhões de ITL de investimentos fixos, ou seja, um montante mais de oito vezes superior ao limitemáximo previsto na decisão de aprovação do regime sardo. No que diz respeito à argumentação tirada da reavaliação monetária, salienta, em primeiro lugar, que a decisão de aprovação em causa não comportava qualquer mecanismo de adaptação. Seria, portanto, com razão que, na decisão impugnada, a Comissão especificara que qualquer alteração posterior deveria ter-lhe sido notificada e, portanto, que o auxílio em litígio não estava coberto pela decisão de aprovação do regime sardo. Finalmente, o acórdão Itália/Comissão, já referido, invocado pelas recorrentes, não era pertinente para o caso em apreço, uma vez que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça se limitara a anular a decisão em causa por falta de fundamentação.

Apreciação do Tribunal

59.
    Importa examinar, em primeiro lugar, a apreciação, pela Comissão, do respeito, no caso em apreço, da condição relativa ao montante máximo dos investimentos fixos, que constitui objecto da segunda parte do fundamento.

60.
    As partes não contestam que, no momento em que a decisão de aprovação do regime sardo foi adoptada, as empresas cujos investimentos fixos eram superiores a 7 mil milhões de ITL não integravam o âmbito de aplicação do regime sardo, tal como aprovado. As recorrentes também não contestam, na realidade, que os seus investimentos fixos ultrapassavam, no momento da obtenção do auxílio em litígio, o limite máximo, tal como fixado à época da notificação do regime sardo à Comissão e da sua aprovação por esta. Alegam, todavia, que o limite máximo foi aumentado com vista a ter em conta a desvalorização da lira italiana em 130,6% desde a decisão de aprovação do regime sardo. O auxílio atribuído à Keller Meccanica seria legal, na medida em que os investimentos fixos dessa sociedade no momento da atribuição do empréstimo em litígio eram inferiores a esse limite máximo assim reavaliado.

61.
    Ora, importa salientar, em primeiro lugar, que a argumentação das recorrentes segundo a qual as alterações dos parâmetros quantitativos de um regime aprovado em virtude da depreciação monetária não constituem a instituição de um novo regime não poderá ser acolhida. Com efeito, no seu acórdão de 9 de Agosto de 1994, Namur-Les assurances du crédit (C-44/93, Colect., p. I-3828, n.° 28), o Tribunal de Justiça especificou que «[é] por referência às disposições que o estabelecem, às respectivas modalidades e limites que um auxílio pode ser qualificado como novo ou como alteração de auxílio existente».

62.
    Ora, à luz destes critérios, deve reconhecer-se que, de qualquer forma, o aumento do limite máximo dos investimentos fixos de 7 para 80 mil milhões de ITL, resultante das decisões de 23 de Junho de 1992 e de 1 de Junho de 1993, já referidas, alterava as disposições do regime de auxílio sardo e, mais particularmente ainda, os limites deste, tal como tinha sido aprovado pela Comissão. Com efeito, essa adaptação das directivas de aplicação da Lei n.° 66/76, em virtude da suadimensão considerável, implicava um aumento do número de beneficiários potenciais do regime de auxílio em causa, permitindo, por essa razão, abrir este à Keller Meccanica, cujos investimentos fixos ascendiam, no momento da concessão do empréstimo em litígio, a 53 466 milhões de ITL. Por conseguinte, a Comissão não violou os artigos 92.° e 93.° do Tratado ao considerar que esse aumento não notificado do limite máximo dos investimentos fixos devia analisar-se como uma alteração substancial do regime de auxílio sardo e, portanto, que o auxílio em litígio concedido à Keller Meccanica constituía um auxílio novo não coberto por esse regime, tal como tinha sido aprovado.

