Language of document : ECLI:EU:C:2023:420

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 17 de maio de 2023 (1)

Processo C402/22

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid

contra

M.A.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2011/95/UE — Normas relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto de proteção subsidiária — Artigo 14.o, n.o 4, alínea b), e n.o 5 — Recusa de concessão do estatuto de refugiado — Nacional de um país terceiro que praticou um crime particularmente grave — Conceito de “crime particularmente grave”»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (2).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M.A., nacional de um país terceiro, ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos) (a seguir «Secretário de Estado»), a respeito da decisão deste último de indeferir o seu pedido de proteção internacional.

3.        O artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95 prevê que os Estados‑Membros podem revogar o estatuto concedido a um refugiado quando, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado por crime particularmente grave, represente um perigo para a comunidade do Estado‑Membro onde se encontra.

4.        Ao abrigo do artigo 14.o, n.o 5, desta diretiva, neste caso, os Estados‑Membros podem igualmente decidir não conceder o estatuto de refugiado, se tal decisão ainda não tiver sido tomada. A decisão em causa no processo principal foi adotada precisamente com base nesta disposição.

5.        Nas Conclusões que apresentei nos processos AA (Refugiado que cometeu um crime grave) e Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Refugiado que cometeu um crime grave) (3), defendi uma interpretação segundo a qual o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95 estabelece dois requisitos cumulativos para que um Estado‑Membro possa revogar o estatuto de refugiado. A este respeito, expus as razões pelas quais considero que a existência de uma condenação por sentença transitada em julgado por um crime particularmente grave constitui um requisito necessário, embora insuficiente, para que um Estado‑Membro possa revogar este estatuto.

6.        Nessas conclusões, indiquei ainda as razões pelas quais entendo que o perigo que a pessoa condenada representa, no momento em que é adotada uma decisão de revogação do estatuto de refugiado, deve ser real, atual e suficientemente grave para a comunidade do Estado‑Membro em causa. Esclareci também que uma decisão de revogar o estatuto de refugiado deve, a meu ver, respeitar o princípio da proporcionalidade e, de um modo geral, os direitos fundamentais da pessoa em causa, conforme garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

7.        Em contrapartida, dado que nenhuma das questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos C‑663/21 e C‑8/22 incidia diretamente sobre o significado do requisito segundo o qual o nacional em causa de um país terceiro deve ter sido «condenado por sentença transitada em julgado por crime particularmente grave», não me pronunciei sobre este aspeto.

8.        No presente processo, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) questionou expressamente o Tribunal de Justiça sobre o referido aspeto no contexto da sua primeira questão prejudicial a propósito de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional.

9.        A pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões incidirão sobre essa primeira questão prejudicial, pela qual o órgão jurisdicional de reenvio procura obter esclarecimentos do Tribunal de Justiça sobre os critérios que permitem definir o conceito de «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95.

10.      Exporei, nos números seguintes, as razões pelas quais considero que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que uma infração penal que se caracteriza pelo seu nível de gravidade excecional constitui um «crime particularmente grave», na aceção da referida disposição. Esclarecerei o método e os critérios que, na minha opinião, devem permitir que os Estados‑Membros apreciem a existência de semelhante crime.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito internacional

11.      O artigo 33.o da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (4), completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados (5) (a seguir «Convenção de Genebra»), prevê:

«1.      Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.

2.      Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país.»

B.      Direito da União

12.      O artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 enuncia:

«O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado quando existam suspeitas graves de que:

a)      Praticou crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a estes crimes;

b)      Praticou um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de ter sido admitido como refugiado, ou seja, antes da data em que foi emitida uma autorização de residência com base na concessão do estatuto de refugiado […];

c)      Praticou atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas […]»

13.      O artigo 14.o, n.os 4 e 5, desta diretiva dispõe:

«4.      Os Estados‑Membros podem revogar, suprimir ou recusar renovar o estatuto concedido a um refugiado por uma entidade governamental, administrativa, judicial ou parajudicial, quando:

a)      Haja motivos razoáveis para considerar que representa um perigo para a segurança do Estado‑Membro em que se encontra;

b)      Tendo sido condenado por sentença transitada em julgado por crime particularmente grave, represente um perigo para a comunidade desse Estado‑Membro.

5.      Nas situações descritas no n.o 4, os Estados‑Membros podem decidir não conceder o estatuto a um refugiado se essa decisão de reconhecimento ainda não tiver sido tomada.»

14.      O artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva tem a seguinte redação:

«O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de pessoa elegível para proteção subsidiária se existirem motivos sérios para considerar que:

[…]

b)      Praticou um crime grave.»

15.      O artigo 21.o, n.os 1 e 2, desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros devem respeitar o princípio da não repulsão, de acordo com as suas obrigações internacionais.

2.      Nos casos em que as obrigações internacionais mencionadas no n.o 1 não o proíbam, os Estados‑Membros podem repelir um refugiado, formalmente reconhecido ou não, quando:

a)      Haja motivos razoáveis para considerar que representa um perigo para a segurança do Estado‑Membro em que se encontra; ou

b)      Tendo sido condenado por sentença transitada em julgado por crime particularmente grave, represente um perigo para a comunidade desse Estado‑Membro.»

C.      Direito neerlandês

16.      O n.o C2/7.10.1 da Vreemdelingencirculaire 2000 (Circular de 2000 relativa aos estrangeiros), intitulado «A ordem pública como fundamento de recusa», explicita:

«Ao apreciar um pedido de autorização de residência temporária ao abrigo do direito de asilo, o Immigratie — en Naturalisatiedienst [Serviço de Imigração e Naturalização, Países Baixos (a seguir “IND”)] avalia se o estrangeiro constitui um perigo para a ordem pública ou para a segurança nacional. Se o estrangeiro for um refugiado na aceção da Convenção [de Genebra], o IND verifica se este praticou um crime particularmente grave […]

O IND aprecia casuisticamente se o crime é (particularmente) grave, com base em todos os elementos factuais e jurídicos pertinentes. A este respeito, tem em conta, em todo o caso, as circunstâncias particulares invocadas pelo estrangeiro relativas à natureza e à gravidade da infração, bem como o tempo decorrido desde os factos.

