Language of document : ECLI:EU:C:2005:410

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER

apresentadas em 28 de Junho de 2005 1(1)

Processo C‑451/03

Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti Srl

contra

Giuseppe Calafiori

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte d’appello di Milano)

«Artigo 43.° CE – Direito de estabelecimento – Artigos 82.° CE e 86.° CE – Livre concorrência – Abuso de posição dominante – Artigo 87.° CE – Auxílios de Estado – Regulamentação nacional que atribui a certos organismos a competência exclusiva para realizar determinadas prestações de consultoria e de assistência fiscal aos assalariados e às pequenas empresas para a declaração do imposto sobre o rendimento»





1.        O ordenamento jurídico italiano confia a algumas entidades ad hoc, às quais, em certos casos, remunera com fundos públicos, a realização de determinadas prestações na gestão do imposto sobre o rendimento de algumas categorias de sujeitos passivos.

2.        A Corte d’appello di Milano duvida da compatibilidade desse sistema com o direito comunitário, pelo que se dirige ao Tribunal de Justiça para que dissipe a incerteza, formulando‑lhe três perguntas. Pretende saber se tal regime consagra um abuso de posição dominante (primeira questão), se viola as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços (segunda questão) e, por último, se concede verdadeiros auxílios de Estado (terceira questão).

I –    O direito comunitário

A –    Quanto à livre concorrência

3.        Os fins enunciados no artigo 2.° CE serão alcançados, consoante indicam os artigos 4.° CE e 98.° CE, mediante o desenvolvimento de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, no âmbito da cooperação leal a que alude o artigo 10.° CE.

4.        Em conformidade com estes objectivos, o artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE) proíbe, na medida em que tal possa afectar o comércio intracomunitário, a exploração abusiva por uma ou por várias empresas de uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial do seu território.

5.        O artigo 90.° do Tratado CE (actual artigo 86.° CE) veda aos Estados‑Membros a manutenção ou a adopção, a respeito das empresas públicas e das detentoras de direitos especiais ou exclusivos, de medidas contrárias ao Tratado e, no que ora interessa, à livre concorrência.

6.        A proibição dos auxílios públicos, quando incidam nas trocas entre os Estados‑Membros e «falseiem ou ameacem falsear a concorrência», favorecendo certas empresas ou produções, acrescenta uma condição prévia a essa imposição, expressa no artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE). O n.° 2 enumera os incentivos dessa natureza que, a título de excepção, são permitidos e o n.° 3 os que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum.

B –    Quanto ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços

7.        O artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) proclama a liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro, que compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas, em particular, de sociedades. Esta norma veda as restrições à referida liberdade, abrangendo nessa proibição as que prejudiquem a abertura de agências, sucursais ou filiais noutro país comunitário.

8.        Estão, contudo, excluídas, segundo o artigo 55.° do Tratado CE (actual artigo 45.° CE), as actividades relacionadas, inclusive de forma ocasional, com o exercício da autoridade pública, bem como, por força do artigo 56.° do Tratado CE (actual artigo 46.° CE), as disposições internas que prevejam um regime especial para os estrangeiros e sejam justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública.

9.        No que se refere às sociedades, o artigo 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE) garante‑lhes este direito, desde que sejam constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e tenham a sua sede social, administração central ou o núcleo da sua actividade principal na Comunidade. Para estes efeitos, entendem‑se por tais as sociedades de direito civil ou comercial, as cooperativas e as outras pessoas colectivas de direito público ou privado, com excepção das que não prossigam fins lucrativos.

10.      O artigo 59.° do Tratado CE (actual artigo 49.° CE) protege a livre prestação de serviços, isto é, segundo o artigo 60.° do Tratado CE (actual artigo 50.° CE), prestações realizadas mediante remuneração e, particularmente, as actividades das profissões liberais.

II – O quadro jurídico italiano

11.      A Lei n.° 413, de 30 de Dezembro de 1991 (2), concede aos trabalhadores por conta de outrem, aos reformados e às pessoas equiparadas (3) a possibilidade de liquidarem o imposto sobre o rendimento mediante a apresentação de uma declaração simplificada (modelo 730), como alternativa à declaração ordinária (modelo 740), permitindo‑lhes obter os eventuais reembolsos em curto prazo, directamente através do empregador ou da entidade da qual, a ser esse o caso, provenham os rendimentos.

12.      O artigo 78.° da referida lei criou os Centros de Assistência Fiscal (conhecidos pelo acrónimo «CAF»), regulados mais tarde pelo Decreto legislativo n.° 241, de 9 de Julho de 1997 (4), que reserva a faculdade de constituir as referidas entidades a:

a)      organizações patronais por sectores de actividade constituídas há mais de dez anos, representadas no Conselho Nacional da Economia ou que, sem o estar, tenham a sua importância reconhecida pelo Ministério das Finanças por a elas terem aderido, no mínimo, 5% dos empresários inscritos no registo da Câmara de Comércio e disporem de alguma implantação em, pelo menos, 30 províncias; o direito também é conferido às suas filias, actuando por delegação [artigo 32.°, n.° 1, alíneas a), b) e c)]. Esta categoria (a seguir «centros patronais») presta a assistência às empresas (artigo 34.°, n.° 1).

b)      sindicatos de trabalhadores e suas dependências territoriais, com um número de aderentes não inferior a 50 000, as associações de trabalhadores com funções de assistência, se reunirem igual número de membros, bem como as entidades, com esse número de empregados, que paguem na forma de salário rendimentos sujeitos a imposto (substitutos do contribuinte) [artigo 32.°, n.° 1, alíneas d), f) e e)]. Estas estruturas (a seguir «centros de trabalhadores») assistem as pessoas que não recebem rendimentos provenientes de trabalho por conta própria nem de actividade empresarial (artigo 34.°, n.° 2), isto é, os trabalhadores por conta de outrem e as pessoas equiparadas, que podem utilizar o modelo 730 (5).

13.      Por força do artigo 33.°, os centros assumem a forma de sociedade de capital, que inicia as suas operações após autorização do Ministério das Finanças, com o respectivo objecto social limitado à consultadoria fiscal nos termos do artigo 34.°, sob a responsabilidade de um ou vários profissionais designados para o efeito entre os membros das associações profissionais de auditores fiscais ou de contabilistas, qualificados para desempenhar as suas funções como empregados dessa entidade.

