Language of document : ECLI:EU:T:2022:483

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Grande Secção)

27 de julho de 2022 (*)

[Texto retificado por Despacho de 14 de outubro de 2022]

«Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia — Proibição temporária de radiodifusão e suspensão das autorizações de radiodifusão de conteúdos de certos meios de comunicação social — Inscrição na lista de entidades às quais são aplicáveis medidas restritivas — Competência do Conselho — Direitos de defesa — Direito de ser ouvido — Liberdade de expressão e de informação — Proporcionalidade — Liberdade de empresa — Princípio de não discriminação em razão da nacionalidade»

No processo T‑125/22,

RT France, com sede em Boulogne‑Billancourt (França), representada por E. Piwnica e M. Nguyen Chanh, advogados,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por S. Lejeune, R. Meyer e S. Emmerechts, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado pelo

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet, M. Van Regemorter e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes,

pela

República da Estónia, representada por N. Grünberg e M. Kriisa, na qualidade de agentes,

pela

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, J.‑L. Carré, W. Zemamta e T. Stéhelin, na qualidade de agentes,

pela

República da Letónia, representada por K. Pommere, J. Davidoviča, I. Hūna, D. Ciemiņa e V. Borodiņeca, na qualidade de agentes,

pela

[Conforme retificado por Despacho de 14 de outubro de 2022] República da Lituânia, representada por K. Dieninis e V. Kazlauskaitė‑Švenčionienė, na qualidade de agentes,

pela

República da Polónia, representada por B. Majczyna e A. Miłkowska, na qualidade de agentes,

pela

Comissão Europeia, representada por D. Calleja Crespo, V. Di Bucci, J.‑F. Brakeland e M. Carpus Carcea, na qualidade de agentes,

e pelo

Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, representado por F. Hoffmeister, L. Havas e M. A. de Almeida Veiga, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Grande Secção),

composto por: S. Papasavvas, presidente, H. Kanninen, V. Tomljenović, S. Gervasoni, D. Spielmann, S. Frimodt Nielsen, J. Schwarcz, E. Buttigieg, U. Öberg, R. Mastroianni (relator), M. Brkan, I. Gâlea, I. Dimitrakopoulos, D. Kukovec e S. Kingston, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos,

e após a audiência de 10 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, RT France, pede a anulação da Decisão (PESC) 2022/351 do Conselho de 1 de março de 2022, que altera a Decisão 2014/512/PESC que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia (JO 2022, L 65, p. 5; a seguir «decisão impugnada»), e do Regulamento (UE) 2022/350 do Conselho, de 1 de março de 2022, que altera o Regulamento (UE) n.o 833/2014 que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia (JO 2022, L 65, p. 1, a seguir «regulamento impugnado»), na parte em que estes atos lhe digam respeito.

 Antecedentes do litígio

2        A recorrente é uma sociedade por ações simplificada unipessoal, com sede em França, que tem como atividade a difusão de canais temáticos. O capital social da recorrente é totalmente detido pela associação ANO «TV Novosti» (a seguir «TV Novosti»), associação autónoma sem fins lucrativos da Federação da Rússia, sem capital social, com sede em Moscovo (Rússia), que é financiada quase na totalidade pelo orçamento do Estado russo.

3        Em 2 de setembro de 2015, a recorrente celebrou com o Conseil supérieur de l’audiovisuel [Conselho Superior do Audiovisual (CSA, França)], atual Autorité de régulation de la communication audiovisuelle et numérique [Autoridade Reguladora da Comunicação Audiovisual e Digital (Arcom, França)], um acordo para a radiodifusão do serviço de televisão não hertziano denominado RT France. Opera em França desde 2017 e o seu conteúdo é difundido também em todos os países francófonos, através de satélites ou da Internet.

4        Em março de 2014, a Federação da Rússia anexou ilegalmente a República Autónoma da Crimeia e a cidade de Sebastopol e, desde então leva a cabo ações contínuas de desestabilização no leste da Ucrânia. Em reação, a União Europeia adotou medidas restritivas tendo em conta as ações da Federação da Rússia, medidas restritivas tendo em conta as ações que comprometem ou ameaçam a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia, e medidas restritivas em reação à anexação ilegal da República Autónoma da Crimeia e da cidade de Sebastopol pela Federação da Rússia.

5        A partir da primavera de 2021, a situação na fronteira russo‑ucraniana tornou‑se tensa, com o posicionamento pela Federação da Rússia de importantes contingentes de forças armadas nas proximidades da sua fronteira com a Ucrânia.

6        Nas suas conclusões de 24 e 25 de junho de 2021, o Conselho Europeu convidou a Federação da Rússia a assumir plenamente a sua responsabilidade no sentido de assegurar a execução integral dos «acordos de Minsk», condição essencial para qualquer alteração substancial da posição da União. Salientou a necessidade «de uma resposta firme e coordenada da União e dos seus Estados‑Membros a qualquer nova atividade mal intencionada, ilegal e disruptiva da Federação da Rússia, tirando pleno partido de todos os instrumentos de que a U[nião Europeia] disp[unha] e assegurando a coordenação com os parceiros». Para o efeito, o Conselho Europeu convidou igualmente a Comissão Europeia e o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (a seguir «Alto Representante») a apresentarem opções com vista a impor medidas restritivas adicionais, incluindo sanções económicas.

7        Nas conclusões adotadas na reunião de 16 de dezembro de 2021, o Conselho Europeu salientou a necessidade urgente de a Federação da Rússia desanuviar as tensões provocadas pelo reforço do dispositivo militar ao longo da sua fronteira com a Ucrânia. O Conselho Europeu reiterou o seu total apoio à soberania e à integridade territorial da Ucrânia. Ao mesmo tempo que encorajou os esforços diplomáticos, o Conselho Europeu referiu que qualquer nova agressão militar à Ucrânia provocaria uma resposta à mesma com gravíssimas consequências e enormes custos, incluindo medidas restritivas coordenadas com parceiros.

8        Em 24 de janeiro de 2022, o Conselho da União Europeia aprovou as conclusões, nas quais tinha condenado as constantes ações agressivas e ameaças da Federação da Rússia contra a Ucrânia e exortou a Federação da Rússia a desanuviar as tensões, a respeitar o direito internacional e a participar de forma construtiva no diálogo através dos mecanismos internacionais estabelecidos. Recordando as conclusões do Conselho Europeu de 16 de dezembro de 2021, o Conselho reafirmou que qualquer nova agressão militar teria gravíssimas consequências e enormes custos, incluindo um vasto leque de medidas restritivas setoriais e individuais que seriam adotadas em coordenação com os parceiros.

9        Em 15 de fevereiro de 2022, a Gosudarstvennaya Duma Federal’nogo Sobrania Rossiskoï Federatsii (Duma de Estado da Assembleia Federal da Federação da Rússia) votou favoravelmente o envio de uma resolução que pedia ao presidente Vladimir Putin o reconhecimento das partes do leste da Ucrânia reivindicadas por separatistas como Estados independentes.

10      Em 21 de fevereiro de 2022, o presidente da Federação da Rússia assinou um decreto que reconhecia a independência e a soberania das autoproclamadas «República Popular de Donetsk» e «República Popular de Lugansk», e ordenou o destacamento de forças armadas russas para essas zonas.

11      Em 22 de fevereiro de 2022, o Alto Representante publicou uma declaração em nome da União que condenava essas ações, uma vez que constituíam uma violação grave do direito internacional. Anunciou que a União responderia a estas últimas violações pela Federação da Rússia adotando com caráter de urgência medidas restritivas adicionais.

12      Em 23 de fevereiro de 2022, o Conselho adotou um primeiro pacote de medidas restritivas. Respeitavam, em primeiro lugar, a restrições aplicáveis às relações económicas com as regiões de Donetsk e de Lugansk não controladas pelo Governo, em segundo lugar, a restrições ao acesso ao mercado de capitais, nomeadamente proibindo o financiamento da Federação da Rússia, do seu Governo e do seu banco central, e, em terceiro lugar, à inclusão de membros do Governo, de bancos, de homens de negócios, de generais e de 336 membros da Duma de Estado da Assembleia Federal da Federação da Rússia na lista das pessoas e entidades objeto de medidas restritivas.

13      Em 24 de fevereiro de 2022, o presidente da Federação da Rússia anunciou uma operação militar na Ucrânia e, no mesmo dia, as forças armadas russas atacaram a Ucrânia em diversos locais do país.

14      Na mesma data, o Alto Representante publicou uma declaração em nome da União que condenava a «invasão não provocada» da Ucrânia pelas Forças Armadas da Federação da Rússia e indicou que a resposta da União compreenderia medidas restritivas simultaneamente setoriais e individuais. Nas suas conclusões adotadas na sua reunião extraordinária do mesmo dia, o Conselho Europeu condenou com a maior veemência essa «agressão não provocada e injustificada», considerando que, com as suas ações militares ilegais, pelas quais devia responder, a Federação da Rússia violava de forma flagrante o direito internacional e os princípios da Carta das Nações Unidas e atentava contra a segurança e a estabilidade europeia e mundial. Pediu, nomeadamente, à Federação da Rússia que cessasse a sua campanha de desinformação e deu o seu acordo a novas medidas restritivas relativas a vários setores com gravíssimas consequências e enormes custos para a Federação da Rússia.

15      Em 25 de fevereiro de 2022, o Comité de Ministros do Conselho da Europa decidiu suspender a Federação da Rússia dos seus direitos de representação no Conselho da Europa, em conformidade com o artigo 8.o do Estatuto do Conselho da Europa, assinado em Londres em 5 de maio de 1949, e dar a essa decisão um efeito imediato no que dizia respeito aos direitos de representação da Federação da Rússia no Comité de Ministros e na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.

16      Na sua declaração do mesmo dia, o Procurador do Tribunal Penal Internacional (CPI) recordou a todas as partes que conduzem as hostilidades no território da Ucrânia que, por força da declaração depositada em 8 de setembro de 2015 que reconhece a competência do referido tribunal, é competente para investigar qualquer ato de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos no território da Ucrânia desde 20 de fevereiro de 2014.

17      Na mesma data, o Conselho adotou um segundo pacote de medidas restritivas. Em primeiro lugar, tratava‑se de medidas individuais que visavam políticos e homens de negócios implicados na violação da integridade do território ucraniano. Em segundo lugar, tratava‑se de medidas restritivas aplicáveis no domínio das finanças, da defesa, da energia, no setor da aviação e da indústria espacial. Em terceiro lugar, tratava‑se de medidas que suspendiam a aplicação de determinadas disposições do acordo que previam medidas destinadas a facilitar a emissão de vistos em relação a certas categorias de cidadãos da Federação da Rússia que requeiram um visto de curta duração.

18      Em 28 de fevereiro de 2022, o procurador do CPI anunciou a sua decisão de pedir autorização para abrir um inquérito sobre a situação na Ucrânia, com base nas conclusões a que o seu gabinete tinha chegado no termo de uma análise preliminar, considerando que existiam elementos suficientes que permitiam acreditar que os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade alegados tinham efetivamente sido cometidos na Ucrânia no âmbito dos acontecimentos já tidos em conta na análise preliminar.

19      Entre 28 de fevereiro e 1 de março de 2022, o Conselho adotou um terceiro pacote de medidas restritivas. Tratava‑se de medidas individuais e económicas relativas, nomeadamente, ao encerramento do espaço aéreo da União às aeronaves russas, ao sistema de correio eletrónico financeiro SWIFT e aos recursos do Banco Central russo.

20      Em 1 de março de 2022, o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre a agressão russa à Ucrânia [2022/2564(RSP)], na qual nomeadamente, condenou com a maior veemência a «agressão militar ilegal, não provocada e injustificada» da Ucrânia e a invasão desta pela Federação da Rússia; exigia que esta última pusesse imediatamente termo a todas as ações militares na Ucrânia, que retirasse incondicionalmente todas as suas forças militares e paramilitares, bem como o seu equipamento militar de todo o território internacionalmente reconhecido da Ucrânia, e para respeitar plenamente a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas; salientou que esta agressão militar e esta invasão constituíam uma violação grave do direito internacional e pediu que o âmbito de aplicação das sanções fosse alargado, sublinhou igualmente que as sanções visavam enfraquecer estrategicamente a economia e a base industrial russas, em especial o complexo militar‑industrial, e, por conseguinte, a capacidade da Federação da Rússia para ameaçar a segurança internacional no futuro. No n.o 31 da referida resolução, o Parlamento também condenou a guerra da informação levada a cabo pelas autoridades russas, pelos meios de comunicação social estatais e pelos aliados da Federação da Rússia, com a qual esta última tentava desmentir de forma plausível as suas «atrocidades», difundindo conteúdos depreciativos e informações falsas sobre a União, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e a Ucrânia e, consequentemente, instou todos os Estados‑Membros a suspenderem de imediato as licenças de radiodifusão e a retransmissão de todos os meios de comunicação social russos.

21      Neste contexto, em 1 de março de 2022, o Conselho adotou, com fundamento no artigo 29.o TUE, a decisão impugnada e, com fundamento no artigo 215.o TFUE, o regulamento impugnado, para proibir ações de propaganda contínuas e concertadas, em apoio da agressão militar da Ucrânia pela Federação da Rússia, destinadas à sociedade civil na União e nos países vizinhos, canalizadas através de diversos meios de comunicação social sob controlo permanente, direto ou indireto, dos dirigentes da Federação da Rússia, tais ações constituem uma ameaça para a ordem e segurança públicas da União

22      Os considerandos 1 a 11 dos atos impugnados enunciam as circunstâncias que antecederam a adoção das medidas restritivas neles previstas (a seguir «medidas restritivas em causa»). Mais especificamente, os considerandos 5 a 11 da decisão impugnada têm a seguinte redação:

«(5)      Nas suas conclusões de 10 de maio de 2021, o Conselho sublinha a necessidade de continuar a reforçar a resiliência da União e dos Estados‑Membros, bem como a sua capacidade para combater as ameaças híbridas, incluindo a desinformação, assegurando a utilização coordenada e integrada dos instrumentos existentes e de eventuais novos instrumentos para combater as ameaças híbridas a nível da União e dos Estados‑Membros, bem como as possíveis respostas no domínio das ameaças híbridas, que incluem, nomeadamente, operações de ingerência e de influência estrangeiras, o que poderá abranger medidas preventivas, bem como a imposição de custos aos intervenientes estatais e não estatais hostis.

(6)      A Federação da Rússia desenvolveu uma campanha sistemática e internacional de manipulação dos meios de comunicação social e de distorção dos factos a fim de reforçar a sua estratégia de desestabilização dos países vizinhos, bem como da União e dos seus Estados‑Membros. A propaganda tem, em particular, visado de forma repetida e orquestrada partidos políticos europeus, em especial nos períodos eleitorais, bem como a sociedade civil, os requerentes de asilo, as minorias étnicas da Rússia, as minorias de género e o funcionamento das instituições democráticas da União e dos Estados‑Membros.

(7)      A fim de justificar e apoiar a agressão contra a Ucrânia, a Federação da Rússia tem vindo a desenvolver de forma contínua e concertada ações de propaganda dirigidas à sociedade civil da União e dos países vizinhos, distorcendo e manipulando gravemente os factos.

(8)      Essas ações de propaganda foram canalizadas através de diversos meios de comunicação social sob controlo permanente, direto ou indireto, dos dirigentes da Federação da Rússia. Tais ações constituem uma ameaça importante e direta à ordem e segurança públicas da União.

(9)      Esses meios de comunicação social são essenciais e decisivos pelo destaque e apoio que dão à agressão contra a Ucrânia e à desestabilização dos países vizinhos da Ucrânia.

(10)      Tendo em conta a gravidade da situação, e em resposta às ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia, é necessário, compatível com os direitos e liberdades fundamentais reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais, nomeadamente com o direito à liberdade de expressão e informação, conforme reconhecido no seu artigo 11.o, introduzir novas medidas restritivas a fim de suspender urgentemente as atividades de radiodifusão desses meios de comunicação social na União ou dirigidas à União. Essas medidas deverão ser mantidas até que cesse a agressão contra a Ucrânia e até que a Federação da Rússia, bem como os meios de comunicação social a ela associados, deixem de levar a cabo ações de propaganda contra a União e os seus Estados‑Membros.

(11)      Em consonância com os direitos e liberdades fundamentais reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais, nomeadamente com o direito à liberdade de expressão e informação, a liberdade de empresa e o direito de propriedade, conforme reconhecidos nos seus artigos 11.o, 16.o e 17.o, estas medidas não impedem esses meios de comunicação social e o seu pessoal de realizar outras atividades na União que não a radiodifusão, como pesquisas e entrevistas. Em especial, essas medidas não modificam a obrigação de respeito pelos direitos, pelas liberdades e pelos princípios referidos no artigo 6.o do Tratado da União Europeia, nomeadamente na Carta dos Direitos Fundamentais, e nas constituições dos Estados‑Membros, no âmbito dos respetivos domínios de aplicação.»

23      O artigo 4.o‑G da Decisão 2014/512/PESC do Conselho, de 31 de julho de 2014, que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia (JO 2014, L 229, p. 13), conforme alterada pela decisão impugnada, tem a seguinte redação:

«1. É proibido aos operadores difundir ou permitir, facilitar ou de outro modo contribuir para a radiodifusão de quaisquer conteúdos pelas pessoas coletivas, entidades ou organismos enumerados no anexo IX, nomeadamente através da sua transmissão ou distribuição por quaisquer meios como cabo, satélite, IP‑TV, fornecedores de serviços Internet, plataformas ou aplicações de partilha de vídeos na Internet, quer novos, quer pré‑instalados.

2. Devem ser suspensas todas as licenças de radiodifusão ou acordos de autorização, transmissão e distribuição celebrados com as pessoas coletivas, entidades ou organismos enumerados no anexo IX.»

