Language of document : ECLI:EU:C:2024:229

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

14 de março de 2024 (*)

«Incumprimento de Estado — Artigo 258.o TFUE — Diretiva (UE) 2018/1972 — Código Europeu das Comunicações Eletrónicas — Falta de transposição e de comunicação das medidas de transposição — Artigo 260.o, n.o 3, TFUE — Pedido de condenação no pagamento de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária compulsória — Critérios para determinar o montante da sanção»

No processo C‑439/22,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE e do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, que deu entrada em 5 de julho de 2022,

Comissão Europeia, representada por U. Małecka, L. Malferrari, E. Manhaeve e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Irlanda, representada por M. Browne, A. Joyce, M. Lane e D. O’Reilly, na qualidade de agentes, assistidos por S. Brittain, BL,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, exercendo funções de presidente de secção, S. Rodin e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        declarar que, ao não ter adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (JO 2018, L 321, p. 36), ou, em qualquer caso, ao não ter informado a Comissão dessas disposições, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 124.o, n.o 1, desta diretiva;

–        condenar a Irlanda a pagar à Comissão uma quantia fixa baseada num montante de 5 544,9 euros por dia, no montante de, pelo menos, 1 376 000 euros;

–        se o incumprimento descrito no primeiro travessão persistir até à data de prolação do acórdão no presente processo, condenar a Irlanda a pagar à Comissão uma sanção pecuniária compulsória de 24 942,9 euros por dia, desde essa data até à data do cumprimento, pelo referido Estado‑Membro, das obrigações que lhe incumbem ao abrigo da Diretiva 2018/1972, e

–        condenar a Irlanda no pagamento das despesas.

 Quadro jurídico

2        Os considerandos 2 e 3 da Diretiva 2018/1972 enunciam:

«(2)      A aplicação das cinco diretivas que formam parte do atual quadro regulamentar das redes e serviços de comunicações eletrónicos […] está sujeit[a] a revisão periódica pela Comissão, com vista, em especial, a determinar a eventual necessidade de alteração à luz da evolução tecnológica e do mercado.

(3)      Na sua comunicação de 6 de maio de 2015 que estabelece uma Estratégia para o Mercado Único Digital para a Europa, a Comissão sustentou que a revisão do quadro regulamentar das telecomunicações incidiria sobre as medidas que visam promover o investimento nas redes de banda larga de elevado débito, que adotam uma abordagem mais coerente à escala do mercado interno no respeitante à política e à gestão do espetro de radiofrequências, que criam condições para a realização de um verdadeiro mercado interno, abordando a questão da fragmentação regulamentar, que garantem uma defesa dos consumidores eficaz, condições de concorrência equitativas para todos os intervenientes no mercado e a aplicação coerente das regras, além de estabelecer um quadro regulamentar institucional mais eficaz.»

3        O artigo 1.o desta diretiva, com a epígrafe «Objeto, âmbito de aplicação e finalidade», prevê:

«1.      A presente diretiva estabelece um quadro harmonizado para a regulação das redes de comunicações eletrónicas, dos serviços de comunicações eletrónicas, dos recursos conexos e dos serviços conexos e de certos aspetos dos equipamentos terminais. A presente diretiva prevê as atribuições das autoridades reguladoras nacionais e, se for caso disso, de outras autoridades competentes e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a União [Europeia].

2.      A presente diretiva destina‑se a:

a)      Instaurar um mercado interno dos serviços e redes de comunicações eletrónicas que conduza a uma implantação e aceitação das redes de capacidade muito elevada, a uma concorrência sustentável e à interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, bem como à acessibilidade e segurança das redes e serviços, de que resultem benefícios para os utilizadores finais; e

b)      Assegurar a oferta em toda a União de serviços de boa qualidade acessíveis ao público, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efetivas, e atender às situações em que as necessidades dos utilizadores finais, incluindo aqueles cuja deficiência os impede de aceder aos serviços em pé de igualdade com os demais, não sejam convenientemente satisfeitas pelo mercado, bem como estabelecer os direitos necessários dos utilizadores finais.

[…]»

4        O artigo 124.o da referida diretiva, com a epígrafe «Transposição», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros adotam e publicam, até 21 de dezembro de 2020, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

Os Estados‑Membros aplicam essas disposições a partir de 21 de dezembro de 2020.

As disposições adotadas pelos Estados‑Membros devem fazer referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. Tais disposições devem igualmente mencionar que as remissões, nas disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor, para as diretivas revogadas pela presente diretiva se entendem como remissões para [a] presente diretiva. Os Estados‑Membros estabelecem o modo como deve ser feita a remissão e formulada a menção.»

 Procedimento précontencioso e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

5        Uma vez que a Irlanda não recebeu nenhuma comunicação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias adotadas por este Estado‑Membro para dar cumprimento à Diretiva 2018/1972, em conformidade com o artigo 124.o da mesma, a Comissão enviou ao referido Estado‑Membro, em 3 de fevereiro de 2021, uma Notificação para Cumprir e deu‑lhe a oportunidade de apresentar observações.

6        Em 7 de abril de 2021, as autoridades irlandesas responderam a este ofício explicando que tinha sido iniciado o procedimento para transpor a Diretiva 2018/1972 para o direito irlandês e que estavam a ser preparadas medidas de transposição.

7        Na falta de indicações das autoridades irlandesas sobre um calendário ou uma data de transposição desta diretiva, a Comissão enviou um parecer fundamentado à Irlanda em 23 de setembro de 2021, solicitando a esta última que lhe desse cumprimento até 23 de novembro de 2021.

