Language of document : ECLI:EU:C:2018:676

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 6 de setembro de 2018 (1)

Processo C502/17

C&D Foods Acquisition ApS

contra

Skatteministeriet (Ministério das Finanças)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vestre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Oeste, Dinamarca)]

«Pedido de decisão prejudicial – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Sociedade holding – Dedução do imposto pago a montante – Despesas relativas aos serviços prestados no contexto da venda prevista de ações a uma filial»






I.      Introdução

1.        O direito de uma sociedade holding à dedução do imposto pago a montante em relação à aquisição de participações sociais é uma questão já analisada pelo Tribunal de Justiça em diferentes processos (2). No entanto, o caso em apreço tem por objeto a situação inversa da venda de participações sociais por uma sociedade holding, que até à data ainda não foi tão frequentemente examinada (3).

2.        Assim, o presente processo dará ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar a sua jurisprudência relativa ao direito a dedução de sociedades holding. Em especial, também será necessário determinar as condições em que se pode considerar que existe um nexo direto e imediato com uma determinada operação a jusante, exigido para que a dedução possa ser efetuada.

II.    Quadro Jurídico

3.        O quadro jurídico de direito da União no caso em apreço é constituído por disposições da Diretiva 2006/112/CE (a seguir «Diretiva IVA») (4).

4.        O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA dispõe:

«Entende‑se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende‑se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência. […]»

5.        O artigo 135.o da Diretiva IVA prevê, nomeadamente, que:

«1.      Os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

[…]

f)      As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.o 2 do artigo 15.o; […]»

6.        Nos termos do artigo 167.o da Diretiva IVA, o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. O artigo 168.o desta diretiva prevê:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; […]»

7.        A nível nacional, deve ser assinalada a Lovbekendtgørelse nr. 966, de 14 de outubro de 2005 (a seguir «Lei do IVA»), que era aplicável no período controvertido.

III. Matéria de facto e tramitação do processo principal

8.        A sociedade dinamarquesa C&D Foods pertence ao grupo internacional Arovit. Durante o período em causa no processo principal, a C&D Foods detinha 100% das participações da Arovit Holding, que por sua vez detinha todas as participações da Arovit Petfood. O grupo é composto por treze outras sociedades em diferentes países europeus, cujas participações são detidas pela Arovit Petfood.

9.        A partir de 2007, com base num acordo administrativo, a C&D Foods prestou à sua subfilial Arovit Petfood diferentes serviços de gestão e serviços informáticos sujeitos a IVA, como serviços de contabilidade, controlling e elaboração de orçamentos. A título de remuneração, recebeu da Arovit Petfood um montante correspondente aos custos salariais em que tinha incorrido, acrescidos de uma margem de 10% e o IVA dinamarquês de 25%. No que diz respeito às outras sociedades do grupo, o papel da C&D Foods limitou‑se à detenção das participações dessas sociedades.

10.      Em 2009, a instituição financeira islandesa Kaupthing Bank adquiriu o grupo Arovit, que enfrentava dificuldades económicas. A Kaupthing Bank encarregou várias empresas de auditoria e o escritório de advogados Holst Advokater da análise das possibilidades de reestruturação do grupo Arovit. Para o efeito, celebrou contratos de consultoria com os auditores em causa, cujos honorários acrescidos de IVA foram pagos pela C&D Foods.

11.      No âmbito desta análise, o escritório Holst Advokater também elaborou pelo menos um contrato para a venda das participações que a C&D Foods detinha na Arovit Holding e na Arovit Petfood a um comprador a designar. O escritório Holst Advokater faturou à C&D Foods os honorários correspondentes a este serviço de consultoria, acrescidos de IVA. No entanto, os esforços para concretizar a venda foram abandonados no outono de 2009, uma vez que não foi possível encontrar um comprador.

12.      A C&D Foods deduziu o IVA a montante sobre os honorários pagos à Holst Advokater e às empresas de auditoria. No entanto, tanto a SKAT (Autoridade Tributária e Aduaneira dinamarquesa) como o Landsskatteret (autoridade administrativa suprema em matéria fiscal na Dinamarca), na sequência de um recurso administrativo, recusaram à C&D Foods a possibilidade de deduzir o IVA pago a montante. Em apoio das suas decisões, argumentaram que os serviços de consultoria não tinham sido prestados à C&D Foods, e que a despesa não apresentava o nexo necessário com as operações a jusante sujeitas a IVA da C&D Foods.