63.
    Mesmo que a tese das recorrentes, segundo a qual a adaptação do limite máximo dos investimentos fixos em função da desvalorização da lira italiana não constituía uma «alteração dum regime existente» que devesse ser objecto de uma notificação, fosse aceite, não é menos verdade que essa desvalorização no decurso do período em causa - isto é, de 1985, ano da aprovação do regime sardo, a 1998, ano da adopção da decisão impugnada - foi, segundo a avaliação das próprias recorrentes, da ordem dos 130,6% (v., supra, n.° 60). Ora, os investimentos fixos da Keller Meccanica no momento da atribuição do auxílio em litígio, de um montante de 53 466 milhões de ITL, eram mais de 7 vezes superiores ao limite máximo autorizado. O aumento do limite máximo de investimentos fixos de 7 para 80 mil milhões de ITL previsto nas directivas de aplicação da Lei regional n.° 66/76, tal como alteradas, não é, portanto, de qualquer forma, proporcional à desvalorização da lira italiana durante o período em causa. Segue-se que a tese das recorrentes não pode ser acolhida.

64.
    Há que salientar, em segundo lugar, que a argumentação das recorrentes tirada do acórdão Itália/Comissão, já referido, não pode, de qualquer forma, ser acolhida uma vez que, tal como foi julgado supra, o aumento do limite máximo de investimentos fixos de 7 para 80 mil milhões de ITL não pode constituir uma actualização dos parâmetros quantitativos de intervenção, nos limites do máximo inicial. Além disso, de forma alguma resulta desse acórdão que qualquer regime de auxílio existente possa ser objecto de uma reavaliação monetária sem que esta tenha sido previamente notificada à Comissão e por esta aprovada. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça limita-se, como a Comissão justamente salientou, a anular parcialmente a decisão em causa, devido ao facto de esta não ter sido suficientemente fundamentada relativamente à argumentação apresentada, no quadro do procedimento administrativo referente a essa causa, pelas autoridades italianas, no que respeita ao problema da desvalorização da lira italiana.

65.
    Quanto, finalmente, ao argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão violara o seu dever de fundamentação ou efectuara um exame incompleto e superficial dos elementos do processo em causa ao não especificar, na decisão impugnada, as razões pelas quais era ilegal uma adaptação automática dos critérios do regime de auxílio em litígio em função da desvalorização da lira italiana, basta salientar que, no ponto IV.C da decisão, a Comissão alega que «[d]ado que o regime aprovado não previa um mecanismo de adequação dos parâmetros deauxílio e de admissibilidade dos beneficiários, as alterações posteriores são substanciais e deviam ser notificadas [...]». Essa fundamentação, aliás compatível com as anteriores considerações do Tribunal, constitui uma resposta adequada à argumentação apresentada a esse respeito pelas autoridades italianas no decurso do procedimento administrativo, permitindo, por um lado, às recorrentes compreender as razões pelas quais a Comissão considerou que o auxílio em litígio, concedido à Keller Meccanica, era ilegal e, por outro, ao Tribunal exercer o seu controlo jurisdicional. As recorrentes, por conseguinte, puderam defender os seus direitos no que respeita à apreciação, pela Comissão, do aumento do limite máximo de investimentos fixos previsto pelo regime de auxílio sardo, tal como o confirma, na medida do necessário, a argumentação que apresentaram no quadro do presente fundamento.

66.
    Há, por isso, que concluir que as recorrentes não avançaram qualquer argumento que permita invalidar a apreciação da Comissão segundo a qual o auxílio individual concedido à Keller Meccanica não satisfazia a condição relativa ao limite máximo de investimentos fixos imposta pela decisão de aprovação do regime sardo. Por conseguinte, foi correctamente que a Comissão, nessa base, concluiu pela ilegalidade desse auxílio.

67.
    Nestas condições, já não há que examinar a argumentação das recorrentes relativa ao critério dos 100 empregados. Com efeito, independentemente da questão de saber se o limite dos 100 assalariados determina ou não a dimensão máxima do beneficiário, nenhuma conclusão a que o Tribunal possa chegar a esse respeito permitirá infirmar a conclusão tirada no n.° 66.

68.
    Resulta do que precede que o segundo fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento, tirado de uma violação das orientações sobre as empresas em dificuldade, de uma aplicação errada do artigo 92.° do Tratado e de uma violação do dever de fundamentação

- Apresentação sucinta da argumentação das partes

69.
    As recorrentes lembram, em primeiro lugar, que, após ter excluído que os empréstimos bonificados em causa possam inscrever-se no quadro dos regimes de auxílio aprovados, a Comissão, na decisão impugnada, especifica que esses empréstimos não podem, além disso, ser considerados compatíveis com o mercado comum, à luz das orientações sobre as empresas em dificuldade.

