Language of document : ECLI:EU:C:2000:170

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

30 Março 2000 (1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Concorrência - Decisão de rejeição de uma denúncia - Compatibilidade com o artigo 2.° do Regulamento n.° 26 de uma taxa cobrada a fornecedores externos sobre produtos de floricultura entregues a grossistas instalados no recinto de uma associação cooperativa de venda em leilão - Fundamentação»

No processo C-265/97 P,

Coöperatieve Vereniging De Verenigde Bloemenveilingen Aalsmeer BA (VBA), com sede em Aalsmeer (Países Baixos), representada por G. van der Wal, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. May, 398, route d'Esch,

recorrente,

que tem por objecto um recurso de anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Segunda Secção Alargada) em 14 de Maio de 1997, Florimex e VGB/Comissão (T-70/92 e T-71/92, Colect., p. II-693),

sendo ainda partes no processo:

Florimex BV e Vereniging van Groothandelaren in Bloemkwekerijproducten (VGB), com sede em Aalsmeer (Países Baixos), representadas por J. A. M. P. Keijser,advogado no foro de Nimègue, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. Kronshagen, 22, rue Marie-Adélaïde,

recorrentes em primeira instância,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. J. Drijber, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. C. Moitinho de Almeida, presidente da Sexta Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, L. Sevón, J.-P. Puissochet, P. Jann (relator) e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: A. Saggio,


secretário: L. Hewlett, administradora,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 17 de Dezembro de 1998, em que a Coöperatieve Vereniging De Verenigde Bloemenveilingen Aalsmeer BA (VBA) foi representada por G. van der Wal, a Florimex BV e a Vereniging van Groothandelaren in Bloemkwekerijproducten (VGB) por J. A. M. P. Keijser e a Comissão por W. Wils, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Julho de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Julho de 1997, a Coöperatieve Vereniging De Verenigde Bloemenveilingen Aalsmeer BA (a seguir «VBA») interpôs, nos termos do artigo 49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, recurso de anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1997, Florimex e VGB/Comissão (T-70/92 e T-71/92, Colect., p. II-693, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este anulou a decisão da Comissão (IV/32.751 - Florimex/Aalsmeer II e IV/32.990 - VGB/Aalsmeer, a seguir «decisão controvertida»), contida num ofício de 2 de Julho de 1992, que indeferiu as denúncias apresentadas pela Florimex BV (a seguir «Florimex») e pela Vereniging van Groothandelaren in Bloemkwekerijproducten (a seguir «VGB») relativas à taxa de utilização das instalações da VBA que esta aplica às entregas de produtos efectuadas por fornecedores que não são seus associados.

Factos submetidos ao Tribunal de Primeira Instância

2.
    Do acórdão recorrido resulta que a VBA é uma associação cooperativa de direito neerlandês que agrupa cultivadores de flores e de plantas ornamentais. Representa mais de 3 000 empresas, a maioria das quais é neerlandesa e uma pequena minoria belga (n.° 1).

3.
    A VBA organiza, no seu recinto em Aalsmeer (Países Baixos), vendas em leilão de produtos da floricultura. Estes produtos estão sujeitos ao disposto no Regulamento (CEE) n.° 234/68 do Conselho, de 27 de Fevereiro de 1968, que estabelece uma organização comum de mercado no sector das plantas vivas e dos produtos de floricultura (JO L 55, p. 1; EE 03 F2 p. 94) (n.° 2).

4.
    As instalações da VBA em Aalsmeer servem, em primeiro lugar, para as próprias vendas em leilão, mas uma parte do recinto está reservada ao arrendamento de «instalações comerciais» destinadas ao exercício do comércio grossista de produtos da floricultura, nomeadamente à selecção e embalagem desses produtos. Os arrendatários são sobretudo grossistas de flores cortadas (n.° 4).

5.
    A Florimex é uma empresa de comércio de flores estabelecida em Aalsmeer, perto do complexo da VBA. Importa produtos da floricultura provenientes dos Estados-Membros da Comunidade Europeia e de países terceiros, para revenda essencialmente a grossistas estabelecidos nos Países Baixos (n.° 5).

6.
    A VGB é uma associação que agrupa numerosos grossistas neerlandeses de produtos da floricultura, entre os quais a Florimex, bem como grossistas estabelecidos no recinto da VBA (n.° 6).

7.
    O artigo 17.° dos estatutos da VBA impõe aos seus membros que vendam por seu intermédio todos os produtos destinados ao consumo cultivados nas suas explorações. É facturada aos membros uma taxa ou comissão («taxa de leilão»)pelos serviços fornecidos pela VBA. Em 1991, essa taxa era de 5,7% do produto da venda (n.° 7).

8.
    Até 1 de Maio de 1988, a regulamentação dos leilões da VBA continha, no seu artigo 5.°, n.os 10 e 11, disposições susceptíveis de impedir a utilização das suas instalações para entregas, compras e vendas de produtos da floricultura que não passassem pelos seus próprios leilões (n.° 8).

9.
    Na prática, a autorização pela VBA de operações comerciais no seu recinto incidentes sobre esses produtos que só era concedida no quadro de determinados contratos-tipo denominados «handelsovereenkomsten» (contratos comerciais) ou mediante o pagamento de uma taxa de 10% (n.° 9).

10.
    Através desses contratos comerciais, a VBA concedia a certos distribuidores a possibilidade de venderem e entregarem a compradores por ela acreditados determinados produtos da floricultura adquiridos noutros leilões neerlandeses ou de venderem flores cortadas de origem estrangeira, mediante o pagamento de uma taxa (n.os 10 e 11).

11.
    Na sequência de uma denúncia da Florimex, a Comissão adoptou, em 26 de Julho de 1988, a Decisão 88/491/CEE relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.379 - Bloemenveilingen Aalsmeer) (JO L 262, p. 27).

12.
    No dispositivo desta decisão, a Comissão declarou, designadamente, que os acordos concluídos pela VBA, por força dos quais os distribuidores estabelecidos nas suas instalações e os respectivos fornecedores eram obrigados, no que respeita aos produtos da floricultura que não tivessem sido comprados por intermédio da VBA, a só negociar ou mandar fornecer esses produtos nas suas instalações com a sua autorização e nas condições por si fixadas e de só armazenar esses produtos nas instalações da VBA contra pagamento de uma taxa por si fixada, constituíam infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE).

13.
    Apurou, por outro lado, que as taxas destinadas a prevenir a utilização abusiva das instalações da VBA, que esta impôs aos distribuidores estabelecidos nas suas instalações, bem como os contratos comerciais concluídos entre a VBA e esses distribuidores constituíam igualmente, tal como foram notificados à Comissão, infracções desse tipo (n.° 18).

14.
    A partir de 1 de Maio de 1988, a VBA suprimiu formalmente as obrigações de compra e as restrições à livre disposição da mercadoria decorrentes da sua regulamentação dos leilões, bem como os regimes das taxas contestadas, impondo porém uma «taxa de utilização» («facilitaire heffing»). A VBA instituiu igualmente versões alteradas dos contratos comerciais (n.° 19).

15.
    Na versão que vigorava à data dos factos do litígio, o artigo 4.°, n.° 15, da regulamentação dos leilões dispunha que a entrega de produtos no recinto do leilãopodia ser sujeita a uma taxa de utilização. Ao abrigo dessa disposição, a VBA adoptou, para vigorar a partir de 1 de Maio de 1988, um regime de taxas de utilização que foi posteriormente alterado. Este regime era aplicável ao abastecimento directo dos distribuidores estabelecidos no recinto da VBA, entendendo-se que as mercadorias em causa eram escoadas sem recurso aos serviços da VBA (n.° 20).

