Language of document : ECLI:EU:C:2024:344

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União Europeia — Artigo 20.o TFUE — Cidadão da União que nunca exerceu a sua liberdade de circulação — Residência de um membro da família desse cidadão da União — Ameaça para a segurança nacional — Tomada de posição de uma autoridade nacional especializada — Fundamentação — Acesso ao processo»

Nos processos apensos C‑420/22 e C‑528/22,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Szegedi Törvényszék (Tribunal de Szeged, Hungria), por Decisões de 16 de junho e de 8 de agosto de 2022, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 24 de junho e em 8 de agosto de 2022, nos processos

NW (C‑420/22),

PQ (C‑528/22)

contra

Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság,

Miniszterelnöki Kabinetirodát vezető miniszter,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 5 de julho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de NW, por B. Pohárnok, ügyvéd,

–        em representação de PQ, por A. Németh e B. Pohárnok, ügyvédek,

–        em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e R. Kissné Berta, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Francês, por R. Bénard, A. Daniel e J. Illouz, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Katsimerou, E. Montaguti e A. Tokár, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 20.o TFUE, dos artigos 9.o, n.o 3 e 10.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), e dos artigos 7.o, 24.o, 51.o, n.o 1, e 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem dois nacionais de países terceiros, NW e PQ, à Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság (Direção‑Geral Nacional da Polícia de Estrangeiros, Hungria) (a seguir «Direção da Polícia de Estrangeiros») e ao Miniszterelnöki Kabinetirodát vezető miniszter (Ministro responsável pelo Gabinete do Primeiro‑Ministro, Hungria), relativamente a decisões que têm por objeto, respetivamente, a retirada do cartão de residência permanente de NW e a ordem dada a este último de abandonar o território da Hungria, e o indeferimento do pedido de autorização de estabelecimento no território nacional de PQ.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109 prevê:

«Os Estados‑Membros devem conceder o estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta no seu território durante os cinco anos que antecedem imediatamente a apresentação do respetivo pedido.»

4        Nos termos do artigo 5.o desta diretiva:

«1.      Os Estados‑Membros devem exigir ao nacional de um país terceiro que apresente provas de que este e os familiares a seu cargo dispõem de:

a)      Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência às suas natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo e das pensões antes do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração;

b)      Um seguro de doença que cubra todos os riscos normalmente cobertos no Estado‑Membro em questão para os próprios nacionais.

2.      Os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros preencham condições de integração, em conformidade com o direito nacional.»

5        O artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«A fim de obter o estatuto de residente de longa duração, o nacional de um país terceiro deve apresentar um pedido às autoridades competentes do Estado‑Membro em que reside. O pedido deve ser acompanhado dos documentos comprovativos, conforme determinado na legislação nacional, de que o nacional de um país terceiro preenche as condições enunciadas nos artigos 4.o e 5.o, bem como, se necessário, de um documento de viagem válido ou de cópia autenticada do mesmo.

As provas documentais referidas no primeiro parágrafo podem também incluir documentação comprovativa de alojamento adequado.»

6        O artigo 9.o, n.o 3, da mesma diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros podem estabelecer que o residente de longa duração deixe de ter direito a manter este estatuto se representar uma ameaça para a ordem pública, tendo em conta a gravidade das infrações praticadas, embora tal não constitua motivo para expulsão […]»

7        O artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109 tem a seguinte redação:

«As decisões de indeferimento do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração ou de retirada do referido estatuto devem ser fundamentadas. Qualquer decisão dessa natureza deve ser notificada ao nacional de um país terceiro em causa de acordo com os procedimentos de notificação previstos na legislação nacional. A notificação deve indicar as vias de recurso a que o interessado tem acesso, bem como o prazo no qual pode agir.»

8        O artigo 13.o desta diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros podem emitir títulos de residência permanentes ou de validade ilimitada em condições mais favoráveis do que as fixadas na presente diretiva. Esses títulos de residência não conferem direito a residência nos outros Estados‑Membros tal como previsto no capítulo III.»

 Direito húngaro

9        O artigo 94.o, n.os 2 a 5, da a szabad mozgás és tartózkodás jogával rendelkező személyek beutazásáról és tartózkodásáról szóló 2007. évi I. törvény (Lei I de 2007, relativa à Entrada e à Permanência das Pessoas com Direito de Livre Circulação e de Residência), de 5 de janeiro de 2007 (Magyar Közlöny 2007/1.), especifica:

«2.      Qualquer nacional de um país terceiro que disponha de um cartão de residência ou de um cartão de residência permanente que lhe tenha sido emitido, na qualidade de membro da família de um cidadão húngaro […] obterá, mediante pedido apresentado antes de caducar o cartão de residência ou o cartão de residência permanente, uma autorização de estabelecimento no território nacional […] salvo se:

[…]

c)      uma causa de recusa como a prevista no artigo 33.o, n.o 1, alínea c), e n.o 2, da [a harmadik országbeli állampolgárok beutazásáról és tartózkodásáról szóló 2007. évi II. törvény (Lei II de 2007, relativa à Entrada e à Permanência de Nacionais de Países Terceiros), de 5 de janeiro de 2007 (Magyar Közlöny 2007/1.)], se opuser ao seu estabelecimento.

[…]

3.      No que respeita ao n.o 2, alínea c), as autoridades especializadas do Estado designadas devem ser consultadas, em conformidade com as regras da Lei II de 2007, relativa à Entrada e à Permanência de Nacionais de Países Terceiros, atinentes à emissão das autorizações de estabelecimento, a fim de obterem o seu parecer.

4.      Quando um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão húngaro, for titular de um cartão de residência ou de um cartão de residência permanente válido, este é retirado

[…]

b)      se a permanência do nacional de país terceiro puser em perigo a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional da Hungria.

5.      Para qualquer questão especial como a referida no n.o 4, alínea b), as autoridades especializadas do Estado designadas devem ser consultadas em conformidade com as regras da Lei II de 2007, relativa à Entrada e à Permanência de Nacionais de Países Terceiros, atinentes à emissão das autorizações de estabelecimento, a fim de obter o seu parecer sobre esta questão.»

10      O artigo 33.o, n.os 1 e 2, da Lei II de 2007, relativa à Entrada e à Permanência de Nacionais de Países Terceiros, dispõe:

«1.      Pode receber uma autorização de estabelecimento temporário, uma autorização de estabelecimento no território nacional ou uma autorização de estabelecimento CE qualquer nacional de um país terceiro

[…]

c)      contra o qual não exista nenhuma causa de indeferimento como previsto pela presente lei.

2.      Não pode receber uma autorização de estabelecimento temporário, uma autorização de estabelecimento no território nacional ou uma autorização de estabelecimento CE um nacional de um país terceiro

[…]

b)      cujo estabelecimento ponha em perigo a segurança pública ou a segurança nacional da Hungria.»

11      O artigo 87.o/B, n.o 4, desta lei enuncia:

«O parecer da autoridade especializada do Estado é, no que respeita à questão especial, vinculativo para a Autoridade de Polícia de Estrangeiros que conhece do processo.»

12      O artigo 11.o da a minősített adat védelméről szóló 2009. évi CLV. törvény (Lei CLV de 2009, relativa à Proteção das Informações Classificadas), de 29 de dezembro de 2009 (Magyar Közlöny 2009/194.), prevê:

«1.      O interessado tem direito a tomar conhecimento dos seus dados pessoais que tenham a natureza de informação classificada nacional com base numa autorização de consulta emitida pela autoridade com competência para a classificação, não lhe sendo exigido que disponha de um certificado de segurança pessoal. Antes de tomar conhecimento da informação classificada nacional, o interessado deve fazer uma declaração de confidencialidade por escrito e respeitar as regras de proteção das referidas informações.

2. A decisão de autorização de consulta é tomada pela autoridade com competência para a classificação, a pedido do interessado, no prazo de quinze dias. A autorização de consulta será recusada pela autoridade com competência para a classificação se o conhecimento das informações lesar o interesse público que justificou a classificação. A recusa de concessão da autorização de consulta deve ser fundamentada pela autoridade com competência para a classificação.