[…]

O IND aprecia se existe um crime (particularmente) grave, verificando para o efeito se o total da soma das penas impostas atinge, pelo menos, o limiar aplicável. Neste contexto, as circunstâncias individuais assumem uma elevada importância, nomeadamente a proporção das infrações que constituem um perigo para a comunidade. Em todo o caso, pelo menos uma das condenações deve reportar‑se a uma infração que constitua um perigo desta natureza.

Para determinar se a soma das penas impostas atinge o limiar aplicável, o IND tem em conta, em todo o caso, a parte da pena que deve ser incondicionalmente cumprida.

Na sua apreciação, o IND tem em conta a parte condicional das penas se e na medida em que estiverem (igualmente) em causa:

–        infrações relacionadas com estupefacientes, infrações de natureza sexual e infrações violentas;

–        tráfico de seres humanos; ou

–        a prática, preparação ou facilitação de terrorismo.

Para apreciar se existe um perigo para a ordem pública ou para a segurança nacional, o IND tem igualmente em conta as condenações a penas de prestação de trabalho a favor da comunidade. O limiar aplicável é calculado com base nos seguintes elementos:

–        a duração da pena de substituição da pena privativa de liberdade aplicada pelo juiz;

–        a duração da pena privativa de liberdade fixada pelo juiz caso o estrangeiro não execute corretamente o trabalho a favor da comunidade a que foi condenado; e

–        cada período de duas horas [de trabalho a favor da comunidade] decretado por sentença penal corresponde a um dia de pena privativa de liberdade.

[…]

Ordem pública no caso de o estrangeiro ser um refugiado na aceção da Convenção [de Genebra]

O IND não concede autorizações de residência temporária ao abrigo do direito de asilo aos estrangeiros que reúnam cumulativamente as seguintes condições:

–        preenchem as condições para beneficiar de uma autorização de residência temporária ao abrigo do direito asilo […]; e

–        foram condenados por um “crime particularmente grave” e constituem um “perigo para a comunidade”.

Considera‑se que existe um “crime particularmente grave” se estiverem reunidas as seguintes condições:

–        o estrangeiro foi condenado por sentença transitada em julgado a uma pena ou medida privativa de liberdade; e

–        a duração da pena ou da medida aplicada perfaz um total de, pelo menos, dez meses.

No âmbito desta apreciação, o IND tem igualmente em conta as infrações que tenham sido praticadas no estrangeiro. A este respeito, com base nas informações facultadas pelo Openbaar Ministerie [Ministério Público, Países Baixos], o IND avalia quais seriam as cominações associadas a essas infrações nos termos do direito neerlandês caso tivessem sido praticadas e punidas nos Países Baixos.

O IND aprecia o perigo para a comunidade casuisticamente e com base em todos os elementos factuais e jurídicos pertinentes.

Ao apreciar o “perigo para a comunidade” que o estrangeiro constitui, o IND toma em conta, em todo o caso, os seguintes aspetos:

–        a natureza da infração; e

–        a pena aplicada.

O IND aprecia o perigo que o estrangeiro constitui para a comunidade com base na situação tal como se apresenta no momento em que o pedido é avaliado (apreciação ex nunc).

O IND pode, em todo o caso, considerar que existe um perigo para a comunidade no caso de:

–        infrações relacionadas com estupefacientes, infrações de natureza sexual e infrações violentas;

–        fogo posto;

–        tráfico de seres humanos;

–        tráfico de armas, de munições e de explosivos; e

–        tráfico de órgãos e de tecidos humanos

[…]»

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

17.      M.A. apresentou, em 5 de julho de 2018, um quarto pedido de proteção internacional aos Países Baixos.

18.      O Secretário de Estado indeferiu esse pedido por Decisão de 12 de junho de 2020. Nessa decisão, considerou que M.A. receava com razão ser perseguido no seu país de origem, mas que tinha sido condenado por um crime particularmente grave por sentença transitada em julgado e constituía, por isso, um perigo para a comunidade.

19.      A este respeito, o Secretário de Estado baseou‑se no facto de M.A. ter sido condenado, em 2018, por sentença transitada em julgado, numa pena de prisão de 24 meses(6) pela prática, na mesma noite, de três crimes de agressão sexual, de um crime de agressão sexual na forma tentada e de um crime de roubo de um telemóvel.

20.      M.A. impugnou judicialmente a Decisão de 12 de junho de 2020.

21.      Por Sentença de 13 de julho de 2020, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) anulou essa decisão, com o fundamento de que o Secretário de Estado não tinha fundamentado suficientemente, por um lado, que os atos praticados por M.A. apresentavam um nível de gravidade que justificava a recusa de concessão do estatuto de refugiado e, por outro, que M.A. constituía um perigo real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade.

22.      O Secretário de Estado interpôs recurso dessa sentença para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional). Em apoio desse recurso, alega, em primeiro lugar, que os factos imputados a M.A. devem ser considerados uma infração única que constitui um crime particularmente grave, atendendo à natureza dos factos, à pena decretada e ao impacto perturbador dos referidos factos na sociedade neerlandesa. Em segundo lugar, sustenta que a condenação de M.A. por um crime particularmente grave demonstra, em princípio, que este representa um perigo para a comunidade.

23.      M.A. alega, por seu turno, que o Secretário de Estado cometeu um erro ao utilizar a medida da pena decretada como ponto de partida para examinar e apreciar a questão de saber se a infração era particularmente grave. Cada caso deveria ser apreciado individualmente, o que não é possível com base no método seguido pelo Secretário de Estado. M.A. sublinha ainda que a agressão sexual configura a forma mais atenuada de ofensa aos bons costumes. Além disso, considera correta a apreciação do rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia) sobre a condição relativa à existência de um perigo para a comunidade.

