Language of document : ECLI:EU:T:2005:139

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

21 de Abril de 2005 (*)

«Artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) – Execução de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância – Reembolso de despesas de garantia bancária – Responsabilidade extracontratual da Comunidade»

No processo T‑28/03,

Holcim (Deutschland) AG, anteriormente Alsen AG, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada inicialmente por F. Wiemer e K. Moosecker, de seguida por Wiemer, P. Niggemann e B. Menkhaus, advogados,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal e W. Mölls, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto uma acção de indemnização que visa obter o reembolso das despesas com a garantia bancária efectuadas pela demandante na sequência de uma coima fixada pela Decisão 94/815/CE da Comissão, de 30 de Novembro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/33.126 e 33.322 – Cimento) (JO L 343, p. 1), anulada pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, dito «Cimento» (T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, Jaeger e F. Dehousse, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Junho de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A demandante, a sociedade Alsen AG, actual Holcim (Deutschland) AG, cuja sede se situa em Hamburgo (Alemanha), tem por actividade o fabrico de materiais de construção. A Alsen AG provém da fusão, realizada em 1997, entre a Alsen Breitenburg Zement‑ und Kalkwerke GmbH (a seguir «Alsen Breitenburg») e a Nordcement AG (a seguir «Nordcement»).

2        Através da Decisão 94/815/CE, de 30 de Novembro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/33.126 e 33.322 – Cimento) (JO L 343, p. 1, a seguir «decisão Cimento»), a Comissão aplicou à Alsen Breitenburg e à Nordcement coimas, respectivamente, de 3,841 milhões e de 1,85 milhões de EUR, por violação do artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE).

3        A Alsen Breitenburg e a Nordcement interpuseram recursos de anulação dessa decisão. Estes recursos foram registados sob os números T‑45/95 e T‑46/95 e, de seguida, apensos aos recursos interpostos pelas outras sociedades visadas pela decisão Cimento.

4        Na sequência da faculdade concedida pela Comissão, a Alsen Breitenburg e a Nordcement decidiram constituir uma garantia bancária, evitando assim ter de pagar, de imediato, as coimas em causa. A garantia bancária da Alsen Breitenburg foi constituída de 3 de Maio de 1995 a 2 de Maio de 2000 por intermédio do Berenberg Bank, mediante uma comissão anual de 0,45%. A Nordcement constituiu, de 18 de Abril de 1995 a 3 de Maio de 2000, uma garantia bancária por intermédio do Deutsche Bank, mediante uma comissão anual de 0,375% e uma comissão única de estabelecimento de 15,34 EUR. No total, a recorrente pagou aos bancos, para a constituição das garantias bancárias, um montante de 139 002,21 EUR.

5        Por acórdão de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, dito «Cimento» (T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491), o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão Cimento no que diz respeito à demandante e condenou a Comissão nas despesas.

6        Ao abrigo do artigo 91.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, e por carta de 28 de Setembro de 2001, a demandante pediu, portanto, à demandada o reembolso, por um lado, das despesas processuais (designadamente, as despesas com o advogado, que ascendem a 545 000 EUR) e, por outro, das despesas resultantes da constituição das garantias bancárias.

7        Por carta de 24 de Janeiro de 2002, a demandada propôs à demandante o reembolso de uma parte das despesas com o advogado (no montante de 130 000 EUR), mas recusou o reembolso das despesas com a garantia bancária, invocando a jurisprudência relativa às despesas, na acepção do artigo 91.° do Regulamento de Processo.

8        Por carta de 5 de Abril de 2002, a demandante convidou de novo a demandada a reembolsar‑lhe a integralidade das despesas com advogados e com a garantia bancária. Para o reembolso das despesas com a garantia bancária, a recorrente baseou‑se, desta vez, no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, no artigo 233.° CE e no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Outubro de 2001, Corus UK/Comissão (T‑171/99, Colect., p. II‑2967), que foi, entretanto, proferido.

9        Por mensagem de correio electrónico de 30 de Maio de 2002, a demandada propôs o pagamento das despesas com advogados, no montante de 200 000 EUR. Quanto às despesas com a garantia bancária, recusou‑se, de novo, a proceder ao seu reembolso, considerando que a possibilidade de suspender o pagamento da coima mediante a constituição de uma garantia bancária é uma simples opção e que, por isso, não pode ser considerada responsável pelas despesas provocadas pela decisão das empresas de recorrer a esta possibilidade.

 Tramitação processual e pedidos das partes

10      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 31 de Janeiro de 2003, a demandante interpôs a presente acção.

11      Em 10 de Abril de 2003, a demandada suscitou uma questão prévia de admissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo, na medida em que a acção se baseia no artigo 233.° CE, e apresentou uma contestação.

12      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral. Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas das mesmas às questões do Tribunal na audiência pública de 10 de Junho de 2004.

13      A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        condenar a Comissão a pagar‑lhe a quantia de 139 002,21 EUR, acrescida de juros de mora à taxa de 5,75% ao ano, a partir de 15 de Abril de 2000;

–        condenar a Comissão nas despesas.

14      A demandada conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar a acção inadmissível, na parte em que se baseia no artigo 233.° CE;

–        negar provimento à acção na sua totalidade, na parte em que se baseia no artigo 288.° CE:

–        por inadmissível ou, a título subsidiário, por improcedente, na parte que diz respeito às despesas com a garantia bancária efectuadas antes de 31 de Janeiro de 1998;

–        quanto ao demais, por improcedente;

–        condenar a demandada nas despesas.

15      Nas suas observações, a demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar a acção admissível, na parte em que se baseia no artigo 233.° CE;

–        a título subsidiário, interpretar a acção, na parte em que se baseia no artigo 233.° CE, como sendo um recurso de anulação ou uma acção por omissão;

–        condenar a demandada nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

 Quanto à admissibilidade da acção na parte em que se baseia no artigo 233.° CE

 Argumentos das partes

16      A demandada alega que, se a demandante é de opinião que o artigo 233.° CE não foi respeitado, tem à sua disposição duas vias processuais, o recurso de anulação (artigo 230.° CE) e a acção por omissão (artigo 232.° CE).

17      Ora, a presente acção, que tende a obter a sua condenação no pagamento de uma certa quantia, não constitui nem um recurso de anulação nem uma acção por omissão.

18      Segundo a demandada, ao dar início ao presente processo, a demandante espera obter um acórdão que produza directamente o resultado ao qual, na sua opinião, a Comissão está obrigada para com ela, em execução do acórdão Cimento. O Tratado CE não contém, no entanto, nenhuma base jurídica que permita uma solução destas.

19      A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às acções ditas «para pagamento» confirma, a seu ver, que não se pode pretender utilizar qualquer outro tipo de via processual além das previstas no artigo 230.° CE e no artigo 232.° CE.

20      A demandada conclui daí que o pedido formulado com base no artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE e que visa obter a sua condenação no reembolso das despesas com a garantia bancária é manifestamente inadmissível. Acrescenta que um pedido destes não pode ser interpretado como sendo um recurso interposto nos termos do artigo 230.° CE nem uma acção intentada nos termos do artigo 232.° CE, que são, de resto, igualmente inadmissíveis no presente caso.

21      A demandante observa, em primeiro lugar, que pede o reembolso do prejuízo que sofreu. Considera, assim, que a invocação do artigo 233.° CE entra no âmbito de uma «acção de indemnização» e que a demandada não dispunha, neste caso, de margem de manobra. Baseando‑se, por um lado, no efeito retroactivo de um acórdão de anulação e, por outro, na jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (particularmente no acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, n.° 50), a demandante considera que pesa sobre a demandada uma obrigação de reembolso das despesas efectuadas com a garantia bancária. Indica, por outro lado, que o Tribunal de Primeira Instância, no acórdão Cimento (n.os 5116 e segs.), declarou justamente que as despesas com a garantida bancária deviam ser reembolsadas.