3. Em caso de recusa de concessão da autorização de consulta, o interessado pode impugnar a decisão através de recurso contencioso administrativo. […]»

13      O artigo 12.o, n.o 1, desta lei especifica:

«A autoridade responsável pelo tratamento da informação classificada pode recusar que o interessado exerça o seu direito de acesso aos seus dados pessoais, se o exercício desse direito comprometer o interesse público que justificou a classificação.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C420/22

14      NW, nacional de um país terceiro, casou em 2004 com uma cidadã húngara. Desta união nasceu uma criança de nacionalidade húngara em 2005. NW está criar o seu filho com a sua esposa.

15      Após NW ter residido legalmente na Hungria durante mais de cinco anos, as autoridades húngaras emitiram‑lhe um cartão de residência permanente válido até 31 de outubro de 2022, tendo em conta a sua situação familiar.

16      Por parecer não fundamentado de 12 de janeiro de 2021, o Alkotmányvédelmi Hivatal (Serviço de Proteção da Constituição, Hungria) considerou que a residência de NW na Hungria lesava os interesses deste Estado‑Membro em matéria de segurança nacional. Este organismo especializado qualificou de informação classificada os dados nos quais se baseou para emitir este parecer. O referido parecer foi confirmado, em 13 de abril de 2021, pelo ministro do Interior, na qualidade de autoridade especializada de segundo grau.

17      Por Decisão de 22 de janeiro de 2021, a Autoridade de Polícia de Estrangeiros de primeiro grau retirou o cartão de residência permanente de NW e ordenou‑lhe que abandonasse o território da Hungria, pelo facto de a sua permanência nesse território pôr em perigo a segurança nacional desse Estado‑Membro.

18      Esta decisão foi confirmada, em 10 de maio de 2021, pela Direção da Polícia de Estrangeiros, com o fundamento de que o ministro do Interior tinha declarado que a permanência de NW no território húngaro lesava os interesses da Hungria em matéria de segurança nacional. Na sua decisão, a Direção da Polícia de Estrangeiros sublinhou que, em aplicação da legislação húngara, não se podia afastar do parecer emitido pelo ministro do Interior e que estava, portanto, obrigada a retirar o cartão de residência permanente de NW, sem ter em conta a situação pessoal deste último.

19      NW interpôs recurso da decisão da Direção da Polícia de Estrangeiros de 10 de maio de 2021 no Szegedi Törvényszék (Tribunal de Szeged, Hungria), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

20      O tribunal observa que essa decisão assenta unicamente nos pareceres vinculativos e não fundamentados emitidos pelas autoridades especializadas, ou seja, pelo Serviço de Proteção da Constituição e pelo ministro do Interior, pareceres que se baseiam em informação classificada a que nem NW nem as autoridades que decidem sobre a residência tiveram acesso. Logo, estas últimas não analisaram a necessidade e a proporcionalidade da referida decisão.

21      O mesmo órgão jurisdicional salienta que resulta de jurisprudência da Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) que, numa situação como a que está em causa no processo principal, os direitos processuais da pessoa em causa são garantidos pelo poder de que dispõe o órgão jurisdicional competente de consultar a informação classificada em que assenta o parecer das autoridades especializadas para apreciar a legalidade da decisão relativa à residência. Esse órgão jurisdicional deve, pois, verificar, quando para isso é convidado pela parte recorrente, se os factos e os dados na base do parecer em causa justificam essa decisão, sem, no entanto, poder incluir na sua apreciação a informação classificada de que tomou conhecimento.

22      Além disso, em aplicação da legislação húngara, nem a pessoa em causa nem o seu representante legal têm a possibilidade concreta de se pronunciar sobre o parecer não fundamentado dessas autoridades. Embora tenham, é certo, o direito de apresentar um pedido de acesso à informação classificada relativa a essa pessoa, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a proteção do interesse público que justificou a classificação das informações se sobrepõe, em princípio, ao interesse privado da pessoa em causa, sendo a existência de um motivo de classificação, em substância, uma razão suficiente para indeferir um pedido de autorização de consulta por parte dessa pessoa.

23      De qualquer modo, mesmo admitindo que esse pedido seja deferido, nem a pessoa em causa nem o seu representante legal podem utilizar, no âmbito do procedimento administrativo ou do processo judicial, a informação classificada a que tiveram acesso, uma vez que lhes é, na prática, recusada a autorização para redigir um documento contendo a essência dessas informações. O órgão jurisdicional chamado a apreciar o recurso de uma decisão relativa à residência não dispõe, nos termos da legislação húngara, de nenhum poder a este respeito.

24      Nestas condições, o Szegedi Törvényszék (Tribunal de Szeged) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva [2003/109], em conjugação com o artigo 47.o da [Carta] — bem como, no caso concreto, com os artigos 7.o e 24.o da Carta —, ser interpretado no sentido de que exige à autoridade de um Estado‑Membro que tenha adotado uma decisão através da qual, por razões de segurança nacional e/ou de ordem pública ou de segurança pública, ordena a retirada de uma autorização de residência de longa duração anteriormente emitida, bem como à autoridade especializada que determinou a natureza confidencial da decisão, que assegurem, em qualquer caso, ao interessado, nacional de um país terceiro, e ao seu representante legal o direito de conhecer pelo menos a essência da informação e dos dados confidenciais ou classificados em que se funda a decisão baseada nesse motivo e utilizem essa informação ou esses dados no procedimento relativo à decisão, caso a autoridade responsável considere que essa comunicação seria contrária a razões de segurança nacional?

2)      Em caso de resposta afirmativa, o que se deve entender exatamente por “a essência” dos motivos confidenciais em que tal decisão se baseia, à luz dos artigos 41.o e 47.o da Carta?

3)      Deve o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, ser interpretado, à luz do artigo 47.o da Carta, no sentido de que o tribunal de um Estado‑Membro que se pronuncie sobre a legalidade do parecer da autoridade especializada baseado num motivo relativo à informação confidencial ou classificada e sobre a decisão de fundo sobre estrangeiros sustentada nesse parecer deve ter competência para analisar a legalidade da confidencialidade (a sua necessidade e a sua proporcionalidade), bem como para ordenar, no caso de considerar que a confidencialidade é contrária à lei, que o interessado e o seu representante legal possam ter acesso e utilizar a totalidade da informação em que se baseiam o parecer e a decisão das autoridades administrativas, ou, se considerar a confidencialidade conforme com a lei, ordenar que o interessado possa ter acesso e utilizar pelo menos a essência da informação confidencial no processo de estrangeiros que lhe diz respeito?

4)      Devem os artigos 9.o, n.o 3, e 10.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, em conjugação com os artigos 7.o, 24.o, 51.o, n.o 1, e 52.o, n.o 1, da Carta, ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual uma decisão em matéria de direito de estrangeiros através da qual se ordena a retirada de uma autorização de residência de longa duração anteriormente emitida é uma decisão não fundamentada

[a)]      baseada exclusivamente na remissão automática para o parecer vinculativo e obrigatório da autoridade especializada, também não fundamentado, que determina que existe um perigo ou uma violação relacionados com a segurança nacional, a segurança pública ou a ordem pública, e

[b)]      por conseguinte, foi adotada sem efetuar uma análise aprofundada sobre a existência das razões de segurança nacional, segurança pública ou ordem pública no caso concreto e sem ter em consideração as circunstâncias individuais e as exigências de necessidade e proporcionalidade?»

25      Por Despacho de 8 de agosto de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, o órgão jurisdicional de reenvio complementou o seu pedido de decisão prejudicial.

26      O órgão jurisdicional de reenvio esclareceu que, nesse pedido, se tinha baseado na premissa de que NW estava abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/109. Todavia, na medida em que existe entre NW e o seu filho menor uma relação de dependência, se o Tribunal de Justiça considerar que essa premissa está errada, será necessário determinar se NW deve beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo do artigo 20.o TFUE.