8        Por ofício de 22 de novembro de 2021, completado pelo ofício de 26 de novembro de 2021, as autoridades irlandesas pediram uma prorrogação do prazo fixado no parecer fundamentado. A Comissão fixou o novo prazo em 23 de fevereiro de 2022.

9        Em 22 de fevereiro de 2022, as autoridades irlandesas responderam ao parecer fundamentado invocando o caráter imprevisível do calendário legislativo irlandês para justificar a impossibilidade de prever com certeza a data de transposição da Diretiva 2018/1972. No entanto, esclareceram que contavam transmitir ao Oireachtas (Parlamento Irlandês) uma parte das medidas de transposição em abril de 2022.

10      Tendo em conta que a Irlanda não tinha adotado as disposições necessárias para dar cumprimento a esta diretiva, a Comissão decidiu, em 6 de abril de 2022, propor a presente ação no Tribunal de Justiça.

11      Em 5 de julho de 2022, a Comissão propôs a presente ação.

12      Na sua contestação de 16 de setembro de 2022, a Irlanda pediu ao Tribunal de Justiça que sujeitasse a condenação no pagamento de uma quantia fixa à condição de a Irlanda não transpor a Diretiva 2018/1972 no prazo de três meses a contar da data de prolação do acórdão no presente processo.

13      Na sua tréplica de 2 de dezembro de 2022, a Irlanda retificou os seus pedidos, pedindo ao Tribunal de Justiça que, caso considerasse que, à data da audiência no presente processo, este Estado‑Membro tinha transposto integralmente a Diretiva 2018/1972:

–        declarar que já não há que decidir quanto ao pedido de condenação da Irlanda no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória e

–        declarar que também não há que decidir do pedido de condenação da Irlanda no pagamento de uma quantia fixa, uma vez que tinha sido juridicamente impossível para a Irlanda transpor esta diretiva no respeito pela sua Constituição antes do Acórdão da Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), de 6 de abril de 2021, no processo Zalewski v Adjudication Officer (a seguir «Acórdão Zalewski») ou, a título subsidiário, que as dificuldades encontradas na transposição da referida diretiva não são imputáveis à Irlanda e que o Tribunal de Justiça deve tê‑las em consideração no cálculo do montante de uma quantia fixa suscetível de ser imposta.

14      Em 2 de dezembro de 2022, a fase escrita do presente processo foi encerrada.

15      No seu requerimento de 5 de julho de 2023, a Irlanda informou o Tribunal de Justiça de que, em 16 de junho de 2023, tinha comunicado à Comissão as medidas por meio das quais considera ter transposto a totalidade da Diretiva 2018/1972, com exceção do seu artigo 110.o, que, segundo este Estado‑Membro, deverá ser transposto o mais rapidamente possível.

16      Em 3 de outubro de 2023, a Comissão apresentou as suas observações a este respeito e adaptou os seus pedidos.

17      A Comissão entende que as medidas em questão ainda não asseguram uma transposição completa da Diretiva 2018/1972, uma vez que não transpõem o artigo 110.o da mesma e que, para que esta transposição possa ser considerada integral, as medidas de transposição deste artigo 110.o devem ser‑lhe notificadas.

18      Não obstante, tendo em conta o progresso alcançado pela Irlanda na transposição desta diretiva, a Comissão também adaptou os seus pedidos relativos às sanções pecuniárias.

19      No que respeita à quantia fixa, a Comissão reduziu o coeficiente de gravidade e pede ao Tribunal de Justiça que seja aplicada uma quantia fixa de 4 944 500 euros para o período que começa no dia seguinte ao termo do prazo de transposição da referida diretiva, isto é, 22 de dezembro de 2020, e vai até 8 de junho de 2023, e uma quantia fixa com base no montante de 1 100 euros por dia, no que respeita ao período que começa na data de entrada em vigor das medidas referidas no n.o 15 do presente acórdão, isto é, 9 de junho de 2023, e vai até à data de regularização da infração ou, na falta de regularização, até à data de prolação do acórdão no presente processo.

20      Relativamente à sanção pecuniária compulsória, a Comissão propõe agora que o Tribunal de Justiça aplique uma sanção pecuniária compulsória diária de 4 950 euros até à data em que a Irlanda cumpra plenamente as obrigações previstas no artigo 124.o, n.o 1, da Diretiva 2018/1972.

21      Em 27 de outubro de 2023, a Irlanda apresentou as suas observações relativas à adaptação dos pedidos da Comissão. Nestas observações, limitou‑se, em substância, a reiterar os seus argumentos de defesa e, nomeadamente, o relativo à impossibilidade de transpor a Diretiva 2018/1972 antes da data de prolação do Acórdão Zalewski.

22      Em 29 de novembro de 2023, a Irlanda informou o Tribunal de Justiça de que, nesse mesmo dia, adotou as medidas de transposição do artigo 110.o da Diretiva 2018/1972 e que, por conseguinte, considera ter transposto integralmente esta diretiva para o seu direito nacional. Alega que, dadas as circunstâncias, a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória já não se justifica.

23      Por ofício de 14 de dezembro de 2023, a Comissão reservou‑se o direito de comunicar ao Tribunal de Justiça o resultado da sua apreciação dessas medidas, e as possíveis consequências dos seus pedidos no que respeita à aplicação de sanções a este Estado‑Membro.