24      O nome da recorrente foi inscrito no anexo IX da Decisão 2014/512, conforme alterada pela decisão impugnada.

25      O artigo 2.o‑F do Regulamento (UE) n.o 833/2014 do Conselho, de 31 de julho de 2014, que impõe medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia (JO 2014, L 229, p. 1), conforme alterado pelo regulamento impugnado, tem a seguinte redação:

«1. É proibido aos operadores difundir ou permitir, facilitar ou de outro modo contribuir para a radiodifusão de quaisquer conteúdos pelas pessoas coletivas, entidades ou organismos enumerados no anexo XV, nomeadamente através da sua transmissão ou distribuição por quaisquer meios como cabo, satélite, IP‑TV, fornecedores de serviços Internet, plataformas ou aplicações de partilha de vídeos na Internet, quer novos, quer pré‑instalados.

2. Devem ser suspensas todas as licenças de radiodifusão ou acordos de autorização, transmissão e distribuição celebrados com as pessoas coletivas, entidades ou organismos enumerados no anexo XV.»

26      O nome da recorrente foi inscrito no anexo XV do Regulamento n.o 833/2014, conforme alterado pelo regulamento impugnado.

27      Nos termos destas disposições, a radiodifusão, por quaisquer meios, de conteúdos provenientes, nomeadamente, da recorrente foi temporariamente proibida em todos os países da União.

28      Em conformidade com o seu artigo 9.o, a Decisão 2014/512, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2022/327 do Conselho, de 25 de fevereiro de 2022 (JO 2022, L 48, p. 1), é aplicável até 31 de julho de 2022 e fica sujeita a um acompanhamento permanente. Deve ser revista ou, se necessário, alterada se o Conselho considerar que os seus objetivos não foram alcançados.

 Tramitação processual e pedidos das partes

29      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de março de 2022, a recorrente interpôs o presente recurso.

30      Por requerimento separado, apresentado no mesmo dia na Secretaria do Tribunal Geral, a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias. Este pedido foi indeferido por Despacho de 30 de março de 2022, RT França/Conselho (T‑125/22 R, não publicado, EU:T:2022:199), com o fundamento de que a condição relativa à urgência não estava preenchida e que a ponderação dos interesses em causa pendia a favor do Conselho, tendo‑se reservado para final a decisão quanto às despesas.

31      Por Decisão de 22 de março de 2022, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu, oficiosamente, ouvidas as partes, julgar o processo seguindo uma tramitação acelerada, nos termos do artigo 151.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

32      Sob proposta do presidente do Tribunal Geral, este último decidiu, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo à Grande Secção.

33      Uma vez que três membros da Grande Secção estavam impedidos de participar na deliberação, o presidente do Tribunal Geral designou três outros juízes para completar a Secção.

34      Em 3 de maio de 2022, o Conselho apresentou a sua contestação.

35      Através de medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, notificadas à recorrente e ao Conselho, respetivamente, em 6 e 18 de maio de 2022, estes foram autorizados, nos termos do artigo 154.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a apresentar réplica e tréplica limitadas a determinados pontos específicos.

36      A recorrente apresentou a réplica em 16 de maio de 2022 e o Conselho apresentou a tréplica em 25 de maio de 2022.

37      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 14, 18 e 30 de março, e em 13 de abril, 10 e 13 de maio de 2022, a Comissão, o Reino da Bélgica, a República da Polónia, a República Francesa, a República da Estónia, o Alto Representante, a República da Lituânia e a República da Letónia pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos do Conselho. O presidente da Grande Secção admitiu, por decisões de 4, 20 e 24 de maio de 2022, as intervenções da Comissão, do Reino da Bélgica, da República Francesa, da República da Polónia, da República da Estónia, da República da Lituânia, da República da Letónia, e, por Despacho de 11 de maio de 2022, a intervenção do Alto Representante.

38      Em 25 de maio de 2022, a fase escrita do processo foi encerrada.

39      Através de medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, as partes foram convidadas a responder na audiência a determinadas questões que lhes foram colocadas.

40      Por proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Grande Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e que fosse organizada, oficiosamente, uma audiência de alegações.

41      Na audiência de 10 de junho de 2022, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral.

42      A recorrente conclui, pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

–        anular os atos impugnados na parte em que lhe digam respeito;

–        condenar o Conselho nas despesas;

43      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

44      O Reino da Bélgica, a República da Estónia, a República Francesa, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Polónia, a Comissão e o Alto Representante pediram na audiência que fosse negado provimento ao recurso.

 Questão de direito

45      A recorrente invoca quatro fundamentos de recurso, relativos à violação, respetivamente, dos direitos de defesa, da liberdade de expressão e de informação, da liberdade de empresa e do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade. No âmbito do segundo fundamento, impugnados, de forma incidental, a competência do Conselho para adotar os atos impugnados. A este respeito, importa recordar que a incompetência do autor de um ato lesivo é um fundamento de ordem pública que compete, em todo o caso, ao Tribunal Geral analisar oficiosamente (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2016, SV Capital/ABE, C‑577/15 P, EU:C:2016:947, n.o 32 e jurisprudência referida). O Tribunal Geral considera oportuno examinar, em primeiro lugar, a questão de saber se o Conselho era competente para adotar os atos impugnados.

 Quanto à competência do Conselho para adotar os atos impugnados

46      A recorrente alega, em substância, que só as autoridades reguladoras nacionais, neste caso a Arcom, podem intervir para sancionar um meio de comunicação audiovisual por um conteúdo editorial inadequado.

47      O Conselho, apoiado pelo Reino da Bélgica, pela República da Estónia, pela República Francesa, pela República da Letónia, pela República da Lituânia, pela República da Polónia, pela Comissão e pelo Alto Representante, contesta os argumentos da recorrente.

48      A título preliminar, importa recordar que o artigo 3.o, n.o 5, TUE dispõe o seguinte:

«Nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e interesses e contribui para a proteção dos seus cidadãos. Contribui para a paz, a segurança […] bem como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas.»

49      No que respeita à decisão impugnada, há que salientar que se baseia no artigo 29.o TUE. Esta disposição, inserida no capítulo 2 do título V do Tratado UE sobre as «Disposições específicas relativas à política externa e de segurança comum», confere ao Conselho o poder de «adota[r] decisões que definem a abordagem global de uma questão específica de natureza geográfica ou temática pela União». Em conformidade com o artigo 23.o TUE, a ação da União na cena internacional ao abrigo do presente capítulo assenta nos princípios, prossegue os objetivos e é conduzida em conformidade com as disposições gerais enunciadas no capítulo 1, incluindo, nos termos do artigo 21.o, n.o 1, TUE, a democracia, o Estado de direito, a universalidade e a indivisibilidade dos direitos do Homem, o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional. O artigo 24.o, n.o 1, TUE precisa que «[a] competência da União em matéria de política externa e de segurança comum abrange todos os domínios da política externa, bem como todas as questões relativas à segurança da União […]».

50      Segundo a jurisprudência, resulta das disposições conjugadas, por um lado, dos artigos 21.o, 23.o, do artigo 24.o, n.o 1, do artigo 25.o e do artigo 28.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE e, por outro, do artigo 29.o TUE, que constituem «posições da União», na aceção deste último artigo, as decisões que, em primeiro lugar, se inscrevem no âmbito da política externa e de segurança comum, conforme definida no artigo 24.o, n.o 1, TUE, em segundo lugar dizem respeito a uma «questão específica de natureza geográfica ou temática» e, em terceiro lugar, não têm o caráter de «ações operacionais» na aceção do artigo 28.o TUE, a saber de ações que implicam operações civis ou militares conduzidas por um ou mais Estados‑Membros fora da União (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho, T‑256/11, EU:T:2014:93, n.os 41 e 46).

51      O conceito de «posição da União» na aceção do artigo 29.o TUE pode assim ser objeto de interpretação ampla, pelo que, desde que estejam preenchidos os requisitos enunciados no n.o 50, supra, podem nomeadamente ser adotados, com base no referido artigo, não apenas atos de caráter programático ou simples declarações de intenções, mas também decisões que prevejam medidas suscetíveis de alterar diretamente a situação jurídica dos particulares. O que, de resto, é confirmado pela redação do artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE (Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Ezz e o./Conselho, T‑256/11, EU:T:2014:93, n.o 42).

52      Tendo em conta o amplo alcance dos fins e dos objetivos da politica externa e de segurança comum, conforme expressos nos artigos 3.o, n.o 5, TUE e 21.o TUE, bem como nas disposições específicas relativas a esta, nomeadamente os artigos 23.o TUE e 24.o TUE (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2015, Ezz e o./, C‑220/14 P, EU:C:2015:147, n.o 46), o Conselho dispõe de uma grande margem para definir o objeto das medidas restritivas que a União adota no domínio da politica externa e de segurança comum (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 88). Assim, não se pode censurar o Conselho por ter considerado que, face à crise internacional provocada pela agressão da Ucrânia pela Federação da Rússia, entre as medidas úteis para reagir à grave ameaça contra a paz nas fronteiras da União e à violação do direito internacional, também podia figurar a proibição temporária da radiodifusão de conteúdos de certos meios de comunicação, pertencentes, nomeadamente, ao grupo de canais RT (a seguir «grupo RT»), financiado pelo orçamento do Estado russo, pelo facto de apoiarem a referida agressão através de ações como as referidas no considerando 7 da decisão impugnada.

53      Com efeito, resulta do considerando 8 da decisão impugnada que, segundo a apreciação do Conselho, essas ações constituíam uma ameaça importante e direta à ordem e à segurança públicas da União, o que justificava a sua intervenção no âmbito das competências que o capítulo 2 do título V do Tratado UE lhe reconhece.

54      Esta intervenção, como esclareceu o Conselho na audiência, está assim diretamente ligada às finalidades da política externa e de segurança comum referidas no artigo 21.o, n.o 2, alíneas a) e c), TUE, uma vez que visa, por um lado, salvaguardar os valores da União, os seus interesses fundamentais, a sua segurança, a sua independência e a sua integridade e, por outro, preservar a paz, prevenir os conflitos e reforçar a segurança internacional (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 115 e 116).

55      Quanto aos objetivos prosseguidos pelo Conselho, os considerandos 4 a 10 dos atos impugnados referem‑se à necessidade de proteger a União e os seus Estados‑Membros contra campanhas de desinformação e de destabilização levadas a cabo pelos meios de comunicação social sob controlo dos dirigentes da Federação da Rússia e que ameaçam a ordem e a segurança públicas da União, num contexto marcado por uma agressão militar da Ucrânia. Trata‑se assim de interesses públicos que se destinam a proteger a sociedade europeia e que se inserem na estratégia global (n.os 11, 12, 14, 17 e 19, supra), que procura pôr termo, tão depressa quanto possível, à agressão sofrida pela Ucrânia.

56      Uma vez que a propaganda e as campanhas de desinformação podem pôr em causa os fundamentos das sociedades democráticas e fazem parte integrante do arsenal de guerra moderna, as medidas restritivas em causa inscrevem‑se também no âmbito da prossecução pela União dos objetivos que lhe foram atribuídos pelo artigo 3.o, n.os 1 e 5, TUE.

57      Por conseguinte, com a adoção da decisão impugnada, o Conselho exerceu a competência atribuída à União pelos Tratados nos termos das disposições relativas à política externa e de segurança comum. Esta conclusão não pode ser posta em causa pela circunstância, invocada pela recorrente, de que, segundo a legislação nacional francesa, o poder de sancionar um organismo de radiodifusão televisiva por um conteúdo editorial inadequado é da competência da Arcom. Com efeito, por um lado, as competências da União, incluindo as relativas à política externa e de segurança comum, não podem ser excluídas nem condicionadas pela existência ou pelo exercício de poderes atribuídos pelo direito nacional a uma autoridade administrativa. Assim, a circunstância de uma autoridade administrativa nacional dispor de competência para adotar sanções não se opõe à competência reconhecida ao Conselho para adotar medidas restritivas destinadas a proibir provisoriamente e de forma reversível a difusão dos conteúdos da recorrente.

58      Por outro lado, importa salientar que a competência atribuída às autoridades administrativas nacionais pelas legislações internas não prossegue os mesmos objetivos, não assenta nos mesmos postulados nem nos mesmos valores e não pode garantir os mesmos resultados que uma intervenção uniforme e imediata em todo o território da União, como a realizável ao abrigo da política externa e de segurança comum. Importa também observar que, no seu dispositivo, a decisão impugnada se dirige aos operadores que difundem os conteúdos da recorrente e dos outros organismos de radiodifusão televisiva enumerados no seu anexo IX, proibindo‑os de difundir os referidos conteúdos, por qualquer meio, incluindo o cabo, o satélite e a IP‑TV (v. n.o 23, supra). Na medida em que essa proibição se aplica independentemente do Estado‑Membro em que os referidos operadores estão estabelecidos e qualquer que seja o modo de radiodifusão dos conteúdos da recorrente, daqui decorre que o resultado visado pela decisão impugnada não poderia ter sido alcançado por intermédio das autoridades reguladoras nacionais, cuja competência está limitada ao território do Estado‑Membro a que pertencem.

59      Por outro lado, embora a recorrente não tenha feito referência à repartição das competências internas da União, a adoção de uma decisão pelo Conselho ao abrigo do artigo 29.o TUE não pode ser posta em causa pela possibilidade de a União intervir, no domínio dos serviços audiovisuais, com base noutras categorias de competências regidas pelo Tratado FUE, nomeadamente as competências atribuídas à União para a regulação do mercado interno, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, TFUE.

60      A este respeito, basta recordar que, em conformidade com o artigo 40.o, segundo parágrafo, TUE, a execução das políticas referidas nos artigos 3.o a 6.o TFUE não deve afetar a aplicação dos procedimentos e o âmbito respetivo das atribuições das instituições previstos nos Tratados para o exercício das competências da União no âmbito da política externa e de segurança comum.

61      Daqui resulta que as competências da União no âmbito da política externa e de segurança comum e ao abrigo de outras disposições do Tratado FUE abrangidas pela terceira parte deste, relativas às políticas e às ações internas da União, não se excluem mutuamente, antes se completam, cada uma com o seu próprio âmbito de aplicação e que visam alcançar objetivos diferentes (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 19 de julho de 2012, Parlamento/Conselho, C‑130/10, EU:C:2012:472, n.o 66).

62      No que se refere à competência do Conselho para adotar o regulamento impugnado, deve salientar‑se que, segundo o artigo 215.o, n.o 2, TFUE, quando uma decisão, adotada em conformidade com o Capítulo 2 do Título V do Tratado UE, o permita, o Conselho pode adotar medidas restritivas relativamente a pessoas singulares ou coletivas, grupos ou entidades não estatais (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2016, CW/Conselho, T‑224/14, não publicado, EU:T:2016:375, n.o 68).

63      No caso em apreço, na medida em que o Conselho podia validamente adotar a decisão impugnada com base no artigo 29.o TUE, daí resulta que a adoção do regulamento impugnado com base no artigo 215.o, n.o 2, TFUE era necessária, como resulta do seu considerando 12, para assegurar a sua aplicação uniforme no território da União. Com efeito, uma vez que as medidas restritivas em causa só podem ser aplicadas impondo aos operadores económicos a proibição temporária da radiodifusão dos conteúdos audiovisuais da recorrente, é evidente, como foi salientado por alguns intervenientes, que a aplicação uniforme da proibição temporária de divulgação dos conteúdos da recorrente em todo o território da União podia ser mais bem realizada a nível da União do que a nível nacional. A este respeito importa igualmente salientar que, contrariamente ao que alega a recorrente, as medidas adotadas pelo Conselho no caso em apreço não podem ser consideradas uma interrupção total das relações económicas e financeiras com um país terceiro, nos termos do artigo 215.o, n.o 1, TFUE, quando, como foi acima referido, o regulamento impugnado foi adotado nos termos do artigo 215.o, n.o 2, TFUE.

64      À luz das considerações que precedem, o fundamento relativo à incompetência do Conselho deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

65      A recorrente acusa o Conselho de ter adotado os atos impugnados em violação dos seus direitos de defesa e do princípio do contraditório que lhes é inerente. Por um lado, o respeito dos seus direitos de defesa, garantido pelos artigos 41.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), obriga‑a a ouvi‑la previamente ou, pelo menos, a permitir‑lhe apresentar as suas observações, depois de ter tido acesso ao processo.  Por outro lado, o respeito do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 47.o da Carta, exige que a recorrente possa conhecer, antes da sua adoção, os motivos em que o Conselho tencionava basear a decisão de inscrever o seu nome nas listas em causa.

66      Segundo a recorrente, os atos impugnados lesam incontestavelmente, de forma grave e irreversível, os seus interesses, provocando consequências simultaneamente económicas, financeiras e humanas dramáticas, uma vez que deixa de estar em condições de exercer a sua atividade. Alega igualmente que os atos impugnados prejudicam gravemente a sua reputação, uma vez que é aí apresentada como um meio de comunicação social sob controlo permanente e exclusivo do poder russo, o que a desacredita no exercício da sua atividade.

67      Devido à falta de notificação individual prévia das medidas restritivas em causa, a recorrente foi privada dos seus direitos. Além disso, não houve nenhum contacto oficial, nem mesmo informal, por representantes políticos ou institucionais, quer a nível europeu quer a nível nacional, antes da adoção dos atos impugnados.

68      Na réplica, a recorrente alega, em substância, que a fundamentação dos atos impugnados é circular e tautológica e insuficiente à luz das exigências da jurisprudência do juiz da União. Além disso, na contestação, o Conselho limita‑se a parafrasear, ou mesmo a transcrever os considerandos dos referidos atos, o que, segundo a recorrente, não permite demonstrar ou justificar a atividade de propaganda que lhe é imputada. De resto, o facto de ter podido interpor o presente recurso, acompanhado de um pedido de medidas provisórias, não demonstra que estava suficientemente esclarecida dos motivos que fundamentam a proibição temporária de radiodifusão em causa.

