Language of document : ECLI:EU:T:2023:827

Processo T389/21

Landesbank BadenWürttemberg

contra

Conselho Único de Resolução

 Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção alargada) de 20 de dezembro de 2023

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 — Dever de fundamentação — Tutela jurisdicional efetiva — Igualdade de tratamento — Princípio da proporcionalidade — Margem de apreciação do CUR — Exceção de ilegalidade — Margem de apreciação da Comissão — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo»

1.      Direito da União Europeia — Princípios — Direitos de defesa — Direito a uma tutela jurisdicional efetiva — Alcance — Decisão do Conselho Único de Resolução (CUR) que estabelece as contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Princípio do contraditório — Exceções — Princípio geral de proteção do segredo comercial — Ponderação — Admissibilidade

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°; Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho; Diretiva 2014/59 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.° 2015/63 da Comissão, artigos 4.° a 7.° e 9.° e anexo I)

(cf. n.os 37‑42, 45‑49)

2.      Direito da União Europeia — Princípios — Segurança jurídica — Regulamentação da União — Exigências de clareza e de precisão — Limites

(cf. n.os 64‑67)

3.      Direito da União Europeia — Princípios — Segurança jurídica — Regulamentação da União — Exigência de clareza e de previsibilidade — Regulamento Delegado 2015/63 [que] complementa a Diretiva 2014/59 no que se refere às contribuições [ex ante] para os mecanismos de financiamento da resolução — Concessão de uma margem de apreciação ao Conselho Único de Resolução (CUR) quanto ao método de cálculo das contribuições ex ante — Requisitos — Definição com clareza suficiente do alcance e das modalidades de exercício desse poder

(Regulamento n.° 2015/63 da Comissão, artigos 6.°, n.os 5 a 7, e 7.°, n.° 4)

(cf. n.os 87‑90, 92)

4.      Instituições da União Europeia — Exercício das competências — Poder conferido à Comissão para a adoção de atos delegados — Alcance — Apreciações e avaliações complexas — Ampla margem de apreciação — Diretiva 2014/59 que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Fixação dos critérios de adaptação das contribuições ex ante — Fiscalização jurisdicional — Limites

(Artigo 290.° TFUE; Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerando 41; Diretiva 2014/59 do Parlamento Europeu e do Conselho)

(cf. n.os 105, 107, 112, 162)

5.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão do Conselho Único de Resolução (CUR) que estabelece as contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Inexistência de necessidade de constarem dessa decisão todos os elementos que permitem verificar a exatidão do cálculo das contribuições — Ponderação do dever de fundamentação com o princípio geral de proteção do segredo comercial das instituições em causa — Legalidade das disposições do Regulamento 2015/63 sobre o método de cálculo das contribuições ex ante para o FUR — Princípio do respeito do segredo comercial — Obrigação de o CUR publicar e transmitir às instituições em causa, de forma agregada e anónima, as informações relativas às instituições para calcular a contribuição ex ante

(Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE; Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho; Diretiva 2014/59 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.° 2015/63 da Comissão, artigos 4.° a 7.° e 9.° e anexo I)

(cf. n.os 261‑272, 292, 294)

6.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Fornecimento pelo autor de explicações relativas aos fundamentos do ato no decurso do processo perante o juiz da União — Requisitos — Inexistência de contradições e dever de coerência das explicações com os referidos fundamentos

(Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE)

(cf. n.os 329, 330)

7.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão do Conselho Único de Resolução (CUR) que estabelece as contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Obrigação de o CUR comunicar às instituições em causa o método de cálculo destas contribuições e o método de determinação do montante do nívelalvo anual

(Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE; Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.° 2015/81 do Conselho, artigo 4.°; Diretiva 2014/59 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.° 2015/63 da Comissão, artigos 4.° a 7.° e 9.°, e anexo I)

(cf. n.os 332, 333)

8.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão do Conselho Único de Resolução (CUR) que estabelece as contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Fundamentação que assenta unicamente noutros atos jurídicos, como as decisões intermédias, que precisam e completam determinados aspetos da fixação das referidas contribuições — Não publicação ou comunicação às instituições desses outros atos — Ilegalidade

(Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE)

(cf. n.os 442, 447)

Resumo

A Landesbank Baden‑Württemberg (a seguir «recorrente») é uma instituição de crédito de direito público estabelecida na Alemanha. Está integrada no sistema de proteção institucional (a seguir «SPI») do Sparkassen‑Finanzgruppe (grupo financeiro das instituições de poupança, Alemanha).