24.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, para se pronunciar sobre o referido recurso, necessita de esclarecimentos sobre as circunstâncias com base nas quais os Estados‑Membros devem determinar se um nacional de um país terceiro foi condenado por sentença transitada em julgado pela prática de um crime particularmente grave. Interroga‑se, designadamente, em que medida a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 13 de setembro de 2018, Ahmed (7), a propósito do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95, pode ser transposta para o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva, quando o primeiro artigo se refere a um «crime grave», ao passo que o segundo alude a um «crime particularmente grave».

25.      Por outro lado, uma vez que as partes estão em desacordo quanto ao alcance do conceito de «perigo para a comunidade», o órgão jurisdicional de reenvio remete para as questões prejudiciais submetidas pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) no processo C‑8/22 (8).

26.      Foi nestas condições que o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)      Em que condições pode a natureza “particularmente grave” de uma infração, na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva [2011/95], permitir ao Estado‑Membro recusar o estatuto de refugiado a uma pessoa que necessita de proteção internacional?

b)      Para a avaliação da existência de um “crime particularmente grave” são relevantes os critérios aplicáveis ao “crime grave” previsto no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2011/95] estabelecidos no n.o 56 do Acórdão [Ahmed]? Na afirmativa, existem critérios adicionais para a caracterização de um crime como “particularmente” grave?

2)      Deve o artigo 14.o, [n.o 4, alínea] b), da Diretiva [2011/95], ser interpretado no sentido de que prevê que o perigo para a comunidade fica demonstrado pelo simples facto de o beneficiário do estatuto de refugiado ter sido condenado por sentença transitada em julgado por um crime particularmente grave ou no sentido de que prevê que a simples condenação por sentença transitada em julgado por um crime particularmente grave não é suficiente para demonstrar a existência de um perigo para a comunidade?

3)      Se a simples condenação por sentença transitada em julgado por um crime particularmente grave não for suficiente para demonstrar a existência de um perigo para a comunidade, deve o artigo 14.o, [n.o 4, alínea] b), da Diretiva [2011/95], ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro deve demonstrar que, desde a sua condenação, o recorrente continua a representar um perigo para a comunidade? Deve o Estado‑Membro demonstrar que esse perigo é real e atual ou a existência de um perigo potencial é, por si só, suficiente? Deve o artigo 14.o, [n.o 4, alínea] b), da Diretiva [2011/95], lido isoladamente ou em conjugação com o princípio da proporcionalidade, ser interpretado no sentido de que apenas permite a revogação do estatuto de refugiado se tal revogação for proporcionada e se o perigo que o beneficiário desse estatuto representar for suficientemente grave para justificar tal revogação?

4)      Se o Estado‑Membro não tiver de demonstrar que, desde a sua condenação, o recorrente continua a representar um perigo para a comunidade e que esse perigo é real, atual e suficientemente grave para justificar a revogação do estatuto de refugiado, deve o artigo 14.o, [n.o 4, alínea] b), da Diretiva [2011/95] ser interpretado no sentido de que implica que o perigo para a comunidade fica demonstrado, em princípio, pelo facto de o beneficiário do estatuto de refugiado ter sido condenado por sentença transitada em julgado por um crime particularmente grave[,] mas que este último pode demonstrar que não representa ou que deixou de representar tal perigo?»

27.      Foram apresentadas observações escritas por M.A., pelos Governos neerlandês e húngaro e pela Comissão Europeia.

IV.    Análise

28.      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre o alcance do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95 com vista a determinar o método e os critérios em que se deve basear a definição do conceito de «crime particularmente grave», na aceção desta disposição.

29.      Esse órgão jurisdicional pretende, em particular, saber se os requisitos e os parâmetros a ter em conta para concluir se uma pessoa praticou um «crime grave», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95, conforme resultam, nomeadamente, do Acórdão Ahmed, também são pertinentes para determinar se uma pessoa praticou um «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva.

30.      Recordo que a existência de um crime particularmente grave constitui uma condição necessária — embora insuficiente — para que os Estados‑Membros possam exercer a faculdade de revogar ou de recusar a concessão do estatuto de refugiado ao abrigo dessa disposição ou do artigo 14.o, n.o 5, da Diretiva 2011/95.

31.      Saliento que nem o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), nem nenhuma das outras disposições da Diretiva 2011/95 preveem uma definição do conceito de «crime particularmente grave».

32.      Cumpre igualmente referir que o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95 não remete para o direito dos Estados‑Membros para definir o conceito de «crime particularmente grave» que figura nesta disposição. Ora, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União (9).

33.      A este propósito, sublinho que a adoção de uma interpretação autónoma e uniforme do conceito de «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95, não deve privar os Estados‑Membros do seu poder de apreciação em matéria de definição das suas respetivas políticas penais. Por outras palavras, não se trata de tentar uniformizar as políticas penais dos Estados‑Membros por portas travessas. Esta interpretação destina‑se simplesmente a assegurar que a apreciação da condição relativa à especial gravidade de um crime, que figura nesta disposição, assenta num método e em critérios comuns para garantir que o exercício da faculdade de revogar ou de recusar a concessão do estatuto de refugiado seja balizado por limites idênticos em todos os Estados‑Membros.

34.      Em suma, não se trata de negar as diferentes conceções em matéria de políticas penais que possam existir nos Estados‑Membros. Trata‑se antes de facultar às autoridades competentes os instrumentos necessários para determinar, numa base comum, se um crime é particularmente grave.

35.      Feita esta clarificação, e uma vez que a Diretiva 2011/95 não define os termos «crime particularmente grave», estes devem ser interpretados de acordo com o seu sentido habitual na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (10).

36.      No que respeita ao termo «crime», este deve ser entendido, a meu ver, no sentido de que se refere, em termos gerais, a uma infração prevista no direito penal do Estado‑Membro em causa, sem estar limitado a categorias específicas de infrações.

