Language of document : ECLI:EU:T:2005:134

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

20 de Abril de 2005 (*)

«Marca comunitária – Processo de oposição – Pedido de marca nominativa comunitária CALPICO – Marca nacional anterior CALYPSO – Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94 – Direito de ser ouvido»

No processo T‑273/02,

Krüger GmbH & Co. KG, com sede em Bergisch Gladbach (Alemanha), representada por S. von Petersdorff‑Campen, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por G. Schneider, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo que correu os seus termos na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal de Primeira Instância,

Calpis Co. Ltd, com sede em Tóquio (Japão), representada por O. Jüngst e M. Schork, advogados,

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI, de 25 de Junho de 2002 (processo R 484/2000‑1), relativa a um processo de oposição entre a Calpis Co. Ltd e a Krüger GmbH & Co. KG,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, P. Mengozzi e I. Wiszniewska‑Białecka, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6 de Setembro de 2002,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Dezembro de 2002,

visto o articulado da interveniente apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Dezembro de 2002,

após a audiência de 17 de Novembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 1 de Abril de 1996, The Calpis Food Industry Co. Ltd, que passou a Calpis Co. Ltd (a seguir «interveniente»), apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na actual versão.

2        A marca cujo registo era pedido é o sinal nominativo CALPICO.

3        Os produtos para os quais foi pedido o registo fazem parte das classes 29, 30 e 32 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, como revisto e alterado, e correspondem, no que respeita à classe 32, à seguinte descrição: «águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas, especialmente bebidas destinadas a uma utilização fisiológica; bebidas à base de fruta e sumos de fruta, bem como bebidas à base de sumos de fruta; xaropes e outras preparações para fazer bebidas».

4        Em 28 de Setembro de 1998, o pedido de marca foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 74/98.

5        Em 11 de Novembro de 1998, a Krüger GmbH & Co. KG (a seguir «recorrente») deduziu oposição ao registo do sinal CALPICO invocando o risco de confusão, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, com a marca nacional nominativa anterior CALYPSO, registada na Alemanha, de que era titular. Os produtos para que fora registada a marca anterior integram a classe 32 na acepção do acordo de Nice e correspondem à seguinte descrição: «fruta em pó e preparações não alcoólicas à base de fruta para produzir bebidas não alcoólicas (todos estes produtos também sob a forma de produtos instantâneos)».

6        Por decisão de 13 de Março de 2000, a Divisão de Oposição negou provimento à oposição com o fundamento de que as duas marcas em conflito eram suficientemente diferentes em termos visuais, fonéticos e conceptuais para que não existisse qualquer risco de confusão na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

7        Em 5 de Maio de 2000, a recorrente recorreu da decisão da Divisão de Oposição no IHMI.

8        Por decisão de 25 de Junho de 2002 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso. A Câmara de Recurso considerou, essencialmente, que, embora os produtos em causa fossem parcialmente idênticos (preparações para bebidas) e parcialmente muito semelhantes (outros produtos), as diferenças visual, fonética e conceptual entre os sinais em conflito não autorizavam a que se concluísse pela existência de um risco de confusão.

 Pedidos das partes

9        A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o IHMI nas despesas.

10      O IHMI e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

11      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos. O primeiro decorre da violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e o segundo da violação do direito de ser ouvido, a que se refere o artigo 61.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, conjugado com a regra 20, n.° 2, primeiro período, do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento n.° 40/94 (JO L 303, p. 1), e o artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH).

 Quanto ao primeiro fundamento, decorrente da violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

12      A recorrente considera, em primeiro lugar, que a Câmara de Recurso, ao proceder a uma análise das semelhanças visual, fonética e conceptual dos sinais em conflito, procedeu a um exame cumulativo manifestamente erróneo do risco de confusão. Segundo a recorrente, quando se conclua pela existência de uma dessas semelhanças, por exemplo a visual, e esta seja de importância decisiva, não é necessário examinar a semelhança conceptual dos sinais em conflito, mesmo que não exista qualquer semelhança fonética. Ora, ao proceder a um exame cumulativo, a Câmara de Recurso desprezou a jurisprudência recordada nos acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL (C‑251/95, Colect., p. I‑6191), e de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer (C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.° 27).