Em 14 de abril de 2021, o Conselho Único de Resolução (CUR) adotou uma decisão na qual fixou (1)      as contribuições ex ante para 2021 para o Fundo Único de Resolução (a seguir «FUR») de instituições bancárias, entre as quais a recorrente (a seguir «decisão recorrida») (2).

Chamado a conhecer de um recurso de anulação da decisão recorrida, o Tribunal Geral pronuncia‑se sobre várias questões inéditas quanto ao cálculo das contribuições ex ante para o FUR e sobre diversas exceções de ilegalidade contra o Regulamento Delegado 2015/63 (3), todas elas julgadas improcedentes.

O acórdão apresenta um caráter inovador no seu todo. O Tribunal Geral conclui pela anulação da decisão recorrida por violação do dever de fundamentação que incumbe ao CUR.

Apreciação do Tribunal Geral

Num primeiro momento, o Tribunal Geral julga improcedentes todas as exceções de ilegalidade suscitadas pela recorrente.

Em particular, em primeiro lugar, julga improcedente a relativa a uma violação do princípio da segurança jurídica do pilar de risco «indicadores de risco adicionais, a determinar pelo [CUR]».

Recorde‑se que, em conformidade com os artigos 6.° e 7.° do Regulamento Delegado 2015/63, incumbe ao CUR ajustar a contribuição anual de base das instituições tendo em conta quatro pilares de risco, sendo cada pilar composto por indicadores de risco que, por sua vez, podem ser compostos por subindicadores de risco.

O primeiro artigo concede uma margem de apreciação ao CUR, quanto à forma como «deve ter em conta», para efeitos da determinação dos referidos indicadores de risco, «a probabilidade de a instituição em causa entrar num processo de resolução e da consequente probabilidade de utilizar o mecanismo de financiamento da resolução caso a instituição seja objeto de resolução».

Assim, no que respeita ao primeiro indicador de risco abrangido pelo pilar de risco «indicadores de risco adicionais, a determinar pelo [CUR]» e que é relativo às atividades de negociação, às posições em risco extrapatrimoniais, aos derivados, à complexidade e à resolubilidade da instituição, o CUR deve ter em conta vários subindicadores na sua determinação, alguns dos quais podem conduzir a um aumento do perfil de risco da instituição em causa e outros a uma diminuição. Ora, estes subindicadores de risco não contêm precisões sobre a aplicação da comparação que implicam.

Quanto ao indicador de risco SPI, o CUR dispõe de uma margem de apreciação quanto ao respeito das condições associadas, por um lado, à adequação dos fundos disponíveis do SPI em causa aos fundos necessários ao financiamento da instituição em causa e, por outro, ao grau de segurança jurídica ou contratual relativamente a estes fundos. O mesmo se aplica à ponderação dos diferentes indicadores de risco no âmbito do pilar de risco IV (4), no que respeita a determinar o peso dos diferentes subindicadores de risco que constituem esses indicadores de risco, os quais devem ser tidos em conta (5).

O Tribunal Geral examina, portanto, se o artigo 6.°, n.os 5 a 7, e o artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento Delegado 2015/63 podem ser considerados disposições que definem com clareza suficiente o alcance e as modalidades de exercício do poder de apreciação conferido ao CUR, tendo em conta o fim legítimo em jogo, de modo a fornecerem uma proteção adequada contra o arbitrário e os particulares poderem ultrapassar, com um grau suficiente de certeza, eventuais dúvidas quanto ao âmbito ou ao sentido das referidas disposições.