27      Por isso, o órgão jurisdicional de reenvio acrescentou às questões já submetidas ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«a)      Deve o artigo 20.o [TFUE], em conjugação com os artigos 7.o e 24.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que se opõe à prática de um Estado‑Membro que consiste em adotar uma decisão através da qual se ordena a retirada de uma autorização de residência anteriormente emitida a favor de um nacional de um país terceiro cujo filho menor e a mulher são nacionais de um Estado‑Membro da União e residem nesse Estado‑Membro, sem examinar previamente se o membro da família em causa, nacional de um país terceiro, beneficia de um direito de residência derivado ao abrigo do artigo 20.o TFUE?

b)      Deve o artigo 20.o TFUE, em conjugação com os artigos 7.o, 24.o, 51.o, n.o 1, e 52.o, n.o 1, da Carta, ser interpretado no sentido de que, na medida em que seja aplicável um direito de residência derivado ao abrigo do artigo 20.o TFUE, o direito da União tem por efeito que as autoridades administrativas e judiciais nacionais devem aplicar igualmente o direito da União quando adotam uma decisão em matéria de direito de estrangeiros através da qual se ordena a retirada de um cartão de residência permanente e quando aplicam as exceções de segurança nacional, ordem pública ou segurança pública que fundamentam a referida decisão, bem como, no caso de se demonstrar que essas razões existem, quando procedem ao exame da necessidade e da proporcionalidade que justificam a limitação do direito de residência?

c)      No caso de o recorrente [no processo principal] ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 20.o TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que responda igualmente à luz do referido artigo à primeira a quarta questões […]»

 Processo C528/22

28      PQ, nacional de um país terceiro, entrou legalmente na Hungria em junho de 2005 como jogador de futebol profissional e reside, desde então, legalmente no território deste Estado‑Membro. Vive desde 2011 com a sua companheira de nacionalidade húngara. Desta união nasceram duas crianças de nacionalidade húngara em 2012 e 2021.

29      PQ exerce, juntamente com a sua companheira, a autoridade parental sobre os seus filhos. Vive permanentemente com estes últimos e assegura a sua guarda efetiva a maior parte do tempo. Os seus filhos têm um vínculo afetivo estreito e uma relação de dependência com PQ, que se ocupa constantemente deles desde o seu nascimento.

30      Por parecer não fundamentado de 9 de setembro de 2020, o Serviço de Proteção da Constituição considerou que a permanência de PQ na Hungria lesava os interesses deste Estado‑Membro em matéria de segurança nacional. Este órgão especializado qualificou de informação classificada os dados em que se baseou para emitir esse parecer. O referido parecer foi confirmado, em 12 de fevereiro de 2021, pelo ministro do Interior, na qualidade de órgão especializado de segundo grau.

31      Por Decisão de 27 de outubro de 2020, a Autoridade de Polícia de Estrangeiros de primeiro grau indeferiu um pedido de autorização de estabelecimento no território nacional apresentado por PQ.

32      Esta decisão foi confirmada, em 25 de março de 2021, pela Direção da Polícia de Estrangeiros, com o fundamento de que o ministro do Interior tinha declarado que a permanência de PQ no território húngaro lesava os interesses da Hungria em matéria de segurança nacional. Na sua decisão, a Direção da Polícia de Estrangeiros sublinhou que, em aplicação da legislação húngara, não se podia afastar do parecer emitido pelo ministro do Interior e que estava, portanto, obrigada a indeferir o pedido de PQ, sem ter em conta a sua situação pessoal.

33      PQ interpôs recurso da Decisão da Direção da Polícia de Estrangeiros de 25 de março de 2021 no Szegedi Törvényszék (Tribunal de Szeged), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

34      Este órgão jurisdicional tece considerações análogas às expostas nos n.os 20 a 23 do presente acórdão.

35      Nestas condições, o Szegedi Törvényszék (Tribunal de Szeged) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)      Deve o artigo 20.o [TFUE], em conjugação com os artigos 7.o e 24.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que se opõe à prática de um Estado‑Membro que consiste em adotar uma decisão através da qual se ordena a retirada de uma autorização de residência anteriormente emitida a favor de um nacional de um país terceiro — ou que indefere o seu pedido de prorrogação do direito de residência (no presente processo, um pedido de autorização de [estabelecimento no território] nacional […]) — cujo filho menor e cuja pessoa com quem vive em união de facto são nacionais de um Estado‑Membro da União e residem nesse Estado‑Membro, sem examinar previamente se o membro da família em causa, nacional de um país terceiro, beneficia de um direito de residência derivado ao abrigo do artigo 20.o TFUE?

b)      Deve o artigo 20.o TFUE, em conjugação com os artigos 7.o, 24.o, 51.o, n.o 1, e 52.o, n.o 1, da Carta, ser interpretado no sentido de que, na medida em que seja aplicável um direito de residência derivado ao abrigo do artigo 20.o TFUE, o direito da União tem por efeito que as autoridades administrativas e judiciais nacionais devem aplicar igualmente o direito da União quando adotam uma decisão em matéria de direito de estrangeiros relativa a um pedido de prorrogação do direito de residência (no presente processo, um pedido de autorização de [estabelecimento no território] nacional) e quando se aplicam as exceções de segurança nacional, ordem pública ou segurança pública que fundamentam a referida decisão, bem como, no caso de se demonstrar que essas razões existem, quando procedem ao exame da necessidade e da proporcionalidade que justificam a limitação do direito de residência?

2)      Deve o artigo 20.o TFUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta — bem como, no caso concreto, com os artigos 7.o e 24.o da Carta —, ser interpretado no sentido de que exige à autoridade de um Estado‑Membro que tenha adotado uma decisão através da qual, por razões de segurança nacional e/ou de ordem pública ou de segurança pública, ordena a retirada de uma autorização de residência de longa duração anteriormente emitida ou decide acerca de um pedido de prorrogação do direito de residência, bem como à autoridade especializada que determinou a natureza confidencial da decisão, que assegurem, em qualquer caso, ao interessado, nacional de um país terceiro, e ao seu representante legal o direito de conhecer pelo menos a essência da informação e dos dados confidenciais ou classificados em que se funda a decisão baseada nesse motivo e utilizem essa informação ou esses dados no procedimento relativo à decisão, caso a autoridade responsável considere que essa comunicação seria contrária a razões de segurança nacional?

3)      Em caso de resposta afirmativa, o que se deve entender exatamente por “a essência” dos motivos confidenciais em que [esta] decisão se baseia, à luz dos artigos 41.o e 47.o da Carta?

4)      Deve o artigo 20.o TFUE, à luz do artigo 47.o da Carta, ser interpretado no sentido de que o tribunal de um Estado‑Membro que se pronuncie sobre a legalidade do parecer da autoridade especializada baseado num motivo relativo à informação confidencial ou classificada e sobre a decisão de fundo sobre estrangeiros sustentada nesse parecer deve ter competência para analisar a legalidade da confidencialidade (a sua necessidade e a sua proporcionalidade), bem como para ordenar, no caso de considerar que a confidencialidade é contrária à lei, que o interessado e o seu representante legal possam ter acesso e utilizar a totalidade da informação em que se baseiam o parecer e a decisão das autoridades administrativas, ou, se considerar a confidencialidade conforme com a lei, ordenar que o interessado possa ter acesso e utilizar pelo menos a essência da informação confidencial no processo de estrangeiros que lhe diz respeito?

5)      Deve o artigo 20.o TFUE, em conjugação com os artigos 7.o, 24.o, 51.o, n.o 1, e 52.o, n.o 1, da Carta, ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual uma decisão em matéria de direito de estrangeiros através da qual se ordena a retirada de uma autorização de residência de longa duração anteriormente emitida ou se decide sobre um pedido de prorrogação do direito de residência é uma decisão não fundamentada

[a)] baseada exclusivamente na remissão automática para o parecer vinculativo e obrigatório da autoridade especializada, também não fundamentado, que determina que existe um perigo ou uma violação relacionad[a] com a segurança nacional, a segurança pública ou a ordem pública, e

[b)]      por conseguinte, foi adotada sem efetuar uma análise aprofundada sobre a existência das razões de segurança nacional, segurança pública ou ordem pública no caso concreto e sem ter em consideração as circunstâncias individuais e as exigências de necessidade e proporcionalidade?»