37.      Na realidade, o critério distintivo que permite delimitar o alcance do conceito de «crime particularmente grave» prende‑se com o nível de gravidade da infração em causa. Assim, apenas os crimes que atingem um nível de uma particular gravidade são suscetíveis de permitir que os Estados‑Membros exerçam a faculdade de que dispõem de revogar ou de recusar conceder o estatuto de refugiado.

38.      Relativamente ao sentido habitual da expressão «particularmente grave», esta designa, na linguagem corrente, um nível de gravidade que apresenta, pela sua amplitude, um caráter inabitual ou pouco comum e que pode, por este motivo, ser qualificado de «excecional». Esta expressão é, por conseguinte, sinónima de «excecionalmente grave», «extraordinariamente grave» ou «extremamente grave».

39.      Daqui resulta que um «crime particularmente grave» é uma infração que se caracteriza por determinados elementos específicos que permitem enquadrá‑la na categoria dos crimes mais graves.

40.      Isto leva‑me a considerar que um «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95, é uma infração penal que se caracteriza pela gravidade excecional que lhe é reconhecida no Estado‑Membro que pretende exercer a sua faculdade de revogar ou de recusar a concessão do estatuto de refugiado.

41.      Em meu entender, a tomada em consideração do contexto em que se insere esta disposição permite confirmar estes primeiros elementos de análise.

42.      A este propósito, saliento que este contexto deve conduzir a uma interpretação estrita da referida disposição.

43.      Com efeito, recordo que o estatuto de refugiado deve ser concedido a uma pessoa que preencha os requisitos mínimos estabelecidos no direito da União. Assim, por força do artigo 13.o da Diretiva 2011/95, os Estados‑Membros concedem o estatuto de refugiado ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida que preencha as condições para ser considerado refugiado nos termos dos capítulos II e III desta diretiva.

44.      Ora, o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), e n.o 5, da Diretiva 2011/95 enuncia uma causa de revogação do estatuto de refugiado que constitui uma exceção à regra geral estabelecida no artigo 13.o desta diretiva e que tem por efeito restringir os direitos e os benefícios enunciados no capítulo VII da referida diretiva. Na minha ótica, esta causa de revogação ou de recusa de concessão do estatuto de refugiado deve, por conseguinte, enquanto regra derrogatória, ser interpretada de forma estrita, o que significa que só pode ser aplicada se a autoridade competente demonstrar que o nacional em causa de um país terceiro foi condenado por sentença transitada em julgado por um crime que se caracteriza por uma gravidade excecional.

45.      No meu entender, a comparação com outras disposições da Diretiva 2011/95 permite confirmar esta interpretação. Com efeito, entre as causas de exclusão do estatuto de refugiado, figura a prática de um «crime grave de direito comum» no artigo 12.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva e, entre as causas de exclusão do benefício da proteção subsidiária, a prática de um «crime grave» no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva. Ao referir‑se a um «crime particularmente grave» no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da mesma diretiva, o legislador da União pretendeu claramente restringir o âmbito de aplicação desta disposição exigindo não só que o nível de gravidade previsto na referida disposição seja superior ao que é exigido para a aplicação das causas de exclusão, mas também que se trate de um nível de gravidade excecional. Saliento ainda o facto de o legislador ter adotado a expressão «particularmente grave» e não «muito grave».

46.      Por outro lado, à semelhança do que o Tribunal de Justiça declarou em relação ao fundamento correspondente que figura no artigo 21.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95, que permite repelir um refugiado, há que considerar que o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva sujeita a revogação do estatuto de refugiado a requisitos rigorosos uma vez que, em particular, só um refugiado que tenha sido condenado por sentença transitada em julgado por um «crime particularmente grave» pode ser considerado um «perigo para a comunidade desse Estado‑Membro» (11). Estes requisitos rigorosos são proporcionais às consequências significativas que a revogação do estatuto de refugiado acarreta, isto é, o facto de a pessoa em causa deixar de dispor de todos os direitos e benefícios estabelecidos no capítulo VII da referida diretiva, dado estes estarem associados a esse estatuto (12).

47.      A interpretação que consiste em restringir o âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), e n.o 5, da Diretiva 2011/95 aos crimes que apresentem um nível de gravidade excecional parece‑me igualmente coerente com a interpretação acolhida do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra, que dispõe, nomeadamente, que o princípio da não repulsão não pode ser invocado por um refugiado «que, tendo sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade [do país onde se encontra]». A este respeito, sublinho que, ainda que esta última disposição tenha um objeto diferente, posto que prevê exceções ao princípio da não repulsão, é consensual que serviu de base para as causas de revogação ou de recusa do estatuto de refugiado previstas pelo legislador da União no artigo 14.o, n.o 4, da Diretiva 2011/95. Por conseguinte, parece‑me adequado ter em conta a interpretação do artigo 33.o, n.o 2, desta convenção que constitui, como resulta dos considerandos 4, 23 e 24 desta diretiva, a pedra angular do regime jurídico internacional de proteção dos refugiados (13).

48.      Mais genericamente, na medida em que as hipóteses previstas no artigo 14.o, n.os 4 e 5, da Diretiva 2011/95, nas quais os Estados‑Membros podem proceder à revogação ou à recusa de concessão do estatuto de refugiado, correspondem, em substância, às hipóteses em que os Estados‑Membros podem proceder à repulsão de um refugiado ao abrigo do artigo 21.o, n.o 2, desta diretiva e do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra, considero que as causas previstas nestas disposições devem ser interpretadas do mesmo modo.

49.      Ora, a interpretação do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra parece coincidir com a interpretação que proponho em relação ao artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95, isto é, que um crime «particularmente grave» é um crime que apresenta um nível de gravidade excecional.

50.      No que respeita ao termo «crime», já referi que o mesmo pode ter significados diferentes nos direitos nacionais, o que foi enfatizado no contexto da interpretação do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra (14). Assim, a aplicabilidade desta disposição depende não do facto de o ato pelo qual uma pessoa foi condenada ser classificado numa ou noutra categoria do direito penal nacional, mas sim da conclusão de que se trata de um ato «particularmente grave» e considerado como tal por esse direito (15).