13      Em segundo lugar, a recorrente afirma que a Câmara de Recurso não apreciou correctamente os factos e que não podia concluir pela inexistência de semelhanças entre as marcas em conflito.

14      Antes de mais, sustenta que foi erradamente que a Câmara de Recurso considerou que, devido à abundância de oferta no sector dos sumos de fruta e das bebidas, o nível de atenção do consumidor médio não devia ser considerado diminuto. A recorrente não contesta a existência de uma abundante oferta no sector dos sumos de fruta e das bebidas, embora considere que a fundamentação da Câmara de Recurso é contraditória. Se, como se apontou, se tratasse, no caso em apreço, de produtos que são comprados rapidamente, o nível de atenção do consumidor não podia ser elevado. Além disso, a abundância de oferta favorecia o risco de confusão entre as marcas. Por outro lado, a própria Câmara de Recurso sublinhou que o preço dos produtos era baixo. Ora, no entender da recorrente, o consumidor médio presta menos atenção a um produto barato do que a um produto mais caro.

15      Em seguida, a recorrente sustenta existir uma semelhança visual entre os sinais CALYPSO e CALPICO. Ambos eram constituídos por sete letras e incluíam a letra «p» no meio da palavra. Além disso, as letras comuns aos dois sinais («cal» e «o») estavam situadas no início e no final do sinal. Ora, a recorrente afirma que os elementos determinantes na impressão visual deixada por um sinal são os elementos que se encontram no início e no fim do sinal nominativo. A conclusão da Câmara de Recurso, de que existem diferenças visuais entre as duas sequências de letras «pic» e «yps», era irrelevante pois estas encontram‑se no meio da palavra. Além disso, a recorrente sublinha que os sinais em causa são, em primeiro lugar, percebidos visualmente, só sendo percebidos foneticamente pelo consumidor se este os examinar com mais atenção. Ora, como o seu nível de atenção é fraco, a maior parte das vezes os sinais só eram percebidos visualmente. É a razão pela qual importa reconhecer à semelhança visual uma importância decisiva.

16      Segundo a recorrente, o risco de confusão decorrente da semelhança visual é reforçado pela semelhança fonética existente entre os sinais. Com efeito, estes têm em comum a sequência de vogais «a‑i‑o», pronunciando‑se letra «y» do sinal CALYPSO como um «i». A sequência vocálica era assim determinante para a percepção fonética das palavras em causa. Por outro lado, a recorrente sustenta que, como o sinal CALPICO é considerado uma palavra estrangeira na Alemanha, uma grande parte dos consumidores pronuncia‑o como se se tratasse de uma palavra italiana ou espanhola, ou seja, «kalpitscho» ou «kalpizo». Existia, portanto, para o consumidor alemão, uma incerteza quanto à pronúncia do sinal nominativo CALPICO, o que incitava o consumidor a pronunciá‑lo da mesma forma que o sinal CALYPSO, que já tinha ouvido. A afirmação da Câmara de Recurso segundo a qual a letra «c» de CALPICO era pronunciada como um «k», porque em alemão o «c» pronuncia‑se sempre assim quando está antes de um «o», era, portanto, irrelevante, pois CALPICO não é uma palavra alemã.

17      Ademais, a recorrente considera que a falta de semelhança conceptual entre os dois sinais não permite concluir pela inexistência de qualquer risco de confusão. Na medida em que a palavra «calypso» possui em alemão diversos significados – designa uma dança rítmica originária das Antilhas, uma ninfa da mitologia grega ou um satélite de Saturno – e a palavra «calpico» não possui nenhum, o consumidor podia, devido às semelhanças visual e fonética existentes entre os dois sinais, atribuir à palavra «calpico» significados que são os da palavra «calypso». Além disso, a Câmara de Recurso não demonstrou por que é que entre os diferentes significados da palavra «calypso» os consumidores o associam às Caraíbas, ao Sul e a ritmos balançados.