36      Dada a conexão entre os processos C‑420/22 e C‑528/22, há que apensá‑los para efeitos do acórdão.

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

37      O Governo Húngaro, sem pôr formalmente em causa a competência do Tribunal de Justiça ou a admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial, defende que a Diretiva 2003/109 não é aplicável ao litígio no processo principal do processo C‑420/22 e que o artigo 20.o TFUE não se aplica a nenhum dos litígios principais, o que implica que a Carta também não se lhes aplica.

38      Quanto, em primeiro lugar, à aplicabilidade da Diretiva 2003/109 ao litígio no processo principal do processo C‑420/22, esse Governo afirma que NW beneficiava de uma autorização de residência com base numa legislação nacional que não tem por objeto transpor essa diretiva, e que prevê a concessão dessa autorização sem que todas as condições enunciadas na referida diretiva estejam reunidas.

39      A este respeito, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio se baseou, é certo, na decisão de reenvio em causa, na premissa de que a mesma diretiva é aplicável a esse litígio. Todavia, no Despacho de 8 de agosto de 2022 referido no n.o 25 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que essa premissa podia estar errada e convidou o Tribunal de Justiça, na hipótese de entender que é esse o caso, a responder às questões colocadas com base no artigo 20.o TFUE.

40      Neste contexto, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o regime estabelecido pela Diretiva 2003/109 indica claramente que a aquisição do estatuto de residente de longa duração atribuído ao abrigo da mesma está sujeita a um procedimento específico e à obrigação de cumprir os requisitos previstos no capítulo II da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2014, Tahir, C‑469/13, EU:C:2014:2094, n.o 27 e jurisprudência referida).

41      Assim, por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, os Estados‑Membros devem conceder o estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta durante os últimos cinco anos no seu território. A aquisição desse estatuto não é, porém, automática. Com efeito, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva, o nacional de país terceiro em causa deve, para o efeito, apresentar um pedido às autoridades competentes do Estado‑Membro em que reside, pedido esse que deve ser acompanhado dos documentos comprovativos de que preenche as condições enunciadas nos artigos 4.o e 5.o da referida diretiva [Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Landeshauptmann von Wien (Perda do estatuto de residente de longa duração), C‑432/20, EU:C:2022:39, n.o 24 e jurisprudência referida].

42      Logo, as disposições relativas à retirada do estatuto de residente de longa duração enunciadas nos artigos 9.o e 10.o da Diretiva 2003/109 só são aplicáveis a uma decisão que retira uma autorização de residência permanente na medida em que esse estatuto tenha sido adquirido pelo nacional de um país terceiro em causa com base nessa diretiva.

43      Por conseguinte, quando foi concedido a um nacional de um país terceiro um título de residência permanente ou de validade ilimitada em condições mais favoráveis do que as fixadas na referida diretiva, como permite o artigo 13.o desta última, a retirada desse título não é regida pelas disposições da mesma diretiva.

44      No caso em apreço, resulta da resposta dada pelo órgão jurisdicional de reenvio a um pedido de esclarecimento do Tribunal de Justiça, por um lado, que o título de residência permanente a que se refere o litígio no processo principal no processo C‑420/22 foi concedido a NW não com base na legislação húngara que transpõe a Diretiva 2003/109, mas noutra legislação húngara e, por outro, que NW não pediu a emissão de um título de residência baseado nessa primeira legislação.

45      Importa, pois, considerar que a retirada do título de residência que constitui o objeto do litígio no processo principal do processo C‑420/22 não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/109.

46      Esta constatação é, aliás, corroborada pela afirmação de NW na audiência segundo a qual apresentou, em 22 de junho de 2023, um pedido de título de residência baseado nessa diretiva, pedido sobre o qual a autoridade competente ainda não se pronunciou.

47      Logo, o pedido de decisão prejudicial no processo C‑420/22 é inadmissível na parte em que trata da Diretiva 2003/109.

48      No que respeita, em segundo lugar, à aplicabilidade do artigo 20.o TFUE aos litígios nos processos principais, o Governo Húngaro defende, antes de mais, que, no processo C‑420/22, o órgão jurisdicional de reenvio excedeu os seus poderes ao suscitar oficiosamente um argumento relativo a uma violação desse artigo. Afirma, em seguida, que, no processo C‑528/22, não existe uma relação de dependência entre PQ e os membros húngaros da sua família, quando a aplicabilidade do referido artigo está sujeita à existência dessa relação. Por fim, nos dois processos, esse Governo defende que a aplicação do artigo 20.o TFUE deve ser afastada uma vez que, por um lado, estão em causa decisões que não acarretam a obrigação de abandonar o território húngaro e, por outro, nem NW nem PQ invocaram este artigo perante as autoridades húngaras competentes.

49      A este respeito, antes de mais, já que não cabe ao Tribunal de Justiça verificar se a decisão de reenvio foi adotada em conformidade com as regras nacionais de organização judiciária e do processo judicial (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 30 e jurisprudência referida), a circunstância de o órgão jurisdicional de reenvio ter excedido os poderes que lhe confere a legislação húngara ao suscitar oficiosamente um argumento relativo à violação do artigo 20.o TFUE, admitindo‑a demonstrada, não é suscetível de determinar a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C‑420/22 na parte em que trata da interpretação deste artigo.

50      Em seguida, a afirmação segundo a qual não existe relação de dependência entre PQ e os membros húngaros da sua família contradiz diretamente as constatações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que o Tribunal de Justiça não se pode afastar.

51      Com efeito, no âmbito do processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal (Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 61 e jurisprudência referida).

52      Por fim, os outros argumentos invocados pelo Governo Húngaro estão indissociavelmente ligados às respostas que há que dar à questão suplementar no processo C‑420/22 e à primeira questão no processo C‑528/22.

53      Ora, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 24 de julho de 2023, Lin, C‑107/23 PPU, EU:C:2023:606, n.o 61 e jurisprudência referida).

54      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 24 de julho de 2023, Lin, C‑107/23 PPU, EU:C:2023:606, n.o 62 e jurisprudência referida).

55      Tendo em conta esta presunção de pertinência, há que considerar que quando, como no caso em apreço, não se afigure de forma manifesta que a interpretação ou a apreciação da validade de uma disposição do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, a objeção relativa à inaplicabilidade dessa disposição no processo principal não se refere à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, mas enquadra‑se na apreciação de mérito da questão submetida (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2023, BMW Bank e o., C‑38/21, C‑47/21 e C‑232/21, EU:C:2023:1014, n.o 114 e jurisprudência referida).

56      Tendo em conta todas as considerações precedentes, o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre os pedidos de decisão prejudicial e estes últimos são admissíveis na parte em que tratam do artigo 20.o TFUE.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira parte da questão suplementar no processo C420/22 e quanto à primeira parte da primeira questão no processo C528/22

57      Com a primeira parte da questão suplementar no processo C‑420/22, e com a primeira parte da primeira questão no processo C‑528/22, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades de um Estado‑Membro retirem ou recusem emitir um título de residência a um nacional de um país terceiro, membro da família de cidadãos da União, nacionais desse Estado‑Membro que nunca exerceram a sua liberdade de circulação, sem terem, previamente, apreciado se existe entre esse nacional de um país terceiro e esses cidadãos da União uma relação de dependência que obrigue, de facto, os referidos cidadãos da União Europeia a abandonar o território da União, tomado no seu todo, para acompanhar esse membro da sua família.

58      Resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 20.o TFUE se opõe a medidas nacionais que tenham por efeito privar os cidadãos da União do gozo efetivo dos direitos que o estatuto de cidadãos da União lhes confere [Acórdão de 27 de abril de 2023, M. D. (Proibição de entrada na Hungria), C‑528/21, EU:C:2023:341, n.o 57 e jurisprudência referida].