70.
    Numa primeira parte do fundamento, as recorrentes entendem que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar, na base do facto de o programa de recuperação visar exclusivamente mantê-las em actividade durante um período transitório limitado, aguardando a sua cessão a um adquirente privado, que a condição de restauração da viabilidade não estava preenchida no caso em apreço.As recorrentes salientam que esse programa estabelecia que a restauração da viabilidade seria obtida graças à realização dos investimentos necessários à modernização dos equipamentos, à execução das encomendas registadas, ao recurso aos financiamentos necessários, à eliminação do excedente de mão-de-obra, à cessão dos bens desnecessários à produção e à liquidação de certas sociedades controladas pelo grupo Keller. A restauração da viabilidade teria, aliás, sido considerada uma condição prévia para a transferência das duas sociedades em causa para terceiros e, por essa razão, devia ser conseguida antes da cessão. Na base dessas medidas, o programa de recuperação previra, após execução integral das encomendas, um resultado final positivo de 1 805 milhões de ITL para a Keller e de 8 700 milhões de ITL para a Keller Meccanica. Fazendo assim, esse programa permitiria cobrir o conjunto dos custos, incluindo os custos de amortização e os encargos financeiros, e assegurar, além disso, uma remuneração adequada do capital num prazo razoável, em conformidade com as exigências das orientações aplicáveis.

71.
    Além disso, do carácter limitado do objectivo do programa de recuperação não devia deduzir-se que este só tenha tido em vista realizar um saneamento puramente financeiro e não estrutural das empresas em causa. Com efeito, a análise do programa não deve, segundo as recorrentes, abstrair das características do regime de administração extraordinária. Com efeito, nada proibiria, numa situação como a do caso em apreço, que o administrador extraordinário tomasse a iniciativa da recuperação e que essa recuperação fosse, em seguida, prosseguida pelo adquirente da sociedade.

72.
    Numa segunda parte do fundamento, as recorrentes alegam que é geralmente aceite que os auxílios de Estado incluam uma possível distorção da concorrência. A jurisprudência comunitária exigiria, por isso, que a Comissão verificasse concretamente se tal efeito realmente se produz com vista a poder avaliar o interesse comunitário na acepção do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado. Ora, a Comissão, no caso em apreço, não efectuara qualquer exame aprofundado sobre essa matéria. Mais particularmente, era inexacto que as recorrentes se tivessem mantido em actividade artificialmente, uma vez que demonstraram que o programa de recuperação devia permitir uma restauração efectiva da viabilidade. Sublinham que o programa de recuperação não previa novas encomendas na fase inicial, dado que as encomendas já registadas permitiam uma utilização suficiente da capacidade de produção subsistente. Em contrapartida, previra-se que novas encomendas pudessem ser aceites mais tarde, em função dos progressos realizados na execução das encomendas existentes.

73.
    Expõem ainda, a esse propósito, que os objectivos da reestruturação foram largamente atingidos, tal como resulta, nomeadamente, do facto de um empresário alemão ter adquirido a Keller. Negociações estariam, além disso, em curso no que respeita à Keller Meccanica.

74.
    Por outro lado, as recorrentes salientam que se especificou no ponto 1.2 das orientações sobre as empresas em dificuldade que «existem circunstâncias que justificam a concessão de auxílios estatais a empresas em dificuldade, destinados à sua recuperação e a ajudá-las a reestruturar-se [...] [porque é] desejável manter uma estrutura de mercado concorrencial quando o desaparecimento de empresas possa conduzir a uma situação de monopólio ou de oligopólio restritivo [...]». Ora, não se fazia, em momento algum, qualquer referência a tais considerações na decisão impugnada, a despeito do facto de, do ponto de vista da estrutura do mercado, a presença das recorrentes constituir uma garantia de concorrência num sector cuja estrutura era já nitidamente oligopolística.