69      Por outro lado, a recorrente considera que o contexto de extrema urgência relacionado com o desencadeamento da agressão militar da Ucrânia, invocado pelo Conselho, não é suficiente, por si só, para justificar a violação dos seus direitos de defesa e do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

70      Segundo a recorrente, a proibição geral e absoluta de radiodifusão de que é objeto é meramente simbólica e não pode ser considerada uma resposta consistente para restabelecer a paz e a estabilidade no continente europeu. Tal proibição não é de modo algum necessária para atingir o objetivo que afirma prosseguir e tem as características de uma medida restritiva orientada que devia ter sido adotada no respeito dos direitos de defesa da recorrente. A circunstância de beneficiar de uma fiscalização jurisdicional efetiva, perante um juiz imparcial, também não permite suprir a irregularidade que afeta o processo de adoção dos atos impugnados.

71      Por último, no que respeita aos argumentos que poderia ter invocado se tivesse sido ouvida ou tivesse tido conhecimento dos fundamentos antes da adoção dos atos impugnados, a recorrente alega que podia ter demonstrado, por um lado, o equilíbrio que tinha respeitado na escolha dos participantes e nas declarações relatadas nos seus suportes e, por outro, a veracidade dos termos utilizados. De resto, o facto de nunca ter sido sancionada pela Arcom é uma prova tangível de que o conteúdo difundido não constituía propaganda. À luz destes argumentos, o processo poderia ter conduzido a um resultado diferente.

72      O Conselho, apoiado pelo Reino da Bélgica, pela República da Estónia, pela República Francesa, pela República da Letónia, pela República da Lituânia, pela República da Polónia, pela Comissão e pelo Alto Representante, contesta os argumentos da recorrente.

73      Na sequência dos esclarecimentos prestados na réplica, deve considerar‑se que o primeiro fundamento se decompõe, em substância, em duas partes, relativas, a primeira, a uma insuficiência dos fundamentos que justificam a adoção dos atos impugnados em relação à recorrente e, a segunda, ao incumprimento do seu direito de ser ouvida antes da adoção dos atos impugnados.

74      Antes de mais, importa examinar a segunda parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa, em substância, ao incumprimento do direito de ser ouvida da recorrente

75      O direito de ser ouvido em todos os processos, previsto no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, que faz parte integrante do respeito dos direitos de defesa, garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.os 34 e 36, e de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.os 65 e 67 e jurisprudência referida).

76      No âmbito de um procedimento de adoção da decisão de inscrição ou de manutenção do nome de uma pessoa na lista que figura no anexo de um ato que impõe medidas restritivas, o respeito dos direitos de defesa exige que a autoridade competente da União comunique à pessoa interessada os elementos de que dispõe contra a referida pessoa para basear a sua decisão. Quando dessa comunicação, a autoridade competente da União deve permitir que esta pessoa dê utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre os motivos invocados contra ela (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.os 111 e 112).

77      Todavia, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admite restrições ao exercício dos direitos por ela consagrados, desde que essa limitação respeite o conteúdo essencial do direito fundamental em causa e que, no respeito do princípio da proporcionalidade, essa limitação seja necessária e responda efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União (v. Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 101 e jurisprudência referida). A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que os direitos da defesa podiam estar sujeitos a restrições ou derrogações, e isso tanto no domínio das medidas restritivas adotadas no contexto da política externa e de segurança comum (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran, C‑27/09 P, EU:C:2011:853, n.o 67 e jurisprudência referida) como noutros domínios (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de junho de 2006, Dokter e o., C‑28/05, EU:C:2006:408, n.os 75 e 76, e de 10 de setembro de 2013, G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 33).

78      Por outro lado, a existência de uma violação dos direitos de defesa deve ser apreciada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto, nomeadamente, da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 102 e jurisprudência referida).

79      A título preliminar, há que salientar que, no âmbito da presente parte, a recorrente cita, numa passagem da petição, o artigo 48.o da Carta, com a epígrafe «Presunção de inocência e direitos de defesa», sem, contudo, a apoiar em argumentos específicos. A este respeito, há que salientar que a recorrente não explicou a que título podia invocar o artigo 48.o, n.o 2, da Carta ou daí retirar uma proteção diferente da que podia retirar da aplicação do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, ou mais importante do que essa proteção. Nestas circunstâncias não há que examinar separadamente uma alegada violação do artigo 48.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2015, First Islamic Investment Bank/Conselho, T‑161/13, EU:T:2015:667, n.o 68).

80      No que se refere ao respeito do direito de ser ouvido, resulta da jurisprudência que, no caso de uma decisão inicial de inscrição do nome de uma pessoa ou de uma entidade numa lista de pessoas e de entidades cujos fundos são congelados, o Conselho não tem de comunicar previamente à pessoa ou entidade em causa os motivos nos quais entende fundamentar essa inscrição. Com efeito, para uma medida desse tipo não comprometer a sua eficácia, deve, pela sua própria natureza, poder beneficiar de um efeito surpresa e ser aplicada imediatamente (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran, C‑27/09 P, EU:C:2011:853, n.o 61). Mediante pedido endereçado ao Conselho, a pessoa ou a entidade em causa também tem o direito de fazer valer o seu ponto de vista a propósito desses elementos uma vez o ato adotado (Acórdão de 20 de fevereiro de 2013, Melli Bank/Conselho, T‑492/10, EU:T:2013:80, n.o 72).

81      Tal derrogação ao direito fundamental de ser ouvido durante um procedimento que precede a adoção de medidas restritivas justifica‑se pela necessidade de assegurar a eficácia das medidas de congelamento e, em última análise, por considerações imperiosas relativas à segurança ou à condução das relações internacionais da União e dos seus Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran, C‑27/09 P, EU:C:2011:853, n.o 67 e jurisprudência referida).

82      No caso em apreço, em primeiro lugar, no que respeita ao argumento da recorrente de que o Conselho deveria ter‑lhe notificado individualmente os atos impugnados, na medida em que preveem medidas restritivas a seu respeito, há que salientar que a falta da sua comunicação individual, se tiver incidência sobre o momento no qual o prazo do recurso começou a correr, não justifica, só por si, a anulação dos atos impugnados. A este respeito, a recorrente não invoca nenhum argumento que demonstre que, no caso em apreço, a falta de comunicação individual desses atos teve por consequência uma violação dos seus direitos que justifique a anulação desses atos na parte em que lhe dizem respeito (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, DenizBank/Conselho, T‑798/14, EU:T:2018:546, n.o 92 e jurisprudência referida).

83      Em segundo lugar, no que se refere à falta de comunicação, pelo Conselho, dos motivos e dos elementos de prova que sustentam a adoção das medidas restritivas contra a recorrente antes da adoção das medidas restritivas em causa e da alegada violação do seu direito de ser ouvida, cabe salientar que essas medidas consistem numa proibição temporária de radiodifusão e não num congelamento de fundos individuais.

84      Ora, se a jurisprudência admitiu uma derrogação ao direito fundamental do direito de ser ouvido, no caso de uma decisão inicial de congelamento de fundos, que deve, pela sua própria natureza, poder beneficiar de um efeito de surpresa e ser aplicada imediatamente, para, em substância, não comprometer a sua eficácia (v. n.o 80, supra), não há nada que se oponha a que essa derrogação não possa também ser admitida quando, tendo em conta as circunstâncias específicas de um caso concreto, caracterizadas pela necessidade de intervir com extrema urgência, quando a execução de uma medida seja essencial para assegurar a sua eficácia, tendo em conta objetivos que prossegue e nomeadamente para evitar que seja privada de alcance e de efeito útil.

85      No caso em apreço, há que verificar se, tendo em conta os requisitos resultantes do artigo 3.o, n.os 1 e 5, TUE e do artigo 21.o, n.os 1 e 2, alíneas a) e c), TUE, relativos, nomeadamente, à salvaguarda dos valores da União e da sua segurança e à preservação da paz e da segurança internacionais, no respeito do direito internacional, em especial, dos princípios da Carta das Nações Unidas, o facto de a recorrente não ter sido informada previamente da decisão do Conselho de lhe proibir temporariamente qualquer forma de radiodifusão de conteúdos constitui uma violação do seu direito de ser ouvida.

86      A este propósito, por um lado, em primeiro lugar há que salientar que as medidas restritivas em causa se inscrevem num contexto extraordinário e de extrema urgência (v. n.os 9 a 18, supra), que é evocado nos considerandos 10 e 11 dos atos impugnados, nos quais o Conselho também procede a uma ponderação dos diferentes interesses em jogo, tendo em conta, nomeadamente, o respeito dos direitos e liberdades fundamentais reconhecidos na Carta. Em segundo lugar, no referido contexto, as medidas restritivas em causa fazem parte integrante de um pacote de medidas de envergadura inédita adotadas pelo Conselho entre a última semana de fevereiro, durante a qual ocorreu a primeira violação da integridade territorial da Ucrânia em 21 de fevereiro de 2022, quando o presidente russo reconheceu a independência e a soberania das regiões de Donetsk e de Lugansk e deu ordem às suas forças armadas para entrarem nessas zonas (v. n.os 10 a 12, supra) e o início de março de 2022. Como justamente sublinhou o Conselho, o agravamento rápido da situação e a gravidade das violações cometidas tornaram difícil qualquer forma de modulação das medidas restritivas destinadas a prevenir a extensão do conflito. Por conseguinte, neste contexto, a União reagiu rapidamente perante uma violação de obrigações erga omnes impostas pelo direito internacional para contrariar, com todas as medidas que não implicam o uso da força de que dispunha, a agressão militar da Federação da Rússia contra a Ucrânia.

87      Por outro lado, a adoção das medidas restritivas em causa imediatamente após o início da agressão militar, a fim de garantir o seu pleno efeito útil, também respondia à exigência de implementar múltiplas formas de reação rápida a esta agressão, tendo em conta sobretudo a circunstância, salientada pelo Conselho e pelo Alto Representante na audiência, de que, nesse momento, a referida agressão era entendida como destinada a ter uma curta duração. Neste contexto, importa salientar que, como alegou o Conselho na audiência, tendo em conta a referida exigência, estava impossibilitado de dar um prazo realmente suficiente à recorrente para lhe permitir apresentar as suas observações antes da adoção dos atos impugnados, sem comprometer a eficácia das medidas restritivas em causa (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2020, Ocean Capital Administration e o./Conselho, T‑332/15, não publicado, EU:T:2020:308, n.o 191). Assim, no âmbito da estratégia global da União com vista a uma resposta rápida, unificada, graduada e coordenada, os imperativos de urgência e de eficácia de todas as medidas restritivas adotadas justificam a restrição, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta (v. n.o 77, supra), da aplicação do seu artigo 41.o, n.o 2, alínea a), na medida em respondiam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, tais como, conforme referido no considerando 8 dos atos impugnados, a salvaguarda da ordem e da segurança públicas da União.

88      Por outro lado, conforme justamente sublinha o Conselho, numa estratégia de luta contra as ameaças ditas híbridas já evocadas por si nas suas conclusões de 10 de maio de 2021 (v. considerando 5 dos atos impugnados), o requisito de adotar medidas restritivas contra meios de comunicação social, como a recorrente, financiados pelo orçamento do Estado russo e controlados, direta ou indiretamente, pelos dirigentes desse país, que é o país agressor, na medida em que se considerou estarem na origem de uma atividade contínua e concertada de desinformação e de manipulação dos factos, tornou‑se, na sequência do desencadeamento do conflito armado, imperiosa e urgente, para preservar a integridade do debate democrático na sociedade europeia.

89      Com efeito, à semelhança do Conselho, do Alto Representante e de outros intervenientes, importa salientar que a cobertura mediática intensiva dos primeiros dias da agressão militar da Ucrânia, conforme resulta dos diferentes elementos, retirados de fontes públicas, juntas aos autos pelo Conselho, teve lugar num momento crítico em que as ações de um meio de comunicação social, como a recorrente, podiam ter uma influência prejudicial significativa na opinião pública, criando também uma potencial ameaça à ordem e à segurança públicas na União.

90      A este respeito, importa também ter em conta o facto de que os meios de comunicação audiovisual, que podem, nomeadamente, sugerir, pela forma de apresentação das informações, como devem os destinatários apreciá‑las, têm efeitos muito mais imediatos e poderosos que a imprensa escrita, uma vez que, através das imagens, podem transmitir mensagens que a escrita não é apta para a fazer passar (v., neste sentido, TEDH, 5 de abril de 2022, NIT S.R.L. c. República da Moldávia, CE:ECHR:2022:0405JUD002847012, n.os 181 e 182 e jurisprudência referida).

91      Assim, nas circunstâncias muito específicas do caso em apreço, recordadas nos n.os 86 a 90, supra, foi com razão que o Conselho, por proposta do Alto Representante e da Comissão, decidiu intervir com a maior rapidez, desde os primeiros dias do desencadeamento da guerra, para evitar o risco de ver fortemente atenuada ou mesmo, em substância, aniquilada a eficácia das medidas restritivas em causa, proibindo, em especial, a radiodifusão de conteúdos, nomeadamente, da recorrente, com o objetivo de suspender temporariamente a atividade de tal vetor de propaganda a favor da agressão militar da Ucrânia, no território da União.

92      Em face do exposto, tendo em conta o contexto absolutamente excecional em que os atos impugnados foram adotados, a saber, o do desencadeamento de uma guerra nas fronteiras da União, o objetivo que prosseguem e a eficácia das medidas restritivas neles previstas, há que concluir que as autoridades da União não eram obrigadas a ouvir a recorrente antes da inscrição inicial do seu nome nas listas em causa e, por conseguinte, que não houve violação do seu direito a ser ouvida.

93      Em todo o caso, segundo jurisprudência constante, uma violação dos direitos de defesa, especialmente do direito de ser ouvido, só justifica a anulação do ato em causa no final do procedimento administrativo se, não se verificando tal irregularidade, no pressuposto de demonstrada, o procedimento administrativo que precede a adoção desse ato pudesse conduzir a um resultado diferente, o que compete à pessoa que invoca essa violação demonstrar (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de setembro de 2013, G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 38; de 25 de junho de 2020, Vnesheconombank/Conselho, C‑731/18 P, não publicado, EU:C:2020:500, n.o 73 e jurisprudência referida; e de 13 de setembro de 2018, Sberbank of Russia/Conselho, T‑732/14, EU:T:2018:541, n.o 125 e jurisprudência referida).

94      Incumbe ao juiz da União verificar, quando considera estar perante uma irregularidade que afete o direito de ser ouvido, se, em função das circunstâncias de facto e de direito específicas do caso em apreço, o procedimento administrativo em causa poderia ter conduzido a um resultado diferente (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de setembro de 2013, G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 40, e de 12 de fevereiro de 2020, Kibelisa Ngambasai/Conselho, T‑169/18, não publicado, EU:T:2020:58, n.o 69 e jurisprudência referida).

95      No caso em apreço, importa salientar que os fundamentos invocados pelo Conselho para impor as medidas restritivas em causa, expostos nos considerandos dos atos impugnados, consistem, no essencial, no facto de a recorrente ser um meio de comunicação financiado pelo orçamento da Federação da Rússia sob o controlo permanente dos seus dirigentes. Além disso, o Conselho considerou que a recorrente levava a cabo, com as outras entidades cujos nomes figuram nos anexos dos atos impugnados, ações de propaganda, nomeadamente, em apoio da agressão militar da Ucrânia. Em apoio desses fundamentos, o Conselho juntou aos autos, como anexos da sua contestação, diversos elementos de prova relativos tanto ao controlo permanente da recorrente como à sua atividade de propaganda.

96      Ora, não se pode deixar de observar que os elementos de prova em causa consistem em emissões de televisão da recorrente e em artigos publicados no seu sítio Internet, que foram difundidos ao público, nomeadamente, no período que envolve o desencadeamento da guerra e os dias imediatamente subsequentes. Tendo em conta esses elementos de prova, o Conselho considerou, com razão, que os conteúdos difundidos pela recorrente implicavam uma atividade de apoio à agressão militar da Ucrânia (v. n.os 172 a 188, infra). Por conseguinte, há que considerar que, ainda que a recorrente tivesse sido ouvida, as suas observações não teriam posto em causa o facto de que essas emissões tinham ocorrido, de que esses artigos tinham sido publicados e, em última análise, que esses conteúdos tinham sido difundidos ao público na União.

97      Por outro lado, na réplica e, na audiência, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral, a recorrente alegou que os argumentos e os elementos de prova que poderia ter apresentado, se tivesse sido ouvida ou se tivesse tido conhecimento dos fundamentos antes da adoção dos atos impugnados, eram os mesmos que os invocados nos seus articulados e visavam demonstrar, por um lado, o equilíbrio que teria respeitado na escolha dos intervenientes e nas afirmações relatadas nos seus suportes e, por outro, a veracidade dos termos utilizados. Ora, como sublinha o Conselho na tréplica, embora os elementos invocados pela recorrente demonstrem a existência de sequências que apresentam outros pontos de vista sobre a situação na Ucrânia, estes não são suscetíveis de demonstrar que, globalmente, a cobertura mediática da agressão feita pela recorrente mantinha um equilíbrio no que respeita à escolha dos intervenientes, dos conteúdos, das imagens e das afirmações comunicadas nessas sequências (v. n.os 189 e 190, infra).

98      Por último, o facto de a recorrente nunca ter sido punida pela Arcom não é relevante e, em todo o caso, não é suscetível de demonstrar que as emissões contidas nos vídeos juntos aos autos pelo Conselho não constituíam ações de propaganda a favor da agressão militar da Ucrânia.