22      Em segundo lugar, a demandante alega que o artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE também cria um direito à reparação, de forma que pode invocar esta disposição.

23      A demandante opõe‑se à conclusão da demandada, segundo a qual os direitos resultantes do artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE só podem ser invocados no âmbito de um recurso de anulação ou de uma acção por omissão. Esta conclusão não encontra qualquer apoio na redacção do artigo 233.° CE nem resulta da jurisprudência referida pela demandada.

24      A demandante considera ainda que a tese defendida pela demandada é incompatível com o princípio da economia processual, uma vez que levaria ao uso de duas vias de recurso (uma acção de indemnização ao abrigo do artigo 288.° CE e um recurso de anulação ou uma acção por omissão ao abrigo do artigo 233.° CE).

25      A título subsidiário, a demandante pede ao Tribunal de Primeira Instância que interprete a acção, na parte em que se baseia no artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE, como sendo um recurso de anulação ou uma acção por omissão.

26      A este respeito, a demandante considera que seria incompatível com o princípio da economia processual obrigá‑la a pedir de novo à Comissão o reembolso das despesas bancárias, para depois interpor um recurso de anulação ou intentar uma acção por omissão, quando a demandada já comunicou de forma definitiva que se recusa a pagar o montante em causa. A demandante indica, por fim, que tem ainda a possibilidade de interpor um recurso de anulação, visto que a demandada ainda não adoptou uma decisão impugnável.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto à admissibilidade da acção na parte que se baseia no artigo 233.° CE

27      A título liminar, há que dizer que a demandante baseou em parte a sua acção, e de forma autónoma, no artigo 233.° CE, para obter o reembolso das despesas com a garantia bancária.

28      Assim, para explicar a base jurídica do seu direito, a demandante distingue claramente, na sua petição, «o direito ao reembolso, nos termos do artigo 233.° CE» [título II, n.° 1, alínea a), da petição], «[d]o direito à reparação, baseado nas disposições conjugadas do artigo 288.°, segundo parágrafo, e do artigo 235.° CE» [título II, n.° 1, alínea b), da petição].

29      Além disso, a demandante precisa que, «[p]aralelamente ao direito baseado no artigo 233.° CE, a Comissão é igualmente obrigada a reembolsar as despesas com a garantia, com base nas disposições conjugadas do artigo 288.°, segundo parágrafo, e do artigo 235.° CE» (n.° 22 da petição).

30      Por fim, a demandante indicou, na audiência, que a sua acção assentava efectivamente em duas bases jurídicas distintas e autónomas, a saber, o artigo 233.° CE, por um lado, e as disposições conjugadas do artigo 288.° CE e do artigo 235.° CE, por outro.

31      Há que recordar, a este respeito, que o Tratado CE prevê, de forma limitativa, as vias de recurso ao dispor dos particulares para fazerem valer os seus direitos (v., nesse sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 1982, K./Alemanha e Parlamento, 233/82, Recueil, p. 3637).

32      Uma vez que não institui qualquer via de recurso, o artigo 233.° CE não pode, de forma autónoma, servir de base a um pedido como o deste caso, que visa o reembolso das despesas com uma garantia bancária.

33      Isso não significa, no entanto, que o particular não dispõe de qualquer recurso quando considera que as medidas que a execução de um acórdão implica não foram tomadas. O Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar, quanto a este aspecto, que a obrigação que resulta do artigo 233.° CE pode ser executada através, designadamente, das vias de direito previstas no artigo 230.° CE e no artigo 232.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1988, Asteris e o./Comissão, 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, Colect., p. 2181, n.os 24, 32 e 33).

34      Neste contexto, não compete ao tribunal comunitário substituir o poder constituinte comunitário com vista a proceder a uma modificação do sistema das vias de recurso e os processos, estabelecido pelo Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 45; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2000, Salamander e o./Parlamento e Conselho, T‑172/98, T‑175/98 a T‑177/98, Colect., p. II‑2487, n.° 75, e de 15 de Janeiro de 2003, Philip Morris International e o./Comissão, T‑377/00, T‑379/00, T‑380/00, T‑260/01 e T‑272/01, Colect., p. II‑1, n.° 124).

35      Como adianta a demandante, o facto de a demandada não dispor de margem de manobra no caso em apreço ou de o Tribunal ter declarado no acórdão Cimento que as despesas com a garantia bancária devem ser reembolsadas não altera esta conclusão. O mesmo sucede com o argumento desta última segundo o qual o artigo 233.° CE cria «direitos à reparação» ou segundo o qual podem ser utilizados outras vias de recurso, para além do recurso de anulação ou da acção por omissão, para fazer valer estes direitos ou ainda com o argumento de que o princípio da economia processual deve ser aplicado.

36      Com efeito, a única questão colocada no âmbito da questão prévia de admissibilidade é a de saber se o artigo 233.° CE, enquanto tal, constitui uma via jurídica específica. À luz das vias de recurso limitativas previstas pelo Tratado e pela jurisprudência acima referida, a resposta deve ser negativa.

37      Para ser exaustivo, há que observar que o Tribunal de Primeira Instância, no acórdão Cimento, não indicou, contrariamente ao que pretende a demandante, que as despesas com a garantia bancária devem ser reembolsadas. Precisou unicamente, de resto no contexto dos processos T‑50/95 e T‑51/95, nos quais a demandante não participou, que «estes pedidos diz[iam], na realidade, respeito à execução do presente acórdão e que cab[ia] à Comissão tomar as medidas que envolvem esta execução, nos termos do artigo 176.° do Tratado CE (actual artigo 233.° CE)» (acórdão Cimento, n.° 5118). Resulta deste número que o Tribunal não decidiu que a Comissão tinha a obrigação de reembolsar as despesas com a garantia bancária por força do artigo 233.° CE. O Tribunal de Primeira Instância indicou unicamente que competia à Comissão adoptar as medidas que a execução do acórdão implica. Há que recordar, a este respeito, que não compete ao Tribunal substituir a Comissão para determinar as medidas que esta deve tomar no âmbito do artigo 233.° CE (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1992, Meskens/Parlamento, T‑84/91, Colect., p. II‑2335, n.os 78 e 79).

38      Há, igualmente, que observar que o presente processo não se pode comparar com o processo que originou o acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra. Neste acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou (no n.° 39) que o artigo 34.° CA (o equivalente, no Tratado CECA, ao artigo 233.° CE) cria uma via jurídica específica, distinta da prevista pelo regime comum em matéria de responsabilidade da Comunidade instituída pelo artigo 40.° CA (o equivalente, no Tratado CECA, ao artigo 288.° CE), quando o prejuízo invocado procede de uma decisão da Comissão anulada pelo órgão jurisdicional comunitário.

39      Contudo, o artigo 233.° CE, invocado no presente processo, tem uma redacção diferente da do artigo 34.° CA. Segundo esta última disposição, a Comissão não tinha apenas de adoptar as medidas adequadas a assegurar uma reparação equitativa do dano directamente resultante da decisão ou da recomendação anulada, mas a sua omissão permitia intentar uma acção de indemnização perante o Tribunal de Justiça. Nestas condições, a solução adoptada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, não pode ser transposta para o presente caso.

40      Por todos estes motivos, deve julgar‑se inadmissível a acção da demandante, na parte em que se baseia no artigo 233.° CE.