18      Por último, a recorrente alega que a Câmara de Recurso não atendeu à interdependência entre a semelhança dos sinais e a dos produtos na apreciação do risco de confusão. Com efeito, tendo chegado à conclusão de que existia uma semelhança entre os produtos, a Câmara de Recurso, com base nas semelhanças visual e fonética entre os sinais, devia concluir que existia um risco de confusão.

19      Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a decisão controvertida é contrária à prática decisória do IHMI, em especial às decisões R 488/2000‑4, de 28 de Fevereiro de 2002, Robert Krups/Lidl Stiftung, R 622/1999‑3, de 3 de Abril de 2001, Almirall Prodesfarma/Mundipharma, e R 251/2000‑3, de 12 de Fevereiro de 2001, Karlsberg Brauerei/Mystery Drinks.

20      O IHMI responde, em primeiro lugar, que a Câmara de Recurso não afirmou que, para se concluir pela existência de risco de confusão, é necessário que se verifique simultaneamente uma semelhança visual, uma semelhança fonética e uma semelhança conceptual.

21      Em segundo lugar, o IHMI sustenta que a Câmara de Recurso apreciou correctamente os factos e concluiu acertadamente pela inexistência de qualquer risco de confusão.

22      Antes de mais, o IHMI sustenta que, mesmo para a aquisição de produtos de grande consumo, se deve partir da hipótese de um nível de atenção médio do consumidor, e não de um baixo nível de atenção. Assim, a recorrente tinha de demonstrar que, no caso em apreço, não era o que se passava para os sumos de fruta. Ora, a simples afirmação de que a prática é essa não pode ser considerada uma prova suficiente. Na verdade, no entender do IHMI, o consumidor alemão é muito sensível às marcas de sumos de fruta. O grande sucesso de algumas marcas no mercado alemão, bem como as frequentes campanhas publicitárias na rádio e na televisão indicam, segundo o IHMI, que o consumidor presta pelo menos uma atenção média à marca quando escolhe uma bebida desse tipo.

23      Em seguida, o IHMI considera que os dois sinais se distinguem claramente nos planos conceptual, fonético e visual, o que obsta à existência de um risco de confusão entre as marcas.

24      A interveniente afirma, em primeiro lugar, não detectar nenhuma apreciação cumulativa na decisão impugnada. Segundo a interveniente, a recorrente confundiu dois exames. O primeiro era o da apreciação da semelhança entre os sinais. Dos acórdãos SABEL e Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referidos, resulta que havia que examinar o grau de semelhança visual, fonética e conceptual a fim de se determinar a semelhança dos sinais em conflito. O segundo era o da apreciação do risco de confusão. Bastava que a semelhança existisse apenas num dos planos para que houvesse risco de confusão. No entender da interveniente, se, desde a fase de exame da semelhança dos sinais, a Câmara de Recurso concluísse que os sinais se distinguem um do outro, não tinha que se interrogar sobre se bastava a existência de uma dessas três semelhanças para se verificar um risco de confusão. Foi o que, no entender da interveniente, fez a Câmara de Recurso no caso em apreço.

25      Além disso, a interveniente rejeita o argumento da recorrente segundo o qual importava atribuir à semelhança fonética uma importância menor do que à semelhança visual entre os sinais, pois as marcas nominativas eram percebidas principalmente através da sua forma escrita. Com efeito, segundo a interveniente, a percepção fonética deixada pelas marcas é fundamental. Eram ouvidas através dos media muito antes de ser lidas.

26      Em segundo lugar, a interveniente sustenta que a Câmara de Recurso podia concluir pela inexistência de qualquer risco de confusão.

27      A este respeito, considera, antes de mais, que, no caso em apreço, o nível de atenção do consumidor médio não é diminuto. Ao sublinhar que o consumidor, porque está habituado a dispor de uma ampla escolha de sumos de fruta, atribui importância às embalagens e às marcas, a Câmara de Recurso seguia a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que exige que se atenda ao facto de que «o nível de atenção do consumidor médio é susceptível de variar em função da categoria de produtos ou serviços em causa» (acórdão Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 26). Assim, havia que qualificar a atenção do consumidor produto a produto, mesmo que se trate de produtos de consumo corrente, em vez de consagrar o princípio de uma atenção diminuta do consumidor médio a todos os produtos de consumo corrente, sejam eles quais forem. Como as bebidas em causa eram fabricadas por inúmeras empresas, o consumidor examinava‑as de uma forma relativamente atenta. A conclusão a que chegou a Câmara de Recurso quanto ao nível de atenção do consumidor não era, portanto, «oposta» à da Divisão de Oposição, pois esta apenas apreciava os factos de uma forma diferente da primeira.