51.      Por outro lado, já foi assinalado que a aplicação do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra reveste um caráter excecional (16). Nesta ótica, o «crime particularmente grave» constitui uma variante do «crime grave», restringida a «casos excecionais» (17). A exigência de um «crime particularmente grave», atendendo à dimensão restritiva que exprime, é coerente com a necessidade de prever um limiar de aplicabilidade particularmente elevado da exceção ao princípio da não repulsão contida no artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra (18).

52.      O objetivo principal da Diretiva 2011/95, que consiste em assegurar que todos os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e que exista em todos os Estados‑Membros um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas (19), milita igualmente, a meu ver, a favor de uma interpretação que restringe o âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), e n.o 5, desta diretiva, a casos excecionais, ou seja, aos atos que são punidos de um modo mais severo e às formas mais graves de criminalidade no Estado‑Membro em causa.

53.      Feitos estes esclarecimentos, importa abordar em seguida o método e os critérios que permitem aos Estados‑Membros demonstrar a existência de um «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95.

54.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça contém algumas considerações sobre esta matéria que me parecem, em grande medida, suscetíveis de ser aplicadas por analogia, embora mereçam ser completadas.

55.      Quanto ao método, resulta dessa jurisprudência que a autoridade competente do Estado‑Membro em causa só pode invocar a causa de exclusão prevista no artigo 12.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2011/95 e no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, que têm por objeto a prática, pelo requerente de proteção internacional, de um «crime grave», após ter procedido, em relação a cada caso individual, a uma avaliação dos factos concretos de que tem conhecimento a fim de determinar se existem suspeitas graves de que os atos praticados pelo interessado, que, por outro lado, preenche os critérios para obter o estatuto pedido, se enquadram nessa causa de exclusão, exigindo a apreciação da gravidade da infração em causa um exame completo de todas as circunstâncias próprias do caso individual em causa (20).

56.      O método assim definido parece‑me compatível com a fixação pelos Estados‑Membros, no interesse da segurança jurídica, de limiares mínimos das penas para permitir o exercício da faculdade de que dispõem, ao abrigo do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), e n.o 5, da Diretiva 2011/95, de revogar ou de recusar a concessão do estatuto de refugiado (21). Os Estados‑Membros podem igualmente decidir reservar o exercício desta faculdade para determinados tipos de infrações penais. Todavia, há que excluir, em cada caso, a aplicação automática desta faculdade (22). Por conseguinte, deve ser feita sistematicamente uma avaliação de todas as circunstâncias individuais, independentemente de os Estados‑Membros preverem ou não um limiar da pena. Esta avaliação revela‑se particularmente importante e difícil sobretudo porque quem é punido é o criminoso e não o crime (23). Por outro lado, uma mesma qualificação penal pode abranger um vasto leque de comportamentos com níveis de gravidade variáveis.

57.      Os fundamentos da sentença condenatória desempenham, a meu ver, um papel determinante na condução da avaliação que deve ser efetuada. Como tal, há que examinar se o tribunal que condenou a pessoa em causa qualificou os factos de «graves» ou de «particularmente graves», bem como os elementos que utilizou para fundamentar essa qualificação.

58.      Como já referi anteriormente, não se trata, por conseguinte, de definir um limiar de particular gravidade de um crime ao nível da União, dado que este não só iria contra as diferenças existentes entre as políticas penais dos Estados‑Membros, mas também seria incompatível com o método que consiste em exigir a realização de um exame de todas as circunstâncias próprias de cada caso individual.

59.      Além disso, cumpre esclarecer, de acordo com a Comissão, que, na medida em que o direito penal material só é objeto de uma harmonização limitada, os Estados‑Membros conservam uma certa margem de apreciação para definirem o que constitui um «crime particularmente grave» para efeitos de aplicação do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95.

60.      No que se refere aos critérios, o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Ahmed, que a interpretação segundo a qual é necessário proceder à avaliação do conjunto dos factos pertinentes «é confortada pelo relatório do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (“EASO”) [(24)] de janeiro de 2016, intitulado “Exclusão: artigos 12.o e 17.o da Diretiva Qualificação (2011/95/UE)”, o qual recomenda, no ponto 3.2.2, relativo ao artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95, que a gravidade do crime suscetível de excluir uma pessoa da proteção subsidiária seja apreciada à luz de uma pluralidade de critérios, tais como, nomeadamente, a natureza do ato em causa, os danos causados, a forma do processo utilizado para atuar judicialmente, a natureza da pena prevista e a questão de saber se a maioria dos órgãos jurisdicionais considera igualmente o ato em causa um crime grave. [A AUEA] remete a este respeito para certas decisões tomadas pelos tribunais supremos dos Estados‑Membros» (25).

61.      Embora nesse acórdão o Tribunal de Justiça tenha destacado os critérios a propósito do conceito de «crime grave», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95, considero‑os igualmente úteis para demonstrar a existência de um «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva (26), tendo presente que estes critérios devem, neste contexto, servir para demonstrar a gravidade excecional do crime em causa, o que constitui uma diferença de nível muito significativa face ao crime grave (27).

62.      A este respeito, observo que, entre os fatores tomados em consideração no âmbito da aplicação do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra, figuram a natureza do crime, os danos efetivamente provocados, a tramitação do processo na fase de inquérito e a questão de saber se o ato em causa é considerado grave na maioria dos ordenamentos jurídicos (28).

63.      Consequentemente, os seguintes critérios devem, na minha opinião, ser tidos em conta para demonstrar a existência de um «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95: a natureza do ato em causa (29), os danos provocados (30), a tramitação do processo nas fases de inquérito e de julgamento da pessoa em causa, a natureza e a duração da pena decretada (31), bem como a tomada em conta da questão de saber se a maioria dos órgãos jurisdicionais também qualifica o ato em causa de crime particularmente grave.