24      No seu requerimento de 2 de fevereiro de 2024, a Comissão informou o Tribunal de Justiça de que se podia considerar que a transposição da Diretiva 2018/1972 pela Irlanda ficou concluída em 1 de dezembro de 2023 e desistiu parcialmente da sua ação, renunciando ao seu pedido de condenação deste Estado‑Membro no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, adaptando o seu pedido de condenação do referido Estado‑Membro no pagamento de uma quantia fixa e propondo fixar o montante desta última em 5 137 000 euros.

25      Em 12 de fevereiro de 2024, a Irlanda apresentou as suas observações a respeito da desistência parcial da Comissão e da adaptação dos pedidos desta última.

 Quanto à ação

 Quanto ao incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE

 Argumentos das partes

26      A Comissão recorda que, em conformidade com o artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, os Estados‑Membros são obrigados a adotar as disposições necessárias para assegurar a transposição das diretivas para os respetivos ordenamentos jurídicos nacionais, dentro dos prazos nelas fixados, e a comunicar de imediato essas disposições à Comissão.

27      A Comissão esclarece que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

28      Ora, no caso em apreço, no termo daquele prazo, ou mesmo na data da propositura da presente ação, a Irlanda ainda não tinha adotado as disposições necessárias para transpor a Diretiva 2018/1972 para o seu direito nacional e, em todo o caso, não as tinha comunicado à Comissão.

29      No entender da Comissão, a Irlanda não contesta verdadeiramente o incumprimento de que é acusada, limitando‑se a apresentar circunstâncias de ordem prática e interna para o justificar. Contudo, estas circunstâncias não são suscetíveis de justificar a não transposição de uma diretiva no prazo nela previsto.

30      A Irlanda reconhece não ter adotado as disposições necessárias para dar cumprimento à Diretiva 2018/1972 antes da data de transposição nesta prevista.

31      No entanto, declara que, por um lado, o Governo Irlandês aprovou um projeto de lei sobre a regulamentação das comunicações (a seguir «projeto de lei»), que foi apreciado pelo Parlamento Irlandês no outono de 2022 e que transpõe parcialmente a referida diretiva, e, por outro, também apresentou o statutory instrument (ato regulamentar) SI n.o 444 of 2022, que foi assinado e publicado e que é aplicável a partir da entrada em vigor do projeto de lei. A Irlanda indicou que a versão final do projeto de lei e deste ato regulamentar seria publicada o mais tardar em 30 de setembro de 2022 e que a lei seria provavelmente promulgada o mais tardar no final de 2022.

32      Para justificar o atraso, a Irlanda explica que, com o Acórdão Zalewski, a Supreme Court of Ireland (Supremo Tribunal da Irlanda) declarou que a Workplace Relations Commission (Comissão para as Relações Laborais, Irlanda), órgão responsável pela resolução de litígios em matéria de direito do trabalho na Irlanda, participava na administração da justiça, em conformidade com o artigo 37.o da Constituição irlandesa. Ao fazê‑lo, a Supreme Court (Supremo Tribunal) reverteu a sua jurisprudência anterior.

33      Assim, a necessidade de adaptar o projeto de lei de modo que respeite os novos requisitos constitucionais aplicáveis aos órgãos responsáveis pela administração da justiça, resultante desse acórdão, foi a principal razão do atraso na redação deste projeto. Com efeito, o referido acórdão aumentou consideravelmente o número de competências consideradas parte da administração da justiça ao abrigo do direito constitucional irlandês, de modo que os órgãos anteriormente considerados como tendo competências puramente administrativas ou regulamentares possam ser considerados participantes na administração da justiça no exercício de algumas das suas competências regulamentares de tomada de decisão, nomeadamente as que se referem à decisão sobre os direitos dos particulares em litígio.

34      Nestas circunstâncias, o atraso na transposição, pela Irlanda, da Diretiva 2018/1972 deve‑se principalmente aos esforços significativos que foram desenvolvidos para assegurar a transposição desta diretiva em conformidade com os novos requisitos constitucionais, introduzidos após o termo do prazo de transposição da referida diretiva. Por outro lado, o cumprimento deste prazo não teria permitido ter em consideração o Acórdão Zalewski, o que podia ter levado a concluir que a Irlanda tinha transposto a mesma diretiva de forma ilegal.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

35      Segundo jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro em causa tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não podendo as alterações posteriores ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 15 e jurisprudência referida].

36      Por outro lado, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que, se uma diretiva previr expressamente a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que as disposições necessárias à sua transposição incluam uma remissão para essa diretiva ou sejam acompanhadas dessa remissão aquando da sua publicação oficial é, de qualquer modo, necessário que os Estados‑Membros adotem um ato positivo de transposição da diretiva em causa [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 16 e jurisprudência referida].

37      No caso em apreço, o prazo de resposta ao parecer fundamentado, conforme prorrogado pela Comissão, terminou em 23 de fevereiro de 2022. Por conseguinte, há que apreciar a existência ou não do incumprimento alegado à luz do estado da legislação interna em vigor nessa data [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 17 e jurisprudência referida].

38      A este respeito, é facto assente que, na referida data, a Irlanda não tinha adotado as medidas necessárias para assegurar a transposição da Diretiva 2018/1972 nem, por conseguinte, comunicado estas medidas à Comissão.

39      Para justificar o seu incumprimento, a Irlanda invoca a necessidade de ter em consideração os novos requisitos constitucionais aplicáveis aos órgãos responsáveis pela administração da justiça, resultantes do Acórdão Zalewski, que tornou o processo legislativo muito complexo.