99      Daqui resulta que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e os elementos de prova apresentados pela recorrente e pelo Conselho, nenhum argumento invocado pela recorrente permite demonstrar que o procedimento poderia ter conduzido a um resultado diferente se tivesse sido ouvida antes da adoção das medidas em causa ou se os motivos relativos à sua aplicação lhe tivessem sido comunicados previamente.

100    Em face do exposto, a segunda parte do primeiro fundamento, relativa, em substância, a uma violação dos direitos de defesa, deve ser julgada improcedente.

 Quanto à primeira parte, relativa a uma insuficiência da fundamentação dos atos impugnados em relação à recorrente

101    A título preliminar, importa salientar que, no âmbito desta parte do fundamento, a recorrente se limita a evocar o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, sem, no entanto, a apoiar com argumentos específicos. Nestas circunstâncias, não há que examinar separadamente uma alegada acusação relativa à violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva (v. n.o 79, supra).

102    No que se refere à alegada insuficiência da fundamentação dos atos impugnados, cabe recordar que, segundo uma jurisprudência constante, o dever de fundamentar um ato lesivo, que constitui o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, tem por finalidade, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se o ato está devidamente fundamentado ou se, eventualmente enferma de um vício que permita impugnar a sua validade perante o juiz da União e, por outro, permitir a este último fiscalizar a legalidade desse ato (v. Acórdão de 14 de abril de 2021, Al‑Tarazi/Conselho, T‑260/19 P, não publicado, EU:T:2021:187, n.o 37 e jurisprudência referida).

103    Importa igualmente recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE e pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta deve ser adaptada à natureza do ato em causa e ao contexto em que o mesmo foi adotado. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a suficiência de uma fundamentação deve ser apreciada não apenas à luz da sua redação, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 17 de setembro de 2020, Rosneft e o./Conselho, C‑732/18 P, não publicado EU:C:2020:727, n.o 77 e jurisprudência referida).

104    Assim, por um lado, um ato lesivo está suficientemente fundamentado quando tiver sido adotado num contexto conhecido do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida adotada a seu respeito (v. Acórdão de 17 de setembro de 2020, Rosneft e o./Conselho, C‑732/18 P, não publicado, EU:C:2020:727, n.o 78 e jurisprudência referida). Por outro lado, o grau de precisão da fundamentação de um ato deve ser proporcionado às possibilidades materiais e às condições técnicas ou temporais nas quais deve ser adotado (v. Acórdão de 13 de setembro de 2018, Sberbank of Russia/Conselho, T‑732/14, EU:T:2018:541, n.o 93 e jurisprudência referida).

105    A jurisprudência precisou que a fundamentação de um ato do Conselho que impõe uma medida restritiva não devia apenas identificar a base jurídica dessa medida, mas igualmente as razões específicas e concretas pelas quais o Conselho considerava, no exercício do seu poder discricionário de apreciação, que o interessado devia ser objeto dessa medida (v. Acórdão de 13 de setembro de 2018, Sberbank of Rússia/Conselho, T‑732/14, EU:T:2018:541, n.o 97 e jurisprudência referida).

106    No caso em apreço, em primeiro lugar, importa recordar que as medidas restritivas em causa visam os conteúdos difundidos por determinados meios de comunicação audiovisual com relações de dependência com a Federação da Rússia, entre os quais a recorrente, e que se inscrevem, portanto, num contexto conhecido desta última (v. n.os 9 a 20, supra).

107    Acresce que, conforme justamente sublinha o Conselho, por um lado o considerando 4 dos atos impugnados faz referência às conclusões do Conselho Europeu, de 24 de fevereiro de 2022 (v. n.o 14, supra), com as quais este condenou com a maior veemência possível a «agressão militar não provocada e injustificada» da Federação da Rússia contra a Ucrânia, e apelou à urgente elaboração e adoção de um novo pacote de sanções individuais e económicas e instou a Federação da Rússia a, nomeadamente, pôr termo à sua campanha de desinformação. Por outro lado, o considerando 5 dos atos impugnados faz referência às conclusões do Conselho de 10 de maio de 2021, sublinha a necessidade de continuar a reforçar a resiliência da União e dos Estados‑Membros, bem como a sua capacidade para combater as ameaças híbridas, incluindo a desinformação, nomeadamente face às ingerências e às operações de influência externa.

108    Além disso, os considerandos 6 a 9 dos atos impugnados esclarecem os motivos de designação das pessoas coletivas, entidades e organismos que figuram nas listas em causa. Mais especificamente, o considerando 7 faz referência às ações de propaganda contínuas e concertadas da Federação da Rússia dirigidas, nomeadamente, à sociedade civil na União a fim de justificar e apoiar a sua agressão da Ucrânia. Os considerandos 8 e 9 dos atos impugnados esclarecem que os meios de comunicação social visados pela medida de proibição temporária das atividades de radiodifusão são aqueles através dos quais as referidas ações de propaganda foram levadas a cabo e que estão sob o controlo permanente, direto ou indireto, dos dirigentes da Federação da Rússia. Por último, estes últimos considerandos também esclarecem as razões subjacentes à adoção das medidas restritivas em causa, a saber, por um lado, o facto de essas ações constituírem uma ameaça importante e direta para a ordem e a segurança públicas da União e, por outro, que os referidos meios de comunicação são essenciais e decisivos pelo destaque e apoio que dão à agressão da Ucrânia e à desestabilização dos países vizinhos da Ucrânia.

109    Decorre da redação destes considerandos, especialmente no contexto, conhecido pela recorrente, no qual os atos impugnados foram adotados, que os fundamentos expostos não constituem afirmações gerais e abstratas, mas motivos diretamente ligados à recorrente e às suas atividades e que expõem de forma suficientemente específica as razões pelas quais as medidas restritivas em causa foram adotadas a seu respeito.

110    Em segundo lugar, importa recordar que o dispositivo dos atos impugnados, conforme reproduzido nos n.os 23 a 26 prevê a proibição de os operadores da União difundirem, autorizarem ou facilitarem a radiodifusão de conteúdos ou contribuir para isso pelas pessoas coletivas, entidades ou organismos enumerados no anexo IX da decisão impugnada e no anexo XV do regulamento impugnado, nomeadamente pela sua transmissão ou distribuição por quaisquer meios como o cabo, o satélite, a IP‑TV, os fornecedores de serviços Internet, as plataformas ou as aplicações de partilha de vídeos na Internet, quer sejam novos ou pré‑instalados. Há que concluir que, por seu turno, os anexos dos atos impugnados acima referidos, não contêm nenhuma fundamentação específica relativa a cada uma das entidades aí enumeradas, cuja radiodifusão de conteúdos é temporariamente proibida.

111    No entanto, há que considerar que as «razões específicas e concretas» pelas quais o Conselho considerou, no exercício do seu poder discricionário de apreciação, que a recorrente devia ser objeto das medidas restritivas em causa, na aceção da jurisprudência mencionada no n.o 105, supra, correspondem, no caso em apreço, aos critérios fixados nos considerandos 6 a 9 dos atos impugnados.

112    Com efeito, a recorrente foi visada apenas pelo facto de preencher as condições específicas e concretas previstas nos considerandos 6 a 9 dos atos impugnados, a saber, ser um meio de comunicação social sob o controlo permanente, direto ou indireto, dos dirigentes da Federação da Rússia, desenvolver ações de propaganda visando, nomeadamente, justificar e apoiar a agressão militar da Ucrânia pela Federação da Rússia.

113    Esta fundamentação é compreensível e suficientemente precisa, tendo em conta o contexto específico e as condições particularmente graves e urgentes em que os atos impugnados foram adotados, para permitir, por um lado, à recorrente conhecer as razões que levaram o Conselho a considerar que a inscrição do seu nome nas listas em causa se justificava à luz dos critérios jurídicos aplicáveis no caso em apreço e contestar a respetiva legalidade perante o juiz da União e, por outro, permitir a este exercer a sua fiscalização.

114    Nestas circunstâncias, a recorrente pôde validamente tomar conhecimento das razões específicas e concretas que justificam a adoção dos atos impugnados, pelo que não pode invocar uma fundamentação insuficiente a este respeito.

115    A parte do primeiro fundamento, relativa a uma insuficiência dos fundamentos que justificam a adoção dos atos impugnados em relação à recorrente, deve, portanto, ser julgada improcedente, e, consequentemente, há julgar improcedente o primeiro fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação da liberdade de expressão e de informação

116    A recorrente alega que os atos impugnados violam a liberdade de expressão e de informação garantida pelo artigo 11.o da Carta, que corresponde ao artigo 10.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

117    A recorrente recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), a liberdade de expressão e de informação constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um, pelo que a ingerência do Estado não seria necessária nessa sociedade, se tivesse por efeito dissuadir a imprensa de contribuir para um debate aberto sobre questões de interesse público. Resulta também da jurisprudência do TEDH que, no domínio da radiodifusão audiovisual, o Estado é obrigado, por um lado, a garantir o acesso do público, por intermédio da televisão e da rádio, a uma pluralidade de opiniões e comentários que reflitam, nomeadamente, a diversidade das opiniões políticas no país e, por outro, a garantir a proteção dos jornalistas e dos outros profissionais de comunicação audiovisual contra os entraves à comunicação dessas informações e desses comentários. Assim, o poder público devia abster‑se de limitar os suportes de informação quaisquer que sejam. À semelhança da CEDH, a Carta opõe‑se, por princípio, a qualquer proibição de publicação e de radiodifusão.

118    Na réplica, a recorrente alega, em primeiro lugar, que as medidas restritivas em causa não são adequadas à prossecução do duplo objetivo de interesse geral invocado pelo Conselho, a saber, por um lado, um objetivo defensivo contra uma ameaça híbrida da Federação da Rússia e, por outro, um objetivo de preservação da paz e de reforço da segurança internacional. A este respeito, a recorrente alega que não praticou nenhum ato que legitime a imposição das medidas restritivas em causa e que estas são apenas um «símbolo político».

119    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a medida de que é objeto viola excessivamente a liberdade de expressão e de informação. Por um lado, a própria substância dessa liberdade é violada na medida em que a proibição temporária de radiodifusão geral e absoluta torna inacessível um serviço de informação em todo o território da União. Por outro lado, tal proibição não é proporcionada, uma vez que a censura de um serviço de informação não constitui um meio eficaz para alcançar os objetivos prosseguidos pelos atos impugnados.

120    Por outro lado, as medidas restritivas em causa não eram acompanhadas de nenhum limite temporal claro e objetivo, estando o seu levantamento subordinado a uma apreciação aleatória, ou mesmo arbitrária, do Conselho. O prazo de proibição temporária de radiodifusão, fixado em 31 de julho de 2022, é simplesmente evidenciado, de forma puramente artificial, para as necessidades da defesa, uma vez que pode ser prorrogado.

121    Além disso, a recorrente acusa o Conselho, por um lado, de não ter fundamentado as alegações que figuram nos atos impugnados segundo as quais fazia propaganda e, por outro, de ter baseado as medidas restritivas em causa no seu modo de financiamento, que, no entanto, não variou desde 2017. Em seu entender, as alegadas ações de propaganda que lhe são imputadas e as razões que justificam que possa prosseguir uma parte da sua atividade não estão minimamente sustentadas.

122    Em primeiro lugar, a recorrente alega que nunca quis dissimular o seu modo de financiamento, que, de resto, não é repressivo em si mesmo e que sempre foi público. Além disso, é arriscado tirar qualquer conclusão sobre o trabalho editorial de um meio de comunicação social pelo simples facto de beneficiar de um financiamento estatal, como é, por exemplo, o caso da France 24.

123    Em segundo lugar, no que respeita às alegações relativas propriamente à propaganda, a recorrente afirma a sua independência em relação ao Estado russo e ao controlo total da sua linha editorial. Recorda, aliás, que nunca foi sancionada pelo CSA ou pela Arcom, desde que está habilitada a difundir os seus conteúdos, uma vez que a convenção que a liga a esta última foi renovada sem dificuldade em 2020. Por conseguinte, os conteúdos difundidos pela recorrente não podem, por esse simples facto, ser considerados censuráveis à luz das obrigações que lhe incumbem.

124    Por outro lado, o Conselho não pode fazer confusão entre a cobertura mediática e o tratamento da informação da recorrente e o de outros canais do grupo RT que se distinguem dela, que foram objeto de decisões adotadas por determinadas entidades reguladoras nacionais e, nomeadamente, pela autoridade reguladora do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

125    Por último, no que se refere às provas apresentadas pelo Conselho a respeito da alegada atividade de desinformação ou de manipulação da informação efetuada pela recorrente, na réplica, esta considera que o Conselho não demonstrou que era um órgão de influência do Estado russo e de propaganda ao serviço deste. A obra de um investigador francês, no qual o Conselho se apoiou diversas vezes e que, aliás, foi objeto de um processo por difamação, não justifica uma medida de proibição como a que está em causa. O mesmo se diga do relatório do secretário de Estado dos Estados Unidos, apresentado pelo Conselho, que não faz referência a um comportamento preciso da recorrente.

126    Segundo a recorrente, os elementos truncados apresentados pelo Conselho não demonstram o tratamento que ela tinha reservado às operações militares russas no território ucraniano. Baseando‑se num determinado número de elementos de prova apresentados pelo Conselho, a recorrente apresentou um documento que responde a esses diferentes elementos. Uma consulta atenta dos elementos de prova juntos aos autos em anexo à réplica bastaria para se convencer do caráter falacioso da argumentação do Conselho, que tenta justificar a posteriori os atos impugnados. A recorrente considera ter tratado diferentes opiniões a respeito do conflito na Ucrânia, o qual foi, em numerosas intervenções, qualificado de agressão militar que punha em causa a paz na Europa e não apenas como ação defensiva e preventiva da Federação da Rússia. Do mesmo modo, os jornalistas da recorrente tiveram o cuidado de responder às afirmações de determinados participantes e de assegurar um equilíbrio de pontos de vista. De resto, transmitir o ponto de vista da Federação da Rússia não é, enquanto tal, condenável, a menos que se considere que só a opinião maioritária pode de ser difundida.

127    Além disso, seria errado afirmar, para justificar a proporcionalidade da proibição em causa, que tais medidas não impedem a recorrente e o seu pessoal de realizar outras atividades na União que não a radiodifusão, como pesquisas e entrevistas. Isto é confirmado, nomeadamente, pela recusa de acreditação pela Comissão da carteira de identificação dos jornalistas profissionais (CCIJP, França) recentemente negada aos jornalistas da recorrente. Por conseguinte, nos termos dessa proibição, era levantado um obstáculo ao exercício efetivo da profissão de jornalista a todos os jornalistas profissionais que trabalham para a recorrente. Do mesmo modo, os prestadores recusam‑se atualmente manter as suas relações contratuais com a recorrente. Assim, a proibição temporária de radiodifusão equivale a entravar toda a sua atividade, em especial, a sua capacidade de ser difundida junto do público francês e não é proporcional.

128    Em suma, qualquer que seja a linha editorial de um meio de comunicação social, ou a sua audiência, uma proibição geral e absoluta de radiodifusão constitui um verdadeiro ato de censura e não pode ser considerada necessária nem proporcionada para atingir eficazmente os objetivos invocados pelo Conselho.

129    Por último, a recorrente contesta o caráter reversível da medida em causa. Com efeito, sem a possibilidade de exercer a sua atividade, só pode entrar em liquidação.

130    O Conselho, apoiado pelo Reino da Bélgica, pela República da Estónia, pela República Francesa, pela República da Letónia, pela República da Lituânia, pela República da Polónia, pela Comissão e pelo Alto Representante, contesta os argumentos da recorrente.

 Quanto aos princípios jurisprudenciais aplicáveis em matéria de liberdade de expressão

131    Importa recordar que o respeito dos direitos fundamentais impõe‑se a qualquer ação da União, incluindo no domínio da política externa e de segurança comum como resulta da conjugação dos artigos 21.o e 23.o TUE (v. Acórdão de 27 de setembro de 2018, Ezz e o./Conselho, T‑288/15, EU:T:2018:619, n.o 58 e jurisprudência referida). Uma vez que a liberdade de expressão é garantida pelo artigo 11.o da Carta, que corresponde ao artigo 10.o da CEDH, há que fiscalizar o respeito deste direito pelos atos impugnados.

132    Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da Carta, qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão o que compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras. Nos termos do artigo 11.o, n.o 2, da Carta, são respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social. Como resulta das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17) e em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, os direitos garantidos no artigo 11.o desta têm o mesmo sentido e alcance que os que lhe são garantidos no artigo 10.o da CEDH (Acórdão de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑401/19, EU:C:2022:297, n.o 44; v. também, Acórdão de 14 de julho de 2021, Cabello Rondón/Conselho, T‑248/18, EU:T:2021:450, n.o 101 e jurisprudência referida).

133    O TEDH já declarou que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e que o artigo 10.o da CEDH não faz distinção consoante a natureza do objetivo pretendido, nem consoante o papel que as pessoas singulares ou coletivas desempenharam no exercício dessa liberdade (TEDH, 28 de setembro de 1999, Öztürk c. Turquia, CE:ECHR:1999:0928JUD002247993, n.o 49). Sem prejuízo do artigo 10.o, n.o 2, da CEDH, esta liberdade é aplicável não só às «informações» ou «ideias» acolhidas favoravelmente ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também às que ofendem, chocam ou inquietam, em conformidade com as exigências do pluralismo, da tolerância e o espírito de abertura sem as quais não existe «sociedade democrática» (TEDH, 7 de dezembro de 1976, Handyside c. Reino Unido, CE:ECHR:1976:1207JUD000549372, n.o 49; v. também, Tribunal EDH, 5 de abril de 2022, NIT S.R.L. c. República da Moldávia, CE:ECHR:2022:0405JUD002847012, n.o 177 e jurisprudência referida).