28      Em seguida, quanto à comparação dos sinais, a interveniente associa‑se, em substância, à posição do IHMI.

29      Por último, relativamente ao argumento da recorrente de que a Câmara de Recurso, na apreciação do risco de confusão, não atendeu à interdependência entre a semelhança das marcas e a dos produtos, a interveniente também considera que não é procedente.

 Apreciação do Tribunal

30      Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado quando, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida.

31      Segundo jurisprudência constante, constitui risco de confusão o risco de que o público possa crer que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas ligadas economicamente.

32      Segundo esta mesma jurisprudência, o risco de confusão deve ser apreciado globalmente, segundo a percepção que o público pertinente tem dos sinais e dos produtos ou serviços em causa e atentos todos os factores relevantes do caso, nomeadamente a interdependência entre a semelhança dos sinais e a dos produtos ou serviços designados [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Laboratorios RTB/IHMI – Giorgio Beverly Hills (GIORGIO BEVERLY HILLS), T‑162/01, Colect., p. II‑2821, n.os 31 a 33, e jurisprudência referida].

33      Como também resulta da jurisprudência, a apreciação global do risco de confusão deve, em matéria de semelhança visual, fonética ou conceptual dos sinais em conflito, basear‑se na impressão de conjunto produzida por estes, atendendo, em especial, aos seus elementos distintivos e dominantes [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 2003, Phillips‑Van Heusen/IHMI – Pash Textilvertrieb und Einzelhandel (BASS), T‑292/01, Colect., p. II‑4335, n.° 47, e jurisprudência referida].

34      No caso em apreço, o litígio é relativo à comparação dos sinais. Os caracteres parcialmente idênticos e parcialmente semelhantes dos produtos designados pelas marcas em conflito não são objecto de contestação.

35      Estando a marca anterior registada na Alemanha, o público pertinente é o consumidor médio alemão.

36      Importa sublinhar, antes de mais, que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não se pode concluir pela existência de um risco de confusão sem se proceder a um exame prévio da semelhança entre os sinais nos planos visual, fonético e conceptual. Com efeito, a tese da recorrente, segundo a qual se pode concluir pela existência de risco de confusão sempre que, num dos três planos indicados, exista semelhança entre os sinais, é contrária à jurisprudência comunitária invocada no n.° 33, supra, e segundo a qual a apreciação global do risco de confusão deve, no que respeita à semelhança visual, fonética ou conceptual dos sinais em conflito, basear‑se na impressão de conjunto produzida por estes, tendo em atenção, designadamente, os respectivos elementos distintivos e dominantes. É no quadro desta comparação global que se deve, eventualmente, proceder a uma ponderação das diferenças e dos elementos de semelhança entre os sinais.

37      Nestas condições, cabe examinar se a Câmara de Recurso infringiu o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, ao concluir pela inexistência de semelhança visual, fonética e conceptual entre os sinais em causa susceptível de excluir, face a produtos idênticos ou muito semelhantes, qualquer risco de confusão entre as marcas em conflito.

38      Quanto à comparação visual entre os sinais em causa, a Câmara de Recurso sublinhou, no n.° 20 da decisão impugnada:

«As duas marcas são constituídas por sete letras, cujas três primeiras (‘CAL’) e a última (‘O’) são idênticas. A mesma letra (‘P’) surge na parte central das duas marcas. Isto não obsta a que as duas marcas produzam uma impressão de conjunto claramente diferente. Com efeito, a sequência das letras ‘PIC’ no meio da marca pedida distingue‑se claramente da sequência de letras ‘YPS’ da marca do opositor.»