–       Quanto ao pedido da demandante de que a acção seja interpretada como sendo um recurso de anulação ou uma acção por omissão

41      Em primeiro lugar, há que recordar que, na parte introdutória da sua petição, a demandante precisa que a presente acção tem por objecto um «pedido de indemnização». Por outro lado, as conclusões da petição vão no sentido de «condenar a Comissão a pagar à demandante a soma de 139 002,21 EUR, acrescida de juros de mora à taxa de 5,75% ao ano, a partir de 15 de Abril de 2000». Resulta destes elementos que o presente litígio tem claramente por objecto obter uma reparação e não anular um acto nem obter a declaração da omissão da demandada.

42      O artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo pendente no Tribunal de Primeira Instância em conformidade com o artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, dispõe que «[o] pedido é apresentado ao Tribunal por petição ou requerimento escrito enviado ao secretário» e que «[d]a petição ou requerimento deve constar a indicação do nome e domicílio do demandante ou recorrente e a qualidade do signatário, a indicação da parte ou das partes contra as quais o pedido é apresentado, o objecto do litígio, as conclusões e uma exposição sumária dos respectivos fundamentos».

43      Do mesmo modo, o artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo prevê que a petição referida no artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido.

44      Segundo jurisprudência assente, estas indicações devem ser suficientemente claras e precisas para que o demandado possa preparar a sua defesa e o Tribunal possa pronunciar‑se, se for o caso, sem mais informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que o recurso ou acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de uma maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Enso Española/Comissão, T‑384/94, Colect., p. II‑1875, n.° 143).

45      Por outro lado, também segundo jurisprudência assente, resulta do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, conjugado com o seu artigo 48.°, n.° 2, que o objecto do pedido deve ser determinado na petição. Um pedido formulado pela primeira vez na réplica modifica o objecto inicial da petição e deve, portanto, ser considerado um pedido novo, pelo que deve ser julgado inadmissível (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Janeiro de 2002, Biret e Cie/Conselho, T‑210/00, Colect., p. II‑47, n.° 49, e a jurisprudência aí referida). Este mesmo raciocínio é válido quando o objecto inicial da petição é alterado nas observações quanto a uma questão prévia de admissibilidade.

46      Tendo em conta estes elementos e como a petição tinha por único objecto obter uma «reparação», o pedido da demandante no sentido de que a acção seja interpretada, na parte em que se baseia no artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE, como sendo um recurso de anulação ou uma acção por omissão deve ser julgado inadmissível.

 Quanto à prescrição da acção de indemnização fundada no artigo 235.° CE e no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE

 Argumentos das partes

47      A demandada contesta igualmente, em relação a uma parte das despesas bancárias efectuadas pela demandante, a admissibilidade da acção fundada no artigo 235.° CE e no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.

48      À luz artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, a demandada considera que o alegado direito reivindicado está prescrito e que a acção é inadmissível, na medida em que versa sobre as despesas com a garantia bancária efectuadas antes de 31 de Janeiro de 1998.

49      No caso em apreço, o acto que daria eventualmente origem a uma obrigação de reparação da demandante, a saber, a decisão Cimento, foi adoptado em 30 de Novembro de 1994 e foi notificado à demandante em 3 de Fevereiro de 1995. As garantias bancárias foram constituídas em 18 e 21 de Abril de 1995 e depois transmitidas à Comissão. O período coberto pela garantia começou no fim do prazo de pagamento, ou seja, em 3 de Maio de 1995. Dado que as condições de uma obrigação de reparação, a existir, podiam encontrar‑se reunidas, segundo a demandada, a contar desse dia, 3 de Maio de 1995 deve considerar‑se a data de início do prazo de prescrição.

50      A demandada reconhece, no presente caso, que o prejuízo não foi causado de forma instantânea, mas de forma contínua, até ao fim das garantias bancárias. Num caso destes, a prescrição referida no artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça aplica‑se ao período anterior em mais de cinco anos à data do acto interruptivo, sem afectar os direitos constituídos no decurso dos períodos posteriores.

51      No caso em apreço, a demandada considera que a demandante, na sua carta de 5 de Abril de 2002, a convidou, de facto, a reembolsar as despesas com a garantia bancária invocando o artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, mas, no entanto, não intentou uma acção no prazo previsto no artigo 230.° CE, conforme exige o artigo 46.°, terceiro período, do Estatuto do Tribunal de Justiça.

52      A demandada conclui daí que a prescrição só foi interrompida com a apresentação da petição, em 31 de Janeiro de 2003, e que os direitos relativos às despesas com a garantia bancária, efectuadas antes de 31 de Janeiro de 1998 estão, assim, prescritos.

53      A demandante sustenta, pelo contrário, que a prescrição do pedido de reembolso das despesas com a garantia bancária só começou a correr a partir da prolação do acórdão Cimento. Referindo‑se, designadamente, ao acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1982, Birra Wührer e o./Conselho e Comissão (256/80, 257/80, 265/80, 267/80 e 5/81, Recueil, p. 85, n.os 10 a 12), considera que é apenas a partir da prolação do acórdão que as condições a que se encontra subordinada a obrigação de reparação estão reunidas.

54      Segundo a demandante, o elemento decisivo para a constituição do direito à reparação não é, neste caso, a simples ilegalidade da decisão que aplica a coima, mas a sua anulação judicial, uma vez que, enquanto a decisão foi válida, havia uma base jurídica para a constituição das garantias bancárias. Não tendo o recurso de anulação da decisão que aplica a coima efeito suspensivo, a obrigação imposta pelo dispositivo da decisão Cimento continuou a existir durante a tramitação do processo.

55      Segundo a demandante, uma abordagem diferente não é compatível com o princípio da economia processual, uma vez que implicaria intentar igualmente, concomitantemente com o recurso de anulação da decisão que aplicou a coima, uma acção de indemnização para obter o reembolso das despesas com a garantia bancária. Para evitar acórdãos divergentes quanto à legalidade da decisão em causa, o Tribunal só poderia então decidir sobre a acção de indemnização depois do acórdão relativo à anulação, devendo a acção de indemnização ser suspensa até à prolação daquele.

56      Por outro lado, a demandante considera que a amplitude do prejuízo foi determinada pela duração do recurso de anulação. Por esse motivo, não há, a seu ver, prejuízo subsequente neste caso concreto.

57      Considera, enfim, que a abordagem defendida pela demandada conduziria ao resultado de o prazo de prescrição do direito ao reembolso das despesas com a garantia bancária continuar a correr durante o prosseguimento do processo de anulação. Assim, a demandada poderia eximir‑se a pedidos de reparação, fazendo com que, através da interposição de recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância, o acórdão de anulação adquirisse força executória o mais tarde possível.

58      A demandante conclui que a prescrição começou a correr em Março de 2000 e foi interrompida pela interposição da acção em 31 de Janeiro de 2003, ou seja, antes de expirar o prazo de prescrição, em conformidade com o artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

 Apreciação do Tribunal

59      Segundo jurisprudência assente, o prazo de prescrição da acção baseada em responsabilidade extracontratual da Comunidade não pode começar a correr antes de estarem reunidas todas as condições a que está subordinada a obrigação de reparação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Janeiro de 2002, Biret International/Conselho, T‑174/00, Colect., p. II‑17, n.° 38).

60      No caso em apreço, o dano alegadamente causado à demandante manifestou‑se desde a constituição das garantias bancárias. Os anexos 2 e 3 da petição mostram, a este respeito, que a garantia bancária da Alsen Breitenburg foi constituída de 3 de Maio de 1995 a 2 de Maio de 2000 no Berenberg Bank e a da Nordcement de 18 de Abril de 1995 a 3 de Maio de 2000 junto do Deutsche Bank. Estes bancos cobraram imediatamente despesas, calculadas com base numa comissão anual expressa em percentagem das somas garantidas (0,45% pelo Berenberg Bank e 0,375% pelo Deutsche Bank).