134    A este respeito, o TEDH também esclareceu que a tolerância e o respeito da igual dignidade de todos os seres humanos constituem o fundamento de uma sociedade democrática e pluralista. Daqui resulta que, em princípio, pode ser considerado necessário, nas sociedades democráticas, sancionar ou mesmo impedir todas as formas de expressão que propaguem, incitem a, promovam ou justifiquem o ódio com base na intolerância, na utilização e na apologia da violência, se assegure que as «formalidades», «condições», «restrições» ou «sanções» impostas sejam proporcionadas ao objetivo legítimo prosseguido (v., neste sentido, TEDH, 6 de julho de 2006, Erbakan c. Turquia, CE:ECHR:2006:0706JUD005940500, n.o 56 e jurisprudência referida; e 23 de junho de 2022, Rouillan c. França, CE:ECHR:2022:0623JUD002800019, n.o 66).

135    Decorre do próprio texto do artigo 10.o da CEDH que o direito à liberdade de expressão não constitui uma prerrogativa absoluta e pode, consequentemente, estar sujeito a restrições. A este respeito, podem ser identificados diversos princípios na jurisprudência do TEDH, segundo a qual, por um lado, é necessário demonstrar a maior prudência quando as medidas adotadas ou as sanções aplicadas pelas autoridades são suscetíveis de dissuadir a imprensa de participar no debate de problemas de interesse geral legítimo e, por outro, a referida disposição não garante, todavia, uma liberdade de expressão sem nenhuma restrição, mesmo quando se trata de revelar na imprensa questões sérias de interesse geral (v. TEDH, 5 de abril de 2022, NIT S.R.L. c. República da Moldávia, CE:ECHR:2022:0405JUD002847012, n.os 178 e 179 e jurisprudência referida).

136    O direito dos meios de comunicação social e, mais especificamente, dos jornalistas de comunicar informações sobre questões de interesse geral é protegido desde que atuem de boa‑fé, com base em factos exatos, e forneçam informações «fiáveis e precisas» no respeito da ética jornalística ou, por outras palavras, no respeito pelos princípios de um jornalismo responsável (v. TEDH, 5 de abril de 2022, NIT S.R.L. c. República da Moldávia, CE:ECHR:2022:0405JUD002847012, n.o 180 e jurisprudência referida).

137    Estas considerações têm um papel particularmente importante nos dias de hoje, tendo em conta o poder que os meios de comunicação social exercem na sociedade moderna, dado que não só informam, mas podem ao mesmo tempo sugerir, pela forma de apresentar as informações, como os destinatários as devem apreciar. Num mundo em que o indivíduo está perante um imenso fluxo de informações, que circulam em suportes tradicionais ou eletrónicos e que implicam um número de autores sempre crescente, o controlo do respeito da deontologia jornalística reveste uma importância acrescida (v. TEDH, 5 de abril de 2022, NIT S.R.L. c. República da Moldávia, CE:ECHR:2022:0405JUD002847012, n.o 181 e jurisprudência referida).

138    Por último, no que se refere aos «deveres e responsabilidades» que o exercício da liberdade de expressão comporta, o impacto potencial do meio de comunicação em causa deve ser tomado em consideração na análise da proporcionalidade da ingerência. Neste contexto, há que ter em conta o facto de os meios de comunicação social audiovisual terem efeitos muito mais imediatos e poderosos do que a imprensa escrita. Com efeito, através das imagens, os meios de comunicação social audiovisual podem transmitir mensagens que a escrita não é capaz de fazer passar (v. n.o 90, supra). A função da televisão e da rádio, fontes de divertimento familiar no cerne da intimidade do telespetador ou do ouvinte, reforça ainda mais o seu impacto (v., neste sentido, TEDH, 5 de abril de 2022, NIT S.R.L.c. República da Moldávia, CE:ECHR:2022:0405JUD002847012, n.o 182 e jurisprudência referida).

139    Em princípio, em conformidade com essa jurisprudência, contrariamente às afirmações que se referem a questões de interesse público que apelam a uma forte proteção, os que defendem ou justificam a violência, o ódio, a xenofobia ou outras formas de intolerância não são, normalmente protegidos [v., neste sentido, TEDH, 8 de julho de 1999, Sürek c. Turquia (No 1), CE:ECHR:1999:0708JUD002668295, n.os 61 e 62, e 15 de outubro de 2015, Perinçek c. Suíça, CE:ECHR:2015:1015JUD002751008, n.os 197 e 230].

140    Segundo o TEDH, para determinar se as afirmações feitas no seu conjunto podem passar por uma justificação da violência, há que dar atenção aos termos utilizados, à maneira como as afirmações foram formuladas e ao contexto em que a sua divulgação se insere (v., neste sentido, TEDH, 6 de julho de 2010, Gözel e Özer c. Turquia, CE:ECHR:2010:0706JUD004345304, n.o 52, e 15 de outubro de 2015, Perinçek c. Suíça, CE:ECHR:2015:1015JUD002751008, n.os 205 e 206).

141    É à luz de todos estes princípios e considerações que há que apreciar o presente fundamento.

 Quanto à existência de uma restrição à liberdade de expressão

142    A título preliminar, há que salientar que, como resulta dos considerandos 7 e 8 dos atos impugnados, a recorrente foi objeto de uma proibição temporária de radiodifusão de conteúdos enquanto meio de comunicação social sob controlo permanente, direto ou indireto, de dirigentes da Federação da Rússia, por ter desenvolvido ações de propaganda visando, nomeadamente, justificar e apoiar a agressão militar da Ucrânia pela Federação da Rússia.

143    Esta proibição temporária de radiodifusão constitui uma ingerência no exercício pela recorrente do seu direito à liberdade de expressão na aceção do artigo 11.o, n.o 1, da Carta, como, de resto, resulta dos considerandos 10 e 11 dos atos impugnados.

144    A este respeito, importa recordar, como foi referido no n.o 135, supra, que o direito à liberdade de expressão que a recorrente invoca, tal como protegido pelo artigo 11.o da Carta, pode ser objeto de restrições, nas condições enunciadas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, nos termos do qual, por um lado, «[q]ualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela [referida] Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades» e, por outro, [n]a observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros».

145    Assim, para ser conforme com o direito da União, uma limitação à liberdade de expressão deve preencher quatro condições. Primeiro, a limitação em causa deve ser «prevista por lei», no sentido que a instituição da União que adota as medidas suscetíveis de restringir a liberdade de expressão de uma pessoa, singular ou coletiva, deve dispor de uma base legal para esse fim. Em segundo lugar, a limitação em causa deve respeitar o conteúdo essencial da liberdade de expressão. Em terceiro lugar, deve corresponder efetivamente a um objetivo de interesse geral, reconhecido como tal pela União. Em quarto lugar, a limitação em causa deve ser proporcionada (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.os 69 e 84 e jurisprudência referida, e de 13 de setembro de 2018, VTB Bank/Conselho, T‑734/14, não publicado, EU:T:2018:542, n.o 140 e jurisprudência referida).

146    Estas condições correspondem, em substância, às previstas na jurisprudência do TEDH, segundo a qual, para ser justificada à luz do artigo 10.o, n.o 2, da CEDH, uma ingerência no exercício do direito à liberdade de expressão deve ser «prevista pela lei», prosseguir um ou mais objetivos legítimos e ser «necessária numa sociedade democrática» para os alcançar (v., neste sentido, TEDH, 7 de junho de 2012, Centro Europa 7 S.r.l. e Di Stefano c. Itália, CE:ECHR:2012:0607JUD003843309, n.o 135).

147    Daqui decorre que o Conselho podia adotar medidas restritivas suscetíveis de limitar a liberdade de expressão do recorrente, desde que essas limitações respeitem as condições, acima recordadas, que devem estar reunidas para que essa liberdade possa ser legitimamente limitada. (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 70 e jurisprudência referida).

148    Importa, portanto, verificar se as medidas restritivas em causa são previstas por lei, respeitam o conteúdo essencial da liberdade de expressão, correspondem a um objetivo de interesse geral e não são desproporcionadas, esclarecendo‑se, no entanto, que, nos seus articulados, a recorrente concentrou a sua argumentação nesta última condição.

 Quanto à condição de que qualquer restrição à liberdade de expressão deve ser prevista por lei

149    No que se refere à questão de saber se as medidas restritivas em causa eram previstas por lei, há que salientar que estas estão enunciadas em atos que têm, designadamente, um alcance geral e dispõem de bases jurídicas claras no direito da União, a saber, o artigo 29.o TUE, no que respeita à decisão impugnada, e o artigo 215.o TFUE, no que respeita ao regulamento impugnado (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 72 e jurisprudência referida, e de 14 de julho de 2021, Cabello Rondón/Conselho, T‑248/18, EU:T:2021:450, n.o 121). Estas disposições dos Tratados são suficientemente previsíveis para os interessados, no que respeita à sua vocação para servirem de bases jurídicas para a adoção de medidas restritivas suscetíveis de violar ou limitar a liberdade de expressão (v. n.os 49 a 52 e 62, supra).

150    No que respeita à exigência de previsibilidade, o TEDH esclareceu, por diversas vezes, que só podia ser considerada uma «lei» na aceção do artigo 10.o, n.o 2, da CEDH uma norma enunciada com suficiente detalhe para permitir ao particular ajustar a sua conduta. Ao recorrer, se necessário, a aconselhamento especializado, este deve estar em condições de prever, num nível razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado ato. Estas consequências não têm necessariamente de ser previsíveis com uma certeza absoluta. Assim, não viola, em si, a exigência de previsibilidade uma lei que, embora conferindo um poder de apreciação, precisa o alcance e as modalidades de exercício com suficiente clareza, tendo em conta o objetivo legítimo prosseguido, para fornecer ao indivíduo uma proteção adequada contra a arbitrariedade (v. TEDH, 5 de abril de 2022, NIT S.R.L. c. República da Moldávia, CE:ECHR:2022:0405JUD002847012, n.o 159 e jurisprudência referida).

151    No caso em apreço, tendo em conta o que precede e o amplo poder de apreciação de que o Conselho dispõe no âmbito da adoção de medidas restritivas (v. n.o 52, supra), era previsível que, atendendo à importância do papel que os meios de comunicação social, sobretudo os que se enquadram no audiovisual, desempenham na sociedade contemporânea, um apoio mediático de grande envergadura à agressão militar da Ucrânia pela Federação da Rússia de destabilização da Ucrânia, dado em emissões difundidas na televisão e na Internet por um meio de comunicação totalmente financiado pelo orçamento do Estado russo, pudesse ser visado por medidas restritivas que consistem em proibir a difusão das atividades de propaganda a favor dessa agressão (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 76).

152    Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que a condição de que quaisquer restrições à liberdade de expressão devem ser previstas por lei encontra‑se satisfeita no caso vertente.

 Quanto ao respeito do conteúdo essencial da liberdade de expressão

153    Há que verificar se a natureza ou o alcance da proibição temporária de divulgação dos conteúdos da recorrente constitui uma violação do conteúdo essencial da liberdade de expressão.

154    No caso em apreço, há que constatar que as medidas restritivas em causa têm caráter temporário e reversível. Com efeito, resulta do artigo 9.o da Decisão 2014/512, conforme alterada, que esta é aplicável até 31 de julho de 2022 e que fica sujeita a acompanhamento permanente (v. n.o 28, supra). A manutenção das medidas restritivas em causa após 31 de julho de 2022 exigirá a adoção pelo Conselho de uma nova decisão e de um novo regulamento.

155    Contrariamente ao que alega a recorrente, resulta da redação da última parte do considerando 10 dos atos impugnados, lido e interpretado à luz do requisito de limitar tanto quanto possível a ingerência na liberdade de expressão da recorrente, que a manutenção das medidas restritivas em causa após 31 de julho de 2022 está subordinada à existência de duas condições cumulativas. Com efeito, essas medidas podem ser mantidas, por um lado, até que a agressão da Ucrânia cesse e, por outro, até que a Federação da Rússia e os seus meios de comunicação social associados cessem de desenvolver ações de propaganda contra a União e os seus Estados‑Membros. Tratando‑se de duas condições cumulativas, se uma das duas deixar de estar preenchida, já não haverá que manter as medidas em causa. Por conseguinte, a recorrente não pode alegar que estas se destinam a ser aplicadas sem limite de tempo definido previamente pelo Conselho.

156    Além disso, importa observar que os atos impugnados não impedem toda a atividade inerente à liberdade de informação e de expressão. Com efeito, como referido no considerando 11 dos atos impugnados, a proibição temporária de radiodifusão imposta à recorrente não a impede de realizar outras atividades na União que não a radiodifusão, como pesquisas e entrevistas. Consequentemente, pode‑se afirmar, à semelhança do Conselho, que a recorrente e os seus jornalistas continuam autorizados a realizar determinadas atividades ligadas à liberdade de informação e de expressão e que, em princípio, a referida proibição não é suscetível de entravar o exercício pela recorrente de outras atividades potencialmente geradoras de rendimentos.

157    Além disso, deve salientar‑se que, à semelhança do Conselho, os atos impugnados não proíbem a recorrente de difundir os seus conteúdos fora da União, designadamente em países francófonos, pelo que as medidas restritivas em causa não violam a substância do seu direito de exercer a sua liberdade de expressão (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 123 e jurisprudência referida). Em suma, a recorrente não foi impedida de produzir emissões e conteúdos editoriais nem de os vender a entidades não abrangidas pelas medidas em causa, incluindo a TV Novosti e os outros meios de comunicação social do grupo RT estabelecidos em países terceiros, que podem, portanto, difundir esses conteúdos fora da União.

158    Por outro lado, quanto ao argumento relativo à decisão da CCIJP de recusar qualquer novo pedido de carteira profissional apresentado pelos jornalistas que trabalhem para a recorrente, há que salientar que esta recusa resulta diretamente de uma decisão unilateral da referida comissão, cuja adoção não decorre dos atos impugnados, que é, aliás, objeto de um recurso atualmente pendente nos órgãos jurisdicionais franceses competentes. Portanto, é sem razão que a recorrente sustenta que a impossibilidade de os seus jornalistas exercerem a sua profissão em território francês é a consequência da adoção dos atos impugnados.

159    Por estas razões, há que concluir que a natureza e o alcance da proibição temporária em causa respeitam o conteúdo essencial da liberdade de expressão e não põem em causa esta liberdade enquanto tal.

 Quanto à prossecução de um objetivo de interesse geral, reconhecido como tal pela União

160    No que respeita à condição relativa à prossecução de um objetivo de interesse geral, reconhecido como tal pela União, há que salientar, à semelhança do Conselho, que, como resulta dos considerandos 1 a 10 dos atos impugnados, o Conselho pretende, com as medidas restritivas em causa, prosseguir um duplo objetivo.

161    Por um lado, o Conselho visa, como referido nos considerandos 6 a 8 dos atos impugnados, proteger a ordem e a segurança públicas da União, ameaçadas pela campanha internacional sistemática de propaganda desenvolvida pela Federação da Rússia, por intermédio de meios de comunicação social controlados, direta ou indiretamente, pelos seus dirigentes, a fim de desestabilizar os países vizinhos, a União e os seus Estados‑Membros e apoiar a agressão militar da Ucrânia, o que corresponde a um dos objetivos da política externa e de segurança comum. Com efeito, a adoção de medidas restritivas contra os meios de comunicação social que tenham como missão essa ação de propaganda responde ao objetivo previsto no artigo 21.o, n.o 2, alínea a), TUE, de salvaguardar os valores da União, os seus interesses fundamentais, a sua segurança e a sua integridade.

162    Além disso, como já foi salientado no n.o 56, supra, uma vez que a propaganda e as campanhas de desinformação são suscetíveis de pôr em causa os fundamentos das sociedades democráticas e fazem parte integrante do arsenal de guerra moderno, as medidas restritivas em causa inscrevem‑se igualmente no âmbito da prossecução pela União dos objetivos, nomeadamente pacíficos, que lhe foram atribuídos pelo artigo 3.o, n.os 1 e 5, TUE.

163    Por outro lado, como sublinha o Conselho, as medidas restritivas em causa inscrevem‑se nas finalidades prosseguidas pela estratégia global de resposta rápida, unificada, graduada e coordenada, executada pela União através da adoção de um pacote de medidas restritivas (v. n.os 12, 17 e 19, supra) com o objetivo final de exercer a máxima pressão sobre as autoridades russas, para que cessem as suas ações e as suas políticas que destabilizam a Ucrânia e à agressão militar desse país. Nesta perspetiva, as medidas restritivas em causa respondem ao objetivo, previsto no artigo 21.o, n.o 2, alínea c), TUE, de preservar a paz, prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional, em conformidade com os objetivos e os princípios da Carta das Nações Unidas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 81).

164    À semelhança de alguns intervenientes importa observar que as medidas restritivas em causa podem ser entendidas como a reação, com os meios pacíficos de que a União dispõe e com vista a alcançar os objetivos enunciados no artigo 3.o, n.o 5, TUE, de um sujeito de direito internacional face a uma agressão em violação do artigo 2.o, n.o 4, da Carta das Nações Unidas e, consequentemente, a uma violação das obrigações erga omnes impostas pelo direito internacional.