13.      A C&D Foods interpôs recurso dessas decisões que, devido à sua grande importância, está suspenso, em primeira instância, no Vestre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Oeste, Dinamarca). Por decisão de 15 de agosto de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de agosto de 2017, o Vestre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Oeste) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o TFUE, as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve o artigo 168.o da Diretiva 2006/112/CE ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding, em circunstâncias como as do caso em apreço, tem direito a deduzir integralmente o IVA pago a montante pela prestação de serviços relacionados com a análise prévia (“due diligence”) de uma prevista, mas não concretizada, alienação da participação numa filial à qual a sociedade presta serviços de gestão e de informática sujeitos a IVA?

2.      É relevante, para efeitos da resposta à questão anterior, o facto de o preço dos serviços de gestão e de informática sujeitos a IVA que a sociedade holding presta no âmbito da sua atividade económica consistir num montante fixo correspondente à despesa da referida sociedade com remunerações de pessoal, acrescido de uma margem de 10%?

3.      Independentemente da resposta às questões anteriores, pode existir direito à dedução se os custos de consultoria em causa no processo principal forem tratados como custos gerais e, nesse caso, em que condições?»

14.      Na fase escrita do processo no Tribunal de Justiça, a Dinamarca e a Comissão apresentaram observações.

IV.    Questão de direito

15.      Com as suas três questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se uma sociedade holding que exerce uma atividade económica tem o direito de deduzir o imposto pago a montante sobre as despesas que efetuou no contexto da venda prevista de participações sociais. A atividade económica da sociedade holding é precisamente a prestação de serviços de gestão à sua subfilial (5), cujas participações devem ser vendidas juntamente com as da filial.

A.      Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

16.      Em conformidade com o artigo 168.o da Diretiva IVA, um sujeito passivo tem direito à dedução do IVA pago a montante na medida em que utilize os bens ou serviços para os fins das suas operações tributadas. Isso implica que o sujeito passivo seja o destinatário das entregas de bens ou das prestações de serviços em causa (6). Por conseguinte, a C&D Foods só tem o direito de deduzir o IVA pago a montante relativamente aos serviços de consultoria de que ela própria era a destinatária. Em contrapartida, fica desde logo excluída a dedução pela C&D Foods do IVA pago a montante sobre os serviços sujeitos a imposto prestados à Kaupthing Bank.

17.      É certo que o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o seu pedido de decisão prejudicial não diz respeito à questão de saber quem deve efetivamente suportar os custos de consultoria sujeitos a IVA. Importa, no entanto, realçar que o Tribunal de Justiça não tem competência para responder a questões prejudiciais hipotéticas (7). As observações subsequentes referem‑se, assim, apenas à dedução do IVA pago a montante à Holst Advokater, dado que só neste caso resulta claramente da decisão de reenvio que a C&D Foods foi a destinatária dos serviços de consultoria.

B.      Quanto à resposta às questões prejudiciais

18.      A primeira questão refere‑se, em geral, ao direito da C&D Foods de deduzir o IVA pago a montante pelos serviços de consultoria prestados pela Holst Advokater, solicitados no âmbito da venda prevista das participações da Arovit Petfood.

19.      As segunda e terceira questões dizem respeito, em especial, ao «nexo direto e imediato» das despesas controvertidas com as operações a jusante concretas ou previstas, ou seja, com as operações resultantes do contrato de gestão com a Arovit Petfood ou da venda prevista das participações.

20.      Uma vez que o nexo com a atividade económica é uma condição do direito à dedução objeto da primeira questão, há que dar uma resposta conjunto às três questões prejudiciais.

21.      As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio quanto ao direito à dedução do IVA pago a montante pela C&D Foods baseiam‑se, em substância, em dois aspetos.

22.      Por um lado, interroga‑se sobre a questão de saber se a venda prevista das participações pode ser considerada uma atividade económica e se enquadra, consequentemente, no âmbito de aplicação do IVA (v., a este respeito, o ponto 1). Em seguida, questiona‑se se e, na afirmativa, em que circunstâncias, se pode estabelecer um nexo direto e imediato entre as operações efetuadas a montante e uma atividade tributada. Com efeito, na hipótese de as operações efetuadas a montante terem um nexo direto e imediato com uma operação isenta, não há direito à dedução do IVA pago a montante (v., a este respeito, o ponto 2).