40      Ora, este argumento não pode justificar o incumprimento imputado pela Comissão.

41      Com efeito, o alegado caráter complexo do processo legislativo interno de transposição da Diretiva 2018/1972 não pode ser relevante, uma vez que, segundo jurisprudência constante, práticas ou situações da ordem interna de um Estado‑Membro não podem justificar a inobservância das obrigações e dos prazos resultantes das diretivas da União, nem, portanto, a sua transposição tardia ou incompleta [Acórdão de 13 de janeiro de 2021, Comissão/Eslovénia (MiFID II), C‑628/18, EU:C:2021:1, n.o 79 e jurisprudência referida].

42      Por conseguinte, há que concluir que, ao não ter adotado, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, conforme prorrogado pela Comissão, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva 2018/1972 e, consequentemente, ao não ter comunicado estas disposições à Comissão, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 124.o, n.o 1, desta diretiva.

 Quanto aos pedidos apresentados ao abrigo do artigo 260.o, n.o 3, TFUE

 Quanto ao pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória

43      Conforme salientado no n.o 24 do presente acórdão, a Comissão reconheceu, no seu requerimento de 2 de fevereiro de 2024, que se podia considerar que a transposição da Diretiva 2018/1972 pela Irlanda ficou concluída em 1 de dezembro de 2023 e, por conseguinte, retirou o seu pedido de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória.

44      Atento o exposto, já não há que decidir quanto a este pedido.

 Quanto ao pedido de condenação no pagamento de uma quantia fixa

–       Argumentos das partes

45      Na sua petição, a Comissão sublinha, por um lado, que a Diretiva 2018/1972 foi adotada de acordo com o processo legislativo ordinário e que, por conseguinte, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 260.o, n.o 3, TFUE e, por outro, que o incumprimento pela Irlanda da obrigação prevista no artigo 124.o desta diretiva, ao não lhe ter comunicado as disposições de transposição desta última, constitui manifestamente uma falta de comunicação das medidas de transposição da referida diretiva, na aceção do artigo 260.o, n.o 3, TFUE.

46      A Comissão recorda que, no ponto 23 da sua Comunicação 2011/C 12/01, intitulada «Aplicação do artigo 260.o, n.o 3, do TFUE» (JO 2011, C 12, p. 1) (a seguir «Comunicação de 2011»), esclareceu que as sanções que proporá nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, serão calculadas de acordo com o mesmo método utilizado para as ações intentadas no Tribunal de Justiça em conformidade com o artigo 260.o, n.o 2, TFUE, conforme o estabelecido nos pontos 14 a 18 da sua Comunicação SEC(2005) 1658, intitulada «Aplicação do artigo [260.o TFUE]» (a seguir «Comunicação de 2005»).

47      Por conseguinte, a determinação da sanção deve basear‑se, em primeiro lugar, na gravidade da infração, em segundo lugar, na sua duração e, em terceiro lugar, na necessidade de assegurar o efeito dissuasivo da própria sanção, para evitar reincidências.

48      Em primeiro lugar, quanto à gravidade da infração, em conformidade com o ponto 16 da Comunicação de 2005 e a Comunicação de 2011, a Comissão fixa o coeficiente de gravidade tendo em conta dois parâmetros, a saber, por um lado, a importância das regras da União objeto da infração e, por outro, as suas consequências para os interesses gerais e individuais em causa.

49      Assim, por um lado, a Comissão salienta que a Diretiva 2018/1972 é o principal ato legislativo no domínio das comunicações eletrónicas. Antes de mais, o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (a seguir «CECE») moderniza o quadro regulamentar da União para as comunicações eletrónicas, reforçando as escolhas e os direitos dos consumidores, garantindo padrões mais elevados de serviços de comunicação, promovendo o investimento em redes de capacidade muito elevada e o acesso sem fios à conectividade de capacidade muito elevada em toda a União. Em seguida, o CECE estabelece regras para a organização do setor das comunicações eletrónicas, incluindo a estrutura institucional e governação deste último. As suas disposições reforçam o papel das autoridades reguladoras nacionais, estabelecendo um conjunto mínimo de competências para tais autoridades, e reforçando a sua independência através do estabelecimento de critérios para nomeações e obrigações de comunicação de informações. Além disso, o CECE assegura ainda uma gestão eficaz e eficiente do espetro radioelétrico (a seguir «espetro»). Estas disposições reforçam a coerência das práticas dos Estados‑Membros no que diz respeito a aspetos essenciais da autorização de espetro. As referidas disposições promovem a concorrência entre infraestruturas e a implantação de redes de capacidade muito elevada em toda a União. Por último, o CECE regulamenta diferentes aspetos da oferta de serviços de comunicações eletrónicas, incluindo as obrigações de serviço universal, os recursos de numeração e os direitos dos utilizadores finais. O reforço destas regras visa aumentar a segurança e a proteção dos consumidores, em especial no que diz respeito ao acesso a estes serviços a preços acessíveis.

50      Por outro lado, a não transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito irlandês, primeiro, prejudica a prática regulamentar em toda a União no que diz respeito à governação do sistema de comunicações eletrónicas, à autorização do espetro e às regras de acesso ao mercado. Como consequência, as empresas não beneficiam de processos mais consistentes e previsíveis para a concessão ou renovação dos direitos de utilização do espetro existentes, nem da previsibilidade regulamentar que resulta da duração mínima de 20 anos das licenças de utilização do espetro. Estas deficiências influenciam diretamente a disponibilidade e a adoção de redes de capacidade muito elevada na União. Segundo, os consumidores não podem usufruir de uma série de benefícios tangíveis que lhes são conferidos por esta diretiva, como soluções relativas ao acesso à oferta de serviços de comunicações a preços acessíveis, a exigência de lhes fornecer informações claras sobre os contratos, a obrigação de clareza das tarifas, a facilitação da mudança de fornecedor de redes para promover preços de retalho mais acessíveis e a obrigação de os operadores oferecerem um acesso equivalente aos serviços de comunicação para os utilizadores finais com deficiência.