14.      O conteúdo da actividade, que é prestada a pedido do utente, está descrito no artigo 34.°, n.os 3 e 4.

15.      Os centros de trabalhadores, que prestam a sua assistência relativamente ao modelo 730, verificam a exactidão dos dados fornecidos, entregam ao sujeito passivo cópia do projecto de liquidação, comunicam aos substitutos do contribuinte o resultado, para que procedam à compensação das retenções na fonte, e enviam a declaração à Administração Fiscal (artigo 34.°, n.° 4) (6). O consultor fiscal responsável, a pedido do interessado, certifica a concordância dos valores inscritos no impresso com as que constam da documentação junta (artigo 35.°, n.° 2). Por cada formulário 730 de que tenham assegurado a gestão, estes centros recebem uma remuneração de 13,98 EUR, actualizada segundo um procedimento preestabelecido (artigo 38.°) (7).

16.      Os centros patronais, no desempenho da sua missão, além das tarefas próprias dos centros de trabalhadores, elaboram as declarações de imposto e encarregam‑se de escriturar os livros das empresas a que prestam assistência (artigo 34.°, n.° 3), beneficiando também estes elementos do «visto de conformidade» (artigo 35.°, n.° 1). Não são remunerados através de fundos públicos.

III – Os factos do litígio no processo principal e as questões prejudiciais

17.      Em 4 de Julho de 2002, foi constituída a sociedade Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti s.r.l. (a seguir «ADC Servizi»), para oferecer consultoria em matéria contabilística e administrativa. A sua assembleia extraordinária, realizada em 25 de Fevereiro de 2003, ampliou o objecto social, nele incluindo a assistência fiscal às empresas e aos trabalhadores nos termos do Decreto legislativo n.° 241 de 1997.

18.      O notário Giuseppe Calafiori, encarregado de exarar a acta da assembleia, recusou a inscrição da deliberação de alteração do objecto social no registo comercial, porque o artigo 34.° do referido decreto‑lei reserva as ditas actividades aos Centros de Assistência Fiscal, condição que a ADC Servizi não preenche.

19.      Esta sociedade recorreu ao Tribunale de Milão, pedindo o registo denegado pelo notário; este órgão jurisdicional julgou improcedente o pedido por despacho de 15 de Maio de 2003, não acolhendo, por debilidade e falta de fundamentação, o argumento da incompatibilidade entre a regulamentação italiana e o direito comunitário.

20.      A ADC Servizi, reiterando a contradição entre ambos os ordenamentos jurídicos, recorreu para a Corte d’appello di Milano, que, para dirimir o litígio, se dirigiu ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 234.° CE, submetendo‑lhe as seguintes questões:

«1)      Devem os artigos 4.° CE, 10.° CE, 82.° CE, 86.° CE e 98.° CE ser interpretados no sentido de que obstam a uma regulamentação nacional, como a decorrente do Decreto legislativo n.° 241, de 9 de Julho de 1997, na redacção dada pelo Decreto legislativo n.° 490, de 28 de Dezembro de 1998, considerada, designadamente à luz da lei consolidada dos impostos sobre os rendimentos (8) ([DPR] Decreto do Presidente da República n.° 917, de 22 de Dezembro de 1986), e da Lei n.° 413, de 30 de Dezembro de 1991, que reserva o direito do exercício de determinadas actividades de consultoria fiscal exclusivamente a uma única categoria de pessoas, os Centros de Assistência Fiscal – CAF, negando aos demais operadores económicos do sector, mesmo quando possuam qualificações para o exercício da profissão em matéria de consultoria fiscal e contabilística (contabilistas licenciados, consultores fiscais, advogados e ainda consultores laborais), o exercício, em igualdade de condições e modalidades, das actividades reservadas aos CAF?

2)      Devem os artigos 43.° CE, 48.° CE e 49.° CE ser interpretados no sentido de que obstam a uma regulamentação nacional, como a decorrente do Decreto legislativo n.° 241, de 9 de Julho de 1997, na redacção dada pelo Decreto legislativo n.° 490, de 28 de Dezembro de 1998, considerada, designadamente à luz da lei consolidada dos impostos sobre os rendimentos (DPR n.° 917, de 22 de Dezembro de 1986), e da Lei n.° 413, de 30 de Dezembro de 1991, que reserva o direito do exercício de determinadas actividades de consultoria fiscal exclusivamente a uma única categoria de pessoas, os Centros de Assistência Fiscal – CAF, negando aos demais operadores económicos do sector, mesmo quando possuam qualificações para o exercício da profissão em matéria de consultoria fiscal e contabilística (contabilistas licenciados, consultores fiscais, advogados e ainda consultores laborais), o exercício, em igualdade de condições e modalidades, das actividades reservadas aos CAF?

3)      Deve o artigo 87.° CE ser interpretado no sentido de que constitui um auxílio de Estado uma medida como a adoptada pelo Decreto legislativo n.° 241, de 9 de Julho de 1997, designadamente, no seu artigo 38.°, que prevê, em benefício dos CAF, compensações a cargo do orçamento do Estado para a realização das actividades referidas no n.° 4 do artigo 34.° e no n.° 2 do artigo 37.° do referido decreto legislativo?»

IV – A tramitação do processo no Tribunal de Justiça

21.      Apresentaram observações, no prazo previsto no artigo 20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, a Comissão, o Governo italiano e a ADC Servizi.

22.      Na audiência, realizada no passado dia 25 de Maio, compareceram para alegações os representantes das partes que participaram na fase escrita.

V –    A análise das questões prejudiciais

A –    Dois esclarecimentos preliminares

23.      A Comissão entende que é necessário justificar a admissibilidade deste pedido prejudicial, que ninguém discutiu e que, à luz da jurisprudência comunitária, parece irrefutável. Os acórdãos Job Centre II (9) e Payroll e o. (10), como a própria instituição recorda, pronunciaram‑se, sem se interrogar sobre a sua admissibilidade, sobre os respectivos reenvios da Corte d’appello di Milano, suscitados em recursos de sentenças do Tribunale di Milano que recusavam a homologação de deliberações societárias.