23.      A título subsidiário, analisaremos também as circunstâncias em que se poderia considerar que existe um nexo com o conjunto da atividade económica da C&D Foods (v., a este respeito, o ponto 3).

1.      A venda das participações da Arovit Petfood como atividade económica

24.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a mera aquisição e detenção de participações numa sociedade não constitui uma atividade económica na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA (8). No entanto, a situação é diferente quando a aquisição ou a detenção de participações em sociedades é feita com vista a intervir direta ou indireta na gestão da sociedade (9). Em conformidade com a jurisprudência, intervenções típicas na gestão de uma sociedade são as prestações de serviços administrativas, financeiros ou comerciais (as chamadas prestações de serviços de gestão) (10).

25.      A prestação de serviços de gestão também deve ser considerada uma atividade económica na aceção da Diretiva IVA numa situação como a que está em causa no processo principal, que envolvia uma sociedade holding intermédia. Com efeito, é a realização de operações tributáveis por parte da C&D Foods que constitui o fator decisivo para a qualificação de atividade económica. Assim o demonstra claramente o recente Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Marle Participations (11).

26.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os princípios acima referidos são igualmente aplicáveis às operações de venda de participações que põem fim às intervenções tributáveis na gestão de uma filial (12).

27.      A venda de participações também não constitui em si mesma uma atividade económica. No entanto, segundo a jurisprudência, a cessação e o início de uma atividade económica devem, por razões de neutralidade fiscal, ser tratadas da mesma forma (13). À semelhança da aquisição de participações que, em certas condições, pode ser um ato preparatório de uma atividade económica, abrangido pelo âmbito de aplicação do IVA, o mesmo também se aplica à venda de participações que põe termo a uma atividade económica. Caso contrário, haveria uma distinção arbitrária entre as duas situações (14). A Comissão também salientou esta ideia nas suas observações escritas.

28.      Em especial, no que se refere à venda de participações sociais, o Tribunal de Justiça declarou no processo SKF que, numa situação em que uma sociedade holding, através da cessão da totalidade das ações de que era titular numa filial, tinha posto termo à sua participação nesta, se estava perante uma atividade económica (15). Ao fazê‑lo, a referida sociedade também cessou a sua atividade económica anterior que consistia na prestação de serviços de gestão a esta filial (16).

29.      Uma situação semelhante verifica‑se no processo principal: através da venda das participações que detinha na Arovit Holding e na Arovit Petfood, a C&D Foods pretendia pôr termo à sua atividade económica que consistia na prestação de serviços de gestão tributados à Arovit Petfood.

30.      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de o produto da venda das participações dever ser utilizado para pagar as dívidas ao novo proprietário do grupo, a Kaupthing Bank, enquanto no processo SKF devia ter lugar uma restruturação do grupo. Diversamente do que acontecia no processo SKF, no processo principal não estavam previstas futuras operações tributadas. No entanto, isto é irrelevante pelos três seguintes motivos:

31.      Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça esclareceu que o direito a dedução existe mesmo que o sujeito passivo não realize mais operações, depois de ter utilizado os serviços em questão, uma vez que cessa definitivamente a sua atividade económica (17). Por conseguinte, a situação não pode ser diferente se o sujeito passivo utilizar a contrapartida das suas operações relacionadas com a cessação da sua atividade económica para pagar dívidas.

32.      Em segundo lugar, o conceito de atividade económica – bem como outros conceitos que definem as operações tributáveis nos termos da Diretiva IVA – deve ser determinado de maneira objetiva (18) e, consequentemente, a finalidade prosseguida por um sujeito passivo ao realizar uma despesa é indiferente (19). A motivação económica do sujeito passivo para a realização de um ato não pode, por conseguinte, ser decisiva.

33.      Em terceiro lugar, também não resulta do Acórdão no processo BLP Group que o direito a dedução esteja, em geral, excluído no que respeita a operações realizadas para o pagamento de dívidas.