75.
    Numa terceira parte do fundamento, as recorrentes alegam que as apreciações que figuram na decisão impugnada são contraditórias. A Comissão referia-se aí, com efeito, por um lado, à ausência de novas encomendas como sintoma da sua incapacidade para restabelecer a viabilidade das sociedades recorrentes. Por outro, essa instituição via uma restrição indevida da concorrência caso obtivessem novas encomendas. Esta abordagem contraditória teria por consequência que, qualquer que fosse o resultado obtido pelas recorrentes no quadro do programa de recuperação, nunca poderiam satisfazer as condições impostas pela Comissão.

76.
    A Comissão contesta a procedência dos argumentos invocados no quadro deste terceiro fundamento.

Apreciação do Tribunal

77.
    Em primeiro lugar, há que recordar que a Comissão pode impor a si própria linhas directrizes relativas ao exercício dos seus poderes de apreciação pela via da adopção de actos como as orientações sobre as empresas em dificuldade, na medida em que tais actos contenham regras indicativas sobre a orientação a seguir por essa instituição e que não se afastem das normas do Tratado. É, pois, à luz destas regras que a decisão impugnada deve ser controlada. Neste contexto, cabe ao Tribunal verificar se, no caso em apreço, as exigências que a Comissão se impôs a si mesma, como mencionadas nessas orientações, foram respeitadas. Resulta, além disso, de jurisprudência constante que o artigo 92.°, n.° 3, do Tratado concede à Comissão um largo poder de apreciação para aprovar auxílios em derrogação à proibição geral do n.° 1 desse artigo, na medida em que a apreciação, nesses casos, da compatibilidade ou incompatibilidade de um auxílio estatal com o mercado comum levante problemas que exijam a tomada em consideração e a apreciação de factos e circunstâncias económicas complexos. O controlo exercido pelo Tribunal deve, portanto, a este respeito, limitar-se à verificação do cumprimento das regras de processo e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da ausência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder. Não compete, portanto, ao Tribunal sobrepor a sua apreciação económica à efectuada pela Comissão (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Novembro de 1997, Ducros/Comissão, T-149/95, Colect., p. II-2031, n.os 61 a 63).

78.
    É à luz destes princípios que devem examinar-se os diferentes argumentos avançados pelas recorrentes no quadro deste terceiro fundamento.

79.
    No quadro da primeira parte deste fundamento, a controvérsia entre as partes diz respeito essencialmente à apreciação do programa de recuperação à luz da obrigação de reestruturação imposta pelas orientações sobre as empresas em dificuldade, com vista a determinar se as empresas das recorrentes eram susceptíveis de voltar a ser rentáveis na sequência da execução desse programa. Na decisão impugnada, precisa-se quanto a essa matéria que «mesmo considerando a finalização das encomendas existentes, os resultados perspectivados não [permitiam] que as empresas saneassem as perdas anteriores».

80.
    Há, a este propósito, que efectuar, em primeiro lugar, como sugere, com razão, a Comissão, uma comparação entre, por um lado, os benefícios esperados do programa de recuperação que visa permitir às recorrentes finalizar as encomendas em curso no momento da adopção da decisão impugnada (de um valor de 1,8 mil milhões de ITL para a Keller e de 8,5 mil milhões de ITL para a Keller Meccanica) e, por outro, a amplitude das dívidas existentes das recorrentes (222,7 mil milhões de ITL no que toca à Keller e 109 mil milhões de ITL no que respeita à Keller Meccanica). Resulta dessa comparação que o benefício esperado com a execução dessas encomendas, e, portanto, com a aplicação do programa de recuperação, representa aproximadamente um centésimo do passivo da Keller e um décimo do passivo da Keller Meccanica. Nessas condições, o reconhecimento de que a condição de restauração da viabilidade não estava satisfeita, efectuado na decisão impugnada, não constitui um erro manifesto de apreciação. Com efeito, nessa base, a Comissão pôde concluir, no momento da adopção da decisão impugnada, que tal relação entre os benefícios esperados da aplicação do programa de recuperação e o passivo das recorrentes não permitiria a estas voltar a ser rentáveis a curto ou a médio prazo.