59      Em contrapartida, as disposições do Tratado FUE relativas à cidadania da União não conferem nenhum direito autónomo aos nacionais de países terceiros. Com efeito, os eventuais direitos conferidos a esses nacionais não são direitos próprios dos mesmos, mas direitos derivados dos direitos de que goza o cidadão da União. A finalidade e a justificação desses direitos derivados assentam na constatação de que o seu não reconhecimento é suscetível de afetar, nomeadamente, a liberdade de circulação do cidadão da União no território da União [Acórdão de 7 de setembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Natureza do direito de residência baseado no artigo 20.o TFUE), C‑624/20, EU:C:2022:639, n.o 51 e jurisprudência referida].

60      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que existem situações muito específicas nas quais, apesar de o direito derivado da União relativo ao direito de residência dos nacionais de países terceiros não ser aplicável e de o cidadão da União em causa não ter exercido a sua liberdade de circulação, deve, no entanto, ser atribuído um direito de residência a um nacional de um país terceiro, membro da família desse cidadão da União, sob pena de o efeito útil da cidadania da União ser posto em causa, se, como consequência da recusa desse direito, o referido cidadão da União fosse, de facto, obrigado a abandonar o território da União, considerado no seu todo, sendo desse modo privado do gozo efetivo do essencial dos direitos que o estatuto de cidadão da União lhe confere [Acórdãos de 27 de abril de 2023, M. D. (Proibição de entrada na Hungria), C‑528/21, EU:C:2023:341, n.o 58, e de 22 de junho de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Mãe tailandesa de um menor neerlandês), C‑459/20, EU:C:2023:499, n.o 24 e jurisprudência referida].

61      No entanto, a recusa de atribuir o direito de residência a um nacional de país terceiro só pode pôr em causa o efeito útil da cidadania da União se entre esse nacional de país terceiro e o cidadão da União em causa, membro da sua família, existir uma relação de dependência tal que conduziria a que este último fosse obrigado a acompanhar o referido nacional de país terceiro em causa e a abandonar o território da União, considerado no seu todo [Acórdãos de 27 de abril de 2023, M. D. (Proibição de entrada na Hungria), C‑528/21, EU:C:2023:341, n.o 59, e de 22 de junho de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Mãe tailandesa de um menor neerlandês), C‑459/20, EU:C:2023:499, n.o 26 e jurisprudência referida].

62      O direito de residência reconhecido, ao abrigo do artigo 20.o TFUE, a um nacional de um país terceiro, na sua qualidade de membro da família de um cidadão da União, é assim justificado pelo facto de essa residência ter necessariamente como finalidade permitir que esse cidadão da União possa gozar, de forma efetiva, enquanto perdurar a relação de dependência com o referido nacional, do essencial dos direitos conferidos por esse estatuto [Acórdão de 22 de junho de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Mãe tailandesa de um menor neerlandês), C‑459/20, EU:C:2023:499, n.o 33 e jurisprudência referida].

63      Tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, é à luz da intensidade da relação de dependência existente entre o nacional de um país terceiro em causa e o cidadão da União, membro da família deste, que a concessão de um direito de residência baseado no artigo 20.o TFUE deve ser apreciada, sendo que tal apreciação deve ter em conta todas as circunstâncias do caso concreto [Acórdão de 7 de setembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Natureza do direito de residência baseado no artigo 20.o TFUE), C‑624/20, EU:C:2022:639, n.o 38 e jurisprudência referida].

64      Neste contexto, importa, em primeiro lugar, salientar que decorre do exposto que, nas situações muito particulares referidas no n.o 60 do presente acórdão, o artigo 20.o TFUE não obsta simplesmente à expulsão de um nacional de um país terceiro, mas impõe que se lhe conceda o direito de residência.

65      De onde decorre que esse artigo pode ser invocado contra não apenas decisões que impõem a um nacional de um país terceiro uma obrigação de abandonar o território do Estado‑Membro em causa, mas também contra decisões que retiram ou recusam a concessão de um título de residência a um nacional de um país terceiro [v., neste sentido, Acórdãos de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín, C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 78; de 10 de maio de 2017, Chavez‑Vilchez e o., C‑133/15, EU:C:2017:354, n.o 65, e de 22 de junho de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Mãe tailandesa de um menor neerlandês), C‑459/20, EU:C:2023:499, n.o 22].

66      Por essa razão, quando o nacional de um país terceiro só pode aspirar à concessão de um direito de residência derivado, ao abrigo do artigo 20.o TFUE, se, na falta desse direito de residência, tanto este último como o cidadão da União, membro da sua família, forem forçados, devido à relação de dependência que existe entre eles, a abandonar o território da União, a concessão desse direito de residência só deve ser equacionada quando o nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, não preencha as condições impostas para obter, com fundamento noutras disposições, e designadamente na legislação nacional aplicável, um direito de residência no Estado‑Membro do qual esse cidadão é nacional [v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2022, Subdelegación del Gobierno en Toledo (Residência de um membro da família — Recursos insuficientes), C‑451/19 e C‑532/19, EU:C:2022:354, n.o 47 e jurisprudência referida].

67      Por conseguinte, embora a circunstância de um processo se referir a uma decisão que não tem diretamente por efeito impor ao nacional em causa de um país terceiro uma obrigação de abandonar o território do Estado‑Membro em causa não seja suficiente pata afastar a aplicação do artigo 20.o TFUE, este artigo não pode, todavia, ser validamente invocado quando a esse nacional de um país terceiro pode ser concedido um direito de residência em aplicação de outra disposição aplicável nesse Estado‑Membro.

68      Em segundo lugar, quanto à investigação que deve ser levada a cabo pelas autoridades nacionais competentes antes da adoção de decisões como as que estão em causa no processo principal, embora caiba aos Estados‑Membros determinar as modalidades de implementação do direito de residência derivado que, nas situações muito particulares referidas no n.o 60 do presente acórdão, deve ser reconhecido ao nacional de país terceiro por força do artigo 20.o TFUE, não é menos verdade que essas modalidades processuais não podem, contudo, comprometer o efeito útil desse artigo [v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real  (Cônjuge de um cidadão da União), C‑836/18, EU:C:2020:119, n.o 51 e jurisprudência referida].

69      O Tribunal de Justiça considerou, a este respeito, que as autoridades nacionais não têm a obrigação de examinar sistematicamente e por sua própria iniciativa a existência de uma relação de dependência, na aceção do artigo 20.o TFUE, devendo a pessoa em causa apresentar os elementos que permitem apreciar se os requisitos de aplicação desse artigo estão preenchidos [v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real  (Cônjuge de um cidadão da União), C‑836/18, EU:C:2020:119, n.o 52 e jurisprudência referida].

70      Por isso, para assegurar o efeito útil do artigo 20.o TFUE, incumbe às autoridades nacionais chamadas a pronunciar‑se sobre o direito de residência de um nacional de um país terceiro membro da família de um cidadão da União apreciar, designadamente com fundamento nos elementos que o nacional do país terceiro e o cidadão da União em causa lhes devem poder facultar livremente e, procedendo, se for necessário, às averiguações necessárias, se existe, entre essas duas pessoas, uma relação de dependência como descrita no n.o 60 do presente acórdão [v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2020, Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real  (Cônjuge de um cidadão da União), C‑836/18, EU:C:2020:119, n.o 53, e de 27 de abril de 2023, M. D. (Proibição de entrada na Hungria), C‑528/21, EU:C:2023:341, n.o 65].

71      Assim, há que declarar que, como salientou o advogado‑geral no n.o 77 das suas conclusões, as autoridades nacionais devem, quando pretendam, em aplicação da legislação nacional aplicável, retirar ou recusar emitir um título de residência a um nacional de um país terceiro cujos laços familiares com um cidadão da União conhecem, assegurar‑se, sendo caso disso através da recolha das informações necessárias para esse fim, que a decisão que vão adotar não tem por efeito que esse cidadão da União é obrigado, de facto, a abandonar o território da União tomado no seu todo.