51      Uma vez que não identificou fatores agravantes ou atenuantes, a Comissão propõe um coeficiente de gravidade de 10 no presente processo. Segundo a Comissão, este coeficiente deve ser reduzido para 2 relativamente ao período posterior a 9 de junho de 2023, data da entrada em vigor das medidas de transposição parcial da Diretiva 2018/1972 comunicadas pela Irlanda.

52      Em segundo lugar, no que respeita à duração do incumprimento, a Comissão sustenta que esta corresponde ao período que começa no dia seguinte ao termo do prazo de transposição da Diretiva 2018/1972, isto é, 22 de dezembro de 2020, e vai até à data de adoção da decisão de intentar a presente ação no Tribunal de Justiça, isto é, 6 de abril de 2022. Daqui resulta que o prazo relevante é de quinze meses. Aplicando o coeficiente de 0,10 por mês previsto no ponto 17 da Comunicação de 2005, lido em conjugação com a Comunicação de 2011, o coeficiente de duração é, por conseguinte, de 1,5.

53      Em terceiro lugar, quanto à capacidade de pagamento da Irlanda, a Comissão aplicou o fator «n» previsto na sua Comunicação 2019/C 70/01, intitulada «Alteração do método de cálculo relativo aos pagamen[t]os de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária propostos pela Comissão em processos por infração submetidos ao Tribunal de Justiça da União Europeia» (JO 2019, C 70, p. 1). Este fator tem em conta dois elementos, a saber, o produto interno bruto (PIB) e o peso institucional do Estado‑Membro em causa, expresso pelo número de lugares atribuídos a este Estado‑Membro no Parlamento Europeu.

54      Ainda que o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel) (C‑51/20, EU:C:2022:36), já tenha posto em causa a relevância tanto deste segundo elemento como do coeficiente de ajustamento de 4,5 previstos naquela comunicação, a Comissão decidiu, contudo, aplicar no caso em apreço os critérios nela previstos, enquanto se aguarda a adoção de uma nova comunicação que tenha em conta esta jurisprudência recente do Tribunal de Justiça.

55      Assim, em conformidade com a Comunicação 2022/C 74/02 da Comissão, intitulada «Atualização dos dados utilizados no cálculo das quantias fixas e das sanções pecuniárias compulsórias que a Comissão proporá ao Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito dos processos por infração» (JO 2022, C 74, p. 2) (a seguir «Comunicação de 2022»), o fator «n» para a Irlanda é de 0,61. No entanto, nas suas observações de 3 de outubro de 2023, a Comissão aplicou o fator «n» de 0,55 atualmente previsto para este Estado‑Membro no anexo I da Comunicação da Comissão 2023/C 2/01 intitulada «Sanções financeiras em processos por infração» (JO 2023, C 2, p. 1; a seguir «Comunicação de 2023»).

56      Em conformidade com a sua Comunicação 2017/C 18/02, intitulada «Direito da [União]: Melhores resultados através de uma melhor aplicação» (JO 2017, C 18, p. 10), a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que imponha à Irlanda uma quantia fixa relativa ao período compreendido entre o dia seguinte ao termo do prazo de transposição previsto na Diretiva 2018/1972 e o dia em que este Estado‑Membro cumpriu integralmente as obrigações que lhe incumbem ao abrigo da referida diretiva, isto é, 1 de dezembro de 2023.

57      Resulta do ponto 20 da Comunicação de 2005 que a quantia fixa deve ter pelo menos um montante fixo mínimo, refletindo o princípio de que qualquer caso de incumprimento persistente do direito da União representa em si mesmo, independentemente de qualquer circunstância agravante, uma violação do princípio da legalidade numa comunidade de direito, que exige uma sanção efetiva. Em conformidade com a Comunicação de 2022, a quantia fixa mínima para a Irlanda é de 1 376 000 euros.

58      Em aplicação do método estabelecido pelas Comunicações de 2005 e de 2011, se o resultado do cálculo da quantia fixa excedesse esta quantia fixa mínima, a Comissão propunha ao Tribunal de Justiça que determinasse a quantia fixa através da multiplicação de um montante diário pelo número de dias de duração da infração em causa compreendidos entre o dia seguinte ao termo do prazo de transposição previsto pela diretiva em questão e aquele em que esta infração foi regularizada ou, na falta de regularização, o dia de prolação do acórdão proferido nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE. Assim, o montante diário da quantia fixa deve ser calculado multiplicando a quantia fixa de base uniforme para efeitos do cálculo do montante diário da quantia fixa pelo coeficiente de gravidade e pelo fator «n». Ora, esta quantia fixa de base uniforme é, em conformidade com o ponto 2 do anexo I da Comunicação de 2023, de 1 000 euros. No caso em apreço, o coeficiente de gravidade é de 10, para os 899 primeiros dias do incumprimento, isto é, entre 22 de dezembro de 2020 e 8 de junho de 2023, e de 2, para o período que começa em 9 de junho de 2023. O fator «n» é de 0,55. Daqui resulta que o montante da quantia fixa é de 4 944 500 euros para o período compreendido entre 22 de dezembro de 2020 e 8 de junho de 2023 e de 1 100 euros por dia para o período compreendido entre 9 de junho de 2023 e o dia anterior à data em que a Irlanda tenha cumprido integralmente as obrigações que lhe incumbem ao abrigo da Diretiva 2018/1972, isto é, 30 de novembro de 2023. Por conseguinte, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que a Irlanda seja condenada no pagamento de uma quantia fixa de 5 137 000 euros.