No caso em apreço, primeiro, o Tribunal Geral salienta que a regulamentação aplicável prevê o resultado a alcançar, segundo o qual os meios financeiros disponíveis do FUR devem atingir o nível‑alvo final no termo do período inicial de oito anos a partir de 1 de janeiro de 2016 (a seguir «período inicial»), bem como um método para alcançar este resultado, o que reduz o impacto do poder de apreciação que o CUR exerce na determinação das contribuições ex ante. Por um lado, o montante da contribuição ex ante de cada instituição depende do montante do nível‑alvo anual que é determinado pelo CUR com base na sua estimativa do montante correspondente, em 31 de dezembro de 2023, a pelo menos 1 % dos depósitos cobertos em todos os Estados‑Membros que participam no Mecanismo Único de Resolução (MUR) (6). Por outro lado, a contribuição ex ante de cada instituição é determinada, nomeadamente, com base na contribuição anual de base que é calculada a partir dos montantes dos passivos líquidos das instituições em causa. Ora, o CUR não exerce nenhum poder de apreciação quanto à determinação destes montantes. Além disso, a instituição em causa tem conhecimento do montante dos seus passivos líquidos e pode ter acesso ao montante global dos passivos líquidos das outras instituições.

Segundo, os indicadores de risco cuja falta de clareza é contestada pela recorrente e relativamente aos quais o CUR exerce um certo poder de apreciação só influenciam o perfil de risco da instituição numa medida inferior a 20 %. Além disso, o impacto destes indicadores no montante final da contribuição ex ante é mais reduzido pelo facto de o CUR não exercer nenhum poder de apreciação quanto à determinação do montante da contribuição anual de base e de o ajustamento dessa contribuição ao perfil de risco de uma instituição estar claramente enquadrado num intervalo previamente definido compreendido entre 0,8 e 1,5 (7).

O Tribunal Geral conclui que o alcance e as modalidades de exercício do poder de apreciação conferido ao CUR (8)não podem ser consideradas insuficientemente enquadradas ou definidas com uma clareza insuficiente, tendo em conta o fim legítimo em jogo, e não se pode, portanto, considerar que não proporcionam uma proteção adequada contra o arbitrário. Isto é tanto mais assim quanto a recorrente é um operador informado que pode, recorrendo, se necessário, aos serviços de um consultor jurídico e económico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza da sua contribuição ex ante.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral julga improcedente a exceção de ilegalidade relativa ao facto de que uma diferenciação das instituições pertencentes ao mesmo SPI com base no indicador de risco «atividades de negociação e posições em risco extrapatrimoniais, derivados, complexidade e resolubilidade» está em contradição com o tratamento homogéneo e coerente de todos os membros desse SPI imposto pela Diretiva 2014/59 (9)e pelo Regulamento n.° 575/2013 (10). Com efeito, depois de ter constatado que quando várias instituições fazem parte do mesmo SPI, às instituições a quem é atribuído um melhor peso relativo ao indicador de risco «atividades de negociação e posições em risco extrapatrimoniais, derivados, complexidade e resolubilidade» em relação a outros membros desse SPI pode ser atribuído um peso mais favorável no âmbito do indicador de risco SPI em relação a estes outros membros, o Tribunal Geral salienta que, no que respeita à Diretiva 2014/59, não está previsto que, quando adotou o Regulamento Delegado 2015/63, a Comissão deva atribuir o mesmo peso a todas as instituições que fazem parte do mesmo SPI. Além disso, a Comissão goza de um amplo poder de apreciação quanto ao método de ajustamento das contribuições anuais de base. Ora, antes de mais, a Comissão e o CUR explicaram, sem que a recorrente tenha apresentado elementos para contestar as suas alegações, que os membros de um SPI não dispõem do direito incondicional de receber desse SPI um apoio incondicional, em seguida, a insolvência de uma instituição com um balanço amplo e complexo poderia esgotar totalmente os fundos deste SPI e, por último, o indicador de risco «atividades de negociação e posições em risco extrapatrimoniais, derivados, complexidade e resolubilidade» permite apreciar se uma instituição dispõe de um balanço amplo e complexo. Quanto ao Regulamento n.° 575/2013, o seu artigo 113.°, n.° 7, define as condições de autorização dos SPI e não o cálculo das contribuições ex ante e não proíbe a diferenciação entre as instituições que são membros do mesmo SPI para efeitos do cálculo das contribuições ex ante. Além disso, esta disposição não vai ao ponto de exigir que um SPI disponha de recursos suficientes para evitar a resolução de todos os seus membros, incluindo todas as grandes instituições.