165    De resto, a existência dessa violação foi confirmada pela Resolução de 2 de março de 2022, intitulada «Agressão contra a Ucrânia» (A/ES‑11/L.1), da Assembleia Geral das Nações Unidas. Nesta resolução, fazendo referência à sua Resolução 377 A (V) de 3 de novembro de 1950, intitulada «União para a paz», e considerando que a falta de unanimidade entre os membros permanentes do Conselho de Segurança o tinha impedido de cumprir a sua responsabilidade principal em matéria de manutenção da paz e da segurança internacionais, a Assembleia Geral das Nações Unidas repudiou veementemente, a agressão da Ucrânia cometida pela Federação da Rússia em violação do artigo 2.o, n.o 4, da Carta das Nações Unidas, exigiu que a Federação da Rússia cesse imediatamente o uso da força contra a Ucrânia e retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território ucraniano no interior das fronteiras internacionalmente reconhecidas do país. Recordou também a obrigação que têm todos os Estados, nos termos do artigo 2.o da Carta das Nações Unidas, de se absterem, nas suas relações internacionais, de recorrer à ameaça ou ao uso da força, contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado ou de qualquer outro modo incompatível com os objetivos das Nações Unidas, e de resolver os seus diferendos internacionais por meios pacíficos. Ao constatar que as operações militares russas levadas no interior do território soberano da Ucrânia eram de uma amplitude jamais vista na Europa, desde há décadas, considerou que deviam ser tomadas medidas de emergência para salvar a geração atual do flagelo da guerra. Exortou a Federação da Rússia a cessar imediatamente a uso da força contra a Ucrânia e a abster‑se de qualquer recurso ilícito à ameaça ou ao uso da força contra qualquer Estado‑Membro. No dispositivo dessa resolução, a Assembleia‑Geral reafirmou, nomeadamente, os esforços que o secretário‑geral, os Estados‑Membros e as organizações internacionais tinham envidado para desanuviar a situação atual e fazer face à crise humanitária e à crise dos refugiados provocadas pela agressão da Ucrânia pela Federação da Rússia.

166    Como o Conselho sublinha com razão, pôr fim ao estado de guerra e às violações do direito internacional humanitário, que a guerra pode gerar, responde também a um objetivo de interesse geral primordial para a comunidade internacional (v., neste sentido, Acórdão de 30 de julho de 1996, Bosphorus, C‑84/95, EU:C:1996:312, n.o 26).

167    Portanto, a condição relativa à prossecução de um objetivo de interesse geral está preenchida no caso em apreço.

 Quanto ao caráter proporcionado das medidas restritivas em causa

168    No que respeita ao caráter proporcionado das restrições em causa, importa recordar que o princípio da proporcionalidade exige que as limitações que possam nomeadamente ser impostas por atos de direito da União aos direitos e liberdades consagrados na Carta não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para alcançar os objetivos legítimos prosseguidos ou a necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, entendendo‑se que, sempre que exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados por esta não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (v. Acórdão de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑401/19, EU:C:2022:297, n.o 65 e jurisprudência referida; v., também neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 87 e jurisprudência referida).

169    Assim, para examinar o caráter proporcionado das medidas restritivas em causa, há que verificar, antes de mais, se os elementos de prova apresentados pelo Conselho podem justificar a conclusão a que chegou no que se refere, em substância, ao controlo da recorrente e ao teor dos conteúdos difundidos por esta e, em seguida, se as medidas restritivas em causa são adequadas e necessárias para alcançar os objetivos de interesse geral prosseguidos pela União.

 Quanto à relevância e à suficiência dos elementos de prova apresentados pelo Conselho

170    A título preliminar, há que recordar que ao abrigo da fiscalização da legalidade dos motivos em que se baseia a decisão de incluir ou manter o nome de uma determinada pessoa na lista das pessoas objeto de medidas restritivas, se exige que o juiz da União se assegure de que essa decisão, que reveste um alcance individual para essa pessoa, assente numa base factual suficientemente sólida. Isso implica uma verificação dos factos alegados na exposição de motivos em que se baseia a referida decisão, de modo a que a fiscalização jurisdicional não se limite à apreciação da verosimilhança abstrata dos fundamentos invocados, mas abranja a questão de saber se esses fundamentos ou, pelo menos um deles, considerado suficiente, por si só, para basear essa mesma decisão, têm fundamento suficientemente preciso e concreto (Acórdãos de 21 de abril de 2015, Anbouba/Conselho, C‑605/13 P, EU:C:2015:248, n.o 45, e de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 62).

171    Em primeiro lugar, há que determinar se é com razão que o Conselho pôde considerar a recorrente um meio de comunicação social sob controlo permanente, direto ou indireto, dos dirigentes da Federação da Rússia.

172    Antes de mais, resulta dos autos, e não é contestado pela recorrente, que o seu capital social, à semelhança dos outros canais do grupo RT, pertence à associação de direito russo TV Novosti, que é, em substância, inteiramente financiada pelo orçamento do Estado russo (v. n.o 2, supra), o que foi confirmado pela própria recorrente na audiência. Resulta igualmente dos autos que essa associação foi criada em 2005 pela RIA Novosti, uma agência noticiosa estatal que foi dissolvida em 2013 por uma decisão que previa a transferência do seu património para a nova agência noticiosa estatal internacional Rossiya Segodnya. Em seguida, como o Conselho sublinhou, resulta, em substância, das declarações feitas várias vezes pela chefe de redação do grupo RT, apresentada como tal no sítio Internet da recorrente, que o grupo RT é um órgão de informação do Estado russo, «um canal internacional que representa o país», cuja missão é, nomeadamente, construir uma audiência importante a partir dos países onde os seus canais estão operacionais e a ser utilizados, em momentos críticos, por exemplo, em guerra, como uma «arma de informação» contra mundo ocidental. Neste contexto, a função do grupo RT foi comparada, em substância, à do Ministério da Defesa russo. A este respeito, há também que constatar que, embora a chefe de redação do grupo RT não seja formalmente a dirigente da recorrente, resulta de várias declarações que a recorrente fez, juntas aos autos pelo Conselho, que esta fala sistematicamente dos jornalistas da recorrente como os «seus» jornalistas. Além disso, em resposta a uma questão do Tribunal Geral na audiência, a recorrente esclareceu que a TV Novosti comprava, independentemente do seu conteúdo, os seus produtos editoriais e fornecia‑lhe igualmente material audiovisual, como documentários e reportagens, que são produzidos para todos os canais do grupo RT. Por último, resulta dos autos que o presidente da Federação da Rússia declarou, por um lado, que «a RT não podia deixar de refletir as posições do poder oficial sobre o que se passa[va] no [seu] país e no estrangeiro» e, por outro, ponderando uma visita às instalações da recorrente, que «se hav[ia] tanto medo de que esse meio de comunicação influencie os espíritos, isso [queria] dizer [que eram] os vencedores dessa concorrência».

173    Na réplica, a recorrente limitou‑se a reiterar que, mesmo que os diferentes canais RT pertencessem ao mesmo grupo e partilhassem determinados valores, era totalmente independente e dona da sua linha editorial. Todavia, não apresentou nenhum elemento relativo ao quadro regulamentar e institucional que regia as atividades das entidades russas Rossiya Segodnya e TV Novosti suscetíveis de demonstrar a existência da sua independência editorial e da sua autonomia institucional relativamente a essas entidades. Interrogada expressamente a este respeito na audiência, não conseguiu explicar se a sua independência editorial e a sua autonomia institucional relativamente ao grupo RT podiam ser inferidas de leis ou, em todo o caso, de atos públicos.

174    Daqui resulta que o Conselho apresentou um conjunto de indícios suficientemente concretos, precisos e concordantes que demonstram que a recorrente estava sob controlo permanente, direto ou indireto, dos dirigentes da Federação da Rússia.

175    Em segundo lugar, há que determinar se foi com razão que o Conselho pôde considerar que a recorrente desenvolveu de forma contínua e concertada ações de propaganda dirigidas à sociedade civil da União e dos países vizinhos com vista, nomeadamente, a justificar e a apoiar a agressão da Ucrânia pela Federação da Rússia.

176    No caso em apreço, há que salientar que o Conselho apresentou, em apoio dos atos impugnados, vários elementos de prova, todos anteriores aos referidos atos e acessíveis ao público.

177    Em primeiro lugar, resulta desses elementos que a recorrente levou a cabo atividades de apoio às ações e às políticas do Governo russo que destabilizaram a Ucrânia, durante o período que antecedeu a sua agressão militar, através de artigos publicados no seu sítio Internet e de entrevistas destinadas, nomeadamente, a apresentar o destacamento das forças armadas russas como uma ação preventiva destinada a defender as Repúblicas autoproclamadas de Donetsk e de Lugansk. Num artigo de 21 de fevereiro de 2022, que reproduz as afirmações do Ministro dos Negócios Estrangeiros russo que acusava o «Ocidente» «de criar um confronto inultrapassável entre a Rússia e a NATO», também se refere, por um lado, que «os americanos não deixam de repetir que a Rússia está “prestes” a invadir a Ucrânia[, u]ma hipótese firmemente refutada por Moscovo que acusa o Ocidente de tentar agravar a situação» e, por outro lado, que «a situação se deteriorou gravemente no leste da Ucrânia, nestes últimos dias[,] um obus de um modelo desconhecido disparado de território ucraniano [que destruiu] completamente um posto dos guardas de fronteira do FSB da Federação da Rússia». Algumas semanas antes, em 1 de dezembro de 2021, a recorrente publicou um vídeo no Youtube que reproduz as afirmações do chefe da diplomacia russa, segundo as quais «a Rússia não excluí[a] que a Ucrânia, com o apoio do Ocidente, decidi[sse] participar numa aventura militar».  Num artigo de 24 de janeiro de 2022, que dava conta de uma «limpeza étnica» conduzida pelos Ucranianos no Donbass, referiu: «Essas regiões, não esqueçamos, Donetsk e Lugansk, são regiões da Rússia que foram dadas à Ucrânia por Lenine e os bolcheviques.» Um artigo de 12 de fevereiro de 2022 contém um vídeo de um interveniente, apresentado como professor convidado na universidade estatal de Moscovo, que afirma que muitos grupos de jiadistas tinham desembarcado na linha da frente ucraniana e que se temiam provocações. Num artigo de 21 de fevereiro de 2022, alegava‑se que «atrocidades iminentes» do exército ucraniano ameaçavam a população russófona do Donbass. Numa entrevista de 22 de fevereiro de 2022, um analista político afirma que os Estados Unidos levam a cabo uma propaganda «que fabrica uma guerra imaginária» e que exercem «uma influência prejudicial que ameaça a segurança da Rússia nas suas próprias fronteiras, enquanto voam em socorro de uma pobre pequena nação».

178    Em segundo lugar, resulta das emissões difundidas entre 24 de fevereiro de 2022, dia da agressão militar da Ucrânia, e 27 de fevereiro de 2022, no canal de televisão da recorrente, que, uma vez desencadeada a agressão militar, a recorrente continuou a reproduzir as tomadas de posição oficiais das autoridades da Federação da Rússia segundo as quais a ofensiva, em conformidade com a alocução do presidente russo de 24 de fevereiro de 2022, constituía uma «operação especial», uma ação preventiva, defensiva e limitada, causada pelos países ocidentais e pela atitude agressiva da NATO e por provocações ucranianas destinadas a defender as Repúblicas autoproclamadas de Donetsk e de Lugansk.

179    A este respeito, há que prestar especial atenção aos termos utilizados nessas emissões, à forma como as declarações foram formuladas e ao contexto em que as referidas emissões foram difundidas, a saber, o de uma guerra em curso.

180    Durante a manhã de 24 de fevereiro de 2022, primeiro dia da ofensiva russa, as operações militares em curso foram apresentadas por alguns participantes nessas emissões televisivas como uma «ação defensiva» da Federação da Rússia. Mais concretamente, um convidado apresentado como politólogo, afirmou repetidamente que a reação russa era «defensiva» e «limitada» e que a guerra no Donbass resultava de uma manipulação dos «ocidentais», acrescentando: «Vejamos os verdadeiros responsáveis, objetivamente, trata‑se apenas da NATO e das suas marionetes ucranianas.» Esse convidado também defendeu que os territórios do Donbass deviam ser rapidamente libertados do «domínio do regime militar de Kiev» e que as operações militares em curso tinham o único objetivo de recuperar as duas repúblicas separatistas do Donbass e restabelecer a calma nas fronteiras russas. Além disso, declarou: «A Rússia não tem intensão de travar uma guerra com a Ucrânia e de a anexar, contrariamente ao que nos quer fazer crer a propaganda ocidental». Durante a mesma emissão, um outro convidado, em duplex, afirmou: «Não se trata evidentemente de uma invasão, como as agências de comunicação anglo‑saxónicas, da União Europeia e da NATO tentam demonstrar, trata‑se de estabelecer uma segurança das Repúblicas do Donbass e iremos vê‑lo, […] da libertação dos cidadãos do Donbass, iremos ver os cidadãos do Donbass acolher as tropas russas com alegria, porque o Donbass está debaixo de bombardeamentos ucranianos desde 2014.» Segundo esse convidado, não se trata de «uma guerra de agressão, mas de uma guerra defensiva para estabelecer a segurança no seu território e imediações.» Esse convidado acrescentou, «[o] perigo é “natisar” a Ucrânia, porque essa campanha de comunicação para demonstrar que a Rússia é o agressor permite evitar a negociação […] e entregar permanentemente armas à Ucrânia e por conseguinte aumentar o perigo de uma escalada e de um ataque da Ucrânia ao território do Donbass [[…] A]s repúblicas independentes pediram ajuda à Rússia.» Um outro convidado, apresentado como analista político, que interveio durante toda essa manhã, refere que, «apesar das propostas de solução enviadas por Moscovo […] apesar da diplomacia, ao fim de oito anos, […] a única solução que Moscovo encontrou hoje é a guerra.» Conforme sublinha o Conselho, resulta dessas emissões que os intervenientes em estúdio dão conta de provocações de que a Federação da Rússia teria sido vítima de longa data, o que teria legitimado o ataque militar, e pelo facto de que o desencadeamento do conflito devia ser ligado às ações dos países ocidentais e às alegadas provocações ucranianas.

181    Na tarde de 24 de fevereiro de 2022, vários convidados continuaram a apresentar a ofensiva russa como uma ação defensiva e preventiva da Federação da Rússia. Também se observou que o desencadeamento do conflito tinha sido de novo imputado às ações dos países ocidentais e às provocações ucranianas. Um jornalista, apresentado como consultor em inteligência estratégica, afirmou que «a Ucrânia [era] uma criação da Rússia». Segundo as afirmações de um participante, apresentado como politólogo especialista dos Estados Unidos: «[h]á muitos problemas territoriais na Ucrânia, trata‑se de um país que teve muitas dificuldade em reunir‑se realmente, em federar‑se, é caso para dizer, e ainda hoje, se fala da Transnístria, ou do Donbass, ou ainda da Crimeia, que são territórios que aspiram a tornar‑se parte da Federação da Rússia, quer isso nos agrade ou não, e esse processo deve ser tomado em conta para compreender todos os procedimentos subjacentes, nomeadamente a ingerência militar russa. De acordo com as afirmações de um outro analista: «[T]rata‑se muito claramente de proteger as Repúblicas autoproclamadas do Donbass e de impedir o Estado ucraniano de, no futuro, prosseguir a política […] relativamente a essas duas entidades que consiste em bombardeá‑los ininterruptamente desde há oito anos, trata‑se, por conseguinte, com efeito, de neutralizar a capacidade de causar danos do atual regime ucraniano.» Segundo este analista a «proteção do Donbass é muito importante, e como o presidente Putin disse, é a neutralização da Ucrânia que é entendida em Moscovo desde 2014 como uma entidade hostil». Acrescenta, por um lado, que «existe a vontade de resolver um contencioso que não pode ser ultrapassado mediante negociação, principalmente aliás [por] culpa da Ucrânia e dos seus patrocinadores ocidentais […] pelo que a Rússia decide então passar à ação e assumir o estado de força» e, por outro lado, que «para a Rússia se trata de reconstituir uma forma de configuração territorial que tem em conta a presença de uma minoria russófona importante». Segundo outro convidado, apresentado como consultor em inteligência estratégica: «[M]uitas pessoas veem no que se passa uma agressão, eu tenho tendência para ver a defesa […] pelos acordos de 1991, nos quais os Estados Unidos se comprometeram a que não haveria qualquer expansão da NATO para leste, ora com o que se passa hoje, designadamente, a vontade da Ucrânia de aderir à NATO, assiste‑se ao contrário.» Segundo esse convidado: [S]e existem veleidades separatistas que podem hoje a ajudar a Rússia a tomar um pequeno pedaço de território, isto insere‑se numa espécie ação preventiva, de proteção de um perigo, o que justifica um pouco tudo a que assistimos».