34.      Neste último processo, uma sociedade holding tinha vendido participações de uma filial em relação à qual não realizava operações tributáveis. O BLP Group alegava que existia um nexo com as suas restantes atividades tributáveis uma vez que utilizava o produto da venda das participações para o pagamento de dívidas e, deste modo, reforçava indiretamente as suas outras atividades económicas. No entanto, o Tribunal de Justiça rejeitou este argumento. Consequentemente, recusou a dedução, não por o produto ter sido utilizado para pagar a dívida, mas por não existir um nexo direto e imediato com uma atividade tributável (20).

35.      Resulta de todas as considerações precedentes que a venda prevista das participações em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, ou seja, com o objetivo de pôr termo a uma atividade tributável, deve ser considerada uma atividade económica, enquadrando‑se, por conseguinte, no âmbito de aplicação do IVA.

2.      Nexo direto e imediato com uma atividade económica tributável?

36.      No entanto, a dedução do imposto pago a montante só pode ser invocada em relação a despesas que apresentem um nexo direto e imediato (21) com uma operação tributável a jusante. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tais despesas têm um nexo direto e imediato com determinadas operações a jusante que fazem parte dos elementos constitutivos do seu preço (22). Por outro lado, é possível invocar um direito à dedução das despesas gerais de uma empresa que façam parte dos elementos constitutivos do preço de todos os seus produtos (23).

37.      Pelo contrário, normalmente não existe um direito à dedução do imposto pago a montante (24) quando há um nexo direto e imediato com uma atividade isenta (25).

38.      Ora, nos termos do artigo 135.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva IVA «[a]s operações […], relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos», devem ser isentas de IVA pelos Estados‑Membros. Esta disposição foi transposta para o direito nacional pelo artigo 13.o, n.o 1, ponto 11, da lei dinamarquesa do IVA.

39.      Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, são abrangidos pela referida disposição do direito da União as operações suscetíveis de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações das partes em matéria de títulos, mas que excedem uma simples (pontual) aquisição e venda de títulos, que não constitui, evidentemente, uma atividade económica (26). Como anteriormente referido, este é o caso da venda prevista no processo principal das participações da Arovit Petfood (27).

40.      Por conseguinte, a operação prevista estava isenta de IVA em conformidade com o artigo 135.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva IVA.

41.      É, por isso, necessário examinar se os serviços controvertidos têm um nexo direto e imediato com a operação isenta prevista.

42.      Nem sempre é possível distinguir uma operação específica a jusante das restantes operações que constituem o conjunto da atividade económica de um sujeito passivo. No entanto, se for esse o caso, é necessário analisar, em primeiro lugar, se existe um nexo direto e imediato com a referida operação específica (28). Só depois deve verificar‑se se as despesas em causa, enquanto elementos constitutivos do preço de todos os serviços, têm um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica (os chamados custos gerais).

43.      No caso da transmissão de ações, o Tribunal de Justiça considera que a existência de um nexo direto e imediato entre uma operação a montante e esta transação é estabelecida se as despesas efetuadas estiverem incluídas no preço das ações ou das participações (29).

44.      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio parece ser da opinião de que não pode ser estabelecido um nexo direto e imediato com a venda prevista das participações, dado que os custos de consultoria não se poderiam ter repercutido no preço destas. Por este motivo, com as suas segunda e terceira questões, pergunta diretamente em que circunstâncias as despesas com os serviços de consultoria podem ser considerados custos gerais.

45.      No entanto, importa salientar que a indicação do Tribunal de Justiça segundo a qual as despesas efetuadas devem estar incluídas no preço das ações ou das participações não significa que seja necessário um aumento efetivo do preço, por exemplo acrescentando um determinado montante ao preço de venda.

46.      Isto é particularmente evidente no caso das sociedades anónimas cotadas em bolsa: com efeito, no caso destas sociedades, o preço de uma ação é normalmente determinado com base na cotação atual em bolsa e não através de uma negociação entre o vendedor e o comprador. A indicação do Tribunal de Justiça deve, portanto, ser interpretada no sentido de que as despesas devem diminuir diretamente o lucro resultante de uma operação específica sobre participações ou ações e não só o lucro global da empresa. As operações efetuadas a montante devem, por isso, estar tão estreitamente ligadas à venda de participações que, do ponto de vista económico, representem diretamente um elemento constitutivo do preço da operação que se pretende efetuar.