24.      O referido órgão jurisdicional não esclarece se as perguntas abrangem o conjunto dos Centros de Assistência Fiscal ou apenas os que denominei «de trabalhadores». É certo que a terceira se aplica apenas a estes últimos, que são os únicos que recebem uma remuneração a cargo do Estado. Nestas circunstâncias, a análise das duas primeiras refere‑se a todos sem distinção, ao passo que a da última se circunscreve a essa categoria concreta de centros.

B –    A primeira questão: os Centros de Assistência Fiscal e a sua posição no mercado

25.      A alusão nesta questão aos artigos 4.° CE, 10.° CE e 98.° CE deve ser entendida como a via de entrada para a essência da dúvida interpretativa da Corte d’Appello. Estes preceitos, de carácter programático, definem, como aponta a ADC Servizi, os princípios fundamentais da ordem pública económica do sistema comunitário e conformam a atmosfera que respiram os artigos 82.° CE e 86.° CE, verdadeiro objecto da interpretação solicitada.

26.      Pretende‑se averiguar se a atribuição exclusiva de determinadas actividades de consultoria em matéria tributária origina uma situação de abuso, vedada pelo artigo 82.° CE, aplicável ao caso concreto por força do n.° 1 do artigo 86.° CE. Trata‑se, pois, de dilucidar se o regime italiano exposto monta um palco que induz os Centros de Assistência Fiscal a cometerem práticas contrárias a esse artigo 82.° CE.

27.      O fio condutor da argumentação deve incorporar duas afirmações que não mereceram discussão no processo prejudicial: para o Tratado, os centros revestem o carácter de empresas (11) e a reserva a seu favor de certas prestações de assistência fiscal pode qualificar‑se de direito especial (12).

28.      Neste contexto, há que recordar que, embora o artigo 82.° CE se dirija às organizações que pertencem ao sector público ou que detêm direitos exclusivos ou especiais nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE, o n.° 1 deste último preceito proíbe aos Estados‑Membros manterem, a respeito da referida classe de estruturas, toda e qualquer medida contrária às normas do Tratado, particularmente às dos artigos 81.° CE a 89.° CE. Por conseguinte, é incompatível com o direito comunitário qualquer regulamentação que origine uma conjuntura na qual as referidas empresas se vejam impelidas a infringir o artigo 82.° CE, reduzindo a sua eficácia (13).

29.      Seguidamente, há que indagar se os Centros de Assistência Fiscal, entre os quais os utentes podem escolher livremente (14), gozam de uma posição dominante. Segundo os respectivos dados constantes dos autos, o número destas entidades aumentou, tendo chegado a mais de 70 (15), pelo que nenhuma estará em condições de dominar por si só o mercado italiano. Pois bem, o monopólio legal de que desfrutam confere‑lhes, considerando‑as no seu conjunto, essa situação privilegiada (16), que afectará uma parte substancial do mercado comum (17).

30.      Nos termos do artigo 82.° CE, um estatuto desta natureza pode ser ocupado por «uma ou mais empresas», expressão que alude à possibilidade de que o terem duas ou mais sociedades, juridicamente independentes entre si, quando, do ponto de vista económico, se apresentem ou actuem juntas num determinado sector. Surge assim a ideia de «posição dominante colectiva», quando as organizações constituam uma unidade (18), adoptem uma linha comum de actuação e se desenvolvam com independência relativamente aos seus concorrentes, clientela e consumidores (19), requisitos que devem estar suficientemente comprovados.

31.      Mas não se demonstrou nos presentes autos a existência de tais vínculos entre os vários Centros de Assistência Fiscal (20), compostos por entidades muito diversas: organizações patronais, sindicatos e associações profissionais ou substitutos do contribuinte.

32.      Desde logo, a primeira categoria presta assessoria às empresas, ao passo que as duas restantes aconselham os assalariados, os reformados e as pessoas equiparadas, de modo que entre umas e outras não existe qualquer nexo.

33.      Nesta última categoria e na consultoria para a liquidação do imposto sobre o rendimento através do modelo 730, utilizadas, segundo o Governo italiano, por cerca de 14 milhões de contribuintes, as firmas capazes de criar centros reúnem objectos e interesses sociais diferentes, pois nada tem em comum a acção sindical e de protecção dos trabalhadores com o pagamento de «rendimentos na forma de salário sujeitos a imposto», que define o substituto do contribuinte. Dentro de cada grupo, a eventualidade de uma concertação para provocar uma vantagem de que se possa abusar afigura‑se ilusória. As grandes centrais sindicais italianas (21), como refere a Comissão, concorrem, nos planos ideológico e político, para a defesa dos trabalhadores, sendo ilógico pensar que constituam uma frente comum para abusar, em prejuízo dos seus aderentes, de uma pretensa posição dominante colectiva no mercado da consultoria para a liquidação simplificada do imposto sobre o rendimento. Argumentos de índole semelhante servem também no que toca às organizações patronais. Entre os substitutos do contribuinte, cada empregador, de acordo com o artigo 37.°, n.° 1, do Decreto legislativo n.° 241 de 1997, assessora fiscalmente os seus próprios assalariados, pelo que, em princípio, não existem as ligações que possam fundar uma unidade de acção.

34.      Não há, pois, qualquer indício de que entre os Centros de Assistência Fiscal existam laços de suficiente consistência que impliquem uma situação colectiva de domínio. Perante esta circunstância, a Comissão propõe que o Tribunal de Justiça não responda à primeira questão, alegando que o despacho de reenvio não avança dados precisos sobre o caso concreto. Contudo, à luz do acórdão Sodemare e o., já referido (n.° 57), deve‑se declarar que os artigos 82.° CE e 86.° CE não se aplicam a uma regulamentação nacional como a controvertida no presente processo.