182    Durante a manhã de 25 de fevereiro de 2022, um convidado em duplex, apresentado como chefe de redação de uma revista sérvia, afirmou que havia um paralelismo entre a situação na Ucrânia e a da Sérvia de há 30 anos. Refere‑se à «expulsão de 250 000 sérvios da Croácia», pelo facto de o seu «presidente à época, Milosevic, ter sido declarado um novo Hitler» e fala do «genocídio que […] foi preparado pelo Governo de Kiev com o apoio dos Estados Unidos e mesmo de Bruxelas». Ainda nessa manhã, uma participante, apresentada como professora convidada na Universidade estatal de Moscovo, apresentou novamente a ofensiva russa na Ucrânia como uma ação defensiva e preventiva. Na sua opinião: «[o objetivo desta ofensiva é] a desmilitarização da Ucrânia, uma vez que a Ucrânia foi “sobre militarizada” nestes últimos tempo pelos países da NATO, quando não é membro, e a sua desnazificacão, uma vez que todas a estruturas, desde o “maïdan” de 2014, estão infiltradas por grupos neonazis […] um país que tem um nível de corrupção inédito, que é dirigido do estrangeiro, torna‑se absolutamente perigoso deixá‑lo nesse estado, para a sua população, para a Europa, não só para a Rússia […] por conseguinte o objetivo direto é desmilitarizar o país e permitir às populações, como já foi dito, determinar o caminho que querem seguir e não o que lhes foi imposto pelos “maïdans” sucessivos desde 2004.» Segundo essa convidada: «[H]á o problema geral da governança e da orientação ideológica do Governo oficial ucraniano [..] reconheceram como heróis de guerra as pessoas que estavam do lado nazi […] quando se chega à glorificação de heróis nazis que massacraram populações civis e que, à época, estavam integrados no exército alemão, coloca-se também um problema muito sério de segurança internacional, uma vez que a Ucrânia está, ainda assim às portas da U[nião] ser independentes.» Afirma também: «[É] importante diferenciar o âmbito político do âmbito jurídico: com efeito, politicamente é sempre contestável uma vez que no âmbito político estamos no direito do mais forte, a comunidade internacional considera perfeitamente legítimo bombardear a ex‑Jugoslávia […], em contrapartida […] o facto de a Rússia querer libertar as populações que estão sob o jugo de um Governo extremista, isso escapa‑lhe […] se a comunidade internacional escolher defender o regime nazi à sua porta, é a sua opção, amoral, desumana […]; sob o ângulo jurídico, a questão está em saber em que medida as regiões de Donetsk têm o direito de aceder à independência[;] para isso é preciso compreender que, com efeito, de um lado há o direito do Estado de se defender e proteger a sua integridade territorial, mas para isso é preciso que o Estado exista; contudo o Estado existe juridicamente quando a sua legislação é […] global e genericamente aplicada e eficaz em todo o território […]; pode‑se realmente dizer que o Estado ucraniano existe? Se se considerar o Estado de direito democrático, tal como, em todo o caso, a comunidade internacional o reconhece e o impõe, pelo menos teoricamente, nesse caso o Estado ucraniano não existe. Com base nisso, é perfeitamente normal que Donetsk e Lugansk peçam proteção […] é normal que a Rússia intervenha juridicamente para permitir a essas populações justamente restabelecer o Estado». E acrescenta: «[S]ó pode se pode falar de integridade territorial se [existir um] Estado, a partir do momento em que não há um Estado, existe o direito dos povos à autodeterminação, seja um ou o outro; o Estado ucraniano foi destruído a primeira vez, posto em risco em 2004 […] em seguida foi concluído em 2014 […]; consequentemente não há um Estado, a partir desse momento, não se pode mais falar de integridade territorial».

183    Durante a tarde de 25 de fevereiro de 2022, um convidado, apresentado como geopolitólogo e diretor de curso na Universidade de Genebra (Suíça), declarou: «É uma operação de polícia […] e, por conseguinte, os Russos foram, de certa maneira, fazer a limpeza e é nesse sentido que isso se distingue profundamente de uma invasão enquanto tal [… É preciso refletir] na redefinição das fronteiras que fizemos a partir da queda da URSS.» Essas declarações não foram objeto de nenhum comentário nem de nenhuma reação, nomeadamente por parte da jornalista que apresentava o jornal. Um outro convidado, apresentado como especialista em geoestratégia declarou designadamente: [A] estratégia americana pretende cercar a Rússia para, por fim, a fazer desaparecer. Quase o conseguiu nos anos de Eltsine e depois a Rússia recuperou.» Concluiu dizendo que, para a Rússia, a Ucrânia é um «país estratégico que não deve em caso algum aderir à NATO, isto é a uma organização hostil[, e que] por conseguinte o que se passa é normal, e as declarações do porta‑voz do Kremlin são perfeitamente legítimas».

184    Durante a tarde de 26 de fevereiro de 2022, um jornalista convidado afirmou a existência de um clima «russófobo» em França e apresentou a Federação da Rússia como um ator aberto a negociações, referindo uma mão estendida pela Federação da Rússia, desde há vários anos, a propósito de discussões sobre a instalação de uma zona tampão desmilitarizada na Ucrânia. Os convidados em estúdio insistiram no posicionamento dos países europeus e na situação do Donbass para explicar a agressão militar levada a cabo pela Federação da Rússia.

185    Por último, no domingo 27 de fevereiro de 2022, vários convidados continuaram a apresentar a agressão militar como uma intervenção legítima destinada a proteger as Repúblicas autoproclamadas do Donbass e a responder a uma ameaça ocidental, invocando nomeadamente uma manipulação dos Estados Unidos, incluindo no que respeita às sanções aplicadas à Federação da Rússia. Mais concretamente, durante a manhã, um enviado especial no Donbass (a banda à direita da sua imagem continha a menção «Donetsk». República de Donetsk») referiu, nomeadamente, que «as autoridades locais temiam que as forças ucranianas tomem como alvo depósitos petrolíferos como [tinha sido] o caso na região de Lugansk». Durante a tarde, um jornalista convidado, apresentado como consultor em inteligência estratégica, presente no estúdio, interrogado pela jornalista, afirmou o seguinte: [N]ão há outras alternativas ao diálogo, sobretudo porque, se é entendido como agressão, como um ato ilegal, esta invasão da Rússia na Ucrânia, em contrapartida, pode também ser revestida de uma certa forma de legitimidade, uma vez que a Rússia pode justificar essa intervenção pelo apelo das populações que vivem no Donbass que são russófonas». Nessa mesma tarde foi difundida uma reportagem unívoca sobre a situação no Donbass, realizada antes da agressão da Ucrânia, testemunhando, no essencial, apenas o sentimento pró‑russo das Repúblicas autoproclamadas do Donbass. A Ucrânia é aí apresentada quase exclusivamente como um Estado agressor, único responsável pelos bombardeamentos do Donbass, quer nos testemunhos da população interrogada quer no depoimento da única jornalista que intervém na reportagem. O ponto de vista das autoridades ucranianas não é de modo algum evocado, nem as controvérsias internacionais sobre a identidade das potências autoras dos bombardeamentos ao Donbass.

186    Assim, com base nos elementos de prova examinados nos n.os 180 a 185, supra, o Conselho podia validamente considerar que a recorrente difundia programas que continham uma leitura dos acontecimentos relacionados com a agressão militar da Ucrânia a favor dessa agressão e da narrativa feita pelos responsáveis políticos da Federação da Rússia, incluindo no que dizia respeito à existência de ameaças eminentes de agressões por parte da Ucrânia e da NATO (v. n.os 180 a 182, supra), e utilizava um vocabulário semelhante, ou mesmo idêntico ao utilizado pelos órgãos governamentais russos, tal como a referência a uma «operação militar especial», a uma «operação de polícia» ou a uma «ação defensiva e preventiva da Federação da Rússia», em vez de «a uma guerra» (v. n.os 178, 180 e 181, supra).

187    Mais concretamente, resulta dos n.os 180 a 185, supra, que, nas emissões da recorrente, foi dado um grande espaço a comentadores externos, convidados pela redação do canal que conhecia a sua orientação, que tendiam a justificar a agressão militar da Ucrânia e cujas afirmações não eram seguidas, salvo em raras exceções, por reações por parte dos apresentadores em estúdio. Embora, por vezes, as suas opiniões tenham sido contrabalançadas por outras opiniões expressas por participantes diferentes, isso não basta, todavia, para reequilibrar afirmações que exprimem uma narrativa amplamente favorável à agressão militar da Ucrânia. A este respeito, importa, por outro lado, recordar que, segundo o TEDH, na medida em que o editor tem o poder de definir a linha editorial, partilha indiretamente os «deveres e responsabilidades» que os redatores e jornalistas assumem na recolha e difusão de informações junto do público, papel que reveste uma importância acrescida em situação de conflito e de tensão (v., neste sentido, TEDH, 8 de julho de 1999, Sürek c. Turquia (No 1), CE:ECHR:1999:0708JUD002668295, n.o 63).

188    Consequentemente, foi com razão que o Conselho pôde considerar que os diferentes elementos de prova acima referidos constituíam um conjunto de indícios suficientemente concretos, precisos e concordantes suscetíveis de demonstrar, por um lado, que a recorrente apoiava ativamente, antes da adoção das medidas restritivas em causa, a política desestabilizadora e agressiva levada a cabo pela Federação da Rússia em relação à Ucrânia, que acabou por conduzir a uma forte ofensiva militar, e, por outro, que a recorrente tinha, designadamente, difundido informações que justificavam a agressão militar da Ucrânia, suscetíveis de constituir uma ameaça importante e direta para a ordem e a segurança públicas da União.

189    Esta conclusão não é posta em causa pelos documentos e pelos ficheiros vídeo que a recorrente juntou aos autos. Sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a admissibilidade destes elementos, contestada pelo Conselho, com fundamento na violação do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, na medida em que a recorrente fez, de cada vez, uma remissão geral para os anexos da réplica, há que salientar que se trata frequentemente de sequências truncadas, que só muito raramente refletem a realidade de um conflito armado, que não estão necessariamente inseridas no seu contexto ou que por vezes são difundidas em faixas horárias diferentes daquelas em que foram difundidas as afirmações recordadas nos n.os 180 a 185, supra. Tais sequências da recorrente não são suscetíveis, enquanto tal, de comprovar um tratamento globalmente equilibrado das informações relativas à guerra em curso (v. n.o 187, supra) no respeito dos princípios em matéria de «deveres e responsabilidades» dos meios de comunicação audiovisual tais como enunciados pela jurisprudência do TEDH recordada nos n.os 136 a 140, supra. No que se refere ao argumento da recorrente de que tinha tratado determinadas informações e utilizado determinados termos da mesma maneira que outros meios de comunicação social teriam feito, as provas apresentadas em apoio desta alegação não demonstram que os meios de comunicação social que evoca tenham difundido sistematicamente conteúdos como os expostos nos n.os 180 a 185, supra.

190    Por outro lado, resulta de alguns desses vídeos que, aquando da difusão das imagens relativas às regiões de Donetsk e de Lugansk, no período compreendido entre 24 e 27 de fevereiro de 2022, as bandas de informação exibiam «Donetsk». República de Donetsk» e «Lugansk. República de Lugansk». Ora, basta salientar que a designação desses territórios, que fazem parte da Ucrânia, como «repúblicas» independentes é utilizada pela Federação da Rússia, que, de resto, reconheceu a soberania e a independência dos mesmos (v. n.o 10, supra), o que testemunha o caráter tendencioso da informação destinada a fazer eco da propaganda proveniente da Federação da Rússia.

191    À luz de todas estas considerações, a recorrente não demonstra que o Conselho cometeu um erro de apreciação dos factos ao considerar que era um meio colocado, em substância, sob controlo permanente dos dirigentes da Federação da Rússia e que difundia através dos seus programas afirmações contínuas e concertadas dirigidas à sociedade civil na União com vista a justificar e a apoiar a agressão da Ucrânia pela Federação da Rússia, realizada em violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas. Também não demonstra que o Conselho cometeu um erro de apreciação ao qualificar essas afirmações de ações de propaganda a favor da referida agressão, como resulta do considerando 7 dos atos impugnados.

–       Quanto ao caráter adequado das restrições

192    Há que verificar se as medidas restritivas em causa são adequadas para alcançar os objetivos de interesse geral prosseguidos pela União.

193    A este respeito, há que constatar que, tendo em conta o amplo poder de apreciação de que o Conselho dispõe na matéria (v. n.o 52, supra), este pôde validamente considerar que as medidas restritivas em causa, que visavam meios de comunicação social controlados pela Federação da Rússia, que se dedicam a ações de propaganda a favor da sua invasão militar da Ucrânia, eram suscetíveis de proteger a ordem e a segurança públicas da União e preservar a integridade do debate democrático na sociedade europeia, a paz e a segurança internacional.

194    No caso em apreço, importa salientar que a proibição temporária de radiodifusão dos conteúdos da recorrente, enquanto medida que se inscreve no âmbito de uma resposta rápida, unificada, graduada e coordenada, instituída a título de um pacote de medidas restritivas, também constitui uma medida adequada para atingir o objetivo de exercer a máxima pressão sobre as autoridades russas, para que estas cessem as suas ações e políticas que destabilizam a Ucrânia, e à agressão militar desse país (v. n.o 163, supra).

195    Daqui resulta que as medidas restritivas em causa são adequadas para alcançar os objetivos de interesse geral prosseguidos pela União.

–       Quanto à necessidade das restrições

196    Há que verificar se outras medidas menos restritivas não teriam permitido alcançar os objetivos de interesse geral prosseguidos pela União.

197    A este respeito, há que constatar que, tendo em conta a natureza do canal de informações em contínuo da recorrente, medidas restritivas diferentes e menos restritivas, como a proibição de radiodifusão em determinados países da União ou uma proibição limitada a algumas modalidades de radiodifusão de programas, e a limitação a certos tipos de conteúdos, ou ainda a obrigação de colocar uma banda ou mesmo um aviso, não permitem atingir com a mesma eficácia os objetivos prosseguidos pelos atos impugnados, a saber, pôr termo às ameaças diretas à ordem e à segurança públicas da União e exercer a máxima pressão sobre as autoridades russas para que ponham termo à agressão militar da Ucrânia (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.o 85 e jurisprudência referida). Como o Conselho e alguns dos intervenientes observaram corretamente, medidas diferentes não teriam alcançado o mesmo resultado, uma vez que algumas delas, como a proibição de radiodifusão de determinados conteúdos, relativamente a um canal de informação em contínuo, teriam sido praticamente impossíveis de executar, enquanto outras, como a obrigação de exibir uma banda ou mesmo um aviso, teriam sido de eficácia limitada.

198    Em especial, há que salientar, por um lado, que as medidas restritivas em causa se inscrevem num contexto extraordinário e de extrema urgência (v. n.os 9 a 18, supra), determinado, nomeadamente, pela intensificação da agressão militar da Ucrânia, e, por outro, fazem parte integrante de um pacote de medidas de envergadura inédita, adotadas pelo Conselho entre a última semana de fevereiro e o início de março de 2022, para frustrar, com os instrumentos pacíficos de que a União dispunha, a agressão militar da Ucrânia pela Federação da Rússia, de a dissuadir de continuar essa agressão e de assim proteger as fronteiras da União. No âmbito da estratégia global de resposta rápida, unificada, graduada e coordenada, executada pela União, a adoção dessas medidas, uma vez que respondem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União (v. n.os 160 a 165, supra), pode ser considerada necessária.

199    Além disso, à semelhança do Conselho e de alguns intervenientes, há que observar que a cobertura intensiva dos primeiros dias da agressão militar da Ucrânia constituía, sem dúvida, um momento crucial em que as ações de um meio de comunicação social, como a recorrente, podiam intensificar‑se e ter uma influência prejudicial significativa na opinião pública da União, através das suas operações de manipulação e de influência hostil, tendo em conta o teor das emissões difundidas pela recorrente, acima referidas, destinadas a justificar e a apoiar a agressão da Ucrânia. Neste contexto, o Conselho pôde, com razão, considerar que era essencial para a União intervir nos primeiros dias do desencadeamento dessa agressão, proibindo, nomeadamente, a radiodifusão de conteúdos da recorrente com o objetivo de suspender temporariamente tal vetor de propaganda a favor da agressão militar da Ucrânia no território da União.

200    Daqui resulta que o Conselho não cometeu um erro de apreciação ao considerar que medidas menos restritivas não teriam permitido alcançar os objetivos prosseguidos.

–       Quanto à ponderação dos interesses

201    No que se refere ao caráter estritamente proporcionado das medidas restritivas em causa, uma ponderação dos interesses em jogo demonstra que os inconvenientes que a proibição temporária de radiodifusão de conteúdos comporta não são desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos, que correspondem, por sua vez, a objetivos de interesse geral (v. n.os 160 a 165, supra).

202    Com efeito, a importância dos objetivos prosseguidos pelos atos impugnados, a saber, por um lado, a cessação de uma atividade contínua e concertada de propaganda a favor da agressão militar da Ucrânia dirigida à sociedade civil na União e nos países vizinhos, que se inscreve no objetivo de salvaguardar os valores da União, os seus interesses fundamentais, a sua segurança, a sua integridade e a sua ordem pública, e, por outro, a proteção da integridade territorial, da soberania e da independência da Ucrânia, bem como a promoção de uma resolução pacífica da crise neste país, que se inscrevem no objetivo mais amplo de promoção da paz e da segurança internacionais, em conformidade com os objetivos da ação externa da União enunciados no artigo 21.o, n.o 2, alíneas a) e c), TUE, é suscetível de justificar as consequências negativas, até mesmo consideráveis, dessas medidas para certos operadores (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 149 e 150 e jurisprudência referida).

203    Como alega o Conselho, a importância do objetivo da promoção da paz e da segurança internacional é, aliás, confirmada pelo facto de outras instituições europeias e outros organismos internacionais multilaterais terem adotado, desde 24 de fevereiro de 2022, dia em que teve início a agressão militar da Ucrânia, várias declarações, decisões, tomadas de posição e medidas com os mesmos objetivos que os da União (v. n.os 15, 16, 18 e 20, supra).

204    Esta importância foi, aliás, confirmada posteriormente à adoção dos atos impugnados por esses organismos. Tal foi o caso, nomeadamente, da Assembleia Geral das Nações Unidas, como resulta do n.o 165, supra, e do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ). Com efeito, por Despacho de 16 de março de 2022, no processo intitulado «Alegações de genocídio nos termos da Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio (Ucrânia c. Federação da Rússia)», o TIJ considerou que a Ucrânia tinha um direito plausível de não ser objeto de operações militares pela Federação da Rússia para prevenir e punir um alegado genocídio no território ucraniano e decidiu, a título de medidas cautelares, nomeadamente, que a Federação da Rússia devia suspender imediatamente as operações militares que tinha iniciado em 24 de fevereiro de 2022 no território da Ucrânia e que devia assegurar que nenhuma das unidades militares ou unidades armadas irregulares que podiam agir sob a sua direção ou beneficiar do seu apoio, nem nenhuma organização ou pessoa que se pudesse encontrar sob o seu controlo ou a sua direção cometa atos destinados à continuação das operações militares acima referidas.