47.      Além disso, contrariamente ao que considera a C&D Foods, não está, portanto, excluído um nexo com a venda isenta das participações pelo facto de finalmente não se ter realizado. Do mesmo modo que os atos preparatórios foram reconhecidos como uma atividade económica, nesses casos o que releva, para efeitos da dedução do IVA pago a montante, é o nexo com as operações a jusante previstas (30).

48.      Como salienta a Comissão nas suas observações escritas, parece existir um nexo deste tipo entre os serviços de consultoria prestados pelo escritório Holst Advokater e a pretendida venda das participações da Arovit Petfood. Com efeito, o objeto dos serviços de consultoria era precisamente a elaboração de um contrato relativo à venda das participações. Assim, o custo deste aconselhamento parece apresentar um nexo muito direto com a operação isenta pretendida.

49.      O Acórdão no processo Iberdrola também não se opõe à utilização deste critério, uma vez que aplicou um critério muito amplo para determinar o caráter direto deste nexo. No entanto, nesse processo, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a imputação a uma operação a jusante específica: a sua decisão dizia respeito apenas ao nexo com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (31).

50.      Tendo em conta estas considerações, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar (32) se os serviços de consultoria em causa têm um nexo direto e imediato com a venda isenta das participações da Arovit Petfood, em conformidade com o artigo 135.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva IVA. Sendo esse o caso, a C&D Foods não teria direito à dedução.

3.      Relação com a atividade económica geral

51.      Como também foi salientado pela Comissão nas suas observações escritas, só no caso de o órgão jurisdicional de reenvio não conseguir estabelecer um nexo direto e imediato com as operações isentas relacionadas com a venda das ações que se pretendia efetuar é que deve ser analisado o nexo com o conjunto da atividade económica (33).

52.      Neste contexto são aplicáveis, em substância, os mesmos princípios. Com efeito, na medida em que o Tribunal de Justiça, no que diz respeito à dedução a título de custos gerais, também exige que o preço dos serviços a montante esteja incorporado respetivamente no preço dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo (34), não é necessário um aumento dos preços. Pelo contrário, descreve a ligação económica necessária entre operações a montante e a jusante (35).

53.      Tal ligação não exige, contudo, um aumento efetivo dos preços, mas apenas que certas despesas façam parte dos elementos constitutivos do preço para todos os produtos ou serviços do sujeito passivo. A Comissão também salientou este aspeto nas suas observações escritas. Por conseguinte, o que é realmente importante é que os serviços a montante estejam economicamente e objetivamente ligados à atividade tributável (36), por exemplo, de forma a que o nível do lucro dependa dela.

54.      Qualquer outra solução equivaleria a negar a dedução do IVA pago a montante a um sujeito passivo que não pode ou não quer aumentar os seus preços em caso de aumento dos custos. Isto constituiria uma evidente violação do princípio da neutralidade.

55.      Por conseguinte, o mesmo acontece no que respeita à situação especial de uma margem de lucro fixa, mencionada na segunda questão prejudicial. É certo que nesse caso é excluído – e assim parece considerar o órgão jurisdicional de reenvio com a sua questão – que as despesas para os serviços de consultoria se repercutam efetivamente nos preços faturados pela C&D Foods para os serviços de gestão. Na verdade, o preço é estabelecido com base nos custos de pessoal acrescidos de uma margem de 10%. No entanto, isto não significa que um nexo com tais operações esteja excluído em todos os casos. Com efeito, independentemente de um qualquer aumento efetivo do preço, certas despesas fazem parte dos elementos constitutivos do preço dos bens ou dos serviços fornecidos pelo sujeito passivo.

56.      No entanto, contra uma dedução integral do IVA pago a montante a título de custos gerais poderia ser alegado que o aconselhamento também apresenta potencialmente um nexo com a alienação das participações da filial direta (Arovit Holding), relativamente à qual a C&D Foods atua como uma pura sociedade holding (37). Consequentemente, poderia ser necessária uma repartição da dedução entre as atividades económicas e não económicas da sociedade. Contudo, as questões prejudiciais não apontam nesse sentido, nem a decisão de reenvio contém elementos suficientes que permitam dar uma resposta útil.

57.      Não obstante, importa recordar que, em qualquer caso, o nexo com o conjunto da atividade económica não é relevante se for à partida possível uma clara atribuição a uma determinada operação isenta. No caso em apreço, é de excluir a tomada em consideração dos custos gerais.