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral julga improcedente a exceção de ilegalidade relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento. Este recorda que a natureza específica das contribuições ex ante consiste em assegurar, numa lógica baseada na garantia, que o setor financeiro fornece recursos financeiros suficientes ao MUR para que este último possa desempenhar as suas funções, ao mesmo tempo que incentiva a adoção, pelas instituições em causa, de modelos de funcionamento de menor risco. Por conseguinte, nem todas as instituições pertencentes a um SPI se encontram necessariamente e pelo simples facto dessa pertença numa situação comparável. Com efeito, antes de mais, os membros de um SPI não dispõem do direito incondicional de receber um apoio do SPI que abranja todos os seus compromissos. Em seguida, a insolvência de uma instituição com um balanço amplo e complexo pode esgotar totalmente os fundos de um SPI, ao contrário da insolvência de instituições com balanços mais reduzidos e simples. Por último, o indicador de risco «atividades de negociação e posições em risco extrapatrimoniais, derivados, complexidade e resolubilidade» constitui um critério objetivo para avaliar quais as instituições que se encontram, no que diz respeito a esse risco, numa situação comparável.

Em quarto lugar, o Tribunal julga improcedente a exceção de ilegalidade relativa a uma violação de várias normas superiores. A este título, salienta que, uma vez que há que ter em conta os objetivos do MUR e, nomeadamente, o de incentivar as instituições a seguir um modelo de funcionamento de menor risco, o método de compartimentação, que consiste em afetar instituições afetadas a um mesmo bin ([a seguir] «compartimento») apesar de terem valores consideravelmente diferentes umas das outras para o mesmo indicador de risco, não viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que estas instituições têm características diferentes quanto ao grau de risco medido por este indicador. Embora estas instituições sejam tratadas de maneira igual, este tratamento é devidamente justificado na medida em que, por um lado, está relacionado com o objetivo legalmente admissível prosseguido, que consiste no estabelecimento de normas gerais facilmente aplicáveis e fáceis de controlar pelas autoridades competentes, e, por outro, tendo em conta a ampla margem de apreciação de que goza a Comissão, o método de compartimentação em causa permite alcançar o objetivo prosseguido, não ultrapassa os limites do que é necessário à sua realização e não pode ser considerado um inconveniente desproporcionado.

Em quinto lugar, o Tribunal Geral julga improcedente a exceção de ilegalidade relativa a uma violação de um «princípio do cálculo das contribuições adaptado ao risco» na medida em que o artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento Delegado 2015/63 enferma de um erro manifesto de apreciação, uma vez que essa disposição impede o CUR de adaptar, de forma adequada, as contribuições anuais de base ao perfil de risco real das instituições. Ao abrigo deste artigo, intitulado «Disposições transitórias», um indicador de risco não é aplicado até que as informações exigidas por um indicador de risco específico mencionado no anexo II deste regulamento delegado não estejam incluídas no requisito aplicável de comunicação de informações para efeitos de supervisão referido no seu artigo 14.° O Regulamento Delegado 2015/63 foi adotado com base no artigo 103.°, n.° 7, da Diretiva 2014/59, que obriga a Comissão a ter em conta todos os elementos enumerados nas alíneas a) a h) desta disposição para especificar o conceito de «ajustamento das contribuições em proporção do perfil de risco das instituições».