61      Nestas condições, os montantes em dívida aos bancos foram proporcionais ao número de dias durante os quais as garantias bancárias estiveram em vigor. Este cálculo de despesas bancárias resulta do anexo 2 da petição, tendo o Berenberg Bank calculado as despesas na proporção do número de dias passados. A demandante confirmou, na audiência, que as despesas com a garantia bancária se acumularam ao longo dos dias.

62      Além disso, há que dizer que as despesas já efectuadas teriam de ser pagas aos bancos, fosse qual fosse o resultado final do recurso de anulação.

63      Considerando que a decisão Cimento era ilegal (o que é confirmado pela facto de ter apresentado um recurso de anulação), a demandante estava em posição de questionar a responsabilidade extracontratual da Comunidade desde a constituição das garantias bancárias. Podia ter alegado, nesse contexto, a existência de um dano futuro mas certo e determinável (a saber, as despesas com a garantia bancária aplicáveis), a partir do momento em que esse prejuízo era previsível com uma razoável certeza (v., quanto à possibilidade de alegar um prejuízo futuro, designadamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 1976, Kampffmeyer e o./Conselho e Comissão, 56/74 a 60/74, Colect., p. 315, n.° 6, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 2000, Camar e Tico/Comissão e Conselho, T‑79/96, T‑260/97 e T‑117/98, Colect., p. II‑2193, n.os 192 e 207).

64      Contrariamente ao que a demandante defende, a anulação da decisão Cimento não era obrigatória para fazer correr o prazo de prescrição da acção de indemnização. O Tribunal de Primeira Instância já teve a ocasião de precisar que o facto de um demandante ter considerado não dispor da totalidade dos elementos que lhe permitem fazer prova bastante da responsabilidade da Comunidade, no âmbito de uma acção judicial, nem por isso pode impedir o decurso do prazo de prescrição. Com efeito, criar‑se‑ia uma confusão entre o critério processual relativo ao início do prazo de prescrição e a constatação da existência das condições da existência de responsabilidade, que só pode ser definitivamente decidida pelo juiz da causa para efeitos da apreciação definitiva do litígio quanto ao mérito (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Janeiro de 2001, Autosalone Ispra dei Fratelli Rossi/Comissão, T‑124/99, Colect., p. II‑53, n.° 24).

65      No caso em apreço, a eventual violação do direito comunitário existia desde a adopção da decisão Cimento. No momento em que a demandante recebeu a notificação desta decisão, tomou oficialmente dela conhecimento, de facto e de direito. Foi igualmente nesse instante que a decisão Cimento começou a produzir efeitos jurídicos relativamente à demandante. A partir dessa data, esta tinha, assim, a possibilidade de alegar violação do direito comunitário.

66      Adoptar uma outra abordagem significaria, aliás, pôr em causa a autonomia da acção de indemnização em relação às outras vias de recurso, designadamente em relação ao recurso de anulação (v., quanto à autonomia da acção de indemnização, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Abril de 2002, Lamberts/Médiateur, T‑209/00, Colect., p. II‑2203, n.° 58, e jurisprudência aí referida).

67      Os argumentos adiantados pela demandante relativamente ao princípio da economia processual são, a este respeito, inoperantes. Com efeito, mesmo que este princípio possa permitir evitar que um nacional seja obrigado a interpor um novo recurso quando uma nova decisão vem substituir a decisão impugnada [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Outubro de 2001, British American Tobacco International (Investments)/Comissão, T‑111/00, Colect., p. II‑2997, n.° 22], não pode permitir pôr em causa as regras reguladoras da prescrição da acção de indemnização. Ora, assim sucederia se a posição da demandante fosse seguida.

68      Tendo em conta todos estes elementos, há que decidir que o prazo de prescrição da acção baseada em responsabilidade extracontratual começou a correr, neste caso, desde a constituição das garantias bancárias pelas sociedades em causa, a saber, desde o dia 3 de Maio de 1995 quanto à Alsen Breitenburg e desde o dia 18 de Abril de 1995 quanto à Nordcement.

69      Há, contudo, que ter igualmente em conta o facto de o prejuízo invocado no presente caso não ter sido instantâneo, mas contínuo. Com efeito, conforme acima indicado, as despesas foram calculadas proporcionalmente ao número de dias durante os quais as garantias bancárias estiveram em vigor. Este ponto foi, de resto, confirmado pela demandante na audiência. Consequentemente, o prejuízo invocado evoluiu de dia para dia e teve um carácter contínuo.

70      Num caso destes, a prescrição referida no artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça aplica‑se, em função da data do acto interruptivo, ao período anterior em mais de cinco anos a esta data, sem afectar os direitos nascidos no decurso de períodos posteriores (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Abril de 1997, Hartmann/Conselho e Comissão, T‑20/94, Colect., p. II‑595, n.° 132; Biret International/Conselho, n.° 59 supra, n.° 41; e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Setembro de 2001, Jestädt/Conselho e Comissão, T‑332/99, Colect., p. II‑2561, n.os 44 e 45).

71      A este respeito, o artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça considera acto interruptivo quer a petição apresentada no Tribunal de Justiça quer o pedido prévio que a vítima pode dirigir à instituição competente. Neste último caso, a petição deve ser apresentada no prazo de dois meses, previsto no artigo 230.° CE, sendo as disposições do artigo 232.°, segundo parágrafo, CE, se for o caso, aplicáveis.

72      No caso em apreço, a demandante pediu à demandada o reembolso das despesas resultantes da constituição de garantias bancárias, por uma primeira carta de 28 de Setembro de 2001 e ao abrigo do artigo 91.° do Regulamento de Processo. Repetiu o seu pedido por carta de 5 de Abril de 2002, invocando, desta vez, o artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.

73      No entanto, após estes dois pedidos, a demandante não apresentou, conforme exige o artigo 46.°, terceiro período, do Estatuto do Tribunal de Justiça, uma petição no prazo previsto no artigo 230.° CE. Portanto, estas cartas não constituem actos interruptivos da prescrição na acepção do artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

74      Por todos estes motivos, e tendo em conta o facto de a presente acção ter sido intentada em 31 de Janeiro de 2003, esta deve ser julgada inadmissível no que diz respeito às despesas com a garantia bancária efectuadas pela demandante nos cinco anos anteriores a esta data, ou seja, antes de 31 de Janeiro de 1998.

 Quanto ao mérito

75      Sendo a acção julgada inadmissível na parte em que se baseia no artigo 233.° CE, a apreciação do Tribunal de Primeira Instância relativamente ao mérito limita‑se aos argumentos da demandante, apresentados ao abrigo do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE e do artigo 235.° CE. Por outro lado, como a acção de indemnização é igualmente julgada inadmissível no que respeita às despesas com a garantia bancária efectuadas antes de 31 de Janeiro de 1998, a apreciação do mérito só incide sobre as despesas efectuadas depois desta data.

 Argumentos das partes

76      Quanto à ilegalidade da decisão Cimento, anulada pelo Tribunal, a demandante alega que esta decisão enferma de um vício que gera a responsabilidade da Comunidade. Salienta que esta decisão foi parcialmente anulada porque a demandada não pôde provar a violação, pela demandante, do artigo 85.° do Tratado CE nem a sua participação nos acordos limitativos da concorrência. A demandante considera, assim, que, neste caso, a Comissão cometeu uma falta grave.