V.      Conclusão

58.      Resulta das considerações precedentes que se deve responder do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Vestre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Oeste, Dinamarca):

1.      O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE deve ser interpretado no sentido de que constituem atividades económicas na aceção desta disposição não só os atos preparatórios que permitem iniciar tais atividades, mas também os atos que se destinam a pôr‑lhe termo. Por conseguinte, a venda de participações de uma subfilial, através da qual se põe termo a uma atividade tributada exercida anteriormente, isto é, a intervenção na gestão dessa sociedade para a realização de operações tributáveis, constitui uma atividade económica na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

2.      O artigo 168.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding não pode deduzir o IVA pago a montante pelos serviços de consultoria que adquiriu antes da venda prevista de participações de uma subfilial, quando existe um nexo direto e imediato entre esses serviços de consultoria e as operações previstas de venda das participações que, nos termos do artigo 135.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2006/112, estão isentas de imposto. Cabe ao órgão jurisdicional nacional efetuar essa verificação.


1      Língua original: alemão.


2      V., por exemplo, Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands (C‑60/90, EU:C:1991:268), de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest (C‑142/99, EU:C:2000:623), de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C‑16/00, EU:C:2001:495), de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C‑496/11, EU:C:2012:557), de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C‑108/14 e C‑109/14, EU:C:2015:496), e as minhas Conclusões no processo Ryanair (C‑249/17, EU:C:2018:301).


3      É de salientar, no que respeita a este caso, sobretudo o Acórdão de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665).


4      Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).


5      Segundo jurisprudência constante, trata‑se de uma atividade económica, v. Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C‑16/00, EU:C:2001:495, n.o 21), de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.os 30 e 31), e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C‑108/14 e C‑109/14, EU:C:2015:496, n.o 21).


6      V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National (C‑408/98, EU:C:2001:110, n.o 32).


7      Acórdãos de 16 de julho de 1992, Meilicke (C‑83/91, EU:C:1992:332, n.o 23), de 22 de novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, EU:C:2005:709, n.os 34 e 37) e de 21 de dezembro de 2016, Tele2 Sverige e Watson e o. (C‑203/15 e C‑698/15, EU:C:2016:970, n.o 130).


8      Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands (C‑60/90, EU:C:1991:268, n.o 17), de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest (C‑142/99, EU:C:2000:623, n.o 17), e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C‑108/14 e C‑109/14, EU:C:2015:496, n.o 20).


9      Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands (C‑60/90, EU:C:1991:268, n.o 14), de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest (C‑142/99, EU:C:2000:623, n.o 17), de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C‑16/00, EU:C:2001:495, n.o 19), e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C‑108/14 e C‑109/14, EU:C:2015:496, n.o 20).


10      Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C‑16/00, EU:C:2001:495, n.o 21), de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C‑496/11, EU:C:2012:557, n.o 34), e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C‑108/14 e C‑109/14, EU:C:2015:496, n.o 21).


11      Acórdão de 5 de julho de 2018, Marle Participations (C‑320/17, EU:C:2018:537, n.o 35); no entanto, é discutível a este respeito se a locação de um bem imóvel deve ser considerada verdadeiramente uma «participação na gestão».


12      Acórdão de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 34).


13      Acórdãos de 20 de junho de 1996, Wellcome Trust (C‑155/94, EU:C:1996:243, n.o 33), de 3 de março de 2005, Fini H (C‑32/03, EU:C:2005:128, n.os 22 a 24), de 26 de maio de 2005, Kretztechnik (C‑465/03, EU:C:2005:320, n.o 19), e de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 34).


14      Neste sentido, Acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National (C‑408/98, EU:C:2001:110, n.o 35), de 29 de abril de 2004, Faxworld (C‑137/02, EU:C:2004:267, n.o 39), e de 3 de março de 2005, Fini H (C‑32/03, EU:C:2005:128, n.os 23 e 24).


15      Acórdão de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 33).


16      Acórdão de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 32).


17      Acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National (C‑408/98, EU:C:2001:110, n.o 35), de 29 de abril de 2004, Faxworld (C‑137/02, EU:C:2004:267, n.o 39), e de 3 de março de 2005, Fini H (C‑32/03, EU:C:2005:128, n.os 23 e 24).