16.
    O regime, tal como vigorava em 1991, comportava os seguintes elementos:

a)    A taxa é devida pelo fornecedor, ou seja, pela própria pessoa que introduz os produtos no recinto do leilão ou pela empresa que lhe conferiu mandato para esse efeito. A entrega é controlada à entrada do recinto. O fornecedor é obrigado a indicar a quantidade e a natureza das mercadorias entradas, mas não o seu destino.

b)    A taxa, sujeita a revisão anual, é cobrada com base no número de pés de flores (flores cortadas) ou de plantas fornecidas e fixada em montantes que variam em função das diferentes categorias de produtos.

c)    é fixada pela VBA com base nos preços anuais médios obtidos no ano anterior para as categorias em causa. Segundo a VBA, é aplicada uma percentagem de cerca de 4,3% do preço anual médio da categoria em causa.

d)    Nos termos das «modalidades relativas à taxa de utilização» instituídas pela VBA a partir de Fevereiro de 1990, os fornecedores podem pagar uma taxa de 5% em vez de se sujeitarem ao regime descrito nas alíneas.

e)    Um arrendatário de instalações comerciais que introduza mercadorias no recinto da VBA fica isento da taxa de utilização se tiver comprado esses produtos noutro leilão de flores da Comunidade ou se os tiver importado por sua própria conta para os Países Baixos, desde que não os revenda a distribuidores no recinto do leilão (n.° 21).

17.
    Por circular de 29 de Abril de 1988, a VBA suprimiu, a partir de 1 de Maio de 1988, as restrições previstas até então nos contratos comerciais. Existem desde então três tipos de contratos comerciais. Todos estes contratos aplicam uma taxa de 3% do valor bruto das mercadorias fornecidas aos clientes no recinto da VBA. Segundo esta última, trata-se em grande parte de produtos que não são suficientemente cultivados nos Países Baixos.

18.
    Por cartas de 18 de Maio, 11 de Outubro e 29 de Novembro de 1988, a Florimex apresentou formalmente à Comissão uma denúncia contra a taxa de utilização. A VGB apresentou uma denúncia semelhante por carta de 15 de Novembro de 1988 (n.os 29 e 30).

19.
    No termo do procedimento administrativo, por carta de 4 de Março de 1991 (a seguir «carta nos termos do artigo 6.°»), a Comissão comunicou às denunciantes, nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, L 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), que os elementos recolhidos não lhe permitiam dar seguimento favorável às denúncias respeitantes à taxa de utilização pedida pela VBA (n.° 37).

20.
    As considerações de facto e de direito que levaram a Comissão a esta conclusão foram expostas em detalhe num documento anexo à carta nos termos do artigo 6.° A Comissão enviou também esse documento à VBA, em 4 de Março de 1991, esclarecendo que se tratava do anteprojecto de uma decisão que tencionava adoptar ao abrigo do disposto no artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, doRegulamento n.° 26 do Conselho, de 4 de Abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (JO 1962, 30, p. 993; EE 08 F1 p. 29) (n.° 38).

21.
    Na parte «apreciação jurídica» desse documento, a Comissão começou por declarar que as disposições relativas ao abastecimento para as vendas em leilão e as regras relativas ao abastecimento directo dos distribuidores estabelecidos no recinto da VBA fazem parte de um conjunto de decisões e de acordos relativos à oferta de produtos da floricultura no recinto da VBA, que caem sob a alçada do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Em segundo lugar, concluiu que essas decisões e acordos eram necessários à realização dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado CE (actual artigo 33.° CE), na acepção do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26 (n.° 39).

22.
    Antes do mais, quanto à aplicação do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26 no que respeita ao abastecimento directo dos distribuidores estabelecidos no recinto da VBA, a Comissão considerou, no ponto II, n.° 2, alínea b), do referido documento:

«As taxas de utilização constituem um elemento essencial do sistema de distribuição da VBA, sem o qual a sua capacidade concorrencial, e, portanto, a sua sobrevivência, ficariam comprometidas. Em consequência, também são necessárias à realização dos objectivos enunciados no artigo 39.°

Se a VBA, que é especializada na exportação, pretende ter condições para realizar o seu objectivo enquanto empresa, ou, dito de outro modo, se pretende desenvolver-se e manter-se como fonte importante de abastecimento para o comércio internacional de flores, é necessário, tendo em consideração a natureza perecível e frágil dos produtos negociados ('produtos da floricultura‘), que os distribuidores para exportação estejam geograficamente próximos dela. A concentração geográfica da procura no seu recinto, prosseguida pela VBA no seu próprio interesse, não é apenas consequência do facto de uma gama completa de produtos estar aí disponível, mas também e sobretudo do facto de essesdistribuidores poderem também dispor aí de serviços e instalações que favorecem o exercício do seu comércio.

A concentração geográfica da oferta e da procura no recinto da VBA constitui uma vantagem económica que é resultado de esforços importantes, materiais e imateriais, realizados pela VBA.

Se os distribuidores pudessem beneficiar gratuitamente dessa vantagem, a sobrevivência da VBA ficaria comprometida, porque a discriminação de tratamento que daí resultaria para os fornecedores ligados à VBA impediria a amortização das inevitáveis despesas da VBA e a cobertura dos encargos correntes de exploração» (n.° 41).

23.
    A seguir, quanto à questão de saber se, com a taxa de utilização, a VBA obtinha uma vantagem injustificada que tinha como efeito restringir a concorrência, a Comissão considerou, no ponto II, n.° 2, alínea b), quinto e sexto parágrafos, do mesmo documento, que não era necessário calcular os montantes das taxas com precisão matemática baseando-se numa repartição dos diferentes custos que tivesse em conta a economia interna da empresa, mas que bastava comparar o montante das taxas facturadas aos fornecedores respectivos. A Comissão concluiu, no ponto II, n.° 2, alínea b), sétimo parágrafo:

«Resulta da comparação entre as taxas de leilão e as taxas de utilização que é garantida uma ampla igualdade de tratamento entre os fornecedores. É certo que uma parte, que não é possível determinar com precisão, das taxas de leilão é constituída pela compensação que deve ser paga pelo serviço fornecido pelo leilão, mas, admitindo que neste contexto seja possível uma comparação com as taxas de utilização quanto ao montante, esse serviço tem como contrapartida obrigações de abastecimento. Os distribuidores que celebraram contratos comerciais com a VBA assumem igualmente essas obrigações de abastecimento. Em consequência, as regras relativas às taxas de utilização não implicam efeitos incompatíveis com o mercado comum» (n.° 42).

24.
    Por último, no ponto II, n.° 2, alínea b), sexto parágrafo, a Comissão considerou que o efeito da taxa de utilização é semelhante ao do preço mínimo de venda em leilão. Segundo o que afirma: «Quanto mais reduzido for o preço efectivamente obtido, maior é o encargo. Isto tem como consequência desincentivar o abastecimento em períodos de excesso de oferta, o que é seguramente desejável» (n.° 43).

25.
    Por carta de 17 de Abril de 1991, a Florimex e a VGB responderam à carta nos termos do artigo 6.° mantendo as suas denúncias quanto à taxa de utilização. (n.° 44).

26.
    Em 2 de Julho de 1992, a Comissão enviou ao advogado das recorrentes uma carta registada com aviso de recepção, na qual precisa que a fundamentação dela constante constitui um complemento e uma explicitação da constante da sua carta nos termos do artigo 6.°, para a qual remete. A Comissão prossegue nos seguintes termos:

«Os elementos em que se baseia a apreciação efectuada pela Comissão, no quadro do direito da concorrência, são constituídos pelo conjunto das decisões e acordos relativos à oferta de produtos da floricultura no recinto da VBA. As regras relativas ao abastecimento directo dos comerciantes estabelecidos nesse recinto são apenas uma parte desse conjunto. Para a Comissão, o conjunto das decisões e acordos em causa é, em princípio, necessário para a realização dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado CEE. O facto de, até ao presente, a Comissão não o ter ainda declarado através de uma decisão formal nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 26/62 não afecta a atitude positiva adoptada pela Comissão a esse respeito» (n.os 45 e 46).