77      A demandante precisa que demandada não dispunha de poder de apreciação no momento da adopção da decisão Cimento. Referindo‑se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2003, Comissão/Fresh Marine (C‑472/00 P, Colect., p. I‑7541), considera que uma simples violação do direito comunitário basta, portanto, para provar a existência de uma «violação suficientemente caracterizada». De acordo com o acórdão Cimento, a demandada não devia ter aplicado a coima no caso em apreço, o que reduziria totalmente o seu poder de apreciação. A seu ver, o presente processo é, de resto, diferente do processo que deu lugar ao acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, no qual estava em causa analisar se a Comissão tinha exercido incorrectamente o seu poder de apreciação na fixação do montante da coima. A demandante conclui daí que, neste caso, a ilegalidade da decisão que aplica a coima é suficiente para gerar a responsabilidade da Comunidade.

78      Nestas condições, a determinação do carácter complexo do processo está desprovido de pertinência. Em qualquer hipótese, é necessário analisar a situação particular da demandante. Uma vez que o Tribunal de Primeira Instância considerou que não existiam provas suficientes neste caso, a situação da demandante não podia ser considerada complexa. Existe, de qualquer forma, uma violação grave do dever de diligência da Comissão.

79      Por fim, a demandante indica que a cooperação ou não das outras empresas no decurso do processo administrativo não pode, em caso algum, prejudicá‑la. Por outro lado, as despesas com a garantia bancária devem ser reembolsadas por força do princípio da lealdade.

80      Quanto ao nexo de causalidade, a demandante precisa que a decisão Cimento lhe causou directamente um prejuízo, a saber, as despesas com a garantia bancária. Indica que esse prejuízo não assenta numa decisão livre da sua parte e sublinha que, caso tivesse sido negado provimento ao seu recurso de anulação, teria sofrido um prejuízo quer devido aos juros que pagou, quer devido às despesas com a garantia bancária facturadas. A demandante precisa igualmente que, se a constituição de uma garantia bancária não tivesse as mesmas consequências jurídicas que o pagamento imediato da coima, não constituiria uma alternativa válida para as empresas.

81      Quanto ao prejuízo, a demandante apresenta em anexo à sua petição dois extractos bancários num montante total de 139 002,21 EUR. Pede igualmente que a Comissão seja condenada no pagamento de juros de mora (à taxa de 5,75%), a partir do mês seguinte à data da prolação do acórdão Cimento, ou seja, desde o dia 15 de Abril de 2000.

82      A demandada considera, pelo seu lado, que a demandante faz uma leitura errada do acórdão Comissão/Fresh Marine, n.° 77 supra. O Tribunal de Justiça observou unicamente, nesse acórdão, que a simples infracção ao direito comunitário «pode» bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada. O critério decisivo é o carácter manifesto e grave do erro cometido e há também que examinar, segundo a demandada, todos os factores que podem fornecer uma indicação sobre a gravidade do erro cometido pela Comissão.

83      No caso em apreço, a demandada considera que o processo que originou o acórdão Cimento era muito complexo. A infracção caracteriza‑se por numerosas ramificações, por envolvimento de uma grande parte da indústria europeia e por um número extremamente elevado de participantes e, consequentemente, de destinatários da decisão. Por outro lado, o acordo foi mantido secreto e, durante a investigação, nenhuma das empresas cooperou para além do que está previsto pelas regras sobre os poderes de investigação.

84      Relativamente ao nexo de causalidade, a demandada considera que, diferentemente do pagamento de uma coima, a constituição de uma garantia bancária não é uma obrigação. Daí conclui que não existe um nexo de causalidade directo, no sentido atribuído pela jurisprudência, entre a eventual falta da Comissão e o prejuízo alegado.

85      Quanto ao prejuízo, a demandada precisa que, relativamente aos juros exigidos, em 15 de Abril de 2000 (data proposta pela demandante para começar a fazer correr os juros de mora), não tinha conhecimento das exigências da demandante nem do montante exigido. Quanto à carta da demandante de 5 de Abril de 2002, não foi seguida de uma petição nos prazos indicados no artigo 46.°, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça. A demandada considera, consequentemente, que o direito ao pagamento dos juros de mora só pode ser considerado, em qualquer caso, a partir da proposição da presente acção, ou seja, a partir de 31 de Janeiro de 2003. Por fim, quanto à taxa dos juros exigidos, a demandada salienta que a taxa aplicada pelo Banco Central Europeu às suas operações de refinanciamento, em 31 de Janeiro de 2003, se situavam em 2,75%. O acréscimo de dois pontos percentuais fixado no acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, resultaria numa taxa de juro de 4,75% e não de 5,75%, como sustenta a demandante.

 Apreciação do Tribunal

86      Resulta de uma jurisprudência assente que a existência de responsabilidade extracontratual da Comunidade, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, está sujeita à reunião de várias condições, a saber, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o dano invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T‑336/94, Colect., p. II‑1343, n.° 30).

 Quanto à condição relativa à ilegalidade do comportamento imputado

87      Quanto à condição relativa à ilegalidade do comportamento imputado, a jurisprudência exige que seja demonstrada uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares. A este respeito, importa recordar que o regime desenvolvido pelo Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade tem, designadamente, em consideração a complexidade das situações a regular, as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos e, mais particularmente, a margem de apreciação de que o autor do acto impugnado dispõe. O critério decisivo para considerar uma violação do direito comunitário suficientemente caracterizada é o do desrespeito manifesto e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando essa instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.os 40 e 42 a 44; de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.os 52 a 55; e Comissão/Fresh Marine, n.° 77 supra, n.os 24 a 26).

–       Relativamente ao contexto factual e jurídico da decisão Cimento

88      A título liminar, há que recordar, em primeiro lugar, que a decisão Cimento dispunha, no seu artigo 1.°, que determinadas associações, federações e empresas (incluindo a demandante) infringiram o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE, ao participarem num acordo (denominado «acordo Cembureau», derivado do nome da Associação Europeia de Cimento) que tem por objecto o respeito dos mercados nacionais e a regulamentação do comércio de cimento entre os países. A associação Cembureau compreendia membros directos e membros indirectos. As empresas cuja fusão deu origem à demandante faziam parte desta última categoria (v., designadamente, n.° 1440 do acórdão Cimento). Neste contexto, e quanto aos membros indirectos da Cembureau, o artigo 1.° da decisão Cimento referia as empresas (incluindo, portanto, a demandante) que tinham manifestado a sua adesão ao acordo Cembureau participando numa medida de execução do mesmo (n.° 4076 do acórdão Cimento).

89      A este respeito, o artigo 5.° da decisão Cimento concluía que determinadas associações, federações e empresas (incluindo a demandante) tinham infringido o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE, ao participarem, no quadro do European Cement Export Committee (a seguir «ECEC»), em práticas concertadas que visavam evitar as incursões dos concorrentes nos mercados nacionais respectivos da Comunidade.

90      Por estas razões, nos termos do artigo 9.° da decisão Cimento, foram aplicadas coimas de 3,841 milhões e de 1,85 milhões de EUR, respectivamente, à Alsen Breitenburg e à Nordcement (cuja fusão deu origem à demandante).

91      Contudo, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que os elementos de prova referidos na decisão Cimento, mesmo considerados no seu conjunto, não provam que os membros do ECEC, no âmbito da sua cooperação no interior deste comité de exportação, visavam canalizar os seus excedentes de produção para reforçar a regra do respeito dos mercados internos (n.° 3849 do acórdão Cimento).

92      Uma vez que as actividades no interior do ECEC foram consideradas, no artigo 5.° da decisão Cimento, constitutivas de uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE, por visarem evitar incursões dos concorrentes nos mercados nacionais respectivos da Comunidade, o Tribunal de Primeira Instância decidiu anular o artigo 5.° da decisão Cimento (n.° 3850 dos fundamentos e n.os 16 e 17 da parte decisória do acórdão Cimento).