205    No que se refere à salvaguarda dos valores da União, dos seus interesses fundamentais, da sua segurança e da sua integridade, também era primordial para a União suspender temporariamente a atividade de propaganda da recorrente em apoio da agressão militar da Ucrânia desde o seu início.

206    Por estas razões, tendo em conta o facto de que o exercício da liberdade de expressão comporta deveres e responsabilidades que são tanto mais importantes no que respeita aos meios de comunicação social audiovisuais (v. n.os 136 a 138, supra), como a recorrente, não se pode afirmar que o tratamento da informação em questão, que comporta atividades de propaganda para justificar e para apoiar a agressão militar ilegal, não provocada e injustificada, da Ucrânia pela Federação da Rússia), fosse suscetível de apelar à proteção reforçada que o artigo 11.o da Carta confere à liberdade de imprensa (v., neste sentido e por analogia, TEDH, 5 de abril de 2022, NIT S.R.L. c. República da Moldávia, CE:ECHR:2022:0405JUD002847012, n.o 215), sobretudo quando essa proteção é invocada por um órgão de informação que está, em substância, sob controlo, direto ou indireto, do Estado agressor, como sucede no caso em apreço (v. n.os 172 a 174, supra).

207    Por outro lado, há que salientar que, em matéria de direitos fundamentais, que são parte integrante dos princípios gerais de direito cuja observância lhe incumbe garantir, o juiz da União considerou, nomeadamente, que os instrumentos internacionais relativos à proteção dos direitos humanos em que os Estados‑Membros tinham colaborado ou a que tinham aderido podem igualmente dar indicações que devem ser tidos em consideração no âmbito do direito da União (Acórdão de 14 de maio de 1974, Nold/Comissão, 4/73, EU:C:1974:51, n.o 13), nomeadamente, para efeitos da interpretação e aplicação do artigo 11.o da Carta.

208    Nesta perspetiva, como justamente sublinharam o Conselho, o Reino da Bélgica, a República da Estónia, a República Francesa, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Polónia, a Comissão e o Alto Representante na audiência, há que ter em consideração o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adotado em 16 de dezembro de 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no qual são partes não só os Estados‑Membros mas também a Federação da Rússia, que figura entre os instrumentos internacionais relativos à proteção dos direitos Humanos que o juiz da União tem em conta na aplicação dos princípios gerais do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 37 e jurisprudência referida).

209    Ora, o artigo 20.o, n.o 1, do referido pacto dispõe que «[t]oda a propaganda a favor da guerra estará proibida por lei». A este respeito, há que observar que o facto de a proibição da «propaganda a favor da guerra» estar consagrada num número autónomo em relação à proibição de «[t]oda a apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência», consagrada no n.o 2 deste mesmo artigo, deve ser interpretada no sentido de que visa atribuir à «propaganda a favor da guerra» uma gravidade absoluta.

210    No caso em apreço, por um lado, deve salientar‑se que a ação de propaganda desenvolvida pela recorrente ocorre no âmbito de uma guerra em curso, provocada pelo ato de um Estado qualificado de «agressão» pela comunidade internacional (v., nomeadamente, n.os 15, 165 e 204, supra), em violação da proibição de uso da força prevista no artigo 2.o, n.o 4, da Carta das Nações Unidas. A este respeito, importa recordar que, através da Resolução 110 (II), reafirmada pela Resolução 381 (V), a Assembleia‑Geral das Nações Unidas condenou «toda a propaganda, em qualquer país onde seja levada a cabo, que é destinada ou que é suscetível de provocar ou encorajar qualquer ameaça à paz, a rutura da paz ou qualquer ato de agressão». Por outro lado, importa salientar que o alcance da proibição imposta pelo artigo 20.o, n.o 1, do referido pacto, que se refere a «toda» a propaganda de guerra, inclui não só a incitação a uma guerra futura, mas também as afirmações mantidas de forma contínua, repetida e concertada a favor de uma guerra em curso, contrária ao direito internacional, em especial se essas afirmações emanam de um meio de comunicação social controlado, direta ou indiretamente, pelo Estado agressor.

211    Resulta das considerações que precedem que, no âmbito da sua atividade durante o período que antecedeu a agressão militar da Ucrânia pela Federação da Rússia e, sobretudo, durante os dias que se seguiram a essa agressão, a recorrente realizou uma ação sistemática de disseminação de informações «selecionadas», incluindo informações manifestamente falsas ou enganosas, reveladoras de um desequilíbrio manifesto na apresentação dos diferentes pontos de vista opostos, com o objetivo preciso de justificar e apoiar a referida agressão.

212    Nestas condições, foi com razão que o Conselho pôde considerar necessário prevenir, no respeito do artigo 11.o da Carta, formas de expressão destinadas a justificar e a apoiar um ato de agressão militar, perpetrado em violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas.

213    As considerações que precedem bastam, tendo em conta todas as circunstâncias acima expostas e, em especial, o contexto extraordinário do caso em apreço, para demonstrar que as restrições à liberdade de expressão da recorrente, que as medidas restritivas em causa são suscetíveis de comportar, são proporcionadas, na medida em que são adequadas e necessárias, aos objetivos prosseguidos.

214    No que se refere ao argumento que a recorrente retira, a título incidental, da liberdade de expressão e de informação na aceção do artigo 11.o da Carta, encarada sob um ponto de vista passivo, a saber, o direito do público a receber informações, independentemente de qualquer questão relativa ao interesse da recorrente em invocá‑las, basta constatar que, se a ingerência no direito de difundir programas que implicam o apoio de um ato de agressão é justificada e proporcionada (v. n.os 149 a 191, supra), o mesmo se diga a fortiori em relação à limitação do direito do público a receber esses programas.

215    Atendendo a todas as considerações que precedem, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação da liberdade de empresa

216    Segundo a recorrente, os atos impugnados violam a liberdade de empresa, protegida pelo artigo 16.o da Carta.  Com efeito, qualquer restrição à liberdade dos meios de comunicação afeta automaticamente esta liberdade. Isto é particularmente verdade, no caso em apreço, uma vez que a proibição de radiodifusão geral e absoluta imposta pelas medidas restritivas em causa impede, em substância, os jornalistas e os trabalhadores da recorrente de prosseguirem as suas atividades, com o risco concreto de esta poder entrar em liquidação a breve trecho.

217    O Conselho, apoiado pelo Reino da Bélgica, pela República da Estónia, pela República Francesa, pela República da Letónia, pela República da Lituânia, pela República da Polónia, pela Comissão e pelo Alto Representante, contesta os argumentos da recorrente.

218    Nos termos do artigo 16.o da Carta: «[é] reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais».

219    No caso em apreço, não há qualquer dúvida de que as medidas restritivas contidas nos atos impugnados implicam limitações no exercício pela recorrente do seu direito à liberdade de empresa.

220    Todavia, essa liberdade, à semelhança de outros direitos fundamentais, não constitui uma prerrogativa absoluta e o seu exercício pode ser objeto de restrições justificadas por objetivos de interesse geral prosseguidos pela União, na condição de que estas correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral e não constituam, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (v. Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 148 e jurisprudência referida).

221    De resto, as medidas restritivas comportam, por definição, efeitos que afetam, nomeadamente, o livre exercício das atividades profissionais, causando assim prejuízos às partes que não têm qualquer responsabilidade na situação que levou à adoção das sanções. Tal é, a fortiori, o efeito das medidas restritivas dirigidas às entidades por elas visadas. (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 149 e jurisprudência referida).

222    Como foi recordado no n.o 145, supra, para ser conforme com o direito da União, uma violação da liberdade de empresa deve responder às seguintes condições: ser prevista por lei, respeitar o conteúdo essencial da referida liberdade, corresponder a um objetivo de interesse geral, reconhecido como tal pela União, e não ser desproporcionada (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, VTB Bank/Conselho, T‑734/14, não publicado, EU:T:2018:542, n.o 140 e jurisprudência referida).

223    Ora, há que declarar que as referidas condições estão preenchidas no caso em apreço.

224    Em primeiro lugar, as medidas restritivas em causa são «previstas por lei», uma vez que são enunciadas em atos que têm, designadamente, um alcance geral e dispõem de uma base jurídica clara em direito da União bem como de uma previsibilidade suficiente (v. n.o 149, supra).

225    Em segundo lugar, uma vez que as referidas medidas são temporárias e reversíveis, há que considerar que não violam o conteúdo essencial da liberdade de empresa (v. n.os 154 e 155, supra), e isso tanto mais quanto a recorrente não apresentou nenhum facto suscetível de pôr em causa esta conclusão.

226    Em terceiro lugar, como já foi salientado no n.o 202, supra, a importância dos objetivos prosseguidos pelos atos impugnados consiste, nomeadamente, por um lado, em salvaguardar os valores da União, os seus interesses fundamentais, a sua segurança, a sua integridade e a sua ordem pública e, por outro, em preservar a paz e o reforço da segurança internacional, e inscrevem‑se assim, como resulta dos elementos referidos nos n.os 160 a 166, supra, nos objetivos prosseguidos pela estratégia global executada pela União, com a rápida adoção de medidas de proteção contra a União, através da rápida adoção de um pacote de medidas restritivas, com o objetivo último de exercer a máxima pressão sobre a Federação da Rússia para cesse a sua agressão militar contra a Ucrânia, perpetrada em violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, em conformidade com os objetivos da ação externa da União, tal como estabelecidos no artigo 21.o TUE, é suscetível de justificar consequências negativas, mesmo consideráveis, para determinados operadores.

227    Em quarto lugar, no que se refere ao caráter adequado, necessário e proporcionado das medidas restritivas em causa, há que remeter para os n.os 193 a 213, supra.

228    No caso em apreço, é verdade que a recorrente está temporariamente impedida de exercer a sua atividade de radiodifusão na União ou para a União desde a implementação das medidas restritivas em causa. No entanto, essa proibição, de natureza transitória, parece plenamente justificada pelos objetivos de interesse geral prosseguidos pelas referidas medidas (v. n.os 161 a 166, supra). A este respeito, a recorrente alega que os atos impugnados põem em perigo a perenidade dos empregos de todos os seus trabalhadores, em especial os empregos inerentes à atividade de radiodifusão, bem como a sua viabilidade financeira, o que implica, a curto prazo, a sua entrada em liquidação. Todavia, não apresenta elementos que permitam concluir pela existência desse risco eminente para a sua viabilidade financeira, tendo em conta, por um lado, o facto de os atos impugnados não a impedirem de continuar a exercer determinadas atividades (v. n.os 156 e 157, supra), e, por outro, o facto de pertencerem a uma associação, em substância, financiada totalmente pelo orçamento do Estado russo (v. n.o 172, supra).

229    Assim, foi com razão que o Conselho considerou que o facto de proibir temporariamente, até 31 de julho de 2022, a radiodifusão da recorrente na União e para a União era suscetível de contribuir eficazmente para os objetivos dos atos impugnados recordados no n.o 226, supra.

230    Há que concluir que as medidas restritivas em causa não lesaram de forma desproporcionada a liberdade de empresa da recorrente e que a sua argumentação, a este respeito, deve ser julgada improcedente.

231    Tendo em conta as considerações que precedem, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade

232    Segundo a recorrente, os atos impugnados violam o princípio da não discriminação, reconhecido pelo artigo 21.o da Carta, na medida em que se baseiam apenas na origem dos seus financiamentos e, mais concretamente, na ligação existente entre ela e a Federação da Rússia, e não no seu comportamento individual. Ora, qualquer proibição de um meio de comunicação social apenas em razão da nacionalidade dos seus acionistas, estatais ou privados, é contrária ao princípio da não discriminação.

233    O Conselho, apoiado pelo Reino da Bélgica, pela República da Estónia, pela República Francesa, pela República da Letónia, pela República da Lituânia, pela República da Polónia, pela Comissão e pelo Alto Representante, contesta os argumentos da recorrente.

234    Nos termos do artigo 21.o, n.o 1, da Carta, é proibida «a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual». Segundo o n.o 2 do mesmo artigo, no âmbito da aplicação dos Tratados e sem prejuízo das suas disposições especiais, é igualmente proibida qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

235    No que respeita à proibição de discriminação em razão da nacionalidade, há que recordar que, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, as anotações relativas a esta devem ser tidas em consideração para efeitos da sua interpretação.

236    Segundo as referidas anotações, o artigo 21.o, n.o 2, da Carta «corresponde ao primeiro parágrafo do artigo 18.o [TFUE] e deve ser aplicado em conformidade com esse artigo». Além disso, nos termos do artigo 52.o, n.o 2, da Carta, os direitos que esta reconhece e que são objeto de disposições nos Tratados são exercidos nas condições e nos limites definidos por estes. Daqui resulta que o artigo 21.o, n.o 2, da Carta deve ser lido no sentido de que tem o mesmo alcance que o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE (Acórdão de 30 de abril de 2019, Wattiau/Parlamento, T‑737/17, EU:T:2019:273, n.o 63 e jurisprudência referida).

237    O artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE dispõe que «[no] âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade». Figura na segunda parte do Tratado FUE, intitulada «Não discriminação e cidadania da União». Esta disposição diz respeito a situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União em que um nacional de um Estado‑Membro é objeto de tratamento discriminatório, relativamente aos nacionais de outro Estado‑Membro, apenas devido à sua nacionalidade (v. Acórdão de 20 de novembro de 2017, Petrov e o./Parlamento, T‑452/15, EU:T:2017:822, n.o 40 e jurisprudência referida).

238    À luz da discriminação em razão da nacionalidade invocada pela recorrente, a saber, o facto de, em substância, ser discriminada pelas medidas restritivas em causa devido à sua estrutura acionista russa e de, portanto, por essa razão ter sido tratada menos favoravelmente do que os outros meios de comunicação audiovisual franceses que não estão sujeitos ao mesmo tipo de controlo por parte de uma entidade de um país terceiro, há que salientar que, mesmo admitindo que uma pessoa coletiva possa utilmente reivindicar o benefício do artigo 21.o, n.o 2, da Carta, não deixa de ser verdade que uma tal diferença de tratamento não é abrangida pelo âmbito de aplicação da referida disposição, como foi indicado no n.o 237, supra.

239    Em todo o caso, há que salientar, à semelhança do Conselho, que a recorrente foi objeto das medidas restritivas em causa na sequência de uma apreciação dos elementos de prova concretos relativos ao seu papel no âmbito das ações de propaganda a favor da agressão militar da Ucrânia pela Federação da Rússia. Com efeito, os motivos em que o Conselho se baseou para adotar os atos impugnados assentam no papel da recorrente enquanto arma de informação estratégica e de propaganda sob controlo permanente, direto ou indireto, dos dirigentes da Federação da Rússia. É certo que o facto de o seu capital social pertencer a uma associação estabelecida na Rússia, inteiramente financiada pelo orçamento do Estado russo, não foi um elemento secundário na apreciação da sua atividade de propaganda. No entanto, resulta dos atos impugnados que o tratamento diferente da recorrente em relação a outros meios de comunicação audiovisual se baseia em dois critérios, um relativo ao seu controlo pelo Governo da Federação da Rússia e o outro aos seus atos de propaganda a favor da agressão militar da Ucrânia. Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a sua estrutura de capital ou a origem do seu financiamento não constitui o único motivo que levou o Conselho a adotar os atos impugnados.

240    De resto, a recorrente não identifica nenhuma outra categoria de pessoas que tenham sido sujeitas a um tratamento mais favorável quando se encontravam numa situação comparável à sua, a saber, estar sob controlo direto ou indireto dos dirigentes da Federação da Rússia.

241    Por conseguinte, a recorrente não demonstrou em que medida tinha sido sujeita a uma qualquer discriminação proibida pelo artigo 21.o da Carta.

242    Em face do exposto, há que julgar improcedente o quarto fundamento e, consequentemente, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

243    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pelo Conselho, em conformidade com o pedido deste último, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

244    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, o Reino da Bélgica, a República da Estónia, a República Francesa, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Polónia e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

245    Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o tribunal pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 deste artigo suporte as suas próprias despesas. No caso em apreço, há que decidir que o Alto Representante suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Grande Secção),

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A RT France suportará as suas próprias despesas e as apresentadas pelo Conselho da União Europeia, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

3)      O Reino da Bélgica, a República da Estónia, a República Francesa, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Polónia, a Comissão Europeia e o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de julho de 2022.

Assinaturas


Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à competência do Conselho para adotar os atos impugnados

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

Quanto à segunda parte, relativa, em substância, ao incumprimento do direito de ser ouvida da recorrente

Quanto à primeira parte, relativa a uma insuficiência da fundamentação dos atos impugnados em relação à recorrente

Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação da liberdade de expressão e de informação

Quanto aos princípios jurisprudenciais aplicáveis em matéria de liberdade de expressão

Quanto à existência de uma restrição à liberdade de expressão

Quanto à condição de que qualquer restrição à liberdade de expressão deve ser prevista por lei

Quanto ao respeito do conteúdo essencial da liberdade de expressão

Quanto à prossecução de um objetivo de interesse geral, reconhecido como tal pela União

Quanto ao caráter proporcionado das medidas restritivas em causa

Quanto à relevância e à suficiência dos elementos de prova apresentados pelo Conselho

– Quanto ao caráter adequado das restrições

– Quanto à necessidade das restrições

– Quanto à ponderação dos interesses

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação da liberdade de empresa

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade

Quanto às despesas


*      Língua do processo: francês.