C –    A segunda questão: os Centros de Assistência Fiscal e as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços

1.      A sua admissibilidade

35.      O Governo italiano alega que a ADC Servizi, sem um nexo com sociedades de outros Estados‑Membros, não pode invocar estas liberdades, posto que todos os elementos de comparação são nacionais. Mas esta posição, à qual se opõe a Comissão, não tem em conta que a regulamentação interna se aplica indistintamente às sociedades italianas e estrangeiras, de forma que, se uma destas últimas pretendesse instalar‑se na Itália e oferecer serviços de consultoria fiscal, tropeçaria no obstáculo de determinadas prestações estarem reservadas aos Centros de Assistência Fiscal.

36.      No entanto e tendo em conta que todos os componentes objectivos e subjectivos do caso em apreço são italianos, surge a dúvida sobre se a Corte d’appello di Milano necessita de uma interpretação dos artigos do Tratado a que alude na sua segunda pergunta. Segundo jurisprudência constante, cabe ao órgão jurisdicional a quo apreciar a pertinência de uma decisão a título prejudicial para proferir a sua decisão, salvo quando a interpretação do direito comunitário não tenha qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio na causa principal, em cujo caso o Tribunal de Justiça pode julgá‑la liminarmente inadmissível. Mas, no presente processo, ainda que se entenda que a regulamentação controvertida viola as referidas liberdades e que, por conseguinte, não pode impedir às sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros a prestação dos serviços que atribui aos centros, por força do princípio de igualdade, proclamado no artigo 3.° da Constituição da República Italiana (22), a decisão do Tribunal de Justiça será útil à resolução do litígio (23).

37.      Portanto, há que examinar se as disposições do Tratado cuja interpretação pede a Corte d’appello di Milano se opõem à regulamentação nacional, quando se aplique às pessoas e às sociedades radicadas noutros Estados‑Membros.

2.      A precisão do seu objecto

38.      O tribunal italiano pergunta se o regime dos Centros de Assistência Fiscal cumpre as exigências inerentes às liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços, tendo em conta que ambas assentam no mesmo fundamento e prosseguem igual objectivo, até ao ponto de o artigo 55.° CE declarar aplicáveis à segunda destas liberdades as previsões formuladas nos artigos 45.° CE a 48.° CE para a primeira.

39.      Pois bem, versando o litígio na causa principal sobre a homologação de um projecto de alteração dos estatutos de uma sociedade, que pode beneficiar de forma indirecta (à rebours) do regime do Tratado sobre o direito de estabelecimento (artigo 43.° CE), parece supérfluo que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a garantia do artigo 49.° CE (24), sem prejuízo de, como alega a Comissão, os argumentos poderem ser transpostos mutatis mutandi de uma liberdade para outra (25).

3.      A liberdade de estabelecimento

a)      Um obstáculo à sua operacionalidade

40.      Este direito, que é reconhecido tanto às pessoas singulares como colectivas, compreende, segundo jurisprudência constante (26), sem prejuízo das excepções e condições a que mais adiante aludirei, o acesso no território de qualquer outro Estado‑Membro a todo o tipo de actividades por conta própria e ao seu exercício, bem como a constituição e a gestão de empresas e a criação de agências, de sucursais ou de filiais.

41.      Por conseguinte, as medidas nacionais susceptíveis de colocar as sociedades de outros Estados‑Membros numa situação, de facto ou de direito, desvantajosa em relação às sociedades do Estado‑Membro de estabelecimento constituem um obstáculo contrário aos artigos 43.° CE e 48.° CE (27).

42.      Em minha opinião, o regime de assistência fiscal controvertido é contrário à liberdade em questão por duas ordens de razões.

43.      Em primeiro lugar, porque só as entidades italianas reúnem as condições para criar um Centro de Assistência Fiscal (expostas no n.° 13 destas conclusões) ficando assim as estrangeiras sujeitas a uma discriminação indirecta (28).

44.      Em segundo lugar, porque atribui a estes centros uma competência exclusiva para efectuar determinadas missões de consultoria (enumeradas nos n.os 15 e 16 destas conclusões), criando, segundo a Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato na sua decisão de 10 de Novembro de 1999 (29), dois sectores, um de livre acesso, o outro restrito aos referidos organismos e vedado aos demais operadores que possuem as qualificações profissionais necessárias, quer sejam italianos quer provenham de outros Estados‑Membros. Limitando desse modo o âmbito das suas actividades, o Decreto legislativo n.° 241 de 1997 entrava a liberdade de estabelecimento das sociedades estrangeiras na Itália. Dificilmente um contribuinte encarregará a um consultor estrangeiro o cumprimento da declaração simplificada, sabendo que o referido profissional não pode visá‑la nem transmiti‑la ao agente encarregado de lhe pagar o correspondente reembolso das quantias retidas na fonte, em suma, enviá‑la à administração, tarefas para as quais está exclusivamente habilitado um Centro de Assistência Fiscal.

b)      Uma restrição injustificada

45.      No primeiro aspecto, o da discriminação indirecta em razão da nacionalidade, a regulamentação controvertida revela‑se sob todos os aspectos inadmissível, visto que as únicas razões de interesse geral aptas a justificá‑la, as do artigo 46.°, n.° 1, CE (30), a saber, as razões de ordem pública ou de segurança e saúde públicas, não se aplicam no caso em apreço.

46.      No segundo aspecto, a medida nacional só seria compatível com o artigo 43.° CE se: a) se justificasse por razões imperativas de interesse geral, b) fosse adequada ao objectivo que prossegue e c) não ultrapassasse o que é necessário para o atingir (31).

47.      Os Centros de Assistência Fiscal prosseguem o objectivo da assistência aos assalariados e aos pequenos empresários no que toca a algumas das suas obrigações para com o fisco. Nesta perspectiva, a restrição justificar‑se‑ia em função da protecção dos trabalhadores, aspecto que o Tribunal de Justiça tem repetidamente tomado em consideração (32), ou pela necessidade de assegurar um nível mínimo de qualidade ou de qualificação profissional na prestação (33).

48.      Mas, analisando‑se com pormenor o conteúdo das actividades que a legislação italiana sujeita a oligopólio, surge com clareza a sua inadequação para satisfazer essas finalidades.

49.      Algumas destas tarefas são de mera gestão e não necessitam preparação especial: a entrega da cópia da declaração ao interessado, a sua comunicação aos substitutos do contribuinte para que liquidem as retenções na fonte e a sua remessa à administração fiscal (34).