93      Por outro lado, uma vez que não tinha sido demonstrado que os comportamentos referidos no artigo 5.° da decisão Cimento prosseguiam o mesmo objectivo que o acordo Cembureau, o Tribunal decidiu que esses comportamentos não podiam ser considerados elementos constitutivos da infracção referida no artigo 1.° da decisão Cimento (n.° 4058 do acórdão Cimento). O Tribunal decidiu, portanto, anular igualmente, no que diz respeito à demandante, o artigo 1.° da decisão Cimento (n.os 4074 a 4079 dos fundamentos e n.os 16 e 17 da parte decisória do acórdão Cimento).

94      Consequentemente, o artigo 9.° da decisão Cimento, que fixa as coimas aplicadas à Alsen Breitenburg e à Nordcement, também foi anulado (n.° 4718 dos fundamentos e n.os 16 e 17 da parte decisória do acórdão Cimento).

–       Relativamente ao poder de apreciação da Comissão

95      Deve recordar‑se que o juiz comunitário exerce, de forma geral, um controlo completo sobre a questão de saber se estão ou não reunidas as condições de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE. É apenas quando controla as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão que o tribunal comunitário se limita à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos e da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.° 34, e de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 34).

96      No caso em apreço, há que observar, antes de mais, que o controlo realizado pelo Tribunal, que deu lugar à anulação da decisão Cimento no que diz respeito à recorrente, incidiu sobre a existência de um comportamento ilícito à luz do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE. Esse controlo não incidiu sobre a fixação, pela Comissão, do montante das coimas em causa aplicadas à demandante.

97      Por outro lado, resulta dos n.os 3771 a 3850 do acórdão Cimento, que motivaram a anulação do artigo 5.° da decisão Cimento, e, assim, por consequência, a anulação dos artigos 1.° e 9.° desta mesma decisão, no que diz respeito à demandante, que o Tribunal de Primeira Instância exerceu um controlo completo quanto à aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE pela demandada.

98      Os números pertinentes do acórdão Cimento não fazem referência às apreciações económicas feitas pela Comissão nem a qualquer poder de apreciação desta última que tivessem podido limitar a extensão do controlo realizado pelo Tribunal.

99      Por fim, há que salientar que a qualificação do comportamento das empresas em causa como sendo constitutivo ou não de uma infracção nos termos do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE dependia, no caso em apreço, da simples aplicação do direito com base nos elementos factuais à disposição da Comissão.

100    Resulta destes elementos que o poder de apreciação da Comissão, neste caso, era reduzido. Nestas condições, a violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE, declarada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Cimento, a saber, a insuficiência das provas adiantadas pela demandada para sustentar as práticas incriminadas da demandante, poderia bastar para demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada.

101    Contudo, conforme é recordado no n.° 87 supra, o regime desenvolvido pelo Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade deve igualmente levar o juiz comunitário a ter em conta, além do poder de apreciação detido pela instituição em causa, designadamente, a complexidade das situações a regular e as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos.

–       Relativamente à complexidade das situações a regular e às dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos

102    No caso em apreço, há que indicar, em primeiro lugar, que o processo que deu origem à decisão e depois ao acórdão Cimento era particularmente complexo. A este respeito, o argumento desenvolvido pela demandante segundo o qual a complexidade do contexto do processo carece de pertinência deve ser afastado. Com efeito, este contexto permite, pelo contrário, medir a complexidade das situações a regular, na acepção da jurisprudência.

103    O processo, que durou mais de três anos, visava associações tanto internacionais como nacionais e numerosas empresas estabelecidas em países terceiros, bem como a quase totalidade das empresas comunitárias do sector em causa. A investigação levada a cabo pela demandada necessitou da recolha de um grande número de elementos.

104    O Tribunal de Primeira Instância salientou, de resto, a complexidade deste processo ao precisar, no n.° 654 do acórdão Cimento, que no «processo que deu origem ao acórdão Suiker Unie e o./Comissão […] igualmente um processo complexo, o Tribunal de Justiça decidiu […] que um prazo de dois meses era razoável [para preparar uma resposta à comunicação de acusações]».

105    Por outro lado, e quanto aos prazos de investigação, o Tribunal de Primeira Instância indicou no n.° 709 do acórdão Cimento «[que] um prazo de 31 meses entre as averiguações em Abril de 1989 e a notificação da [comunicação de acusações] em Novembro de 1991 é razoável, se se tiver em conta a extensão e a dificuldade de um inquérito relativo à quase totalidade da indústria europeia do cimento» e que «[o] facto de a Comissão ter necessitado de 20 meses, após o fim das audições, para adoptar a decisão impugnada, em 30 de Novembro de 1994, não constitu[ía] uma violação do princípio do respeito do prazo razoável num procedimento administrativo em matéria de política de concorrência, visto que a decisão impugnada devia ser dirigida a 42 empresas e associações de empresas diferentes, declarava 24 infracções diferentes e tinha que ser redigida nas nove línguas oficiais da Comunidade».

106    De resto, a própria demandante reconheceu, na sua carta de 28 de Setembro de 2001, dirigida à demandada, que este processo se caracterizava por uma complexidade extrema. A demandante referia‑se, designadamente, ao objecto e à natureza do litígio, à sua importância do ponto de vista do direito comunitário e às dificuldades da causa e ao número de empresas a que dizia respeito.

107    Há que indicar, em segundo lugar, que as situações eram tanto mais difíceis de regular neste caso quanto as empresas alvo da investigação da Comissão eram membros directos ou indirectos da Cembureau. Neste último caso, que englobava a situação da demandante, as empresas em causa estavam representadas na Cembureau pelas suas associações respectivas.

108    Há que indicar, em terceiro lugar, que, quanto à parte da decisão Cimento que dizia especificamente respeito à demandante, a demandada se viu confrontada com um conjunto de documentos probatórios cuja interpretação não era evidente.

109    Assim, quanto aos fundamentos que levaram à anulação da decisão Cimento, no que diz respeito à demandante, o Tribunal de Primeira Instância (nos n.os 3790 e 3792 do acórdão Cimento) indicou antes de mais:

«[…] não resulta […] [do artigo 1.° do acto de constituição do ECEC de 6 de Dezembro de 1979, do artigo 1.° do de 26 de Setembro de 1986, da acta da reunião de Paris de 23 de Janeiro de 1979 e de uma nota interna da Ciments français de 7 de Março de 1989] que o real objectivo prosseguido pelos membros do ECEC tivesse sido o de reforçar a regra do respeito dos mercados internos europeus […] Embora [a nota da Blue Circle de 1 de Dezembro de 1983] revele a existência de um nexo entre o respeito dos mercados internos e a canalização de excedentes de produção, não se pode presumir, com base na mera existência de um comité de exportação, que os seus membros pretendiam, através das suas actividades neste comité, ‘evitar incursões dos concorrentes nos mercados nacionais respectivos da Comunidade’ […]».

110    Relativamente à filiação directa ou indirecta dos membros da ECEC na Cembureau, o Tribunal de Primeira Instância assinalou (nos n.os 3799 e 3800 do acórdão Cimento):

«É certo que as informações trocadas durante as reuniões deste comité de exportação sobre os mercados terceiros foram úteis às partes do acordo Cembureau que participaram nas actividades do ECEC, após a celebração do dito contrato, permitindo‑lhes canalizar os seus excessos de produção para destinos não europeus e, portanto, facilitaram, em relação a elas, a execução do acordo Cembureau. Ora, de entre os membros do ECEC contam‑se vários membros directos da Cembureau (a FIC, o SFIC, a Aalborg, a Oficemen, a Irish Cement, a ATIC, a Italcementi, a Cementir e a AGCI), cuja participação no acordo Cembureau não é objecto de qualquer dúvida em razão da sua participação nas reuniões dos chefes de delegação no decurso das quais o acordo Cembureau foi celebrado e/ou confirmado […] No entanto, esta afirmação não implica que a cooperação organizada no interior do ECEC entre todos os membros deste comité tivesse tido por objectivo reforçar a regra do respeito dos mercados internos.»