No entanto, tendo em conta a ampla margem de apreciação de que a Comissão goza no que respeita à aplicação desta disposição, isso pode implicar a necessidade de prever períodos transitórios. Ora, o artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento Delegado 2015/63 introduz esse período, uma vez que habilita o CUR, a título transitório, a não aplicar alguns destes elementos, que se refletem nos indicadores de risco previstos neste regulamento delegado.

Além disso, a justificação do período transitório previsto nesta disposição está estreitamente ligada ao caráter progressivo do processo de implementação dos requisitos prudenciais e dos correspondentes requisitos de informação. Neste contexto, o artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento Delegado 2015/63 visa evitar que sejam impostos encargos desproporcionados ou discriminatórios, se for caso disso, às instituições no cálculo das contribuições ex ante devido precisamente a esta aplicação progressiva dos requisitos prudenciais e dos respetivos requisitos de informação.

Por último, embora esta exceção possa conduzir a uma situação em que certos indicadores de risco permaneçam inaplicáveis durante todo o período inicial, por um lado, essa consequência é o resultado da natureza progressiva da aplicação dos requisitos prudenciais e, por outro, os referidos indicadores de risco também são aplicáveis para além do período inicial.

Num segundo momento, o Tribunal Geral examina os fundamentos relativos à legalidade da decisão recorrida e julga procedente o fundamento relativo a vícios de fundamentação desta última quanto à determinação do nível‑alvo anual.

Quanto a este último fundamento, que é de ordem pública, a título preliminar, o Tribunal Geral recorda, antes de mais, que, em conformidade com a legislação aplicável, os meios financeiros disponíveis do FUR devem, no termo do período inicial, atingir o nível‑alvo final, que corresponde a pelo menos 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas de todos os Estados‑Membros que participam no MUR. Em seguida, durante o período inicial, as contribuições ex ante devem ser escalonadas ao longo do tempo da forma mais equilibrada possível até que seja atingido o nível‑alvo final. Além disso, anualmente, as contribuições devidas por todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros que participam no MUR não excedem 12,5 % do nível‑alvo final. Além disso, no que respeita ao método de cálculo das contribuições ex ante, o CUR determina o seu montante com base no nível‑alvo anual, tendo em conta o nível‑alvo final, e com base no valor médio dos depósitos cobertos registado no ano precedente, calculo trimestralmente, de todas as instituições autorizadas no território dos Estados‑Membros que participam no MUR. Por último, o CUR calcula a contribuição ex ante para cada instituição com base no nível‑alvo anual, que deve ser estabelecido tendo em conta o nível‑alvo final e em conformidade com a metodologia exposta no Regulamento Delegado 2015/63.

No presente caso, como resulta da decisão recorrida, o CUR fixou, para o período de contribuição de 2021, o montante do nível‑alvo anual em 11 287 677 212,56 euros. Na referida decisão, explicou, em substância, que o nível‑alvo anual devia ser determinado com base numa análise sobre a evolução dos depósitos cobertos nos anos anteriores, em toda a evolução pertinente da situação económica, bem como numa análise sobre os indicadores relativos à fase do ciclo de atividades e nos efeitos que as contribuições pró‑cíclicas teriam na situação financeira das instituições. O CUR considerou adequado fixar um coeficiente que se baseava nesta análise e nos meios financeiros disponíveis no FUR e aplicou este coeficiente a um oitavo do montante médio dos depósitos cobertos em 2020, para efeitos de obter o nível‑alvo anual. Posteriormente, expôs o procedimento seguido para fixar o coeficiente. À luz destas considerações, o CUR fixou o valor do coeficiente em 1,35 %. Em seguida, calculou o montante do nível‑alvo anual, multiplicando o montante médio dos depósitos cobertos em 2020 por este coeficiente e dividindo o resultado deste cálculo por oito.

A este respeito, embora o CUR seja obrigado a fornecer às instituições, através da decisão recorrida, explicações sobre o método de determinação do nível‑alvo anual, estas explicações devem ser coerentes com as explicações fornecidas pelo CUR durante o processo judicial e relativas ao método efetivamente aplicado. Ora, não é o que sucede no presente caso.