81.
    Deve salientar-se, mais particularmente, que as orientações sobre as empresas em dificuldade, aplicadas pela Comissão no caso em apreço, especificam que os planos de reestruturação devem «permitir à empresa cobrir todos os seus custos, incluindo as amortizações e os encargos financeiros, bem como obter uma rendibilidade mínima do capital que lhe permita, depois da sua reestruturação, não ter de novo de solicitar auxílios estatais e competir no mercado contando apenas com as suas próprias capacidades». Tendo em conta o passivo e os encargos financeiros das recorrentes, a Comissão pôde concluir que estas não poderiam garantir uma rentabilidade mínima do capital investido, tal como o exigem as orientações em causa.

82.
    Finalmente, há que salientar que, segundo a introdução geral do programa de recuperação, apresentado pela Comissão na sequência de um pedido nesse sentido do Tribunal, toda a reestruturação das recorrentes que lhes permitisse voltar a tornar-se viáveis a prazo supunha novas entradas de capitais, que não estavam disponíveis nesse estádio.

83.
    O facto de as recorrentes, posteriormente à adopção da decisão impugnada, terem sido, ou deverem ser, retomadas por novos investidores não poderá afectar a legalidade dessa decisão. Por um lado, com efeito, as condições precisas em que as vendas se realizaram ou serão realizadas não foram explicitadas e, por outro, tais vendas constituem elementos posteriores à adopção da decisão impugnada, que, em virtude de jurisprudência constante (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7), o Tribunal não pode ter em conta. Em particular, as apreciações complexas efectuadas pela Comissão devem ser examinadas apenas em função somente dos elementos de que dispunha no momento em que as efectuou (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, n.° 16, e de 26 de Setembro de 1996, França/Comissão, C-241/94, Colect., p. I-4551, n.° 33, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o. e British Midland Airways/Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.° 81).

84.
    No que respeita à segunda parte do terceiro fundamento, há que salientar, em primeiro lugar, que a sua apreciação depende, em larga medida, da conclusão a que o Tribunal chegou no que diz respeito à primeira parte do mesmo fundamento. Com efeito, o raciocínio principal em que se baseia a Comissão, no que se refere às distorções da concorrência causadas pelos auxílios em litígio, consiste em dizer que esses auxílios mantiveram artificialmente as recorrentes em actividade, o que, por si só, afectou as empresas concorrentes que não beneficiaram de tais auxílios.

85.
    Há que salientar, por outro lado, que, nos termos de uma jurisprudência constante, a Comissão não era obrigada a fazer a demonstração do efeito real que os auxílios ilegais tiveram na concorrência e nas trocas comerciais entre Estados-Membros. Com efeito, a obrigação de a Comissão fazer tal prova redundaria em favorecer os Estados-Membros que pagam auxílios sem observarem o dever de notificação do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, em detrimento daqueles que notificam os auxílios na fase de projecto (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T-214/95, Colect., p. II-717, n.° 67). Essa jurisprudência é, aliás, confirmada pelo teor literal do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, segundo o qual são incompatíveis com o mercado comum não só os auxílios que «falseiem» a concorrência, mas também os que «ameacem» falseá-la.

86.
    Nestas circunstâncias, o reconhecimento de que o programa de recuperação não garantia, juridicamente, a restauração da viabilidade das recorrentes permitia, por si só, justificar a existência de distorções da concorrência, pelo menos potenciais, induzidas pelos auxílios em litígio.

87.
    Por isso, não há que decidir, no quadro da apreciação da presente parte do terceiro fundamento, sobre a procedência das considerações acessórias da Comissão relativas às distorções de concorrência resultantes de novas encomendasque as recorrentes tenham podido obter após a realização do programa de recuperação.

88.
    No que respeita, finalmente, à argumentação das recorrentes relativa ao facto de o seu desaparecimento do mercado poder criar uma situação de oligopólio restrito, basta salientar que a Comissão fez prova bastante, na decisão impugnada, de que não eram os produtores de material circulante que formavam um oligopólio, mas antes, eventualmente, as empresas ferroviárias que se forneciam junto desses produtores.

89.
    No que toca à terceira parte do fundamento (v., supra, n.° 75), deve reconhecer-se, em primeiro lugar, que, na decisão impugnada (ponto VI, terceiro e quarto parágrafos), a Comissão lembra que, em conformidade com as orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, um auxílio à reestruturação só pode ser autorizado quando estiverem reunidas quatro condições cumulativas.