72      Para isso, essas autoridades devem, em particular, verificar a existência eventual, entre as pessoas em causa, de uma relação de dependência como descrita no n.o 60 do presente acórdão.

73      À luz do princípio recordado no n.o 70 deste mesmo acórdão, quando as referidas autoridades dispõem de informações sobre a existência de laços familiares entre o nacional de um país terceiro em causa e um cidadão da União, a circunstância de esse nacional de um país terceiro não ter apresentado um pedido de título de residência baseado explicitamente no artigo 20.o TFUE e não ter invocado especificamente este artigo perante as mesmas autoridades não é suscetível de as dispensar de proceder a essa verificação.

74      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão suplementar no processo C‑420/22 e à primeira parte da primeira questão no processo C‑528/22 que o artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades de um Estado‑Membro retirem ou recusem emitir um título de residência a um nacional de um país terceiro, membro da família de cidadãos da União, nacionais desse Estado‑Membro que nunca exerceram a sua liberdade de circulação, sem terem, previamente, apreciado se existe entre esse nacional de um país terceiro e esses cidadãos da União uma relação de dependência que obrigue, de facto, os referidos cidadãos da União a abandonar o território da União, tomado no seu todo, para acompanhar esse membro da sua família, quando, por um lado, ao referido nacional de um país terceiro não possa ser concedido um direito de residência em aplicação de outra disposição aplicável no referido Estado‑Membro e, por outro, essas autoridades disponham de informações sobre a existência de laços familiares entre o mesmo nacional de um país terceiro e os mesmos cidadãos da União.

 Quanto à segunda parte da questão suplementar e à quarta questão no processo C420/22, e quanto à segunda parte da primeira questão e à quinta questão no processo C528/22

75      Com a segunda parte da questão suplementar e a quarta questão no processo C‑420/22, e com a segunda parte da primeira questão e a quinta questão no processo C‑528/22, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impõe às autoridades nacionais que retirem ou recusem a emissão de um título de residência, devido a motivos de segurança nacional, a um nacional de um país terceiro que pode beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo, com base num parecer vinculativo não fundamentado adotado por um órgão encarregado de funções especializadas ligadas à segurança nacional, sem análise rigorosa de todas as circunstâncias individuais e da proporcionalidade dessa decisão de retirada ou de recusa.

76      Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados‑Membros podem derrogar, sob certas condições, o direito de residência derivado, decorrente do artigo 20.o TFUE, para o membro da família de um cidadão da União referido no n.o 60 do presente acórdão, a fim de garantir a manutenção da ordem pública ou a salvaguarda da segurança pública. Pode ser esse o caso quando esse nacional de um país terceiro representa uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública ou para a segurança pública ou nacional [Acórdão de 27 de abril de 2023, M. D. (Proibição de entrada na Hungria), C‑528/21, EU:C:2023:341, n.o 67 e jurisprudência referida].

77      Todavia, uma recusa de direito de residência com base nesse motivo só pode decorrer de uma apreciação concreta de todas as circunstâncias pertinentes do caso em apreço, à luz do princípio da proporcionalidade, dos direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça e, sendo caso disso, do interesse superior do filho do nacional de um país terceiro em causa [v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2022, Subdelegación del Gobierno en Toledo (Residência de um membro da família — Recursos insuficientes), C‑451/19 e C‑532/19, EU:C:2022:354, n.o 53 e jurisprudência referida].

78      Embora o direito da União não determine qual a autoridade que deve realizar essa apreciação, que é parte integrante da análise que deve ser conduzida em aplicação do artigo 20.o TFUE, não é menos verdade que uma decisão de retirada ou de recusa de emissão de um título de residência a um nacional de um país terceiro que pode beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo só pode ser adotada no termo dessa apreciação.

79      Em segundo lugar, uma vez que o direito da União não contém uma regra que especifique com precisão as modalidades concretas da análise que deve ser levada a cabo em aplicação do artigo 20.o TFUE, estas resultam da ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, desde que, todavia, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 43 e jurisprudência referida).

80      A este propósito, importa igualmente recordar que quando os Estados‑Membros aplicam o direito da União, têm a obrigação de assegurar o respeito, tanto das exigências que decorrem do princípio geral da boa administração como do direito à ação consagrado no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.os 35 e 44 e jurisprudência referida).

81      Ora, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta exige que o interessado possa conhecer os motivos nos quais se baseia a decisão tomada a seu respeito, quer através da leitura da própria decisão, quer através de uma comunicação destes motivos feita a seu pedido, sem prejuízo do poder do juiz competente de exigir da autoridade em causa que os comunique, para lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente, bem como para dar a este último condições para exercer plenamente a fiscalização da legalidade da decisão nacional em causa (Acórdão de 24 de novembro de 2020, Minister van Buitenlandse Zaken, C‑225/19 e C‑226/19, EU:C:2020:951, n.o 43 e jurisprudência referida).

82      Decorre das considerações precedentes, em particular das relativas à exigência de tomada em conta de todas as circunstâncias pertinentes para efeitos da aplicação do artigo 20.o TFUE e ao dever de fundamentação das decisões que dizem respeito a essa aplicação, que uma autoridade nacional competente em matéria de residência não pode validamente cingir‑se a executar uma decisão não fundamentada adotada por outra autoridade nacional, que não está em conformidade com essa exigência, e tomar, exclusivamente nessa base, a decisão de retirar ou recusar emitir, por razões de segurança nacional, um título de residência a um nacional de um país terceiro que pode beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 79).

83      Esta consideração não exclui de modo nenhum que uma parte das informações utilizadas pela autoridade competente para efetuar a apreciação referida no n.o 77 do presente acórdão possa ser fornecida por órgãos especializados ligados à segurança nacional, por sua própria iniciativa ou a pedido dessa autoridade (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 82).

84      Do mesmo modo, a referida consideração não proíbe um Estado‑Membro de investir um órgão encarregado de funções especializadas ligadas à segurança nacional do poder de emitir um parecer que impõe, de forma vinculativa, a retirada ou a recusa de emissão desse título de residência, desde que esse órgão cumpra o dever de fundamentação e só possa adotar esse parecer após ter tido devidamente em conta todas as circunstâncias pertinentes referidas no n.o 77 do presente acórdão.

85      Por conseguinte, há que responder à segunda parte da questão suplementar e à quarta questão no processo C‑420/22, bem como à segunda parte da primeira questão e à quinta questão no processo C‑528/22, que o artigo 20.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impõe às autoridades nacionais que retirem ou recusem a emissão de um título de residência, devido a motivos de segurança nacional, a um nacional de um país terceiro que pode beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo, com base num parecer vinculativo não fundamentado adotado por um órgão encarregado de funções especializadas ligadas à segurança nacional, sem análise rigorosa de todas as circunstâncias individuais e da proporcionalidade dessa decisão de retirada ou de recusa.

 Quanto à primeira e segunda questões no processo C420/22 e quanto à segunda e terceira questões no processo C528/22

86      Com a primeira e segunda questões no processo C‑420/22 e com a segunda e terceira questões no processo C‑528/22, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio geral da boa administração e o artigo 47.o da Carta, lidos em conjugação com o artigo 20.o TFUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê que, quando uma decisão de retirada ou de recusa de um título de residência, adotada em relação a um nacional de um país terceiro que pode beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo 20.o, se baseia em informações cuja divulgação comprometa a segurança nacional do Estado‑Membro em causa, esse nacional de um país terceiro ou o seu representante só podem aceder a essas informações após ter obtido uma autorização para esse efeito, não lhes é comunicada a essência dos motivos em que se baseiam essas decisões e não podem, em qualquer circunstância, utilizar, para efeitos do procedimento administrativo ou do processo judicial, as informações a que puderam ter acesso.