64.      Além disso, há que ter em conta o entendimento do Tribunal de Justiça no Acórdão Ahmed, a respeito da pena prevista no direito nacional, a saber, que o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95 se opõe a uma legislação nacional que prevê que se pode considerar que um requerente de proteção internacional praticou um crime grave apenas com base na pena prevista pelo direito desse Estado‑Membro para determinado crime (32). No entanto, esse acórdão reconhece que o critério da pena prevista pelo direito nacional reveste especial importância para apreciar a gravidade de um crime (33).

65.      No contexto de uma pena já não só prevista mas também decretada, parece‑me que o critério relativo à natureza e à duração da mesma deve desempenhar um papel ainda mais importante (34).

66.      Reconheço, porém, por analogia com o entendimento do Tribunal de Justiça no Acórdão Ahmed, que o critério da pena decretada não deve ser utilizado isolada e automaticamente para examinar se um crime é particularmente grave. Este critério, tal como o da natureza do crime, deve ser completado por uma apreciação de todas as circunstâncias, incluindo um exame do contexto em que a infração foi praticada e do comportamento da pessoa em causa (35), devendo esta apreciação basear‑se, em particular, nos fundamentos que figuram na sentença condenatória.

67.      Com efeito, uma vez que o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95 se refere a uma condenação por sentença transitada em julgado, há que considerar que o órgão jurisdicional que proferiu a condenação teve em conta todas as circunstâncias individuais para aplicar a pena que considerou adequada. A este respeito, o caráter determinante dos fundamentos da sentença condenatória e da apreciação efetuada pelo órgão jurisdicional penal que proferiu essa sentença, conforme sublinhei anteriormente, parece decorrer da diferença que existe entre as causas de exclusão do estatuto de refugiado ou do benefício da proteção subsidiária, mencionadas no artigo 12.o, n.o 2, alínea b), e no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, que visam o facto de ter «pratic[ado]» um crime grave, e a causa de revogação ou de recusa de concessão do estatuto de refugiado que figura no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), e n.o 5, da referida diretiva, que visa o facto de ter sido «condenado por sentença transitada em julgado».

68.      Por outro lado, parece‑me especialmente pertinente, no contexto da avaliação que deve ser efetuada, comparar a pena aplicada com a pena máxima prevista por lei para o crime em causa (36). Além disso, há que examinar o posicionamento da pena decretada no contexto das molduras penais em vigor no Estado‑Membro em causa (37).

69.      Acrescento ainda os seguintes critérios, que considero fazerem parte do conjunto dos critérios úteis para apreciar se um crime reveste um nível de gravidade excecional:

–        o caráter preponderante das circunstâncias agravantes ou, pelo contrário, das circunstâncias atenuantes, e

–        a natureza do interesse jurídico lesado (38).

70.      Cumpre igualmente esclarecer que o artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95 se refere à circunstância de um refugiado que tenha sido «condenado por sentença transitada em julgada por [um] crime particularmente grave» (39). A utilização do singular e a necessidade de proceder a uma interpretação restritiva desta disposição excluem, a meu ver, a possibilidade de esta causa de revogação ou de recusa de concessão do estatuto de refugiado ser aplicada com base num cúmulo de penas decretadas pela prática de várias infrações penais das quais, consideradas isoladamente, nenhuma pode ser qualificada de «crime particularmente grave» (40).

71.      Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz do método e dos critérios que acabo de descrever, se pode qualificar a condenação de M.A. como sendo relativa a um «crime particularmente grave». Esse órgão jurisdicional deverá, nomeadamente, ter em conta a natureza e o nível da pena que foi decretada contra M.A., in casu, uma pena de prisão de 24 meses. O referido órgão jurisdicional deverá igualmente verificar se a execução desta pena foi suspensa por oito meses, como parece resultar das observações escritas de M.A. e do Governo neerlandês.

72.      Além disso, como já referi, o método que consiste em prever na legislação neerlandesa um nível de duração da pena ou da medida privativa de liberdade aplicada, neste caso de dez meses, como limiar mínimo para permitir que um Estado‑Membro exerça a faculdade de que dispõe de revogar ou de recusar a concessão do estatuto de refugiado, não me parece contestável por princípio. Contudo, este método deve incluir uma apreciação de todas as circunstâncias específicas de cada situação individual, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

73.      Acresce que, como refere a Comissão, com razão, parece‑me contrário ao artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95 que a legislação neerlandesa permita à autoridade competente cumular várias penas decretadas a título de várias infrações penais para verificar se esse limiar mínimo foi ultrapassado. A este respeito, parece‑me pertinente fazer uma distinção consoante o direito penal de um Estado‑Membro preveja, em caso de concurso de crimes, o cúmulo das penas ou a não cumulação das penas com aplicação da pena mais grave prevista. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar em qual destas hipóteses se enquadra a pena aplicada a M.A., não podendo a primeira conduzir a que a autoridade competente, através do cúmulo de várias penas aplicadas a título de várias infrações, adote a qualificação de «crime particularmente grave», na aceção daquela disposição.