90.
    Após ter reconhecido que as duas primeiras condições, que exigem, por um lado, que o plano de reestruturação permita restabelecer, num prazo razoável, a viabilidade a longo prazo da empresa e, por outro lado, que esse programa previna as distorções de concorrência indevidas decorrentes do auxílio, não estavam reunidas, a Comissão concluiu que os elementos de auxílio examinados não podiam «beneficiar da derrogação prevista no n.° 3, alínea c), do artigo 92.°, que é a única aplicável aos auxílios de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade» (ponto VI, décimo terceiro parágrafo).

91.
    Para chegar à conclusão de que «a [...] mais importante condição estabelecida pelas orientações comunitárias (elaborar um plano de reestruturação capaz de restituir a eficiência económica-financeira a longo prazo das empresas) não está preenchida» (ponto VI, décimo primeiro parágrafo), a Comissão baseou-se, designadamente, no reconhecimento de que, no momento do início do procedimento, as sociedades em causa não tinham novas encomendas (ponto VI, sexto parágrafo).

92.
    Em seguida, no quadro do exame da segunda condição relativa à prevenção das distorções indevidas da concorrência decorrentes dos elementos de auxílio, a Comissão teve em conta a eventualidade da existência de novas encomendas (ponto VI, décimo segundo parágrafo).

93.
    Todavia, nenhuma contradição nos fundamentos da decisão impugnada pode ser observada a esse respeito. Com efeito, a eventualidade de novas encomendas não contraria o reconhecimento não contestado de que, no momento do início do procedimento, tais encomendas não existiam.

94.
    As recorrentes não podem afirmar que nunca poderiam satisfazer as condições impostas pela Comissão.

95.
    Com efeito, resulta claramente da decisão impugnada que, no quadro da segunda condição, a Comissão sublinha as distorções de concorrência resultantes da manutenção em vida artificial das sociedades em questão (ponto VI, décimo segundo parágrafo). É, portanto, razoável considerar que a apreciação da segunda condição - e dos potenciais efeitos das eventuais futuras encomendas - teria sido diferente se existisse um plano de reestruturação que permitisse a viabilidade, a longo prazo, das empresas em causa.

96.
    Nestas condições, a terceira parte também não pode ser acolhida.

97.
    Pelo conjunto destas razões, há que negar provimento ao terceiro fundamento invocado pelas recorrentes.

Quanto ao quarto fundamento, tirado de uma violação do dever de fundamentação no que respeita à referência à legislação italiana relativa ao regime de administração extraordinária

98.
    As recorrentes lembram, nomeadamente, que, no ponto VI, último parágrafo, da decisão impugnada, a Comissão especifica que a sua conclusão respeitante à irregularidade dos auxílios que lhes foram concedidos não poderá ser afectada pelo facto de os beneficiários estarem sujeitos ao regime de administração extraordinária. Afirmam que essa argumentação é inteiramente desprovida de pertinência, uma vez que as medidas de auxílio em litígio foram concedidas não em virtude da Lei n.° 95/79, mas em aplicação de leis regionais siciliana e sarda. A questão pertinente teria sido, com efeito, a de saber se os auxílios em litígio podiam ser considerados casos individuais de aplicação de regimes de auxílio previamente aprovados pela Comissão.

99.
    Basta salientar, a este propósito, que o ponto VI, último parágrafo, da decisão impugnada não faz senão confirmar que o facto de as recorrentes estarem sujeitas ao regime de administração extraordinária é, como afirmam as recorrentes, desprovido de pertinência para determinar a regularidade dos auxílios concedidos. Por isso, não se percebe de que maneira a Comissão teria infringido, quanto a este ponto, o dever de fundamentação contemplado no artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE).

100.
    Há, por conseguinte, que negar provimento ao quarto fundamento.

101.
    Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados em apoio dos primeiro e segundo aspectos do pedido pode ser acolhido, há que julgar improcedente esses dois primeiros aspectos do pedido.