39      Esta apreciação não pode ser infirmada. De um modo geral, quando estão em causa sinais nominativos relativamente curtos, como os do caso em apreço, os elementos centrais são tão importantes como os elementos iniciais e finais [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2004, Grupo El Prado Cervera/IHMI – Herdeiros Debuschewitz (CHUFAFIT), T‑117/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 48]. Ora, os sinais em conflito possuem efectivamente diferenças no plano visual, decorrentes da sequência das letras «pic» na marca comunitária pedida e «yps» na marca nacional anterior, que não permitem que se conclua pela existência de uma semelhança visual entre os sinais em conflito.

40      Quanto à comparação fonética, a Câmara de Recurso indicou, no n.° 21 da decisão impugnada:

«Contrariamente ao opositor, a Câmara de Recurso não detecta nenhuma razão que permita afirmar que, na Alemanha, a marca solicitada se pronuncia ‘KALPITZO’ ou ‘KALPISO’. Em alemão, quando a letra ‘C’ antecede um ‘O’, é sempre pronunciada como ‘K’, como nas palavras ‘Collage’, ‘Computer’, ‘Container’, ‘Coburg’ ou ‘Coca‑Cola®’. Trata‑se, portanto, de uma consoante dura. Linguisticamente, a marca requerida decompõe‑se em três sílabas: CAL‑PI‑CO (que se pronunciam ‘KAL‑PI‑KO’), sendo a primeira a sílaba tónica. Embora, linguisticamente, a marca do opositor também tenha três sílabas, ou seja, CA‑LY‑PSO (que se pronunciam ‘KA‑LU‑PSO’), aqui a sílaba tónica é a segunda. Concluindo, as duas marcas em conflito são claramente diferentes no plano fonético.»

41      Esta apreciação só pode ser aprovada. Com efeito, importa sublinhar que os sinais em conflito possuem duas sílabas nitidamente diferentes no plano fonético, que a sílaba tónica nos dois sinais não é a mesma e que a letra «y» não se pronuncia, em alemão, da mesma forma que o «i». Por outro lado, quanto ao argumento da recorrente segundo o qual o consumidor alemão pronunciava o sinal nominativo CALPICO como «kalpitscho» ou «kalpizo», como se pronunciava em italiano ou em espanhol, importa sublinhar que, mesmo que se aceite que o público pertinente tem conhecimentos bastantes das línguas italiana e espanhola, CALPICO não se pronuncia «kalpitscho» ou «kalpizo» nem em italiano nem em espanhol. Além disso, mesmo admitindo, como a recorrente sustenta, que o consumidor alemão, reconhecendo o sinal CALPICO como uma palavra estrangeira, adopte uma pronúncia fantasista e incerta que corresponda à que imagina ser a correcta em italiano ou em espanhol, esse consumidor não será, todavia, levado a pronunciar esse termo de uma forma análoga ao sinal nominativo CALYPSO, cuja forma de pronunciar é constante na língua alemã. Esta diferença contribui para afastar a existência de qualquer semelhança fonética entre os dois sinais.

42      Relativamente à comparação conceptual efectuada pela Câmara de Recurso, esta sublinha, no n.° 22 da decisão impugnada, que o termo «calpico» é uma «palavra absolutamente fantasista, sem qualquer conteúdo semântico», enquanto o termo «calypso» evoca ou «as Caraíbas, o Sul e balanceamento rítmicos», ou a ninfa da mitologia grega junto de quem Ulisses se refugiou após ter naufragado. Nestas condições, concluiu que os sinais em conflito não possuem «qualquer semelhança conceptual».

43      A este respeito, basta sublinhar que, para o público pertinente, o termo «calypso» possui efectivamente, pelo menos, os dois significados evocados pela Câmara de Recurso, ao passo que o termo «calpico» não possuiu nenhum. Do ponto de vista conceptual, o público pertinente poderá, portanto, claramente distinguir os dois sinais em conflito, seja qual for o significado preciso, entre as duas acepções evocadas pela Câmara de Recurso, que atribua ao termo «calypso». Além disso, mesmo que se admita, como a recorrente pretende, que o público pertinente associa o termo «calypso» a um dos satélites de Saturno, esta circunstância não dava azo a qualquer semelhança conceptual com o termo «calpico».