59      Na sua contestação, a Irlanda limita‑se a pedir que, tendo em conta as razões que invocou durante o procedimento pré‑contencioso para justificar o seu atraso na transposição da Diretiva 2018/1972, o Tribunal de Justiça a condene no pagamento de uma quantia fixa, exigível três meses após a prolação do acórdão no presente processo, caso se abstenha de transpor esta diretiva antes do termo deste prazo.

60      Na sua réplica, a Comissão conclui que, por um lado, a Irlanda pede implicitamente que a condenação no pagamento de uma quantia fixa seja condicional e adiada.

61      Ora, a Comissão alega que este pedido deve ser indeferido. Com efeito, a Irlanda limita‑se a explicar as razões do seu atraso na transposição da Diretiva 2018/1972, invocando, em substância, dificuldades de ordem constitucional relacionadas com esta transposição. No entanto, tais razões não são suficientes para justificar este incumprimento, sobretudo porque o referido incumprimento persistiu e este Estado‑Membro não demonstrou a sua cooperação.

62      Na sua tréplica, a Irlanda afirma que, contrariamente às alegações da Comissão, manteve um diálogo com esta instituição ao longo de todo o procedimento. Além disso, não deve ser imposta nenhuma quantia fixa. Com efeito, por um lado, o atraso inicial, a saber, correspondente ao período compreendido entre a data fixada para a transposição da referida diretiva, isto é, 21 de dezembro de 2020, e a data em que o Acórdão Zalewski foi proferido, isto é, 6 de abril de 2021, inscreve‑se no contexto da pandemia da COVID‑19 e das perturbações que esta causou. Por outro, um acórdão como o Acórdão Zalewski, que altera a jurisprudência em vigor até então, é um acontecimento extremamente raro.

63      Assim, o atraso da Irlanda na transposição da Diretiva 2018/1972 desde 6 de abril de 2021 deveu‑se a circunstâncias totalmente alheias ao seu controlo.

64      Nestas condições, a condenação no pagamento de uma quantia fixa não tem um efeito dissuasivo sobre a Irlanda e, por conseguinte, não deve ocorrer, desde que, à data da audiência no presente processo, a Diretiva 2018/1972 tenha sido transposta.

65      A título subsidiário, a Irlanda deve ser condenada no pagamento de uma quantia fixa muito reduzida. Com efeito, as razões pelas quais a Irlanda não transpôs a Diretiva 2018/1972 permitem concluir que este Estado‑Membro teve dificuldades intransponíveis pelas quais não era de modo algum responsável.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

66      Tendo presente que, conforme resulta do n.o 42 do presente acórdão, é facto assente que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, conforme prorrogado pela Comissão, a Irlanda não tinha comunicado à Comissão nenhuma medida de transposição da Diretiva 2018/1972, na aceção do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, o incumprimento declarado a este título está abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição.

67      A Comissão pede a aplicação de uma quantia fixa.

68      Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a finalidade da condenação no pagamento de uma quantia fixa ao abrigo da referida disposição assenta, nomeadamente, na apreciação das consequências da não execução das obrigações do Estado‑Membro em causa para os interesses privados e públicos, em especial quando o incumprimento tiver persistido por um longo período [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 54 e jurisprudência referida].

69      No que respeita à oportunidade de impor uma quantia fixa no caso em apreço, cabe recordar que incumbe ao Tribunal de Justiça, em cada processo e em função das circunstâncias do caso que deve apreciar, bem como do nível de persuasão e de dissuasão que considere necessário, decretar as sanções pecuniárias adequadas, nomeadamente para evitar a repetição de infrações análogas ao direito da União [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 69 e jurisprudência referida].

70      No presente processo, há que considerar que, não obstante o facto de a Irlanda ter cooperado com os serviços da Comissão durante todo o procedimento pré‑contencioso e de ter mantido estes últimos informados das razões que a impediram de assegurar a transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito irlandês, o conjunto dos elementos de facto e de direito que envolvem o incumprimento declarado, nomeadamente a falta total de comunicação das medidas necessárias a esta transposição no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado e mesmo na data da propositura da presente ação, constitui um indicador de que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas ao direito da União pode exigir a adoção de uma medida dissuasiva, como a imposição de uma quantia fixa [v., por analogia, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 70 e jurisprudência referida].

71      Esta apreciação não é posta em causa pela argumentação da Irlanda, exposta no n.o 62 do presente acórdão.

72      Com efeito, por um lado, as alegadas dificuldades ligadas à prolação do Acórdão Zalewki não podem ser relevantes, uma vez que, como foi recordado no n.o 41 do presente acórdão, práticas ou situações da ordem interna de um Estado‑Membro não podem justificar a inobservância das obrigações e dos prazos resultantes das diretivas da União, nem, portanto, a sua transposição tardia ou incompleta.