27.
    Em 21 de Setembro de 1992, a Florimex e a VGB interpuseram respectivamente os recursos T-70/92 e T-71/92 contra a decisão controvertida (n.° 52).

28.
    Em memorando que deu entrada no Tribunal em 16 de Outubro de 1992 em cada um destes processos, a Comissão suscitou uma questão prévia de admissibilidade, nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância (n.° 53).

29.
    Por despacho do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 6 de Julho de 1993, a decisão sobre a questão prévia da admissibilidade foi reservada para final (n.° 55).

30.
    Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Julho de 1993, a VBA foi admitida como interveniente nos processos apensos T-70/92 e T-71/92 (n.° 56).

O acórdão recorrido

31.
    Através do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância acolheu o recurso e anulou a decisão controvertida.

32.
    A título preliminar, observou, no n.° 137 do acórdão recorrido, que no documento anexo à carta nos termos do artigo 6.°, que é parte integrante da fundamentação da decisão controvertida, a Comissão afirmou que a taxa de utilização não cabe no âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado pelo simples motivo de que constitui «um elemento essencial do sistema de distribuição da VBA», que, segundo a recorrida, era «necessário à realização dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado», na acepção do primeiro período do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26.

33.
    Por este motivo, o Tribunal considerou, no n.° 138, não ter que se pronunciar sobre os argumentos aduzidos pela interveniente na audiência, relativos à não aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ou à eventual aplicação do artigo 2.°, n.° 1, segundo período, do Regulamento n.° 26, mas apenas sobre a legalidade da conclusão a que chegou a Comissão na decisão controvertida, de que a taxa de utilização se enquadrava no disposto no primeiro período do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 26.

34.
    Ao examinar os fundamentos extraídos da inaplicabilidade do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26 e da falta de fundamentação a esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância examinou, em especial, a fundamentação da decisão controvertida e teceu algumas considerações preliminares.

35.
    Observou, designadamente, no n.° 146, que o processo que lhe foi submetido dizia respeito à regulamentação de uma cooperativa agrícola que impunha uma taxa sobre as transacções entre duas categorias de terceiros, isto é, por um lado, os grossistas independentes estabelecidos no recinto da VBA, e, por outro, os fornecedores interessados em fornecer a esses compradores quer produtos de outros produtores agrícolas comunitários, quer produtos provenientes de países terceiros em livre prática na Comunidade. No entender do Tribunal de Primeira Instância, essa taxa extravasava das relações internas entre os membros da cooperativa e constituía, pela sua natureza, um entrave ao comércio entre os grossistas independentes e os floricultores que não eram membros da cooperativa em questão.

36.
    No n.° 147, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que a Comissão nunca até então considerara que um acordo entre os membros de uma cooperativa, que afectava o livre acesso dos não membros aos canais de distribuição dos produtores agrícolas, fosse necessário à realização dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado.

37.
    O Tribunal de Primeira Instância acrescentou, nos n.os 148 a 150 do acórdão recorrido, antes do mais, que, na sua prática decisória anterior, a Comissão tinha concluído, regra geral, que os acordos que não se contavam entre os meios previstos pelo regulamento constitutivo da organização comum para a realização dos objectivos a que se refere o artigo 39.° não eram necessários, na acepção do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26, em seguida, que a organização comum de mercado no sector das plantas vivas e dos produtos da floricultura estabelecida pelo Regulamento n.° 234/68 não previa a possibilidade de as cooperativas agrícolas imporem tal taxa a terceiros e, por último, que a Comissão confirmara não ter conhecimento da existência de uma taxa análoga à taxa de utilização noutros sectores agrícolas. O Tribunal de Primeira Instância entendeu, portanto, no n.° 151, que cumpria à Comissão desenvolver o seu raciocínio de modo particularmente explícito, dado que a sua decisão ia sensivelmente mais longe do que as decisões anteriores. A este propósito, referiu-seao acórdão de 26 de Novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão (73/74, Colect., p. 503, n.os 31 a 33).

38.
    No n.° 152, o Tribunal de Primeira Instância considerou, além disso, referindo-se ao acórdão de 12 de Dezembro de 1995, Oude Luttikhuis e o., (C-399/93, Colect., p. I-4515,, n.os 23 a 28), que a obrigação de fundamentação era tanto mais exigente quanto, tratando-se de uma derrogação à regra de aplicação geral do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o artigo 2.° do Regulamento n.° 26 deve ser interpretado restritivamente.

39.
    Ainda a título preliminar, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou, no n.° 153, que o artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26, só se aplicava se o acordo entre os membros de uma cooperativa favorecesse a realização de todos os objectivos do artigo 39.° A este propósito citou os acórdãos de 15 de Maio de 1975, Frubo/Comissão (71/74, Recueil, p. 563, Colect., p. 205, n.os 22 a 27) e Oude Luttikhuis e o., já referido, n.° 25. De igual forma, a fundamentação da Comissão devia revelar de que modo o referido acordo satisfazia cada um dos objectivos do artigo 39.° ou, pelo menos, revelar a forma como a Comissão pôde conciliar essesobjectivos, por vezes divergentes, por forma a permitir a aplicação do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26.

40.
    Foi à luz destas considerações que o Tribunal de Primeira Instância examinou a fundamentação da decisão controvertida relativa ao que considera serem os três argumentos principais avançados para justificar a taxa de utilização à luz do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26, isto é: a necessidade de assegurar a sobrevivência da VBA; a existência de uma contrapartida à imposição da taxa de utilização; e o efeito análogo ao de um preço mínimo de venda em leilão que a taxa de utilização teria.

41.
    Relativamente à necessidade de assegurar a sobrevivência da VBA, o Tribunal de Primeira Instância admitiu em primeiro lugar, no n.° 156, que a forma jurídica de cooperativa adoptada pela VBA correspondia, em princípio, aos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado. Ao mesmo tempo que dúvida da realidade do risco relativo à sobrevivência da VBA caso não existisse taxa de utilização, o Tribunal de Primeira Instância aceitou, no n.° 159, a hipótese de que tal inexistência poderia levar alguns membros actuais da VBA a abandona-la e que essa hipótese implicaria o risco de ser posta em causa a própria viabilidade do sistema da VBA.

42.
    O Tribunal de Primeira Instância considerou, no entanto, que daqui não resulta automaticamente que a taxa de utilização ou um sistema de venda em leilão que precise dessa taxa satisfaça todas as condições do artigo 39.° do Tratado. Sublinhou designadamente, no n.° 161, que essa taxa era susceptível de ter efeitos negativos para outros produtores agrícolas comunitários que não eram membros da VBA, mas cujos interesses eram igualmente contemplados pelo artigo 39.° do Tratado.

43.
    Em especial, Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 162, que uma taxa cobrada por uma cooperativa agrícola sobre os fornecimentos dos produtores não membros aos compradores independentes tinha normalmente como efeito um aumento dos preços dessas transacções e constituía, no mínimo, um obstáculo importante à liberdade dos outros produtores agrícolas de venderem através dos canais de distribuição em questão.

44.
    No n.° 163, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que, mesmo que o sistema da VBA correspondesse a determinados objectivos do artigo 39.° do Tratado, a taxa de utilização era susceptível de ir, em certos aspectos, contra esses objectivos, como os mencionados, nomeadamente, no artigo 39.°, n.° 1, alíneas b), d) e e), entravando o aumento do rendimento individual dos produtores não membros da VBA, obstando à segurança dos abastecimentos por esses outros produtores e impedindo a evolução favorável dos preços do ponto de vista dos consumidores.