50.      Outras, no entanto, assumem maior importância: certificar a conformidade dos dados fornecidos, elaborar as liquidações de imposto ou escriturar os livros de contabilidade das empresas. Não obstante, a restrição também não se justifica a respeito destas ocupações. Tem razão a Corte d’appello di Milano quando, no despacho de reenvio (ponto 3, quinto parágrafo), comenta que as organizações autorizadas a constituir os centros «não têm qualificações profissionais específicas». As exigências da lei italiana não oferecem qualquer garantia de uma aptidão especial ou de uma competência particular, tratando‑se simplesmente de parâmetros quantitativos relativos ao número de aderentes ou de empregados, que não pressupõem uma maior qualificação, pois que uma elevada representatividade não implica uma preparação superior.

51.      A certificação da conformidade dos dados fornecidos e dos consignados nos livros das empresas compete aos responsáveis designados pelos centros, que, como já explicado, têm de ser auditores ou contabilistas inscritos na respectiva organização profissional, profissionais que, em razão dos seus conhecimentos específicos, estão especialmente habilitados para o desempenho dessa missão, aos quais, no entanto, está vedado o respectivo exercício por conta própria. Assim, os centros actuam como meros agentes entre os contribuintes e os peritos, aos quais, segundo a Comissão (ponto 42 das suas observações escritas), se abre a janela para poderem entrar num recinto cuja porta lhes tinha sido fechada.

52.      Em suma, os centros, como os consultores no processo na origem do acórdão Säger, limitam‑se a exercer tarefas de simples administração e intermediação, que não requerem particular qualificação, pelo que a restrição à liberdade de estabelecimento que comporta a regulamentação controvertida no processo principal não tem justificação. Por outras palavras, a tutela dos interesses dos trabalhadores e das pequenas empresas, na sua qualidade de sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento, e a necessidade de assegurar um mínimo de qualidade na prestação não exigem que os serviços sejam subtraídos ao livre mercado, confiando‑os a entidades sem qualificação específica para os fornecer.

53.      Com esta convicção da inadequação da medida nacional para alcançar o objectivo de protecção susceptível de a justificar, será inútil qualquer consideração em torno da sua proporcionalidade.

54.      Contudo, seria considerada legítima, ao abrigo do artigo 45.° CE, a entender‑se que respeita a uma actividade relacionada com o exercício do poder público, mas, em minha opinião, não há que a apreciar assim. Os Centros de Assistência Fiscal assumem um papel preparatório e auxiliar da missão que, numa fase ulterior, incumbe à administração, para verificar o respeito da obrigação de contribuir para as despesas públicas (35); esta última, através dos serviços de gestão, de inspecção e de liquidação dos impostos (36), desempenha a sua transcendente função, que representa uma manifestação do poder do Estado; todavia, os centros não têm essa relação directa com as prerrogativas da soberania, cingindo‑se ao papel de meros avaliadores e expedidores da dívida fiscal, que permanece sujeita a ulterior comprovação e, eventualmente, a rectificação (37).

55.      À luz das anteriores considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que, em resposta à segunda questão da Corte d’appello di Milano, declare que o artigo 43.° CE se opõe à legislação de um Estado‑Membro que reserva o direito de prestar certos serviços de consultoria e de certificação no âmbito fiscal a uma determinada categoria de organizações, impedindo o seu exercício aos operadores de outros países comunitários que, dispondo da qualificação profissional requerida para actuar como consultores fiscais, pretendam estabelecer‑se no seu território para exercer essas mesmas actividades.

D –    A terceira questão: a remuneração pelos serviços relativos à declaração simplificada

56.      Com a sua última pergunta, o órgão jurisdicional a quo pretende saber se as quantias que os Centros de Assistência Fiscal recebem, provenientes dos fundos públicos, pelas actividades relativas aos modelos 730, constituem auxílios de Estado, proibidos pelo artigo 87.° CE.

57.      Este conceito, que goza de pergaminhos na jurisprudência comunitária (38), exige a presença dos quatro requisitos contidos no artigo 87.°, n.° 1, CE: 1) uma intervenção do Estado ou mediante recursos estatais, 2) susceptível de afectar as trocas intracomunitárias, 3) conferindo uma vantagem ao beneficiário, 4) que falseie ou ameace falsear a concorrência.

58.      A presença do primeiro requisito no regime italiano em questão nos presentes autos está fora de dúvida, posto que da simples leitura do artigo 38.°, n.os 1 e 2, do Decreto legislativo n.° 241 de 1997 se infere que o pagamento se efectua a cargo do orçamento do Estado.

59.      O segundo também está presente, porque, como refere a Comissão nas suas observações escritas, a remuneração é devida pela prestação de serviços que, tendo em conta a resposta que proponho para a segunda questão prejudicial (39), também poderiam ser prestados por sociedades de outros Estados‑Membros, sendo que estas últimas não receberiam qualquer pagamento dos cofres do Estado italiano (40). Ficaria assim distorcido o livre mercado, passando a estar presente o quarto requisito, ao reforçar‑se, mediante esses honorários públicos, a posição dos centros, que estão em condições de prestar os serviços sem custo algum para os utentes (41).

60.      Mais complicada se revela a análise do terceiro requisito, o relativo a saber se a intervenção estatal implica uma vantagem para a empresa beneficiária. Em termos conceptuais, a ideia de «vantagem» implica que o sacrifício financeiro que a comunidade social suporta não tem contrapartida ou que esta é meramente simbólica. Esta abordagem conduz, como ocorreu no referido acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, a negar‑se o carácter de auxílio de Estado à remuneração das prestações devidas ao cumprimento das missões de serviço público, destinada a compensar os custos adicionais que originam, de forma que não concede qualquer vantagem concorrencial.