87      Importa, desde logo, declarar que, na medida em que o direito da União não contém qualquer regra específica que defina as modalidades de acesso ao processo relativo ao direito de residência a título do artigo 20.o TFUE, as modalidades concretas dos procedimentos estabelecidos fazem parte da ordem jurídica de cada Estado‑Membro, nos limites que resultam dos princípios e do direito recordados nos n.os 79 e 80 do presente acórdão.

88      Daqui resulta, em particular, que o respeito pelos direitos de defesa da pessoa em causa deve ser garantido no decurso tanto do procedimento administrativo como de um eventual processo judicial (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 44 e jurisprudência referida).

89      A este respeito, no que se refere, em primeiro lugar, ao procedimento administrativo, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o respeito dos direitos de defesa implica que o destinatário de uma decisão que afete de modo significativo os seus interesses deve ter a possibilidade, conferida pelas Administrações dos Estados‑Membros quando tomam medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos em que a Administração tenciona fundamentar a sua decisão (Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 45 e jurisprudência referida).

90      Este requisito tem designadamente por objeto, no âmbito de um procedimento relativo à aplicação do artigo 20.o TFUE, permitir à autoridade competente conformar‑se com a obrigação dessa autoridade, recordada no n.o 85 do presente acórdão, procedendo com pleno conhecimento de causa à apreciação individual de todas as circunstâncias pertinentes, o que exige que o destinatário da decisão possa corrigir um erro ou invocar determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de que a decisão seja tomada, não seja tomada ou tenha determinado conteúdo (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 46 e jurisprudência referida).

91      Uma vez que a referida exigência pressupõe necessariamente que seja dada ao destinatário, sendo caso disso por intermédio de um advogado, a possibilidade concreta de ter conhecimento dos elementos em que a Administração tenciona basear a sua decisão, o respeito dos direitos de defesa tem por corolário o direito de acesso a todos os elementos do processo no decurso do procedimento administrativo (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 47 e jurisprudência referida).

92      Quanto, em segundo lugar, ao processo judicial, o respeito dos direitos de defesa pressupõe que o recorrente possa aceder não apenas aos fundamentos da decisão tomada a seu respeito, mas igualmente a todos os elementos dos autos nos quais a Administração se baseou a fim de poder efetivamente tomar posição sobre esses elementos (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 48 e jurisprudência referida).

93      Além disso, o princípio do contraditório, que faz parte dos direitos de defesa, visados no artigo 47.o da Carta, implica que as partes num processo devem ter o direito de tomar conhecimento de todos os documentos ou observações apresentados ao juiz a fim de influenciar a sua decisão e de os discutir, o que pressupõe que a pessoa visada por uma decisão relativa à residência abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União deve poder tomar conhecimento dos elementos do seu processo que são colocados à disposição do tribunal chamado a pronunciar‑se sobre o recurso interposto dessa decisão (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 49 e jurisprudência referida).

94      Importa, contudo, recordar que os direitos de defesa não são prerrogativas absolutas e que o direito de acesso ao processo, que é o seu corolário, pode ser limitado, com base numa ponderação entre, por um lado, o princípio geral da boa administração e o direito à ação da pessoa em causa e, por outro, os interesses evocados para justificar a não divulgação de um elemento do processo a essa pessoa, em particular quando esses interesses digam respeito à segurança nacional (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 50 e jurisprudência referida).

95      Esta ponderação não pode, todavia, levar, tendo em conta o necessário respeito pelo artigo 47.o da Carta, a privar de toda a efetividade os direitos de defesa da pessoa em causa e a esvaziar do seu conteúdo o direito de recurso que decorre desse artigo 47.o, nomeadamente ao não lhe comunicar, ou, sendo caso disso, ao seu representante legal, pelo menos, a essência dos motivos em que se baseia a decisão tomada a seu respeito (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 51 e jurisprudência referida).

96      A referida ponderação pode, em contrapartida, levar a que determinados elementos do processo não sejam comunicados à pessoa em questão quando a divulgação desses elementos for suscetível de pôr em risco, direta e especialmente, a segurança nacional do Estado‑Membro em causa, na medida em que pode, designadamente, pôr em perigo a vida, a saúde ou a liberdade de pessoas ou revelar os métodos de investigação especificamente utilizados pelos órgãos encarregados de funções especializadas ligadas à segurança nacional e, assim, dificultar gravemente, ou até impedir, o cumprimento futuro das tarefas dessas autoridades (Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 52 e jurisprudência referida).

97      Por conseguinte, embora os Estados‑Membros possam, nomeadamente quando a segurança nacional o exige, não conceder à pessoa em causa um acesso direto a todo o seu processo no quadro do artigo 20.o TFUE, não podem, sem violar o princípio da efetividade, o princípio geral da boa administração e o direito à ação, colocar essa pessoa numa situação em que nem ela nem o seu representante legal estejam em condições de tomar utilmente conhecimento, sendo caso disso no âmbito de um procedimento específico destinado a preservar a segurança nacional, da essência dos elementos determinantes constantes desse processo (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 53).

98      Neste contexto, há que constatar, por um lado, que, quando a divulgação de informações constantes do processo foi restringida por um motivo de segurança nacional, o respeito dos direitos de defesa da pessoa em causa não é suficientemente assegurado pela possibilidade de essa pessoa obter, em determinadas condições, uma autorização para aceder a essas informações acompanhada de uma proibição completa de utilizar as informações assim obtidas para efeitos do procedimento administrativo ou do eventual processo judicial (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 54).

99      Por outro lado, na medida em que resulta das decisões de reenvio que a legislação em causa no processo principal se baseia na consideração de que os direitos de defesa da pessoa em causa são suficientemente garantidos pela faculdade de o órgão jurisdicional competente aceder ao processo, importa sublinhar que essa capacidade não pode substituir o acesso às informações constantes nesse processo pela pessoa em causa ou pelo seu representante legal (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 57).

100    Com efeito, o respeito pelos direitos de defesa no processo judicial implica que a pessoa em causa, sendo caso disso por intermédio de um advogado, possa invocar os seus interesses manifestando o seu ponto de vista sobre esses elementos (v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 58).

101    Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões no processo C‑420/22 e à segunda e terceira questões no processo C‑528/22 que o princípio geral da boa administração e o artigo 47.o da Carta, lidos em conjugação com o artigo 20.o TFUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê que, quando uma decisão de retirada ou de recusa de um título de residência, adotada em relação a um nacional de um país terceiro que pode beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo 20.o, se baseia em informações cuja divulgação comprometa a segurança nacional do Estado‑Membro em causa, esse nacional de um país terceiro ou o seu representante só podem aceder a essas informações após ter obtido uma autorização para esse efeito, não lhes é comunicada a essência dos motivos em que se baseiam essas decisões e não podem, em qualquer circunstância, utilizar, para efeitos do procedimento administrativo ou do processo judicial, as informações a que puderam ter acesso.

 Quanto à terceira questão no processo C420/22 e quanto à quarta questão no processo C528/22

102    Com a terceira questão no processo C‑420/22 e com a quarta questão no processo C‑528/22, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 20.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que impõe que um órgão jurisdicional, a quem incumbe fiscalizar a legalidade de uma decisão relativa à residência a título desse artigo 20.o, baseada em informação classificada, disponha de competência para verificar a licitude da classificação dessas informações e para autorizar o acesso da pessoa em causa a todas as referidas informações, na hipótese de considerar que essa classificação é ilícita, ou à essência das mesmas informações, na hipótese de considerar que a referida classificação é lícita.

103    Há que observar que as regras relativas à classificação e à desclassificação das informações a título de legislações nacionais não são objeto de regras harmonizadas por um ato da União.

104    Do mesmo modo, o direito da União não contém disposições que definam precisamente os poderes de que deve dispor o tribunal nacional competente para examinar um recurso interposto de uma decisão que decide sobre o direito de residência a título do artigo 20.o TFUE.

105    Não é menos verdade que, como resulta dos n.os 79 e 80 do presente acórdão, esses poderes devem ser definidos pela legislação nacional respeitando nomeadamente o artigo 47.o da Carta.