45.
    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 164, que, se para certos produtores as vendas directas aos compradores estabelecidos no seu recinto eram menos dispendiosas ou mais eficazes que o sistema actual da VBA, a taxa de utilização, enquanto meio essencial para dissuadir os seus membros, sobretudo os mais importantes, de abandonar a VBA, podia ter efeitos negativos no desenvolvimento racional da agricultura, no aumento do rendimento individual dos produtores agrícolas e nos preços de fornecimento aos consumidores, contrariamente aos objectivos enunciados no artigo 39.°, n.° 1, alíneas a), b) e e), respectivamente. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, tal disposição teria por efeito restringir exageradamente a liberdade de um membro de uma cooperativa agrícola de a abandonar e seria dificilmente compatível com os objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado.

46.
    Após ter assim concluído que a Comissão estava confrontada com uma situação complexa, em que se opunham os interesses divergentes dos pequenos e dos grandes produtores membros da VBA, dos outros produtores agrícolas comunitários e dos intermediários envolvidos, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 165, que, nessas circunstâncias, a fundamentação da Comissão não se podia limitar à consideração de que a sobrevivência da VBA, na sua forma actual, ficaria ameaçada sem a taxa de utilização. Essa fundamentação devia, no entender do Tribunal de Primeira Instância, igualmente ter tido em conta os efeitos da taxa de utilização para os outros produtores comunitários, bem como o interesse comunitário na manutenção de uma concorrência não falseada.

47.
    Nos n.os 166 a 168, o Tribunal de Primeira Instância concluiu pela falta de tal fundamentação bem como de uma fundamentação explícita, por um lado, quanto à questão de saber de que modo é que a taxa de utilização, ou um sistema de vendas em leilão que não pode sobreviver sem essa taxa, satisfazem cada um dos diferentes objectivos enunciados no artigo 39.°, n.° 1, alíneas a) a e), do Tratado e, por outro, quanto à questão de saber como é que a Comissão conciliou essesdiferentes objectivos para poder considerar a taxa de utilização «necessária» à sua realização, na acepção do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26.

48.
    Quanto à questão de saber se a taxa de utilização se justificava através de uma contrapartida real e proporcional, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 170, que, no quadro do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26, o interesse comunitário em assegurar a sobrevivência da VBA só pode ser conciliado com o interesse comunitário, igualmente legítimo, de garantir o acesso dos outros produtores agrícolas aos canais de distribuição se a taxa de utilização for cobrada de modo proporcionado, como contrapartida de um serviço ou outro benefício cujo valor possa legitimar o seu montante.

49.
    Com efeito, no n.° 171, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, se a taxa de utilização não fosse justificada por essa contrapartida real, ou se o seu montante excedesse o valor da contrapartida assim concedida, alguns produtores agrícolas seriam prejudicados em benefício dos membros existentes da VBA, o que constituiria uma restrição dissimulada da concorrência, destituída de justificação objectiva suficiente. Dado que o artigo 2.°, n.° 1, primeiro período do Regulamento n.° 26, deve ser interpretado restritivamente, o Tribunal de Primeira Instância considerou que uma taxa com esses efeitos não podia ser considerada «necessária» à realização dos objectivos do artigo 39.° do Tratado, na acepção dessa disposição.

50.
    Nos n.os 172 a 175, o Tribunal de Primeira Instância precisou que a concentração da oferta e da procura no recinto da VBA era o único benefício invocado como contrapartida da taxa de utilização cobrada.

51.
    Daqui o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 178, que a fundamentação da decisão controvertida devia permitir às partes e, se for caso disso, ao Tribunal verificar que a taxa em questão não excedia uma remuneração adequada desse benefício económico.

52.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância verificou, no n.° 179, que o benefício económico representado pela concentração da procura só estava descrito na decisão controvertida em termos gerais, sem se precisar como é que o valor desse benefício e o montante da taxa de utilização dele resultante podiam ser calculados e quantificados concretamente.

53.
    O Tribunal de Primeira Instância afastou, nos n.os 180 e 181, a justificação extraída do facto de que a taxa de utilização correspondia aproximadamente à taxa de leilão, o que estabelecia uma igualdade de tratamento entre os fornecedores envolvidos, na medida em que os que vendiam em leilão, embora beneficiassem de todos os serviços da VBA, também assumiam perante esta uma obrigação de abastecimento que os outros fornecedores não assumiam.

54.
    Como, na decisão controvertida, não foram quantificados os diversos custos decorrentes da utilização, pelos diferentes fornecedores, dos variados serviços e facilidades oferecidos pela VBA, o Tribunal de Primeira Instância considerou que não estava em condições de verificar se a taxa de utilização excedia a remuneração adequada desse benefício e se o montante previsto era necessário para a realização dos objectivos do artigo 39.° do Tratado.

55.
    Quanto à fundamentação da decisão controvertida segundo a qual o efeito da taxa de utilização era análogo ao de um preço mínimo de venda em leilão, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou, no n.° 185, que essa consideração não constituia fundamento suficiente para se concluir que a taxa de utilização era necessária para a realização dos objectivos do artigo 39.°, na acepção do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26.

56.
    Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância apurou, no n.° 186, a inexistência de fundamentação para explicar a justeza do ponto de vista segundo o qual a protecção dos preços mínimos de uma cooperativa agrícola organizada com base na venda em leilões é mais importante do que o interesse de outros produtores agrícolas, não membros da cooperativa, em venderem os seus produtos livremente aos distribuidores independentes. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, a decisão controvertida também não contém qualquer fundamentação para demonstrar que todos os objectivos do artigo 39.° do Tratado foram atingidos desse modo.

57.
    De tudo quanto precede, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 187, que o fundamento baseado em fundamentação insuficiente da decisão quanto à aplicação do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26, deve ser julgado procedente.

58.
    O Tribunal de Primeira Instância também acolheu o fundamento baseado em desigualdade de tratamento entre os terceiros fornecedores e os titulares dos contratos comerciais quanto aos montantes respectivos da taxa de utilização e da taxa prevista nesses contratos comerciais.

59.
    A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 192, que os contratos comerciais não previam obrigações específicas de fornecimento para o comerciante, que justificassem a aplicação de uma taxa inferior à taxa de utilização. Com efeito, a única «obrigação» consistia no facto de que, se o titular de um contrato comercial não vendesse os produtos objecto do contrato de modo satisfatório para a VBA, o contrato, que tinha a duração de um ano, pura e simplesmente não era prorrogado.

60.
    Daqui o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 194, que a decisão controvertida não continha fundamentação suficiente que lhe permitisse verificara correcção da afirmação da Comissão de que a diferença de tratamento entre os dois grupos de fornecedores em causa se justificava objectivamente.

61.
    Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão controvertida sem ter necessidade de analisar os outros fundamentos aduzidos pela Florimex e pela VGB.

Quanto ao pedido de apresentação de observações escritas na sequência das conclusões do advogado-geral

62.
    Por carta de 2 de Dezembro de 1999 dirigida à Secretaria do Tribunal de Justiça, a VBA pediu autorização para apresentar observações na sequência das conclusões apresentadas em 8 de Julho pelo advogado-geral, que apenas lhe tinham sido entregues alguns dias antes. Invoca, a este respeito, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao alcance do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, em especial o acórdão Vermeulen/Bélgica de 20 de Fevereiro de 1996, Colectânea dos acórdãos e decisões, 1996 I, p. 224.

63.
    Pelas razões expostas pelo Tribunal de Justiça no despacho de 4 de Fevereiro de 2000, Emesa Sugar (C-17/98, ainda não publicado na Colectânea), há que indeferir este pedido.

Quanto ao presente recurso

64.
    Em apoio do seu recurso, a VBA suscita oito fundamentos.

65.
    Os primeiro, quarto, quinto e sexto fundamentos respeitam tanto à intensidade do controlo que o Tribunal de Primeira Instância efectuou da decisão controvertida da Comissão quanto à exactidão da sua apreciação. Os segundo e terceiro fundamentos referem-se à delimitação, pelo Tribunal de Primeira Instância, do objecto do litígio. Os sétimo e oitavo fundamentos respeitam a outras críticas precisas que o Tribunal de Primeira Instância formulou a propósito da decisão controvertida.