61.      Pois bem, para que assim suceda, têm que estar reunidas as seguintes circunstâncias: 1) a empresa beneficiária tem de encarregar‑se do cumprimento de obrigações de serviço público claramente definidas; 2) os parâmetros para o seu cálculo têm de estar previamente fixados, de forma objectiva e transparente; 3) a quantia não pode ultrapassar o necessário para cobrir o aumento de custos ocasionado por essas obrigações, acrescido de um lucro razoável; e 4) quando a escolha da empresa não seja efectuada através de um processo público de contratação que permita seleccionar o candidato que proporcione a prestação mais vantajosa para a colectividade, o nível da compensação deve ser determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida, teria suportado para satisfazer as exigências do serviço público (v. n.os 87 a 93 do referido acórdão) (42).

62.      Não cabe dúvida de que a regulamentação italiana reúne as duas primeiras circunstâncias. Os serviços descritos nos n.os 16 e 17 destas conclusões, que, a respeito das declarações simplificadas, os Centros de Assistência Fiscal devem prestar, surgem nitidamente definidos e nada se opõe a que um Estado‑Membro os qualifique de obrigações de serviço público, posto que pretendem facilitar aos cidadãos o cumprimento do seu dever básico de prover os cofres do Estado e contribuir para o financiamento das despesas públicas. Ademais, a remuneração está fixada na lei, que também prevê o mecanismo para a sua actualização (no artigo 38.°, n.° 3, do Decreto legislativo n.° 241 de 1997).

63.      O exame da terceira escapa, todavia, às atribuições do Tribunal de Justiça e incumbe à Corte d’appello di Milano, por tratar‑se da análise de circunstâncias de facto próprias do litígio no processo principal e do poder jurisdicional apto a resolvê‑las. Algo semelhante acontece com a segunda parte da última circunstância, porque, sendo notório que as entidades criadoras dos centros não foram seleccionadas através de um processo público de contratação, a verificação de que a contrapartida recebida foi avaliada em conformidade com os critérios antes apontados cabe ao referido órgão jurisdicional nacional.

64.      Termino o discurso argumentativo precisando que o sistema controvertido não pode encontrar amparo em nenhuma das excepções do artigo 87.°, n.os 2 e 3, CE, para o que não existe, por outro lado, a comunicação da Itália à Comissão ao abrigo do artigo 88.° CE.

65.      As anteriores reflexões levam‑me a sugerir ao Tribunal de Justiça que, no que toca à última questão prejudicial, indique que constitui um auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.° CE, uma medida como a do processo principal, que prevê o pagamento de uma remuneração, a cargo do orçamento do Estado, a favor das empresas prestadoras de determinados serviços de consultoria e certificação fiscais, se a sua escolha não tiver sido efectuada através de um processo público de contratação que permita seleccionar o candidato capaz de fornecer esses serviços ao menor custo para a colectividade e o nível da compensação não tiver sido fixado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida, teria suportado para satisfazer as exigências do serviço público, tendo‑se em conta um lucro razoável.

VI – Conclusão

66.      Tendo em conta todo o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais da Corte d’appello di Milano, declarando que:

«1)      Os artigos 82.° CE e 86.° CE não se aplicam a uma situação como a criada pela regulamentação nacional controvertida no processo principal.

2)      O artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro que reserva o direito de prestar certos serviços de consultoria e de certificação no âmbito fiscal a uma determinada categoria de organizações, impedindo o seu exercício aos operadores de outros países comunitários que, dispondo da qualificação profissional requerida para actuar como consultores fiscais, pretendam estabelecer‑se no seu território para exercer essas mesmas actividades.

3)      Nos termos do artigo 87.° CE, constitui um auxílio de Estado incompatível com o Tratado uma medida como a do processo principal, que prevê o pagamento de uma remuneração, a cargo do orçamento do Estado, a favor das empresas prestadoras de determinados serviços de consultoria e certificação fiscais, se a sua escolha não tiver sido efectuada através de um processo público de contratação que permita seleccionar o candidato capaz de fornecer esses serviços ao menor custo para a colectividade e o nível da compensação não tiver sido fixado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida, teria suportado para satisfazer as exigências do serviço público, tendo‑se em conta um lucro razoável.»


1 – Língua original: espanhol.


2 – Gazzeta Ufficiale della Repubblica Italiana (a seguir «GURI») n.° 305, de 31 de Dezembro de 1991.


3 – O Decreto legislativo n.° 490, de 28 de Dezembro de 1998 (GURI n.° 15, de 20 de Janeiro de 1999), estendeu este benefício aos sujeitos passivos «equiparados aos trabalhadores por conta de outrem», aos quais se refere o artigo 49.°, n.° 2, alínea a), da lei consolidada dos impostos sobre o rendimento, aprovada por Decreto do Presidente da República n.° 917, de 22 de Dezembro de 1986 (GURI n.° 302, de 31 de Dezembro de 1986).


4 – GURI n.° 174, de 28 de Julho de 1997. Este decreto‑lei foi alterado pelo já referido Decreto legislativo n.° 490 de 1998. Por sua vez, o Decreto ministerial n.° 164, de 31 de Maio de 1999 (GURI n.° 135, de 11 de Junho de 1999), aprovou o seu regulamento de execução.


5 –      Nos termos do artigo 34.°, n.° 2, «os centros constituídos pelos sujeitos jurídicos referidos nas alíneas d), e) e f) do n.° 1 do artigo 32.° prestam assistência fiscal aos contribuintes que não recebam os rendimentos provenientes do trabalho por conta própria ou da actividade empresarial previstos nos artigos 49.°, n.° 1, e 51.° da lei consolidada dos impostos sobre o rendimento […]».


6 – Nos termos deste número «relativamente à declaração fiscal anual dos titulares de rendimentos provenientes de um trabalho assalariado e equiparados referidos nos artigos 46.° e 47.°, n.° 1, alíneas a), d), g), com exclusão da remuneração recebida pelos membros do Parlamento Europeu, e l), da lei consolidada dos impostos sobre o rendimento, […], bem como dos rendimentos indicados no artigo 49.°, n.° 2, alínea a), da mesma lei consolidada, os centros criados pelos sujeitos referidos nas alíneas d), e) e f) do artigo 32.°, realizam as actividades das alíneas c) a f) do n.° 3» deste artigo 34.° O artigo 37.°, n.° 2, descreve em termos semelhantes as funções dos centros criados pelos substitutos do contribuinte, que assistem os seus próprios assalariados.