V.      Conclusão

74.      Atentas todas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial submetida pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) do seguinte modo:

O artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida,

deve ser interpretado no sentido de que:

–        um «crime particularmente grave», na aceção desta disposição, designa um ilícito que se caracteriza por um nível de gravidade excecional;

–        um Estado‑Membro só pode invocar a causa de revogação ou de recusa de concessão do estatuto de refugiado prevista no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), ou n.o 5, da Diretiva 2011/95 após ter procedido, em relação a cada caso individual, a uma avaliação dos factos concretos de que tem conhecimento a fim de determinar se existem suspeitas graves de que os atos praticados pela pessoa em causa estão abrangidos por essa causa de revogação ou de recusa de concessão, exigindo a apreciação da gravidade do crime pelo qual essa pessoa foi condenada por sentença transitada em julgado um exame completo de todas as circunstâncias próprias do caso individual em causa;

–        para determinar a existência de um «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95, o Estado‑Membro em causa deve basear o seu exame, nomeadamente, nos seguintes critérios: a natureza do ato em causa, os danos provocados, a tramitação do processo nas fases de inquérito e de julgamento da pessoa em causa, a natureza e a duração da pena decretada, comparando esta pena com a pena máxima prevista por lei para a infração em causa e examinando o posicionamento da referida pena no contexto das molduras penais em vigor nesse Estado‑Membro, a tomada em conta da questão de saber se a maior parte dos órgãos jurisdicionais também considera que o ato em causa constitui um crime particularmente grave, o caráter preponderante das circunstâncias agravantes ou, pelo contrário, das circunstâncias atenuantes, bem como a natureza do interesse jurídico lesado;

–        não se opõe a uma legislação nacional que fixa um limiar mínimo de duração da pena decretada, a partir do qual uma infração penal pode ser qualificada de «crime particularmente grave», na aceção do artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2011/95, desde que, por um lado, a tomada em consideração desse limiar mínimo seja acompanhada de uma apreciação de todas as circunstâncias próprias de cada situação individual e, por outro, essa legislação não permita cumular várias penas decretadas a título de várias infrações penais, das quais, nenhuma, considerada isoladamente, atinge o nível de gravidade excecional exigido por esta disposição, para determinar se o referido limiar mínimo é ultrapassado.


1      Língua original: francês.


2      JO 2011, L 337, p. 9.


3      C‑663/21 e C‑8/22, EU:C:2023:114.


4      Assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de abril de 1954.


5      Celebrado em Nova Iorque em 31 de janeiro de 1967, entrou em vigor em 4 de outubro de 1967.


6      Dos quais oito meses com suspensão de execução da pena, como parece resultar das observações apresentadas por M.A. e pelo Governo neerlandês.


7      C‑369/17, a seguir «Acórdão Ahmed», EU:C:2018:713.


8      V. nota de pé de página n.o 3 das presentes conclusões.


9      V., nomeadamente, Acórdãos Ahmed (n.o 36 e jurisprudência referida); de 31 de março de 2022, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl e o. (Internamento de um requerente de asilo num hospital psiquiátrico) (C‑231/21, EU:C:2022:237, n.o 42 e jurisprudência referida); e de 12 de janeiro de 2023, TP (Editor Audiovisual para a Televisão Pública) (C‑356/21, EU:C:2023:9, n.o 34 e jurisprudência referida).


10      V., nomeadamente, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, TP (Editor Audiovisual para a Televisão Pública) (C‑356/21, EU:C:2023:9, n.o 35 e jurisprudência referida).


11      V. Acórdão de 24 de junho de 2015, T. (C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 72).


12      V. Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 99).


13      V., nomeadamente, Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 81 e jurisprudência referida). V., igualmente, no que se refere à necessidade de interpretar as disposições da Diretiva 2011/95 respeitando a Convenção de Genebra, Acórdão Ahmed (n.o 41 e jurisprudência referida).


14      V., a respeito do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra, «The refugee Convention, 1951: the Travaux préparatoires analysed with a Commentary by Dr Paul Weis», p. 246, disponível no sítio Internet seguinte: https://www.unhcr.org/protection/travaux/4ca34be29/refugee‑convention‑1951‑travaux‑preparatoires‑analysed‑commentary‑dr‑paul.html. O autor refere que, «[e]m relação às atividades criminais, o termo “crimes” não deve ser entendido no sentido técnico de um código penal, mas antes no sentido de infração penal grave» (tradução livre). V., igualmente, a propósito do artigo 1.o, secção F, alínea b), da Convenção de Genebra, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (a seguir «ACNUR»), Handbook on Procedures and Criteria for Determining Refugee Status and Guidelines on International Protection under the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees, n.o 155, p. 36, no qual se refere que «o termo “crime” tem conotações diferentes nos vários ordenamentos jurídicos. Em certos países, a palavra “crime” refere‑se apenas a infrações graves. Noutros países, pode abranger desde furtos a homicídios» (tradução livre).


15      V., a respeito do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra, comentário a esta publicação publicado em 1997 pela Divisão da Proteção Internacional do ACNUR, disponível no sítio Internet seguinte: https://www.unhcr.org/3d4ab5fb9.pdf (p. 142). Neste ponto de vista, a diferença entre, por um lado, a versão francesa do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra, que se refere a um «crime ou délit» (crime ou delito), e, por outro, a versão inglesa, que utiliza o termo «crime», deve ser relativizada, na medida em que o que importa é a existência de uma condenação pela prática de uma infração penal particularmente grave.


16      V. Grahl‑Madsen, A., «Expulsion of Refugees», em Macalister‑Smith, P., e Alfredsson, G., The Land Beyond: Collected Essays on Refugee Law and Policy, Martinus Nijhoff Publishers, Haia, 2001, pp. 7 a 16. Segundo o autor, «[é] possível afirmar com certeza que a repulsão de um refugiado ao abrigo do artigo 33.o [da Convenção de Genebra] é uma medida excecional à qual se deve recorrer somente em casos excecionais» (tradução livre) (p. 14).


17      V. Handbook on Procedures and Criteria for Determining Refugee Status and Guidelines on International Protection under the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees, citado na nota de pé de página n.o 14 das presentes conclusões, p. 36, n.o 154.


18      V. Chetail, V., «Le principe de non‑refoulement et le statut de réfugié en droit international», in La Convention de Genève du 28 juillet 1951 relative au statut des réfugiés 50 ans après: bilan et perspectives, Bruylant, Bruxelas, 2001, pp. 3 a 61, em particular, p. 44.


19      V. considerando 12 da Diretiva 2011/95.


20      V., nomeadamente, Acórdãos de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de recolocação de requerentes de proteção internacional) (C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257, n.o 154 e jurisprudência referida), e de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o. (C‑159/21, EU:C:2022:708, n.o 92).