Quanto aos primeiro, quarto, quinto e sexto fundamentos

66.
    Através do primeiro fundamento, a VBA alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao estabelecer exigências demasiado severas em matéria de fundamentação da decisão controvertida. Ao fazê-lo, o Tribunal tinha violado o poder discricionário de que a Comissão dispunha quando decide nos termos das disposições conjugadas do artigo 39.° do Tratado e do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 26.

67.
    A VBA sublinha, a este propósito, que os cinco objectivos da Política Agrícola Comum, enunciados no artigo 39.°, n.° 1, do Tratado, podem revelar-se antagónicose entrar em conflito com o direito da concorrência. Neste contexto, o artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 26 deve, segundo a VBA, ser interpretado no sentido de reconhecer o primado dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado. A VBA refere-se a este propósito ao acórdão de 15 de Outubro de 1996, Ijssel-Vliet (C-311/94, Colect., p. I-5023, n.° 31).

68.
    A VBA considera que o âmbito da obrigação de fundamentação varia em função do acto em causa e que, numa decisão que rejeita uma denúncia em sede de concorrência, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados pelos autores dessa denúncia, podendo-se limitar a expor os factos e as considerações jurídicas que revestem uma importância decisiva na economia da decisão adoptada.

69.
    Quanto à intensidade do controlo da legalidade da decisão controvertida, a VBA sustenta que o Tribunal de Primeira Instância se devia ter limitado a verificar se a Comissão tinha cometido um erro de apreciação manifesto. Em seu entender, o Tribunal de Primeira Instância, sob a capa da análise da fundamentação da referida decisão, examinou detalhadamente a exactidão da apreciação em sede de mérito efectuada pela Comissão. Assim, o Tribunal de Primeira Instância tinha violado o artigo 173.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.°, segundo parágrafo, CE).

70.
    Por outro lado, foi com desrespeito pelas competências da Comissão, que considerara que o conjunto das regulamentações da VBA integrava o âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, embora cumprisse as condições enunciadas no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 26, que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a taxa de utilização, em si mesma, integrava o âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e era, portanto, necessário examinar se as condições enunciadas no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 26 se encontravam satisfeitas no que a si respeitava.

71.
    Além disso, a VBA alega que, em conformidade com o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão (T-24/90, Colect., p. II-2223), a Comissão não é obrigada a concluir pela existência de uma infracção e pode rejeitar uma denúncia por falta de interesse comunitário. Se, em processos como o em apreço, a Comissão fosse obrigada a provar que a regulamentação de uma associação cooperativa é necessária à realização de cada um dos objectivos da Política Agrícola Comum, teria de rejeitar cada vez com mais assiduidade as denúncias apresentadas com base nessa jurisprudência. A VBA duvida que essa tendência esteja em conformidade com o interesse geral.

72.
    Em resposta ao primeiro fundamento, a Florimex e a VGB sustentam que, no quadro do Regulamento n.° 26, a Comissão não goza de uma competência discricionária, apenas podendo declarar se se encontram ou não satisfeitas as condições dos artigos 2.°, n.° 1. Como esta disposição constitui uma excepção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, que deve ser interpretada de forma restritiva, oTribunal não se podia, segundo a Florimex e a VGB, contentar-se com um controlo marginal da decisão controvertida. Em consequência, a obrigação de fundamentação devia ser estritamente respeitada.

73.
    Segundo a Florimex e a VGB, o Tribunal de Primeira Instância distinguiu efectivamente entre a exigência de fundamentação e a apreciação em sede de mérito. Além disso, a análise segundo a qual a taxa de utilização estava abrangida, enquanto tal, pela proibição constante do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, não era própria ao Tribunal de Primeira Instância antes tendo sido amplamente exposta pela Florimex e a VGB durante o processo.

74.
    A Comissão alega que o presente processo suscita fundamentalmente um problema institucional, que respeita à repartição das competências entre ela própria e o Tribunal de Primeira Instância, bem como ao alcance e à intensidade do controlo jurisdicional das decisões que rejeitam uma denúncia apresentada por particulares contra outros particulares. Segundo a Comissão, esse controlo só pode ser marginal. Por conseguinte, associa-se inteiramente ao primeiro fundamento da VBA.

75.
    Através do seu quarto fundamento, a VBA sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a decisão controvertida se baseava numa interpretação do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26 mais ampla do que a que a Comissão fizera em decisões anteriores.

76.
    A VBA alega ser erróneo considerar que qualquer restrição acordada ou aprovada no âmbito de uma cooperativa agrícola deve ser por si só necessária à realização dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado. Pelo contrário, se essa cooperativa contribuir para a realização dos objectivos referidos no artigo 39.° do Tratado e se, atenta a sua importância, a taxa de utilização se revelar indispensável e proporcional, nesse âmbito, deixa de ser necessário, segundo a VBA, controlar a taxa de utilização na perspectiva dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado.

77.
    A VBA contesta, por outro lado, a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a Comissão concluíra não serem necessários os acordos que não figuram entre os fundamentos previstos no regulamento que institui a organização comum para a realização dos objectivos referidos no artigo 39.° Com efeito, a VBA alega que nem todas as organizações comuns de mercado estão regulamentadas de um modo completo e exaustivo. No caso em apreço, o Regulamento n.° 234/68 tinha um âmbito mais restrito do que organização comum dos mercados na maior parte dos outros sectores agrícolas.

78.
    A Florimex e a VGB sustentam, em contrapartida, que o escoamento dos produtos agrícolas é afectado pela imposição de uma taxa na relação entre terceiros não membros da cooperativa e os compradores. Alegam, invocando os n.os 12 e 13 do acórdão Oude Luttikhuis e o., já referido, que o facto de a cooperativa, em simesma, não ser considerada uma prática restritiva da concorrência não significa que as disposições estatutárias dessa cooperativa sejam automaticamente subtraídas à proibição constante do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

79.
    A Comissão argumenta que as considerações preliminares formuladas pelo Tribunal de Primeira Instância assentam numa premissa triplemente errónea: antes de mais, não era correcto qualificar a taxa de utilização como taxa sobre as transacções entre terceiros. A referida taxa era, pelo contrário, a contrapartida pela possibilidade oferecida aos produtores não membros da cooperativa de entregarem e venderem flores no recinto da VBA. Em seguida, era igualmente inexacto afirmar que a taxa de utilização integra, enquanto tal, o âmbito da proibição enunciada no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, pois essa análise não resulta, de qualquer modo, da decisão controvertida. Por último, era erróneo presumir que a regulamentação relativa à taxa de utilização só se podia justificar nos termos do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26 se contribuísse para a realização de cada um dos objectivos do artigo 39.° do Tratado, devendo cada objectivo ser alvo de uma fundamentação distinta.

80.
    Através do seu quinto fundamento, a VBA refuta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo o qual a exposição dos fundamentos da decisão controvertida, no que respeita à sobrevivência da VBA na sua forma actual, não basta, por si só, para demonstrar que a taxa de utilização era necessária à realização dos objectivos do artigo 39.° do Tratado.

81.
    Foi erroneamente que o Tribunal de Primeira Instância examinou os efeitos da taxa de utilização sublinhando que esta podia ter efeitos gravosos para outros produtores agrícolas comunitários que não eram membros da VBA e que conduzia a um aumento dos preços das transacções entre estes últimos e os compradores independentes. Esta apreciação dos factos não encontra, segundo a VBA, qualquer apoio nos autos. A conclusão segundo a qual a taxa de utilização entravava o aumento do rendimento individual dos produtores que não eram membros da VBA era, portanto, igualmente incorrecta.