44      Por conseguinte, foi correctamente que a Câmara de Recurso concluiu pela inexistência de semelhança visual, fonética e conceptual entre os sinais em conflito.

45      Nestas condições, apesar de os produtos designados pelas marcas em conflito serem parcialmente idênticos e parcialmente altamente semelhantes, a diferença visual e as claras diferenças fonética e conceptual entre as marcas em conflito permitem afastar, no espírito do público pertinente, qualquer risco de confusão entre essas marcas.

46      Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos da recorrente.

47      Quanto à alegação da recorrente de que a impressão de conjunto das marcas em conflito era dominada pela impressão visual, basta sublinhar que, mesmo que se justifique, não permitia a conclusão de que existia um risco de confusão entre as marcas em conflito pois não existe semelhança visual entre os sinais.

48      Quanto ao argumento da recorrente assente na anterior prática decisória do IHMI, também deve ser rejeitado pois a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso deve, segundo jurisprudência bem assente, ser apreciada unicamente com base no Regulamento n.° 40/94, como interpretado pelo órgão jurisdicional comunitário, e não com base numa tal prática decisória anterior [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2002, Sykes Enterprises/IHMI (REAL PEOPLE, REAL SOLUTIONS), T‑130/01, Colect., p. II‑5179, n.° 31, e de 3 de Julho de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser‑Busch (BUDMEN), T‑129/01, Colect., p. II‑2251, n.° 61].

49      Além disso, relativamente à decisão da Câmara de Recurso Karlsberg Brauerei/Mystery Drinks, referida no n.° 19, supra, que a recorrente e a interveniente debateram entre si e que foi objecto de recurso para o Tribunal de Primeira Instância [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Janeiro de 2003, Mystery Drinks/IHMI – Karlsberg Brauerei (MYSTERY), T‑99/01, Colect., p. II‑43], a recorrente não demonstrou a existência de uma situação comparável à desse processo, pois, no caso em apreço, os sinais em conflito possuem diferenças fonéticas nítidas, enquanto no processo que deu lugar ao acórdão MYSTERY os sinais em causa foram considerados foneticamente semelhantes.

50      Por último, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter tomado em consideração, para efeitos da apreciação do risco de confusão entre as marcas em conflito, um nível de atenção não desprezível do público pertinente, contrariamente à análise efectuada pela Divisão de Oposição, que tinha considerado que o público pertinente comprava os produtos designados pelas marcas em conflito com uma certa negligência.

51      A este respeito, importa sublinhar que, na sua decisão de rejeição da oposição devido à inexistência de risco de confusão, a Divisão de Oposição indicou:

«Embora no caso em apreço estejam em causa produtos idênticos, as diferenças entre os sinais comparados bastam para distinguir [as marcas] com alguma certeza. É certo que, no caso em apreço, se devem aplicar critérios estritos no que respeita à diferença que deve existir entre as marcas, designadamente porque os produtos comparados são artigos de consumo corrente que, como a experiência revela, são adquiridos com uma certa negligência e sem que as designações dos produtos sejam objecto de uma atenção muito especial.»

52      Quanto à Câmara de Recurso, importa recordar que, no n.° 23 da decisão impugnada, esclareceu:

«Os produtos representados por cada uma das marcas são produtos da vida quotidiana que o consumidor adquire geralmente de passagem nos supermercados e nas lojas de bebidas. O preço desses artigos é de tal ordem que podem ser qualificados de artigos de baixo custo. Mas, tendo em atenção a abundância da oferta no sector dos sumos de fruta e das bebidas, importa considerar que a atenção do cliente médio não será desprezível. Com efeito, habituado a ver‑se confrontado com uma abundante oferta de sumos de fruta e de produtos do mesmo género, como os pós apresentados em embalagens semelhantes, o consumidor prestará atenção ao acondicionamento de cada um deles ou examinará as marcas com mais atenção, aquando de uma compra.»