21      Alguns Estados‑Membros preveem estes limiares em moldes diferentes, enquanto outros privilegiam uma análise casuística. V., nomeadamente, Relatório da Comissão, intitulado «Evaluation of the application of the recast Qualification Directive (2011/95/EU)», 2019, p. 135, disponível no sítio Internet seguinte: https://www.statewatch.org/media/documents/news/2019/feb/eu‑ceas‑qualification‑directive‑application‑evaluation‑1‑19.pdf. Para os Estados‑Membros que preveem limiares penais nos seus direitos nacionais, a Comissão faz referência a limiares que vão de três a dez anos de prisão.


22      Conforme a Comissão salienta, com razão, nas suas observações escritas, a recusa de automatismos e a necessidade de uma avaliação individual baseada em todas as circunstâncias pertinentes são elementos constantes da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 2011/95; v., nomeadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 2010, B e D (C‑57/09 e C‑101/09, EU:C:2010:661, n.os 87, 88, 93 e 94); de 24 de junho de 2015, T. (C‑373/13, EU:C:2015:413, n.os 86 a 89); Ahmed (n.os 48 a 50); e de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o. (C‑159/21, EU:C:2022:708, n.os 80, 81 e 92).


23      V. «The refugee Convention, 1951: the Travaux préparatoires analysed with a Commentary by Dr Paul Weis», op. cit., p. 246.


24      Atual Agência da União Europeia para o Asilo (AUEA) [v. Regulamento (UE) 2021/2303 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2021, relativo à Agência da União Europeia para o Asilo e que revoga o Regulamento (UE) n.o 439/2010 (JO 2021, L 468, p. 1)].


25      V. Acórdão Ahmed (n.o 56).


26      V., a este respeito, AUEA, Judicial analysis: Ending international protection, 2.a ed., 2021, p. 62.


27      V., a título de exemplo, em relação aos critérios adotados pelo Conseil du contentieux des étrangers (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica), Hardy, J., e Mathues, G., «Retrait du statut de réfugié pour motifs d’ordre public — “Constituer un danger pour la société du fait qu’il a été condamné définitivement pour une infraction particulièrement grave”», Revue du droit des étrangers, Association pour le droit des étrangers, Bruxelas, 2020, n.o 207, p. 5 a 14, em particular pp. 6 a 9.


28      V. «Prise de position du HCR sur l’initiative populaire fédérale “pour le renvoi des criminels étrangers” (initiative sur le renvoi)», 10 de setembro de 2008, n.o 21, p. 11.


29      O facto de um ato se caracterizar por elevado grau de crueldade pode constituir um indício de que o crime é particularmente grave, assim como o caráter intencional ou não do ato punido.


30      Podem incluir‑se nesta categoria o impacto concreto do crime na sociedade, isto é, a natureza e a amplitude dos inconvenientes que daí decorrem para as vítimas e, mais genericamente, para a sociedade: agitação social, tomada em conta das inquietudes e das medidas adotadas para mitigá‑las. V. Hinterhofer, H., «Das “besonders schwere Verbrechen” iS des § 6 Abs 1 Z 4 AsylG — Ein konkretisierender Auslegungsvorschlag aus strafrechtlicher Sicht», Fremden und asylrechtliche Blätter: FABL: Jahrgangsband mit Judikatursammlung, Sramek, Viena, 2009, n.o 1, pp. 38 a 41.


31      O facto de uma pena privativa de liberdade ser ou não acompanhada de uma suspensão da sua execução, reveste, a meu ver, uma importância inegável.


32      V. Acórdão Ahmed (n.o 58).


33      V. Acórdão Ahmed (n.o 55).


34      V., a respeito do critério da pena, Kraft, I., «Article 14, Revocation of, ending of or refusal to renew refugee status», dans Hailbronner, K. et Thym, D., EU Immigration and Asylum Law: A Commentary, 2.a ed., C. H. Beck, Munique, 2016, pp. 1225 a 1233, em particular p. 1231. O autor sublinha que «considera‑se, em geral, crime particularmente grave no contexto do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra quando uma pessoa é condenada pela prática de crimes puníveis com penas de prisão de longa duração, como os crimes de homicídio, agressão sexual, roubo, roubo com recurso a arma de fogo, fogo posto, de terrorismo internacional, etc.» (tradução livre).


35      V., a propósito do artigo 33.o, n.o 2, da Convenção de Genebra, Goodwin‑Gill, G. S., e McAdam, J., The refugee in international law, 3.a ed., Oxford University Press, Oxford, 2007, p. 239, e Hathaway, J. C., The Rights of Refugees under International Law, Cambridge University Press, Cambridge, 2021, pp. 413 a 416.


36      Quanto mais próxima da pena máxima estiver a pena de prisão aplicada, mais razões terá a autoridade competente para considerar que se trata de um crime particularmente grave (v. Hinterhofer, H., op. cit.).


37      O facto de a pena decretada se situar no limiar superior da moldura penal pode constituir um indício de que o crime em causa é particularmente grave.


38      Há que averiguar se está em causa uma ofensa contra o património ou contra as pessoas: a violência contra as pessoas tende, mais frequentemente, a ser considerada particularmente grave. Por outro lado, o impacto mediático de um crime pode constituir um indício do caráter fundamental do interesse jurídico lesado.


39      O sublinhado é meu.


40      V. Hardy, J. e Mathues, G., op. cit., que consideram que «[m]uitas condenações por factos que não apresentam uma gravidade excecional não deveriam, a priori, ser suficientes, ainda que demonstrem uma tendência inexorável para prejudicar a ordem pública» (p. 9). V., igualmente, Neusiedler, M., «Der Asylaberkennungsgrund des “besonders schweren Verbrechens”», Migralex: Zeitschrift für Fremden und Minderheitenrecht, Braumüller, Viena, 2021, n.o 1, pp. 8 a 14; e análise jurídica da AUEA citada na nota de pé de página n.o 26 das presentes conclusões, p. 62, n.o 5.3.