73      Por outro lado, no que respeita aos efeitos da pandemia da COVID‑19, que eclodiu no início de 2020, basta salientar que caberia ao legislador da União prorrogar o prazo de transposição da Diretiva 2018/1972 se tivesse considerado que os efeitos desta pandemia, que afetou a totalidade do território da União, eram suscetíveis de impedir os Estados‑Membros de cumprirem as obrigações que lhes incumbem por força desta diretiva.

74      Atendendo ao exposto, é adequado impor uma quantia fixa à Irlanda.

75      No que diz respeito ao cálculo dessa quantia fixa, há que recordar que, no exercício do seu poder de apreciação na matéria, tal como delimitado pelas propostas da Comissão, cabe ao Tribunal de Justiça estabelecer o montante da quantia fixa em cujo pagamento um Estado‑Membro pode ser condenado por força do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, de forma que seja, por um lado, adequada às circunstâncias e, por outro, proporcionada à infração cometida. Entre os fatores pertinentes para esse efeito figuram, designadamente, elementos como a gravidade do incumprimento declarado, o período durante o qual este subsistiu, bem como a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 73 e jurisprudência referida].

76      No que respeita, em primeiro lugar, à gravidade da infração, há que recordar que a obrigação de adotar as medidas nacionais para assegurar a transposição completa de uma diretiva e a obrigação de comunicar essas medidas à Comissão constituem obrigações essenciais dos Estados‑Membros para assegurar a plena efetividade do direito da União e que o incumprimento destas obrigações deve, como tal, ser considerado de uma certa gravidade [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 64 e jurisprudência referida].

77      No caso em apreço, importa observar que, como resulta do n.o 42 do presente acórdão, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, conforme prorrogado pela Comissão, ou seja, em 23 de fevereiro de 2022, a Irlanda não tinha cumprido as obrigações de transposição que lhe incumbiam por força da Diretiva 2018/1972, pelo que a plena efetividade do direito da União não foi assegurada. À gravidade deste incumprimento acresce o facto de, naquela data, a Irlanda não ter comunicado ainda nenhuma medida de transposição desta diretiva.

78      Além disso, como a Comissão salienta, a Diretiva 2018/1972 é o principal ato legislativo no domínio das comunicações eletrónicas.

79      Em especial, antes de mais, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2018/1972, esta «estabelece um quadro harmonizado para a regulação das redes de comunicações eletrónicas, dos serviços de comunicações eletrónicas, dos recursos conexos e dos serviços conexos e de certos aspetos dos equipamentos terminais. […] [P]revê as atribuições das autoridades reguladoras nacionais e, se for caso disso, de outras autoridades competentes e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a União».

80      Em seguida, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, esta destina‑se a, por um lado, instaurar um mercado interno dos serviços e redes de comunicações eletrónicas que conduza a uma implantação e aceitação das redes de capacidade muito elevada, a uma concorrência sustentável e à interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, bem como à acessibilidade e segurança das redes e serviços, de que resultem benefícios para os utilizadores finais, e, por outro, assegurar a oferta em toda a União de serviços de boa qualidade acessíveis ao público, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efetivas, e atender às situações em que as necessidades dos utilizadores finais, incluindo aqueles cuja deficiência os impede de aceder aos serviços em pé de igualdade com os demais, não sejam convenientemente satisfeitas pelo mercado, bem como estabelecer os direitos necessários dos utilizadores finais.

81      Por último, conforme decorre dos considerandos 2 e 3 da referida diretiva, esta introduz alterações no quadro regulamentar em vigor antes da sua adoção para refletir a evolução tecnológica e do mercado.

82      Importa salientar que, como a Comissão alega com razão, a falta de transposição da Diretiva 2018/1972 pela Irlanda, primeiro, prejudica a prática regulamentar em toda a União no que diz respeito à governação do sistema de comunicações eletrónicas, à autorização do espetro e às regras de acesso ao mercado. Como consequência, as empresas não beneficiam de processos mais consistentes e previsíveis para a concessão ou renovação dos direitos de utilização do espetro existentes, nem da previsibilidade regulamentar que resulta da duração mínima de 20 anos das licenças de utilização do espetro. Estas deficiências influenciam diretamente a disponibilidade e a adoção de redes de capacidade muito elevada na União. Segundo, os consumidores não podem usufruir de uma série de benefícios tangíveis que lhes são conferidos pela referida diretiva, tais como soluções relativas ao acesso à oferta de serviços de comunicações a preços acessíveis, a exigência de informações claras sobre os contratos, a obrigação de clareza das tarifas, a facilitação da mudança de fornecedor de redes para promover preços de retalho mais acessíveis, e a obrigação de os operadores oferecerem um acesso equivalente aos serviços de comunicação para os utilizadores finais com deficiência.

83      No entanto, no âmbito da apreciação da gravidade da infração para efeitos da fixação do montante da quantia fixa, há que ter em consideração que, no decurso do procedimento, a Irlanda comunicou à Comissão as medidas de transposição de todas as disposições da Diretiva 2018/1972.

84      Relativamente, em segundo lugar, à duração da infração, há que recordar que esta deve, em princípio, ser avaliada tendo em conta a data em que o Tribunal de Justiça aprecia os factos e que deve considerar‑se que esta apreciação dos factos ocorreu na data do encerramento do processo [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.os 66 e 79 e jurisprudência referida].