Quanto ao terceiro aspecto do pedido, apresentado a título subsidiário

102.
    Em apoio do terceiro aspecto do seu pedido, apresentado a título subsidiário, as recorrentes invocam um fundamento único, tirado de um erro de apreciação relativamente à data de início da contagem dos juros devidos sobre os montantes a reembolsar.

Argumentação das partes

103.
    As recorrentes lembram, em primeiro lugar, que, na decisão impugnada, a Comissão especifica que o auxílio compreendido nos empréstimos bonificados em litígio consiste na diferença entre as taxas de juro que lhes foram aplicadas e a taxa de referência em vigor em Itália em 1995 (11,35%). Resultariam daí auxílios de um montante de 4 288 milhões de ITL em favor da Keller e de 903 milhões de ITL em favor da Keller Meccanica. A decisão impugnada previa, além disso, que os montantes a recuperar produzissem juros a partir da data de concessão dos auxílios até à data da recuperação efectiva dos montantes em litígio.

104.
    As recorrentes consideram que esses juros foram calculados de maneira errada na medida em que, na pior das hipóteses, devem ser calculados a partir do momento em que elas começaram efectivamente a beneficiar dos empréstimos em causa. A vantagem de que teriam beneficiado era um desagravamento da taxa de amortização desses empréstimos. Ora, esse desagravamento só começara a ser perceptível a partir da data do primeiro vencimento dos empréstimos em causa.

105.
    A Comissão alega que as recorrentes começaram a beneficiar dos efeitos positivos dos empréstimos bonificados a partir do momento em que os fundos foram postos à sua disposição, pois estes eram necessários à retoma das suas actividades. Em conformidade com a sua prática constante, a data a atender para a recuperação dos auxílios era aquela em que esses auxílios foram concedidos.

Apreciação do Tribunal

106.
    Importa salientar, em primeiro lugar, que as recorrentes apenas contestam, na realidade, o momento a partir do qual os juros sobre os montantes a reembolsar começaram a correr.

107.
    Em seguida, há que recordar que, em virtude de uma jurisprudência constante, o restabelecimento da situação anterior ao pagamento do auxílio ilegal pressupõe que todas as vantagens financeiras dele resultantes, que tenham efeitos anticoncorrenciais sobre o mercado comum, tenham sido eliminadas (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão, T-459/93, Colect., p. II-1675, n.° 97). No que respeita à determinação da data a partir da qual os juros devem ser calculados, decorre do que precede que esses juros só podem vencer-se a contar da data em que o beneficiário do auxílio pôde efectivamente dispor do capital em questão. Essa regra deve ser interpretada no sentido de que os juros devem ser contados a partir do dia da colocação à disposição efectiva dos auxílios (acórdão Siemens/Comissão, járeferido, n.os 98 a 102). Num acórdão de 16 de Dezembro de 1999, Acciaierie di Bolzano/Comissão (T-158/96, Colect., p. II-3927, n.° 98), o Tribunal confirmou esta jurisprudência especificando que, no que respeita à determinação da data a partir da qual tais juros devem ser calculados, deve reconhecer-se que os juros representam o equivalente da vantagem financeira que provém da colocação à disposição do capital em questão por um certo período.

108.
    À luz desta jurisprudência, afigura-se que foi correctamente que a Comissão considerou que os juros sobre os auxílios em litígio começavam a vencer-se a partir não da utilização efectiva dos empréstimos em litígio, mas da data de concessão desses empréstimos, na medida em que se deve considerar que as empresas podiam dispor das somas correspondentes a partir dessa data.

109.
    O fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente e, por conseguinte, o terceiro aspecto do pedido deve ser rejeitado.

Quanto às despesas

110.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená-las a suportar as suas próprias despesas e, solidariamente, as da Comissão, em conformidade com o pedido desta.

111.
    Deve, além disso, indeferir-se o pedido da República Italiana, com vista a que a Comissão seja condenada nas despesas de intervenção, uma vez que, em virtude do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, os Estados-Membros que intervenham num processo devem suportar as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    As recorrentes são condenadas a suportar as suas próprias despesas e, solidariamente, as da Comissão.

3)    A interveniente suportará as suas próprias despesas.

Meij
Lenaerts
Jaeger

            Pirrung                        Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Janeiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. W. H. Meij


1: Língua do processo: italiano.