7 – A norma refere a quantia de 25 000 ITL, tendo informado a Corte d’appello di Milano que em 15 de Outubro de 2003, data em que foi aprovado o despacho de reenvio, a remuneração ascendia a 13,98 EUR.


8 –      A versão original do despacho de reenvio emprega as siglas «T.U.», que foram traduzidas para espanhol como «Texto único»; entendo, contudo, que resultam mais expressivas as palavras «Texto refundido» [NT: aqui traduzidas, tal como na versão portuguesa do referido despacho, por «lei consolidada»].


9 – Acórdão de 11 de Dezembro de 1997 (C‑55/96, Colect., p. I‑7119).


10 – Acórdão de 17 de Outubro de 2002 (C‑79/01, Colect., p. I‑8923).


11 – Desde o acórdão de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser (C‑41/90, Colect., p. I‑1979), está assente que este conceito abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (n.° 21). À luz deste critério, entendeu‑se que um serviço público de colocação de mão‑de‑obra reveste o referido carácter (n.° 23), apreciação que reiterou o acórdão Job Centre II, a que já fiz referência (n.° 25). O acórdão de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália (C‑35/96, Colect., p. I‑3851), fez o mesmo relativamente aos despachantes alfandegários do referido Estado‑Membro (n.° 37) e, em datas mais recentes, o acórdão de 25 de Outubro de 2001, Ambulanz Glöckner (C‑475/99, Colect., p. I‑8089), atribuiu a mesma natureza a entidades como as organizações alemãs de assistência sanitária, nas quais a autoridade pública delega os serviços de transporte de emergência e de transporte de doentes (n.° 22). Também os advogados inscritos nos Países Baixos constituem empresas para os efeitos do Tratado, segundo o acórdão de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, Colect., p. I‑1577, n.° 49).


12 – O facto de se reservar certos serviços para uma ou várias organizações, com preterição de outras, é suficiente para se qualificar esta medida de direito exclusivo ou especial, pois que se confere protecção a um número limitado de empresas, protecção essa que pode afectar substancialmente a capacidade de outras empresas exercerem a actividade económica em questão no mesmo território em condições substancialmente equivalentes (v. n.° 24 do acórdão Ambulanz Glöckner, já referido na nota 11). A Directiva 2000/52/CE da Comissão, de 26 de Julho de 2000, que altera a Directiva 80/723/CEE relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas (JO L 193, p. 75), define, na alínea f) do n.° 1 do artigo 2.°, os direitos exclusivos como os direitos concedidos por um Estado‑Membro a uma empresa, através de qualquer acto legislativo, regulamentar ou administrativo, que lhe reservam o direito de prestar um serviço ou de exercer uma actividade numa determinada área geográfica e, na alínea g), os especiais como os concedidos, com idêntica finalidade e em função de «critérios que não sejam objectivos, proporcionais e não discriminatórios», a um número limitado de empresas.


13 – Esta ideia, acolhida pela primeira vez no acórdão de 16 de Novembro de 1977, Inno (13/77, Colect., p. 753, n.os 31 e 32), foi mais tarde reiterada nos acórdãos, já referidos, Höfner e Elser (n.° 26) e Job Centre II (n.° 28).


14 – Assim se manifestou na audiência pública o representante do Governo italiano, em resposta a uma pergunta do presidente de secção.


15 – Na acta da audiência precisa‑se que, neste número, sete correspondem aos centros patronais, dez aos dos trabalhadores, cerca de 50 aos das empresas com a qualidade de substitutos do contribuinte, ao passo que cinco dependem das associações de profissões liberais e das associações profissionais.


16 – Acórdãos Höfner e Elser (já referido na nota 11, n.° 28) e Job Centre II (já referido na nota 9, n.° 30).


17 – O território de um Estado‑Membro pode constituir, para este efeito, uma parte essencial do território comunitário [acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão (322/81, Recueil, p. 3461, n.° 28)].


18 – Acórdãos de 27 de Abril de 1994, Almelo e o. (C‑393/92, Colect., p. I‑1477, n.° 42), e de 17 de Junho de 1997, Sodemare e o. (C‑70/95, Colect., p. I‑3395, n.° 46).


19 – Como confirmam os acórdãos de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão (C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.° 221), e de 16 de Março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão (C‑395/96 P e C‑396/96 P, Colect., p. I‑1365, n.° 39).


20 – A Corte d’appello di Milano expõe de forma apodíctica que «o mecanismo pretendido pelo legislador nacional coloca, com efeito, os [centros] numa posição privilegiada, podendo estes exercer um direito exclusivo por força da lei, que de facto equivale a impedir o exercício da normal e correcta concorrência no mercado» (ponto 3, décimo terceiro parágrafo, do despacho de reenvio).


21 – A Confederazione Generale Italiana del Lavoro, que conta com 5 500 000 aderentes, oferece os serviços de assistência fiscal através do CAF‑CGIL, a Confederazione Italiana Sindacati Lavoratori, com 4 300 000 inscritos, organizou o CAF‑CISL e a Unione Italiana del Lavoro, que reúne 1 915 237 sindicalizados, o CAF‑UIL.


22 – A Comissão remete para dois acórdãos do Tribunal Constitucional italiano, que não acolhem as discriminações sofridas por trabalhadores nacionais relativamente a outros produtores comunitários. Trata‑se dos acórdãos n.° 249, de 16 de Junho de 1995 (GURI, série especial n.° 26), e n.° 443, de 30 de Dezembro de 1997 (GURI, série especial n.° 1).


23 – Esta posição flui do acórdão de 5 de Dezembro de 2000, Guimont (C‑448/98, Colect., p. I‑10663, n.os 18 a 24), relativo à livre circulação das mercadorias, tendo sido reproduzida pouco tempo após no acórdão de 5 de Março de 2002, Reisch e o. (C‑515/99, C‑519/99 a C‑524/99 e C‑526/99 a C‑540/99, Colect., p. I‑2157, n.os 24 a 27), que se refere à livre circulação de capitais, bem como no acórdão de 15 de Maio de 2003, Salzmann (C‑300/01, Colect., p. I‑4899, n.os 32 a 36). O acórdão de 11 de Setembro de 2003, Anomar e o. (C‑6/01, Colect., p. I‑8621), estendeu a doutrina à matéria da livre prestação de serviços (n.os 39 a 42). O despacho de 17 de Fevereiro de 2005, Mauri (C‑250/03, Colect., p. I‑1267), insiste na mesma linha (n.° 21).