53      Como os produtos designados pelas marcas em conflito são produtos de consumo corrente, tanto a Divisão de Oposição como a Câmara de Recurso consideraram que o nível de atenção do público pertinente não era elevado. É certo que o n.° 23 da decisão impugnada difere da decisão da Divisão de Oposição quanto à apreciação do grau exacto de atenção que o público pertinente dispensará às marcas em conflito, devido à influência que a abundância da oferta no sector dos sumos de fruta e bebidas pode exercer sobre essa atenção. Todavia, embora a Câmara de Recurso tenha considerado que a abundância de oferta no sector dos sumos de fruta e bebidas possa levar o público pertinente a prestar especial atenção às marcas em conflito, não considerou que essa atenção era elevada.

54      De qualquer modo, a diferença de apreciação entre as decisões das duas instâncias do IHMI não afecta as conclusões a que essas instâncias chegaram quanto à inexistência de semelhanças entre os sinais em conflito e ao risco de confusão entre as marcas. Com efeito, atentas as diferenças visual, fonética e conceptual entre os sinais em conflito, recordadas nos n.os 38 a 43, supra, o consumidor médio alemão não atribuirá a mesma origem comercial aos produtos designados pelas marcas em conflito, mesmo que não preste uma atenção especial a essas marcas.

55      Nestas circunstâncias, foi correctamente que a Câmara de Recurso considerou que não existia risco de confusão entre as marcas em conflito, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

56      Assim, há que rejeitar o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, decorrente da violação do direito de ser ouvido a que se refere o artigo 61.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, conjugado com a regra 20, n.° 2, primeiro período, do Regulamento n.° 2868/95, e o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH

 Argumentos das partes

57      A recorrente sublinha que, segundo a Câmara de Recurso, o nível de atenção do consumidor médio não era diminuto devido à variedade e à abundância da oferta no sector dos sumos de fruta e das bebidas. Ora, a Câmara não convidou a recorrente a apresentar‑lhe as suas observações sobre a apreciação que fez do nível de atenção do consumidor médio, o que constituía uma violação do seu direito de ser ouvida, na acepção do artigo 61.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, conjugado com a regra 20, n.° 2, primeiro período, do Regulamento n.° 2868/95, e do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH.

58      O IHMI sublinha que tanto a Divisão de Oposição como a recorrente se exprimiram sobre a questão do nível de atenção do consumidor antes de esta ter sido examinada pela Câmara de Recurso. A decisão impugnada podia, portanto, afastar‑se da argumentação que as partes lhe haviam apresentado sem necessidade de as informar previamente. O IHMI sustenta que a acusação relativa à violação do direito de ser ouvido não tem, portanto, qualquer fundamento.

59      A interveniente considera que a recorrente se refere ao artigo 73.°, segundo período, do Regulamento n.° 40/94, que obriga o IHMI a indicar às partes se pretende basear a sua decisão em fundamentos de facto ou de direito sobre os quais estas não se pronunciaram. Segundo a interveniente, a questão do nível de atenção do consumidor faz parte da apreciação da matéria de facto. Embora a Câmara de Recurso e a Divisão de Oposição apreciem os factos de uma forma ligeiramente diferente, isso não transforma esses factos em factos novos. Segundo a interveniente, esses factos foram exaustivamente expostos tanto na decisão da Divisão de Oposição como na decisão impugnada. Nestas condições, a interveniente entende que uma nova apreciação dos factos já conhecidos não constitui uma violação do direito de ser ouvido. Além disso, a interveniente sublinha que a recorrente sabia que a apreciação do risco de confusão era efectuada em função da atenção do consumidor. Assim, a recorrente tinha a possibilidade de desenvolver este argumento, o que não fez.

 Apreciação do Tribunal

60      Nos termos do artigo 61.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, «[d]urante o exame do recurso, a Câmara de Recurso convidará as partes, tantas vezes quantas forem necessárias, a apresentar, num prazo que lhes fixará, as suas observações sobre as notificações que lhes enviou ou sobre as comunicações das outras partes». Além disso, a regra 20, n.° 2, primeiro período, do Regulamento n.° 2868/95 prevê que, quando o acto de oposição não inclua indicações detalhadas sobre os factos, comprovativos e argumentos, previstos na regra 16, n.os 1 e 2, do mesmo diploma, o IHMI deve convidar o opositor a apresentar‑lhos no prazo que fixar.