18      v. Acórdão de 12 de janeiro de 2006, Optigen e o. (C‑354/03, C‑355/03 e C‑484/03, EU:C:2006:16, n.o 44), de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling (C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.o 41), e de 16 de dezembro de 2010, Euro Tyre Holding (C‑430/09, EU:C:2010:786, n.o 28).


19      Acórdãos de 6 de abril de 1995, BLP Group (C‑4/94, EU:C:1995:107, n.o 24), de 8 de junho de 2000, Midland Bank (C‑98/98, EU:C:2000:300, n.o 20), de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C‑496/11, EU:C:2012:557, n.o 38), e de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National (C‑408/98, EU:C:2001:110, n.o 25).


20      Acórdão de 6 de abril de 1995, BLP Group (C‑4/94, EU:C:1995:107, n.o 27). A existência de um nexo direto e imediato será analisada em seguida, v. n.os 36 e segs. das presentes conclusões.


21      Acórdão de 6 de abril de 1995, BLP Group (C‑4/94, EU:C:1995:107, n.os 18 e 19), de 8 de junho de 2000, Midland Bank (C‑98/98, EU:C:2000:300, n.o 20), e de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 57).


22      Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C‑16/00, EU:C:2001:495, n.o 31), de 26 de maio de 2005, Kretztechnik (C‑465/03, EU:C:2005:320, n.o 35), de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 57), e de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments (C‑132/16, EU:C:2017:683, n.o 28).


23      Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C‑16/00, EU:C:2001:495, n.o 33), de 26 de maio de 2005, Kretztechnik (C‑465/03, EU:C:2005:320, n.o 37), de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C‑496/11, EU:C:2012:557, n.o 37), e de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments (C‑132/16, EU:C:2017:683, n.o 29).


24      Por exemplo, o artigo 169.o da Diretiva IVA estabelece algumas exceções.


25      Acórdãos de 6 de abril de 1995, BLP Group (C‑4/94, EU:C:1995:107, n.o 28), de14 de setembro de 2006, Wollny (C‑72/05, EU:C:2006:573, n.o 20), de 12 de fevereiro de 2009, Vereniging Noordelijke Land‑ en Tuinbouw Organisatie (C‑515/07, EU:C:2009:88, n.o 28), de 13 de março de 2008, Securenta (C‑437/06, EU:C:2008:166, n.o 30), de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 59), e as minhas Conclusões no processo Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments (C‑132/16, EU:C:2017:283, n.o 37).


26      Acórdãos de 13 de dezembro de 2001, CSC Financial Services (C‑235/00, EU:C:2001:696, n.o 33), e de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 48).


27      V., n.o 26 destas conclusões.


28      V., a este respeito, as minhas Conclusões no processo Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments (C‑132/16, EU:C:2017:283, n.os 36 e 37).


29      Acórdãos de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 62), e de 30 de maio de 2013, X (C‑651/11, EU:C:2013:346, n.o 56).


30      V. Acórdãos de 29 de novembro de 2012, Gran Via Moineşti (C‑257/11, EU:C:2012:759, n.o 27), e de 22 de outubro de 2015, Sveda (C‑126/14, EU:C:2015:712, n.o 20).


31      V. Acórdão de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments (C‑132/16, EU:C:2017:683, n.o 29).


32      Acórdão de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.os 63 e 73).


33      V., a este respeito, as minhas Conclusões no processo Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments (C‑132/16, EU:C:2017:283, n.os 36 e 37).


34      Acórdão de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C‑29/08, EU:C:2009:665, n.o 60).


35      V., a este respeito, as minhas Conclusões no processo Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments (C‑132/16, EU:C:2017:283, n.os 25 a 31).


36      Acórdão de 22 de outubro de 2015, Sveda (C‑126/14, EU:C:2015:712, n.o 29).


37      No entanto, segundo a jurisprudência, holdings financeiras puras não devem ser consideradas sujeitos passivos na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA, v. Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands (C‑60/90, EU:C:1991:268, n.o 17), de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest (C‑142/99, EU:C:2000:623, n.o 17), e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C‑108/14 e C‑109/14, EU:C:2015:496, n.o 20), e o n.o 24 das presentes conclusões.