Com efeito, na audiência, o CUR indicou que tinha determinado o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 seguindo um método em quatro etapas, das quais as duas últimas consistiram em deduzir do nível‑alvo final os meios financeiros disponíveis no FUR, com vista a calcular o montante que faltava cobrar até ao final do período inicial e dividindo este último montante por três.

Ora, o Tribunal Geral observa que as duas últimas etapas desse cálculo não estão expressas na fórmula matemática apresentada, na decisão recorrida, como estando na base da determinação do montante do nível‑alvo anual.

É certo que a recorrente tinha conhecimento de uma ficha descritiva, publicada pelo CUR após a adoção da decisão recorrida, mas antes da interposição do presente recurso, que indicava o montante estimado do nível‑alvo final. Todavia, admitindo que também tinha tido conhecimento do montante dos meios financeiros disponíveis no FUR, estas circunstâncias, por si só, não eram suscetíveis de lhe permitir compreender que as duas últimas etapas tinham sido efetivamente aplicadas pelo CUR, sendo precisado, além disso, que a fórmula matemática prevista na decisão recorrida nem sequer as mencionava.

Incoerências semelhantes afetam também a forma como foi fixado o coeficiente de 1,35 %, que desempenha, no entanto, um papel primordial nesta fórmula matemática. Ora, como o CUR reconheceu na audiência, este coeficiente foi fixado de forma a poder justificar o resultado do cálculo do montante do nível‑alvo anual, ou seja, depois de o CUR ter calculado este montante em aplicação das quatro etapas do método efetivamente aplicado. Ora, esta diligência não resulta de modo algum da decisão recorrida.

Além disso, o intervalo em que se situava, segundo a ficha descritiva, o montante do nível‑alvo final estimado é incoerente com o intervalo da taxa de crescimento dos depósitos cobertos que se situa entre 4 % e 7 %, e que consta da decisão recorrida. Nestas condições, a recorrente não estava em condições de determinar a forma como o CUR tinha utilizado o intervalo relativo à taxa de evolução destes depósitos para chegar ao cálculo do nível‑alvo final estimado.

O Tribunal Geral considera que, no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, o método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado na audiência, não corresponde ao descrito na decisão recorrida, pelo que os fundamentos reais, à luz dos quais foi fixado este nível‑alvo, não podiam ser identificados com base na decisão recorrida nem pelas instituições nem pelo Tribunal Geral. A decisão recorrida enferma, portanto, de vícios de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

Após ter julgado improcedentes os outros fundamentos de mérito, apreciados no interesse de uma boa administração da justiça, o Tribunal Geral conclui que a falta de fundamentação de que padece a decisão recorrida é, por si só, suscetível de fundamentar a sua anulação na parte em que diz respeito à recorrente.

No entanto, nas circunstâncias do caso em apreço, decide manter os efeitos da decisão recorrida, no que diz respeito à recorrente, até à entrada em vigor, num prazo razoável, que não deverá exceder seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de uma nova decisão do CUR que fixe a contribuição ex ante para o FUR da recorrente para o período de contribuição de 2021.


1      Em conformidade com o artigo 70.°, n.° 2, do Regulamento (UE) n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.° 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).


2      Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução, de 14 de abril de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 para o Fundo Único de Resolução.


3      Regulamento Delegado (UE) 2015/63 da Comissão, de 21 de outubro de 2014, [que] complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às contribuições [ex ante] para os mecanismos de financiamento da resolução (JO 2015, L 11, p. 44).


4      Ao abrigo do artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento Delegado 2015/63.


5      Em conformidade com o artigo 6.°, n.os 5 a 7, do Regulamento Delegado 2015/63.


6      Por força do artigo 69.°, n.os 1 e 2, do Regulamento Delegado 806/2014.


7      Em conformidade com o artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento Delegado 2015/63.


8      Ao abrigo do artigo 6.°, n.os 5 a 7 e do artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2015/63.


9      Artigo 103.°, n.º 7, alínea h), da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190).


10      Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1), artigo 113.°, n.° 7.