61      Ora, no que toca à alegação da recorrente relativa à violação destas duas disposições pela Câmara de Recurso, basta observar, por um lado, que a recorrente não demonstrou não ter sido convidada a apresentar observações sobre uma «notificação» proveniente da Câmara de Recurso ou sobre uma «comunicação» proveniente da interveniente, na acepção do artigo 61.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, e, por outro, dos autos não resulta que o acto de oposição não continha as indicações referidas na regra 20, n.° 2, primeiro período, do Regulamento n.° 2868/95. Assim, a acusação da recorrente relativa à violação dessas disposições deve ser rejeitada.

62      Quanto à alegada violação do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, cabe esclarecer que o Tribunal excluiu a aplicação às Câmaras de Recurso do IHMI do direito a um «processo» equitativo, uma vez que o processo perante as Câmaras de Recurso não reveste natureza jurisdicional mas sim administrativa [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2002, Procter & Gamble/IHMI (Forma de um sabão), T‑63/01, Colect., p. II‑5255, n.os 22 e 23].

63      Todavia, como a interveniente correctamente considera, a recorrente, através do seu segundo fundamento decorrente da violação do direito de ser ouvida, visa, em definitivo, o alegado desrespeito pela Câmara de Recurso do artigo 73.°, segundo período, do Regulamento n.° 40/94, nos termos do qual «[as decisões] do Instituto serão fundamentadas. Essas decisões só se podem basear em motivos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar‑se», que constitui a expressão, no quadro do Regulamento n.° 40/94, do princípio geral do respeito do direito de defesa.

64      No caso em apreço, importa recordar que a recorrente acusa a Câmara de Recurso de não ter respeitado o seu direito de ser ouvida pois não a convidou a apresentar observações sobre a atenção «não desprezível» do público pertinente que pretendia afirmar na decisão impugnada. Em contrapartida, é certo que a recorrente não acusa a Câmara de Recurso de não a ter convidado a apresentar as suas observações sobre a existência de uma abundante oferta no sector dos sumos de fruta e das bebidas, elemento de facto, de resto também não contestado, que serviu de base ao nível de atenção do público pertinente acolhido pela Câmara de Recurso.

65      Ora, há que considerar que, embora o direito de ser ouvido, como consagrado no artigo 73.°, segundo período, do Regulamento n.° 40/94, seja extensivo a todos os elementos de facto ou de direito, bem como aos elementos de prova que constituem o fundamento do acto decisório, todavia não se aplica à posição final que a administração tenciona adoptar [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Janeiro de 1999, Neue Maxhütte Stahlwerke e Lech Stahlwerke/Comissão, T‑129/95, T‑2/96 e T‑97/96, Colect., p. II‑17, n.° 231, e de 3 de Dezembro de 2003, Audi/IHMI (TDI), T‑16/02, ainda não publicado na Colectânea, n.os 71 e 75].

66      Por conseguinte, como a apreciação factual em causa se inclui na posição final da Câmara de Recurso, esta última não era obrigada a ouvir a recorrente a seu respeito.

67      Importa acrescentar que, como resulta do exame do primeiro fundamento, a diferença de apreciação entre as duas instâncias do IHMI quanto ao grau exacto de atenção do público pertinente não tem qualquer consequência no que respeita às conclusões a que essas instâncias chegaram quanto à falta de semelhança entre os sinais em causa e ao risco de confusão entre as marcas em conflito.

68      Segue‑se que, mesmo admitindo que a Câmara de Recurso seja culpada de uma violação do direito de ser ouvida da recorrente, essa violação não podia afectar a legalidade da decisão impugnada.

69      Assim, o segundo fundamento deve ser rejeitado, devendo ser integralmente negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

70      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

71      Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido nesse sentido do IHMI e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Legal

Mengozzi

Wiszniewska‑Białecka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Abril de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      H. Legal


* Língua do processo: alemão.