24 – A doutrina assinala que ambos os direitos têm idêntico conteúdo material, as actividades económicas não assalariadas (Calvo Caravaca. A. L., e Carrascosa González, J.: Mercado único y libre competencia europea, Editorial Colex, Madrid, 2003, p. 115), e um regime jurídico similar, destacando o carácter residual da livre prestação de serviços, que se aplica aos casos que não se enquadram em qualquer das demais liberdades de circulação (López Escudero, M.: «La jurisprudencia del Tribunal de Justicia sobre el derecho de establecimiento y la libre prestación de servicios», em Derecho Comunitario. Presente y perspectiva, Cuadernos de Derecho Judicial, n.° XXXII, Consejo General del Poder Judicial, 1995, pp. 15 a 53, em particular, pp. 19 e 29).


25 – O acórdão Payroll e o., já referido, que responde a uma questão prejudicial da Corte d’appello di Milano num caso muito parecido, adopta esta solução (especialmente, n.° 38).


26 – N.° 24 do acórdão Payroll e o., já referido.


27 – O acórdão de 11 de Maio de 1999, Pfeiffer (C‑255/97, Colect., p. I‑2835, n.° 19), inscreve‑se numa linha jurisprudencial consolidada sobre esta matéria.


28 – As organizações empresariais, os sindicatos e as associações profissionais, por definição, encontram‑se estabelecidos na Itália. Só uma grande empresa de outro Estado‑Membro, com mais de 50 000 assalariados no referido país comunitário, poderia instalar um centro na sua qualidade de substituto do contribuinte.


29 – Bollettino dell’Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, ano IX, n.° 43, p. 70.


30 – V., a este respeito, n.° 15 do acórdão de 29 de Maio de 2001, Comissão/Itália (C‑263/99, Colect., p. I‑4195).


31 – Acórdãos, já referidos, Pfeiffer, nota 27, n.° 19, e Payroll e o., nota 9, n.° 29.


32 – O n.° 31 do reiterado acórdão Payroll e o. refere sete processos, o primeiro resolvido em 1981 e o último em 2002.


33 – O acórdão de 25 de Julho de 1991, Säger (C‑76/90, Colect., p. I‑4221), considerou que, em princípio, a salvaguarda de uma assistência apropriada em matéria de patentes podia justificar a exigência de requisitos específicos para o exercício da referida actividade.


34 – O acórdão Säger, já referido na nota 33, qualificou de injustificada a restrição, porque, na realidade, a figura profissional analisada não assistia tecnicamente os seus clientes, limitando‑se a avisá‑los a tempo de pagarem os direitos de prorrogação de uma patente, para evitar a sua caducidade. O acórdão Payroll e o., também já referido na nota 9, expõe que, dada a natureza meramente administrativa das funções atribuídas aos centros para o processamento informatizado de dados, no caso sub judice, parecia desnecessário confiá‑las a organismos constituídos e compostos exclusivamente por consultores laborais ou pessoas equiparadas.


35 – O artigo 53.°, n.° 1, da Constituição da República Italiana dispõe que «todos os cidadãos estão obrigados a custear as despesas públicas em proporção da sua capacidade contributiva».


36 – Os Centros de Assistência Fiscal estão submetidos à supervisão e ao poder sancionador da administração (artigos 9.° e 26.° do regulamento de execução, aprovado pelo Decreto ministerial n.° 164 de 1999, bem como o 39.° do Decreto legislativo n.° 241 de 1997).


37 – Desde o acórdão de 21 de Junho de 1974, Reyners (2/74, Colect., p. 325), a jurisprudência interpreta a cláusula de salvaguarda do artigo 45.° CE de forma restritiva (v. n.os 42 a 47). O acórdão de 13 de Julho de 1993, Thijssen (C‑42/92, Colect., p. I‑4047), negou que a função dos revisores oficiais de contas aprovados junto das empresas de seguros que exercem a sua actividade na Bélgica esteja relacionada com o exercício do poder público (passim). Em datas mais recentes, os acórdãos de 29 de Outubro de 1998, Comissão/Espanha (C‑114/97, Colect., p. I‑6717, n.os 34 a 39); de 9 de Março de 2000, Comissão/Bélgica (C‑355/98, Colect., p. I‑1221, n.os 24 a 26); e de 31 de Maio de 2001, Comissão/Itália (C‑283/99, Colect., p. I‑4363, n.os 19 a 22), declararam que as empresas e o pessoal de segurança privada não participam directa e especificamente em faculdades dessa índole.


38 – Os acórdãos de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, Colect., p. I‑7747), e de 15 de Julho de 2004, Pearle e o. (C‑345/02, Colect., p. I‑7139), resumem a posição sobre este instituto, com profusão de referências jurisprudenciais.


39 – O artigo 43.° CE produz efeito directo (acórdão Reyners, já referido na nota 37, n.° 10).


40 – Unicamente e a título excepcional, as firmas estrangeiras com, pelo menos, 50 000 empregados na Itália, enquanto substitutos do contribuinte, poderiam abrir um Centro de Assistência Fiscal e, ao efectuar a prestação prevista no artigo 37.°, n.° 2, do Decreto legislativo n.° 241 de 1997, obter a remuneração pública prevista no artigo 38.°, n.° 2, da mesma norma.


41 – A fórmula do artigo 87.° CE («falseiem ou ameacem falsear») evidencia o propósito de evitar distorções actuais ou potenciais da concorrência. Calvo Caravaca, A. L., e Carrascosa González, J. (op. cit., p. 737), sustentam que a previsão factual da norma legal se configura com a simples possibilidade, concreta e real, de que a adulteração se produza.


42 – O acórdão de 27 de Novembro de 2003, Enirisorse (C‑34/01 a C‑38/01, Colect., p. I‑14243), reproduz esta ideia nos n.os 31 e segs.