82.
    Por outro lado, a VBA critica a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a Comissão devia ter apresentado uma fundamentação mais circunstanciada a propósito da questão de saber se a taxa de utilização constituía um meio para dissuadir os membros da VBA de a abandonarem e podia, assim, ter efeitos negativos no que respeita a alguns dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado. Esta conclusão era incompatível com a premissa que esteve na base da fundamentação do Tribunal de Primeira Instância, que aceitou a hipótese da necessidade da taxa de utilização para evitar a perda de utilidade do leilão.

83.
    A Florimex e a VGB sustentam que foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância examinou se a regulamentação concreta preenchia todas as condições do artigo 39.° do Tratado, embora a cooperativa, em si mesma, satisfizesse emprincípio os objectivos enunciados nessa disposição. Quanto aos efeitos restritivos que a regulamentação relativa à taxa de utilização produzia a nível da concorrência, a Florimex e a VGB sustentam que esta questão foi profundamente examinada no Tribunal de Primeira Instância.

84.
    A Comissão associa-se aos argumentos da VBA ao alegar que, se se aceitar que a associação cooperativa satisfaz os objectivos do artigo 39.°, o mesmo se deve necessariamente passar em relação ao sistema de venda em leilão, que obriga ao pagamento de uma taxa de utilização.

85.
    Quanto aos efeitos restritivos que alegadamente a taxa de utilização exerce sobre a concorrência, a Comissão aceita tratar-se de matéria de facto apurada pelo Tribunal de Primeira Instância, mas sustenta que factos que não encontrem apoio nos elementos dos autos e que sejam manifestamente inexactos não podem escapar à censura do Tribunal de Justiça.

86.
    Por outro lado, a conclusão de que a taxa de utilização entrava o aumento do rendimento individual dos produtores que não são membros da VBA era aquiirrelevante, pois os recorrentes em primeira instância são grossistas. Do mesmo modo, a Comissão sustenta que as considerações sobre os interesses dos outros produtores agrícolas comunitários e sobre o interesse comunitário na manutenção de uma concorrência não falseada, bem como sobre o regime de saída da cooperativa aplicável aos seus membros não estão relacionadas com o objecto das denúncias.

87.
    Através do seu sexto fundamento, a VBA alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao declarar que uma taxa instituída no interesse da sobrevivência da VBA só podia ser aceite se fosse cobrada de forma proporcional ao serviço prestado ou ao benefício oferecido, enquanto contrapartida deste.

88.
    A VBA critica este raciocínio ao sustentar que qualquer empresa pode, normalmente, definir as condições de acesso aos seus locais ou instalações. No presente processo, não era aplicável nenhuma das derrogações possíveis a esta regra.

89.
    Era, por outro lado, inexacto afirmar que os terceiros fornecedores a quem era cobrada a taxa de utilização não beneficiavam dos inúmeros serviços oferecidos pela VBA.

90.
    De qualquer modo, o Tribunal de Primeira Instância tinha cometido um erro de direito ao exigir que a decisão controvertida fosse fundamentada por forma a permitir-lhe verificar se a taxa em questão era uma remuneração adequada e se o seu montante não excedia o valor do beneficio económico de que auferiam os terceiros fornecedores que praticavam o abastecimento directo.

91.
    A Florimex e a VGB consideram, em contrapartida, ser correcto considerar que a taxa de utilização é uma restrição dissimulada à concorrência, na medida em que impedia o acesso dos terceiros ao mercado. Para que lhe fosse aplicável a excepção constante do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 26, devia, portanto, justificar-se através de uma contrapartida e ser proporcionada ao seu valor.

92.
    A Comissão, à semelhança da VBA, sustenta que a exigência de que a taxa de utilização se devia justificar através de uma contrapartida real e equitativa não assenta em nenhum fundamento jurídico. Na medida em que critica a inexistência de valores e de cálculos concretos no que respeita ao montante da taxa de utilização na fundamentação da decisão controvertida, a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância não era relativa à fundamentação enquanto tal da referida decisão, mas à apreciação dos factos que estão na base dessa fundamentação.

93.
    No que respeita a esses quatro fundamentos, que importa examinar conjuntamente, cabe recordar que, de acordo com jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado (actual artigo 253.° CE) deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, acórdão de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-I-1719, n.° 63).

94.
    Como se trata de uma decisão da Comissão que rejeita uma denúncia em matéria de concorrência com base no artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26, importa observar em seguida que foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância exigiu, invocando os já referidos acórdãos Frubo/Comissão e Oude Luttikhuis e o., que a fundamentação da decisão deve revelar de que modo o acordo entre os membros de uma cooperativa satisfaz cada um dos objectivos do artigo 39.° do Tratado ou ainda o modo como a Comissão pôde conciliar esses objectivos por forma a permitir a aplicação dessa disposição derrogatória, que deve ser interpretada de forma restritiva.

95.
    Por outro lado, o primado da política agrícola sobre os objectivos do Tratado no domínio da concorrência, invocado pela recorrente, não dispensa a Comissão deproceder a um exame para determinar se os objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado foram efectivamente alcançados pelo referido acordo.

96.
    Por último, a referência que a recorrente faz ao já referido acórdão do Tribunal de Primeira Instância Automec/Comissão é destituída de pertinência. Com efeito, no n.° 80 desse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância declarou que, quando a Comissão decide arquivar uma denúncia, sem proceder a instrução, o controlo de legalidade a que deve proceder o Tribunal visa determinar que a decisão controvertida não assenta em factos materialmente inexactos, não sofre de nenhum erro de direito, bem como de nenhum erro manifesto de apreciação nem de desvio de poder. À luz destes princípios, o Tribunal de Primeira Instância examinou então se a Comissão tinha fundamentado correctamente a sua decisão ao referir-se, como critério de prioridade, designadamente ao interesse comunitário do processo.

97.
    Daqui resulta que a fundamentação de uma decisão de rejeição de uma denúncia por falta de interesse comunitário desta, também não escapa ao controlo jurisdicional.

98.
    De resto, não foi numa argumentação desta natureza que se apoiou a Comissão para rejeitar a denúncia que lhe foi apresentada, mas numa fundamentação extraída da aplicabilidade do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26. Segue-se que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ao examinar a questão de saber se essa fundamentação era coerente e completa.

99.
    Das considerações que precedem resulta que a Comissão era obrigada a fundamentar a sua decisão demonstrando de que forma os acordos celebrados no quadro da VBA eram necessários à realização de cada um dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado ou, de qualquer modo, de que forma esses objectivos podiam ser conciliados. Não é portanto necessário examinar a correcção dos fundamentos do acórdão do Tribunal de Primeira Instância relativos à incidência das medidas instauradas pelo Regulamento n.° 234/68 bem como ao alcance da decisão controvertida, que excedia, segundo o Tribunal de Primeira Instância, o das decisões anteriores.

100.
    Com efeito, essas considerações não tiverem, no caso em apreço, consequências a nível da amplitude de obrigação de fundamentação da decisão controvertida, que o Tribunal de Primeira Instância apreciou correctamente ao referir-se ao artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26.

101.
    Quanto à fundamentação da decisão controvertida no que respeita à sobrevivência da VBA, cabe observar que a crítica que a recorrente e a Comissão fizeram, segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância tinha, de uma forma juridicamente errónea, procedido a um exame isolado da taxa de utilização, não tem qualquer fundamento.

102.
    Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância, sem proceder a um apuramento da matéria de facto preciso, formulou, no entanto, considerações de ordem geral no que respeita aos efeitos que a taxa de utilização podia produzir relativamente a outros produtores agrícolas comunitários que não eram membros da VBA.

103.
    Atentos os efeitos que a taxa de utilização podia ter relativamente a determinados operadores cujos interesses estão entre os referidos no artigo 39.° do Tratado, o Tribunal de Primeira Instância pôde correctamente considerar que uma fundamentação que justificasse essa taxa através dos seus efeitos benéficos para, apenas, os membros da VBA era insuficiente.