111    No que diz respeito às ligações entre o ECEC e o European Export Policy Committee (a seguir «EPC»), o Tribunal de Primeira Instância indicou (nos n.os 3806 e 3821 do acórdão Cimento):

«[…] verifica‑se que, à luz dos elementos de prova a que a Comissão se refere na decisão impugnada [a saber, os documentos mencionados no n.° 32 da decisão Cimento], os membros do ECEC sempre consideraram que o seu comité de exportação tinha características e identidade próprias em relação às do EPC […] Mesmo admitindo que o respeito dos mercados internos era a regra subjacente à cooperação no interior do EPC, os documentos mencionados no n.° 32 da decisão impugnada não permitem, pois, concluir que as ligações que existiram entre o ECEC e o EPC tinham influenciado as actividades do ECEC de tal modo que os membros deste último comité tivessem adoptado a regra do respeito dos mercados internos para as actividades no interior do ECEC».

112    Quanto, por fim, à ausência de limitação das actividades do ECEC à grande exportação, o Tribunal de Primeira Instância considerou (nos n.os 3825, 3827 e 3828 do acórdão Cimento):

«No entanto, a Comissão não se pode basear [na] acta [do ECEC de 22 de Março de 1985] para provar que a cooperação no interior do ECEC visava reforçar a regra do respeito dos mercados internos europeus pela canalização dos excedentes de produção […] Verifica‑se que nenhuma das actas referidas no número [3826] prova a existência de um nexo entre as importações […] de países terceiros e o princípio do respeito dos mercados internos […] Em qualquer caso, o mero facto de ter apreciado, em algumas ocasiões, a situação das importações […] de países terceiros não demonstra que ‘o objectivo e o efeito da cooperação no âmbito do ECEC consistiam em reforçar a regra do respeito dos mercados nacionais’ […] No que toca aos documentos referidos no n.° 33, ponto 5, da decisão impugnada, é exacto que, tal como alega a Comissão, determinadas actas contêm algumas informações sobre a situação de países membros. Todavia, a mera menção de um elemento de informação relativo a um mercado interno da Comunidade no decurso de uma reunião do ECEC ou do Steering Committee do ECEC não prova necessariamente que as actividades do ECEC visavam ‘reforçar a regra do respeito dos mercados nacionais’[…]»

113    Daqui resulta, sem fundamentalmente colocar em causa a análise da Comissão quanto à aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE aos acordos em causa, que o Tribunal de Primeira Instância se limitou, no acórdão Cimento, a contestar a apreciação feita pela Comissão do carácter probatório de determinadas peças escolhidas com o fim de verificar a infracção relativamente a determinadas recorrentes. Em particular, verifica‑se que a divergência de interpretação entre o Tribunal e a Comissão quanto a essa questão só incidiu sobre uma actividade marginal do acordo, a saber, a exercida no âmbito da cooperação das partes no seio do ECEC, a fim de canalizar os seus excessos de produção, com o objectivo de reforçar, assim, a regra do respeito dos mercados nacionais, a saber, a repartição dos mercados que constituía o verdadeiro «núcleo» do acordo. Por outro lado, embora o Tribunal de Primeira Instância tenha anulado a decisão Cimento no que diz respeito à demandante, verificou, no entanto, que a Comissão dispunha de um determinado número de indícios susceptíveis de confirmar a sua tese segundo a qual a cooperação no seio do ECEC tinha como finalidade e por efeito reforçar a regra do respeito dos mercados nacionais e não foi senão depois de ter procedido a uma apreciação detalhada do conteúdo dos documentos em causa que o Tribunal chegou à conclusão de que, considerados no seu conjunto e tendo em conta, designadamente, as explicações fornecidas pelas empresas em causa, esses documentos não permitiam provar suficientemente, do ponto de vista jurídico, que a actividade no seio do ECEC reforçava a regra do respeito dos mercados nacionais.

114    Por todas estas razões, tendo em conta o facto de o processo Cimento ser um processo particularmente complexo, que implicava um número muito importante de empresas e, designadamente, a quase totalidade da indústria europeia do cimento, que a estrutura da Cembureau tornava a investigação difícil, devido à existência de membros directos e indirectos, e o facto de ter sido necessário analisar um número importante de documentos, inclusivamente no que se refere à situação específica da demandante, deve considerar‑se que a demandada estava confrontada com situações complexas a regular.

115    Por fim, há que ter em conta as dificuldades de aplicação das disposições do Tratado CE em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas (v., por analogia, acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, n.° 46). Estas dificuldades de aplicação eram tanto mais importantes quanto os elementos factuais do processo em causa eram numerosos, incluindo os relativos à parte da decisão respeitante à demandante.

116    Por todos estes motivos, deve considerar‑se que a violação do direito comunitário, declarada no acórdão Cimento, não está suficientemente caracterizada relativamente à parte da decisão respeitante à demandante.

117    Quanto ao princípio da lealdade, que torna obrigatório o reembolso das despesas com a garantia bancária, a demandante não explica em que medida este tem por objecto conferir direitos aos particulares nem em que medida existe uma violação suficientemente caracterizada deste princípio no presente caso. O mesmo se aplica ao princípio da diligência que incumbe à demandada. Consequentemente, estes argumentos são inoperantes.

118    Atendendo ao acima exposto, a primeira condição desenvolvida pela jurisprudência para permitir dar origem à responsabilidade extracontratual da Comunidade não está preenchida no caso em apreço.

 Quanto à condição relativa à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado

119    Em qualquer caso, a Comunidade só pode ser responsabilizada pelo prejuízo que resultar de modo suficientemente directo do comportamento irregular da instituição em causa (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier e o./Conselho, 64/76 e 113/76, 167/78 e 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1995, Blackspur e o./Conselho e Comissão, T‑168/94, Colect., p. II‑2627, n.° 52; de 24 de Outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão, T‑178/98, Colect., p. II‑3331, n.° 118; e de 13 de Fevereiro de 2003, Meyer/Comissão, T‑333/01, Colect., p. II‑117, n.° 32).

120    No caso em apreço, há, em primeiro lugar, que recordar que, nos termos do artigo 9.° da decisão Cimento, foram aplicadas coimas de 3,841 milhões e de 1,85 milhões de EUR, respectivamente, à Alsen Breitenburg e à Nordcement. Por força do artigo 11.°, primeiro parágrafo, desta mesma decisão, as coimas eram pagáveis num prazo de três meses a contar da notificação da decisão. Além disso, nos termos do segundo parágrafo desta disposição, o montante da coima vencia juros de mora a partir do termo do prazo acima referido.

121    Há que salientar que, em conformidade com o artigo 192.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 256.° CE), a decisão Cimento constituía, neste ponto, título executivo, uma vez que comportava uma obrigação pecuniária a cargo de pessoas que não Estados, e isto não obstante a interposição de um recurso de anulação desta decisão, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE). Com efeito, nos termos do artigo 185.°, primeiro período, do Tratado CE (actual artigo 242.° CE), os recursos para o tribunal comunitário não têm efeito suspensivo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1995, CB/Comissão, T‑275/94, Colect., p. II‑2169, n.os 50 a 52).