85      No que respeita, por um lado, ao início do período que deve ser tido em conta para estabelecer o montante da quantia fixa a impor nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, o Tribunal de Justiça declarou que, ao contrário da sanção pecuniária compulsória diária, a data a ter em conta para a avaliação da duração do incumprimento em causa não é a do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, mas a data em que termina o prazo de transposição previsto pela diretiva em questão [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2020, Comissão/Roménia (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑549/18, EU:C:2020:563, n.o 79, e de 16 de julho de 2020, Comissão/Irlanda (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑550/18, EU:C:2020:564, n.o 90].

86      No caso em apreço, não se contesta validamente que, no termo do prazo de transposição previsto no artigo 124.o da Diretiva 2018/1972, ou seja, em 21 de dezembro de 2020, a Irlanda não tinha adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para assegurar a transposição desta diretiva, nem as tinha, por conseguinte, comunicado à Comissão.

87      Por outro lado, nas suas observações de 12 de fevereiro de 2024 sobre a adaptação dos pedidos da Comissão, a Irlanda não contesta que a transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito irlandês possa ser considerada concluída em 1 de dezembro de 2023.

88      Resulta do exposto que o incumprimento declarado no n.o 42 do presente acórdão se manteve entre 22 de dezembro de 2020 e 30 de novembro de 2023, ou seja, durante um período de 1073 dias, o que constitui um período muito longo.

89      Não obstante, é necessário ter em conta que este período pode ter resultado, em parte, das circunstâncias excecionais relacionadas com a pandemia da COVID‑19. Com efeito, a Irlanda sustenta, sem ser contestada, que estas circunstâncias, imprevisíveis e alheias à sua vontade, atrasaram o processo legislativo necessário à transposição da Diretiva 2018/1972 e, consequentemente, prolongaram a duração deste incumprimento.

90      Em terceiro lugar, no que respeita à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que importa ter em conta o PIB desse Estado‑Membro, conforme se apresenta à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2020, Comissão/Roménia (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑549/18, EU:C:2020:563, n.o 85, e de 16 de julho de 2020, Comissão/Irlanda (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑550/18, EU:C:2020:564, n.o 97].

91      Na sua petição, a Comissão propõe que seja tido em conta, além do PIB da Irlanda, o seu peso institucional na União, expresso pelo número de votos de que este Estado‑Membro dispõe no Parlamento Europeu. A Comissão considera ainda que deve ser utilizado um coeficiente de ajustamento de 4,5 para assegurar o caráter proporcionado e dissuasivo das sanções que solicita ao Tribunal de Justiça que sejam aplicadas ao referido Estado‑Membro.

92      No entanto, o Tribunal de Justiça esclareceu recentemente de forma bastante clara, por um lado, que a tomada em consideração do peso institucional do Estado‑Membro em causa não se afigura indispensável para garantir uma dissuasão suficiente e levar esse Estado‑Membro a alterar o seu comportamento atual ou futuro e, por outro, que a Comissão não demonstrou os critérios objetivos com base nos quais fixou o valor do coeficiente de ajustamento de 4,5 [v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel), C‑51/20, EU:C:2022:36, n.os 115 e 117].

93      Atendendo a todas as circunstâncias do presente processo e à luz do poder de apreciação que o artigo 260.o, n.o 3, TFUE reconhece ao Tribunal de Justiça, o qual prevê que este não pode, relativamente a uma quantia fixa cujo pagamento impõe, exceder o montante indicado pela Comissão, há que considerar que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas à que resulta da violação do artigo 124.o da Diretiva 2018/1972 e que prejudica a plena eficácia do direito da União é suscetível de exigir a imposição do pagamento de uma quantia fixa no montante de 4 500 000 euros.

94      Por conseguinte, há que condenar a Irlanda no pagamento à Comissão de uma quantia fixa no montante de 4 500 000 euros.

 Quanto às despesas

95      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. De acordo com o artigo 141.o, n.o 1, deste regulamento, a parte que desistir é condenada nas despesas se a outra parte o tiver requerido nas suas observações sobre a desistência. Todavia, este artigo 141.o, n.o 2, prevê que, a pedido da parte que desiste, as despesas são suportadas pela outra parte, se tal se justificar tendo em conta a atitude desta última. Por último, nos termos do referido artigo 141.o, n.o 4, na falta de pedido sobre as despesas, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

96      No caso em apreço, embora a Comissão tenha pedido a condenação da Irlanda e o incumprimento tenha sido declarado, esta instituição desistiu parcialmente da sua ação, não tendo solicitado que este Estado‑Membro suporte as despesas relativas à presente ação. Por outro lado, nas suas observações relativas à desistência da Comissão, o referido Estado‑Membro não pediu que esta última fosse condenada nas despesas.

97      Não obstante, cumpre salientar que a desistência da Comissão foi motivada pela atitude da Irlanda, visto que este Estado‑Membro só adotou e comunicou à Comissão as medidas de transposição completa da Diretiva 2018/1972 após a propositura da presente ação, e que essa atitude foi determinante para que o pedido de condenação do referido Estado‑Membro no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória ficasse sem objeto e que a Comissão o retirasse.

98      Nestas circunstâncias, e por não ser possível estabelecer uma distinção pertinente entre as despesas relativas ao incumprimento declarado no n.o 42 do presente acórdão e as despesas relativas à desistência parcial da Comissão, há que decidir que a Irlanda suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) decide:

1)      Ao não ter adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, conforme prorrogado pela Comissão Europeia, e, por conseguinte, ao não ter informado a Comissão dessas disposições, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 124.o, n.o 1, desta diretiva.

2)      A Irlanda é condenada a pagar à Comissão Europeia uma quantia fixa no montante de 4 500 000 euros.

3)      A Irlanda é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.