104.
    Com efeito, se as disposições estatutárias que regem as relações entre uma cooperativa e os seus membros não ficam automaticamente subtraídas à proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (acórdão Oude Littikhuis e o., já referido, n.° 13) o mesmo se deve passar, por maioria de razão, relativamente a disposições que afectam terceiros que não as subscreveram.

105.
    Por outro lado, do acórdão Oude Littikhuis e o., já referido, resulta que o exame das restrições impostas por uma cooperativa não deve incidir apenas sobre os seus efeitos, considerados no seu conjunto, tal como a recorrente afirma.

106.
    Além disso, contrariamente ao que a Comissão sustenta, as considerações sobre os interesses dos outros produtores agrícolas comunitários e sobre o interesse comunitário na manutenção de uma concorrência não falseada tem, claramente, uma relação com o objecto das denúncias. Com efeito, a aplicabilidade do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26, que tem consequências directas a nível da situação da Florimex e da VGB, depende precisamente do facto de se atender a esses interesses.

107.
    Do que precede resulta que foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a fundamentação da decisão controvertida, no que respeita à sobrevivência da VBA, era insuficiente para concluir que a taxa de utilização era necessária à realização dos objectivos mencionados no artigo 39.° do Tratado.

108.
    Quanto à questão de saber se a taxa de utilização se devia justificar através de uma contrapartida real e proporcionada, cabe sublinhar que a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual a concentração da oferta e da procura no recinto da VBA é a única vantagem invocada como contrapartida da referida taxa, representa matéria de facto apurada que não pode ser posta em causa por ocasião de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

109.
    De resto, importa observar que, no ponto da decisão controvertida que se debruça sobre a referida questão, tratava-se de saber se, através da taxa de utilização, a VBA obtinha uma vantagem injustificada que tinha por efeito restringir a concorrência. A Comissão considerou, a este propósito, que as diferentes taxas deutilização não podiam ser objecto de crítica na medida em que garantiam a igualdade de tratamento do abastecimento com vista à venda em leilão e do abastecimento directo dos distribuidores estabelecidos no recinto da VBA.

110.
    Ora, o Tribunal de Primeira Instância, embora no acórdão recorrido tenha excedido a Comissão, ao explicitar a forma como a taxa de utilização podia constituir uma restrição dissimulada da concorrência, limitou-se, na sequência do seu raciocínio, a seguir a análise da Comissão, segundo a qual as diferentes formas de abastecimento deviam ser tratadas igualmente.

111.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância não considerou suficiente a fundamentação extraída do facto de os fornecedores que vendem em leilão e de os terceiros fornecedores pagarem aproximadamente a mesma taxa de utilização. Dado que a concentração da oferta e da procura no recinto da VBA era a única vantagem de que beneficiavam estes últimos, o Tribunal de Primeira Instância considerou não ter ficado provada que a igualdade de tratamento entre todos os fornecedores.

112.
    Ora, importa observar que a decisão controvertida enuncia claramente as razões pelas quais a Comissão considerou estar garantida a igualdade de tratamento entre os fornecedores que vendiam em leilão e os terceiros fornecedores que tinham de pagar a taxa de utilização.

113.
    Segue-se que, a este respeito, a decisão controvertida se encontra suficientemente fundamentada.

114.
    A este propósito, há que recordar que a violação do artigo 190.° do Tratado e o erro manifesto de apreciação são dois fundamentos distintos que podem ser invocados no âmbito do recurso previsto pelo artigo 173.° do Tratado. O primeiro, que visa uma falta ou uma insuficiência de fundamentação, cabe na violação de formas substanciais, na acepção dessa disposição, e constitui um fundamento de ordem pública que deve ser conhecido oficiosamente pelo juiz comunitário. Em contrapartida, o segundo, que é relativo à legalidade em sede de mérito da decisão controvertida, enquadra-se na violação de uma regra de direito relativa à aplicação do Tratado, na acepção do mesmo artigo 173.°, e só pode ser examinado pelo juiz comunitário se for invocado pelo recorrente (v. acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n.° 67).

115.
    Ora, do acórdão recorrido resulta que, na realidade, o Tribunal de Primeira Instância criticou a Comissão por ter cometido um erro manifesto de apreciação. Assim, não estabeleceu a distinção necessária entre a exigência de fundamentação e a legalidade em sede de mérito da decisão.

116.
    Todavia, há que declarar que este erro de direito é irrelevante para efeitos da solução do litígio.

117.
    Com efeito, a decisão controvertida sofre efectivamente de um erro manifesto de apreciação e este foi suscitado pelas recorrentes em primeira instância.

118.
    Por um lado, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que bastava comparar o montante das taxas a que estavam sujeitos os respectivos fornecedores para se ficar com a certeza de que havia uma garantia de igualdade de tratamento entre eles. Com efeito, este método não toma em consideração o facto de que os fornecedores que não eram membros da VBA só beneficiavam da vantagem decorrente da concentração da oferta e da procura, enquanto que os seus membros podiam recorrer a inúmeros outros serviços.

119.
    Por outro lado, dos n.os 108, 113 e 114 do acórdão recorrido resulta que a Florimex e a VGB acusaram a Comissão de ter cometido um erro de apreciação no que respeita à contrapartida da taxa de utilização.

120.
    Segue-se que, embora o Tribunal devesse ter rejeitado os fundamentos relativos à insuficiência de fundamentação da decisão controvertida, era obrigado a acolher o fundamento relativo ao erro manifesto de apreciação, que é procedente.

121.
    Ora, importa recordar que, segundo uma jurisprudência constante, embora os fundamentos de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância mostrem uma violação do direito comunitário, se a sua parte decisória se mostrar fundada, por diferentes razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto (v. acórdãos de 9 de Junho de 1992, Lestelle/Comissão, C-30/91 P, Colect., p. I-3755, n.° 28, e de 12 de Novembro de 1996, Ojha/Comissão, C-294/95 P, Colect., p. I-5863, n.° 52).

122.
    Segue-se que os primeiro, quarto, quinto e sexto fundamentos do presente recurso devem ser julgados improcedentes.

Quanto aos segundo e terceiro fundamentos

123.
    Através dos seus segundo e terceiro fundamentos, a VBA põe em causa os n.os 137 e 138 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal de Primeira Instância considerou que não era obrigado a pronunciar-se sobre os argumentos da VBA relativos à não aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ou à eventual aplicação do artigo 2.°, n.° 1, segundo período, do Regulamento n.° 26, tendo apenas que se pronunciar sobre a legalidade da conclusão a que a Comissão chegara na sua decisão controvertida, segundo a qual a taxa de utilização integrava o âmbito do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26.

124.
    Por um lado, a VBA considera que a Comissão não limitou a sua apreciação ao artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26. Com efeito, no documento junto à carta nos termos do artigo 6.°, citado no n.° 41 do acórdão recorrido, a Comissão declarara que a taxa de utilização era um elementofundamental do sistema de distribuição da VBA, o que representava uma condição de aplicação do artigo 2.°, n.° 1, segundo período, do Regulamento n.° 26. A VBA considera, por conseguinte, que a rejeição da sua denúncia comporta, implicitamente, a aplicação desta disposição.