122    Ora, é pacífico que a demandante, em derrogação destas disposições, não pagou a coima que lhe foi aplicada no artigo 9.° da decisão Cimento, tendo‑lhe a Comissão oferecido a possibilidade, na carta de notificação da referida decisão, de constituir uma garantia bancária destinada a garantir o pagamento da coima, até à prolação do acórdão Cimento. Com efeito, uma empresa que interponha recurso de uma decisão da Comissão que lhe aplica uma coima pode escolher entre pagar a coima no momento em que esta se torna exigível, pagando, se for caso disso, os juros de mora à taxa fixada pela Comissão na sua decisão, pedir a suspensão da execução da decisão, nos termos do disposto no artigo 185.°, segundo período, do Tratado CE, e, finalmente, quando a Comissão lhe der essa possibilidade, constituir uma garantia bancária destinada a assegurar o pagamento da coima e os juros de mora, nas condições fixadas pela Comissão (acórdão CB/Comissão, n.° 121 supra, n.° 54).

123    Nestas condições, a demandante não pode validamente sustentar que as despesas de constituição da garantia bancária que efectuou neste caso resultam directamente da ilegalidade da decisão Cimento. Com efeito, o prejuízo que alega a este respeito resulta da sua própria escolha de não cumprir a obrigação de pagar a coima, derrogando as regras previstas pelo artigo 192.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE e o artigo 185.°, primeiro período, do Tratado CE, no prazo fixado pela decisão Cimento, através da constituição de uma garantia bancária.

124    Há que salientar, por outro lado, que as duas opções à disposição da demandante, a saber, a interposição de recurso da decisão Cimento, bem como um pedido de suspensão da execução da referida decisão (no que diz respeito, pelo menos, ao pagamento da coima) e a constituição de uma garantia bancária na sequência da faculdade oferecida pela Comissão, constituíam alternativas reais ao pagamento imediato da coima. Elas foram, aliás, deixadas à livre apreciação das empresas (v., nesse sentido, acórdão CB/Comissão, n.° 121 supra, n.os 54 e 55). Essas opções não se revestiam, por conseguinte, de um carácter obrigatório decorrente da decisão Cimento. Há, além disso, que indicar que determinadas empresas (como a demandante) escolheram a opção de constituir garantias bancárias, enquanto outras preferiram cumprir a obrigação financeira decorrente da decisão Cimento e pagar a coima em causa (v., a este respeito, acórdão Cimento, n.° 5116). Se a demandante tivesse decidido pagar a coima, ela teria consequentemente evitado pagar as despesas com a garantia bancária (v., quanto aos juros de mora, acórdão CB/Comissão, n.° 121 supra, n.° 83).

125    Nenhum dos argumentos desenvolvidos pela demandante é susceptível de colocar em causa esta conclusão.

126    Em particular, no que diz respeito à circunstância alegada de que as considerações formuladas no n.° 57 do acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, são transponíveis para o caso em apreço, há que observar que, nessa parte do acórdão acima referido, o Tribunal de Primeira Instância não decidiu, como sugere a demandante, que as empresas destinatárias de uma decisão que aplica coimas não podiam escolher entre pagar imediatamente a coima e constituir uma garantia bancária, mas que, por um lado, ao pagar a coima, a empresa mais não fazia do que cumprir o dispositivo de uma decisão executória apesar do recurso por ela interposto para o Tribunal de Primeira Instância e, por outro, que a constituição de uma garantia bancária em vez do pagamento imediato da coima constituía uma simples faculdade deixada pela Comissão à empresa em causa.

127    Em qualquer caso, e sem entrar aqui na apreciação de um possível prejuízo ou numa análise detalhada das diferenças entre o artigo 34.° CA e o artigo 233.° CE, deve salientar‑se que as considerações, no acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, que levaram o Tribunal de Primeira Instância a decidir que, no caso de um acórdão que anula ou reduz a coima aplicada a uma empresa por infracção às normas de concorrência, a Comissão tem a obrigação de restituir não apenas o montante principal da coima indevidamente paga mas também os juros de mora produzidos por esse montante, não são aplicáveis no caso de constituição de garantia bancária. Com efeito, deve recordar‑se que, no seu acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 54 a 56, baseou esta obrigação na circunstância, por um lado, de a obrigação de restituição integral da coima indevidamente paga não poder fazer abstracção do decurso do tempo, susceptível de reduzir o respectivo valor e, por outro, de a ausência de pagamento de juros de mora conduzir a um enriquecimento sem causa da Comunidade, que é contrário aos princípios gerais do direito comunitário.

128    Ora, nenhuma destas considerações pode ser invocada pela demandante neste caso concreto.

129    Com efeito, por um lado, quanto à primeira consideração, deve indicar‑se que, quando seja constituída uma garantia bancária, a Comissão não deve restituir uma coima indevidamente cobrada, pois, por hipótese, essa coima não foi paga. A empresa não sofreu, consequentemente, qualquer perda de valor quanto ao montante da coima que ela estava, contudo, obrigada a pagar imediatamente à Comissão, atendendo ao carácter executório da decisão impugnada (artigo 192.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE) e à ausência de efeito suspensivo dos recursos perante o Tribunal (artigo 185.°, primeiro período, do Tratado CE). Como foi acima indicado, o único e eventual prejuízo financeiro sofrido pela empresa em causa resulta da sua própria decisão de constituir uma garantia bancária para poder, em derrogação das regras acima recordadas, não pagar imediatamente a coima, ainda que não beneficie de uma suspensão de execução da decisão que aplica a coima.

130    Por outro lado, quanto à segunda consideração, deve dizer‑se que, contrariamente à situação no processo que originou o acórdão Corus UK/Comissão, n.° 8 supra, o facto de a Comissão não ter assumido as despesas relativas à constituição de uma garantia bancária não provoca nenhum enriquecimento sem causa da Comunidade, uma vez que as despesas de constituição da referida garantia bancária foram pagas não à Comunidade, mas a um terceiro. O respeito do princípio geral que proíbe o enriquecimento sem causa não justifica, por conseguinte, em caso algum, essa restituição. Bem pelo contrário, se a Comissão devesse assumir as despesas relativas à constituição de uma garantia bancária, isso permitiria colocar a empresa em causa na situação em que estava antes da adopção da decisão litigiosa, mas a Comissão, em compensação, seria penalizada, visto que teria de restituir à referida empresa montantes de que não usufruiu.

131    Atendendo a estes elementos, o nexo de causalidade entre o comportamento imputado à demandada e o prejuízo alegado não pode ser qualificado de suficientemente directo neste caso.

132    À luz do que precede, e sem que haja necessidade de tomar posição sobre o prejuízo alegadamente sofrido, a acção fundada no artigo 235.° CE e no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, no que diz respeito às despesas com a garantia bancária posteriores a 31 de Janeiro de 1998, deve ser julgada improcedente.

 Quanto às despesas

133    Por força do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se isso tiver sido requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la na totalidade das despesas, em conformidade com o pedido da demandada.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      A acção, na parte que se baseia no artigo 233.° CE, é julgada inadmissível.

2)      O pedido subsidiário, de que a acção seja interpretada, na parte em que se baseia no artigo 233.° CE, como um recurso de anulação ou como uma acção por omissão, é julgado inadmissível.

3)      O pedido de indemnização, relativamente às despesas com a garantia bancária efectuadas pela demandante antes de 31 de Janeiro de 1998, é julgado inadmissível.

4)      Quanto ao restante, a acção é julgada improcedente.

5)      A recorrente é condenada nas despesas.

Azizi

Jaeger

Dehousse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Abril de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      J. Azizi


* Língua do processo: alemão.