106    Ora, o Tribunal de Justiça declarou que é incompatível com o direito fundamental a um recurso judicial efetivo fundar uma decisão judicial em factos e documentos de que as próprias partes, ou uma delas, não puderam tomar conhecimento e sobre os quais, portanto, não estavam em condições de tomar posição (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 56).

107    No entanto, os Estados‑Membros, para evitar, por razões relativas à segurança do Estado, em casos excecionais, a comunicação ao interessado dos motivos precisos e completos que constituem o fundamento de uma decisão relativa à residência, podem prever técnicas e regras de direito processual que permitam conciliar, por um lado, as considerações legítimas da segurança do Estado, quanto à natureza e às fontes das informações que foram tomadas em consideração para a adoção dessa decisão, e, por outro, a necessidade de garantir de forma suficiente ao particular o respeito pelos seus direitos processuais, como o direito a ser ouvido e o princípio do contraditório (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 57).

108    O Tribunal de Justiça considerou compatível com o artigo 47.o da Carta um sistema no qual o tribunal competente pode tomar conhecimento quer da totalidade dos motivos quer dos respetivos elementos de prova com base nos quais a decisão em causa foi adotada, mas também verificar se as razões ligadas à segurança do Estado invocadas pela autoridade nacional se opõem efetivamente ou não à comunicação completa desses motivos e desses elementos de prova (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.os 58 e 59).

109    Quanto à fiscalização jurisdicional dessas razões, o Tribunal de Justiça considerou que basta, para garantir o respeito pelo artigo 47.o da Carta, que o tribunal competente possa, na hipótese de considerar que as referidas razões não são válidas, dar à autoridade nacional competente a possibilidade de comunicar ao interessado os motivos e os elementos de prova em falta (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 63).

110    Nessa hipótese, se a autoridade nacional decidir não proceder à comunicação de todos os motivos e respetivos elementos de prova, o tribunal competente deve, para dar cumprimento ao artigo 47.o da Carta, proceder ao exame da legalidade da decisão em causa com base apenas nos motivos e elementos de prova que foram comunicados (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 63).

111    Pelo contrário, na hipótese de o tribunal competente decidir que as razões invocadas pela autoridade nacional se opõem à comunicação completa desses motivos e desses elementos de prova, o Tribunal de Justiça entendeu que pode ter em conta esses motivos e esses elementos de prova ponderando de forma adequada as exigências pertinentes e salientou que, quando esse tribunal quiser proceder assim, deve zelar para que a essência dos motivos que constituem o fundamento da decisão em causa seja comunicada ao interessado de uma forma que tenha devidamente em conta a confidencialidade necessária dos elementos de prova (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.os 64 a 68).

112    Todavia, o Tribunal de Justiça também especificou que, quando esta obrigação de comunicação é incumprida, o referido tribunal tem de retirar consequências desse facto, nos termos do direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 68).

113    Decorre do exposto, por um lado, que a comunicação da totalidade ou de parte dos motivos e dos elementos de prova deve, sendo caso disso, ser encarada pelo tribunal competente independentemente da sua eventual classificação e, por outro, que os Estados‑Membros podem reservar às autoridades em causa o poder de comunicar ou não esses motivos ou esses elementos de prova, desde que o tribunal competente tenha o poder de retirar as consequências da decisão que acabe por ser adotada a este respeito por essas autoridades.

114    De qualquer modo, tal solução é suscetível, quando a autoridade nacional obste de forma injustificada à comunicação da totalidade ou de parte dos elementos que fundam a decisão em causa, de assegurar o respeito integral pelo artigo 47.o da Carta, na medida em que garanta que o incumprimento, por essa autoridade, das obrigações processuais que lhe incumbem não conduzirá a que a decisão judicial se baseie em factos e documentos de que o requerente não pôde ter conhecimento e sobre os quais não pôde, portanto, tomar posição.

115    Logo, como salientou o advogado‑geral no n.o 130 das suas conclusões, não se pode considerar que este artigo implica que para fiscalizar uma decisão relativa à aplicação do artigo 20.o TFUE o tribunal competente deve necessariamente dispor do poder de desclassificar certas informações e de as comunicar, ele próprio, ao requerente, já que essa desclassificação e essa comunicação não são indispensáveis para assegurar uma proteção jurisdicional efetiva aquando da apreciação da legalidade da decisão impugnada.

116    Por conseguinte, há que responder à terceira questão no processo C‑420/22 e à quarta questão no processo C‑528/22 que o artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 20.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não impõe que um órgão jurisdicional, a quem incumbe fiscalizar a legalidade de uma decisão relativa à residência a título desse artigo 20.o, baseada em informação classificada, disponha de competência para verificar a licitude da classificação dessas informações e para autorizar o acesso da pessoa em causa a todas as referidas informações, na hipótese de considerar que essa classificação é ilícita, ou à essência das mesmas informações, na hipótese de considerar que a referida classificação é lícita. Em contrapartida, esse tribunal deve, para garantir o respeito pelos direitos de defesa dessa pessoa, retirar, sendo caso disso, as consequências de uma eventual decisão das autoridades competentes de não comunicar a totalidade ou parte dos motivos dessa decisão e os respetivos elementos de prova.

 Quanto às despesas

117    Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      Os processos C420/22 e C528/22 são apensados para efeitos do acórdão.

2)      O artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades de um EstadoMembro retirem ou recusem emitir um título de residência a um nacional de um país terceiro, membro da família de cidadãos da União, nacionais desse EstadoMembro que nunca exerceram a sua liberdade de circulação, sem terem, previamente, apreciado se existe entre esse nacional de um país terceiro e esses cidadãos da União uma relação de dependência que obrigue, de facto, os referidos cidadãos da União a abandonar o território da União, tomado no seu todo, para acompanhar esse membro da sua família, quando, por um lado, ao referido nacional de um país terceiro não possa ser concedido um direito de residência em aplicação de outra disposição aplicável no referido EstadoMembro e, por outro, essas autoridades disponham de informações sobre a existência de laços familiares entre o mesmo nacional de um país terceiro e os mesmos cidadãos da União.

3)      O artigo 20.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impõe às autoridades nacionais que retirem ou recusem a emissão de um título de residência, devido a motivos de segurança nacional, a um nacional de um país terceiro que pode beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo, com base num parecer vinculativo não fundamentado adotado por um órgão encarregado de funções especializadas ligadas à segurança nacional, sem análise rigorosa de todas as circunstâncias individuais e da proporcionalidade dessa decisão de retirada ou de recusa.

4)      O princípio geral da boa administração e o artigo 47.o da Carta, lidos em conjugação com o artigo 20.o TFUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê que, quando uma decisão de retirada ou de recusa de um título de residência, adotada em relação a um nacional de um país terceiro que pode beneficiar de um direito de residência derivado ao abrigo desse artigo 20.o, se baseia em informações cuja divulgação comprometa a segurança nacional do EstadoMembro em causa, esse nacional de um país terceiro ou o seu representante só podem aceder a essas informações após ter obtido uma autorização para esse efeito, não lhes é comunicada a essência dos motivos em que se baseiam essas decisões e não podem, em qualquer circunstância, utilizar, para efeitos do procedimento administrativo ou do processo judicial, as informações a que puderam ter acesso.

5)      O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, lido em conjugação com o artigo 20.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não impõe que um órgão jurisdicional, a quem incumbe fiscalizar a legalidade de uma decisão relativa à residência a título desse artigo 20.o, baseada em informação classificada, disponha de competência para verificar a licitude da classificação dessas informações e para autorizar o acesso da pessoa em causa a todas as referidas informações, na hipótese de considerar que essa classificação é ilícita, ou à essência das mesmas informações, na hipótese de considerar que a referida classificação é lícita. Em contrapartida, esse tribunal deve, para garantir o respeito pelos direitos de defesa dessa pessoa, retirar, sendo caso disso, as consequências de uma eventual decisão das autoridades competentes de não comunicar a totalidade ou parte dos motivos dessa decisão e os respetivos elementos de prova.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.