125.
    Por outro lado, a VBA alega que o Tribunal de Primeira Instância devia ter verificado se a Comissão tinha atendido ao facto de que o direito comunitário da concorrência não se opõe a que uma associação cooperativa aplique e mantenha em vigor restrições necessárias para assegurar o seu bom funcionamento e para sustentar o seu poder contratual em relação aos produtores (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994, DLG, C-250/92, Colect., p. I-5641, n.os 34 e 35). De acordo com o acórdão Oude Luttikhuis e o., já referido, estas restrições não integram o âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

126.
    A este propósito, basta observar que a Comissão tomou a decisão controvertida com fundamento apenas no facto de a taxa de utilização ser um elemento fundamental do sistema de distribuição da VBA, sistema esse que, segundo a Comissão, era necessário à realização dos objectivos enunciados no artigo 39.° do Tratado, na acepção do artigo 2.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 26, e que o objecto do recurso da Florimex e da VGB para o Tribunal de Primeira Instância foi precisamente a aplicação desta última disposição. Foi pois correctamente que o Tribunal de Primeira Instância não se pronunciou sobre os argumentos invocados pela VBA relativos à não aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, ou à eventual aplicação do artigo 2.°, n.° 1, segundo período, do Regulamento n.° 26.

127.
    Os segundo e terceiro fundamentos do presente recurso devem, por conseguinte, ser julgados improcedentes.

Quanto ao sétimo fundamento

128.
    Através do seu sétimo fundamento, a VBA alega que foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 184 a 186 do acórdão recorrido, que a Comissão também tinha justificado a rejeição das denúncias da Florimex e da VGB no facto de a taxa de utilização ter um efeito análogo ao de um preço mínimo e que daí retirou que essa consideração não constituía um fundamento suficiente.

129.
    A este respeito, a VBA sustenta que a passagem em questão do documento junto à carta nos termos do artigo 6.° não tem significado autónomo e que o Tribunal de Primeira Instância não o podia chamar à colação para anular a decisão controvertida.

130.
    A VBA invoca diversos argumentos para demonstrar que a taxa de utilização não pode ter nem o mesmo objecto nem o mesmo efeito que uma regulamentação que institui um preço mínimo.

131.
    Cabe observar que a própria recorrente sustenta, correctamente, que esta parte da fundamentação da decisão controvertida não tem um significado autónomo. Com efeito, embora o Tribunal se tenha expressamente referido a esse fundamento, a referida decisão baseava-se noutros elementos e sofria, a este propósito, tal como já se observou nos n.os 115 a 119 do presente acórdão, de um vício que justificava a sua anulação.

132.
    Segue-se que a crítica formulada pela VBA a propósito desta parte da argumentação do Tribunal é irrelevante.

Quanto ao oitavo fundamento

133.
    Através do seu oitavo fundamento, a VBA sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao exigir que as taxas que a VBA impõe aos comerciantes titulares de contratos comerciais sejam iguais às que aplica aos terceiros fornecedores que recorrem ao abastecimento directo, excepto se se demonstrar a existência de uma diferença entre os dois modos de abastecimento.

134.
    O artigo 85.° do Tratado não proibia a VBA de distinguir entre os diferentes modos de garantir o abastecimento quando estabelece taxas e, por força da sua liberdade contratual, tinha a liberdade de escolher as empresas com quem pretende celebrar contratos comerciais. Com efeito, o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado só era aplicável aos acordos que uma empresa celebra com outras empresas e em que se aplicam taxas diferentes. No caso em apreço, a VBA tinha decidido unilateralmente celebrar contratos comerciais e cobrar uma taxa de utilização sobre o abastecimento directo. Em contrapartida, não se tinha comprometido, relativamente aos terceiros, a aplicar e a manter essas taxas.

135.
    A Comissão refuta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual os contratos comerciais não prevêm obrigação específica de fornecimento. Esses contratos, pelo contrário, estabeleciam com precisão, em concreto, a que espécies de flores se aplicam, e era apenas no que respeita ao fornecimento desses produtos que o comerciante beneficiava da tarifa reduzida de 3%. Só se oferecia um contrato comercial a um comerciante que estivesse disposto a entregar as espécies de flores procuradas.

136.
    Quanto à fundamentação da decisão controvertida sob este aspecto, a Comissão recorda que não é obrigada a examinar todas as afirmações do autor de uma denúncia numa decisão que a rejeite.

137.
    A este propósito, cabe sublinhar que, nos n.os 191 a 194 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância, à semelhança da Comissão, considerou que se devia garantir a igualdade de tratamento entre os diferentes fornecedores. Examinou o único argumento que a Comissão e a VBA apresentaram para justificar a diferença no montante da taxa de utilização, ou seja, a existência de obrigações deabastecimento impostas aos titulares de contratos comerciais. Ora, o Tribunal de Primeira Instância concluiu não existirem tais obrigações específicas de fornecimento. Esta conclusão é relativa à matéria de facto.

138.
    Ora, dos artigos 168.° A do Tratado CE (actual artigo 225.° CE) e 51.° do estatuto CE do Tribunal de Justiça resulta que o recurso só pode assentar em fundamentos relativos à violação de normas jurídicas, com exclusão de qualquer apreciação da matéria de facto (v., designadamente, acórdão de 28 de Maio de 1998, New Holland Ford/Comissão, C-8/95 P, Colect., p. I-3175, n.° 25).

139.
    Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância tem competência exclusiva, por um lado, para apurar a matéria de facto, excepto em caos nos quais a inexactidão material das suas conclusões resulte dos elementos juntos aos autos que lhe foram submetidos e, por outro, para apreciar essa matéria de facto (acórdão New Holland Ford/Comissão, já referido, n.° 25). Todavia, é ainda necessário que essa inexactidão resulte de forma manifesta dos elementos do processo sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos (acórdão New Holland Ford/Comissão, já referido, n.° 72).

140.
    No caso em apreço, os argumentos invocados em apoio da tese segundo a qual oscontratos comerciais previam obrigações específicas de fornecimento, argumentos que, de resto, são substancialmente idênticos aos apresentados no Tribunal de Primeira Instância, não revelam a existência de um erro material manifesto no que respeita à matéria de facto que, sob este aspecto, foi apurada pelo Tribunal de Primeira Instância.

141.
    Em contrapartida, é verdade que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a decisão controvertida não continha fundamentação suficiente que lhe permitisse controlar a correcção da conclusão segundo a qual a diferença de tratamento entre as duas categorias de fornecedores se justificava objectivamente, quando, ao mesmo tempo, acusava a Comissão de ter cometido um erro de apreciação a esse propósito.

142.
    Todavia, pelas razões já expostas nos n.os 115 a 119 do presente acórdão, este erro de direito é irrelevante para a solução do presente litígio.

143.
    Com efeito, por um lado, a inexistência de obrigação de abastecimento, apurada pelo Tribunal no que respeita aos titulares dos contratos comerciais, revela que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar (v. n.° 23 do presente acórdão) que existia igualdade de tratamento entre estes últimos e os outros fornecedores a quem era aplicada a taxa de utilização.

144.
    Por outro lado, do n.° 188 do acórdão recorrido resulta que a Florimex e a VGB tinham alegado, precisamente, no Tribunal de Primeira Instância, que a diferença entre o montante previsto pelos contratos comerciais e o da taxa de utilização era discriminatória.

145.
    Segue-se que o oitavo fundamento também deve ser julgado improcedente.

146.
    Do conjunto das considerações que precede resulta que o presente recurso deve ser julgado improcedente na sua integralidade.

Quanto às despesas

147.
    Nos termos do artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do mesmo regulamento, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Florimex e a VGB pedido a condenação da VBA e tendo esta última sido vencida, há que condená-la a suportar as suas próprias despesas, bem como as da Florimex e da VGB. A Comissão, que também foi vencida, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A Coöperatieve Vereniging De Verenigde Bloemenveilingen Aalsmeer BA (VBA) suportará as suas próprias despesas bem como as da Florimex BV e da Vereniging van Groothandelaren in Bloemkwekerijproducten (VGB) correspondentes ao processo no Tribunal de Justiça.

3)    A Comissão das Comunidades Europeias suportará as suas próprias despesas.

Moitinho de Almeida
Sevón
Puissochet

        Jann                                Wathelet

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Março de 2000.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

D. A. O. Edward


1: Língua do processo: neerlandês.