Language of document : ECLI:EU:C:2014:2158

Processo C‑327/13

Burgo Group SpA

contra

Illochroma SA

e

Jérôme Theetten

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Bruxelles)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Conceito de ‘estabelecimento’ — Grupo de sociedades — Estabelecimento — Direito de abertura de um processo de insolvência secundário — Critérios — Pessoa autorizada a requerer a abertura de um processo de insolvência secundário»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 4 de setembro de 2014

1.        Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento n.° 1346/2000 — Competência internacional para abrir um processo de insolvência — Processo secundário — Devedor que possui um estabelecimento no território do Estado da sua sede social — Conceito de estabelecimento — Estabelecimento dotado de personalidade jurídica — Inclusão — Critérios

[Regulamento n.° 1346/2000 do Conselho, artigos 2.°, alínea h), e 3.°, n.° 2]

2.        Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento n.° 1346/2000 — Competência internacional para abrir um processo de insolvência — Processo secundário — Pessoas habilitadas a requerer a abertura de um processo secundário — Apreciação à luz do direito nacional — Limitação aos credores domiciliados ou com sede social no Estado‑Membro do estabelecimento em causa, ou cujo crédito teve origem na atividade desse estabelecimento — Inadmissibilidade

[Regulamento n.° 1346/2000 do Conselho, artigo 29.°, alínea b)]

3.        Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento n.° 1346/2000 — Competência internacional para abrir um processo de insolvência — Processo secundário — Abertura de um processo secundário a um processo principal de liquidação — Tomada em consideração de critérios de oportunidade — Aplicação do direito nacional — Requisitos

(Regulamento n.° 1346/2000 do Conselho)

1.        O artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1346/2000 relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito do processo de insolvência de uma sociedade num Estado‑Membro diferente daquele em que tem a sua sede social, essa sociedade pode também ser objeto de um processo de insolvência secundário no outro Estado‑Membro em que tem a sua sede social e onde tem personalidade jurídica.

Com efeito, por um lado, o artigo 2.°, alínea h), do Regulamento n.° 1346/2000 não exclui que um estabelecimento, para efeitos dessa disposição, possa ser dotado de personalidade jurídica e se encontre no Estado‑Membro em que essa sociedade tem a referida sede estatutária, na condição de preencher os critérios previstos nessa disposição.

Por outro lado, caso o conceito de estabelecimento devesse ser interpretado no sentido de que não pode incluir um local de operações de uma sociedade devedora, local esse que preenche os critérios expressamente previstos no referido artigo 2.°, alínea h), e se encontra no território do Estado‑Membro em que se situa a sede estatutária dessa sociedade, recusar‑se‑ia aos interesses locais, entre os quais, designadamente, os interesses dos credores estabelecidos nesse Estado‑Membro, a proteção prevista pelo regulamento, sob forma de abertura, nesse Estado‑Membro, de um processo secundário. Por último, essa interpretação pode implicar um tratamento discriminatório dos credores estabelecidos no Estado‑Membro em que a sociedade devedora tem a sua sede social em relação, designadamente, aos credores estabelecidos noutros Estados‑Membros em que se encontrem, eventualmente, outros estabelecimentos do devedor.

(cf. n.os 32, 35, 38, 39, disp. 1)

2.        O artigo 29.°, alínea b), do Regulamento n.° 1346/2000 relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que a questão de saber que pessoas ou autoridades podem requerer a abertura de um processo secundário deve ser apreciada com base no direito nacional do Estado‑Membro em cujo território foi requerida a abertura desse processo. O direito de requerer a abertura de um processo secundário não pode, todavia, ser reconhecido apenas aos credores com domicílio ou sede social no Estado‑Membro em cujo território se situa o estabelecimento em causa ou apenas aos credores cujo crédito tem origem na exploração desse estabelecimento.

Com efeito, na adoção das disposições nacionais que regulam a questão de saber que pessoas estão autorizadas a requerer a abertura de um processo secundário, os Estados‑Membros são obrigados a assegurar o efeito útil do regulamento, tendo em conta o respetivo objeto. Ora, por um lado, as disposições do regulamento relativas ao direito de um credor requerer a abertura de um processo secundário visam, designadamente, mitigar os efeitos da aplicação universal do direito do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo principal, ao autorizar, sob certas condições, a abertura de processos secundários para proteger a diversidade dos interesses que incluem outros interesses além dos interesses locais.

Por outro lado, o regulamento distingue claramente entre processos territoriais abertos antes da abertura de um processo principal e processos secundários. Ora, é apenas em relação aos primeiros processos que o direito de requerer a sua abertura é unicamente reconhecido aos credores cujo domicílio, a residência habitual ou a sede se encontra no Estado‑Membro em cujo território está situado o estabelecimento em causa, ou cujo crédito tem origem na exploração desse estabelecimento. Daí decorre, a contrario, que essas limitações não se aplicam aos processos secundários.

Por último, a possibilidade de limitar o direito de requerer a abertura de um processo secundário apenas aos credores locais constitui uma discriminação indireta em razão da nacionalidade que não pode ser justificada.

(cf. n.os 46‑51, disp. 2)

3.        O Regulamento n.° 1346/2000 relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que, quando o processo de insolvência principal é um processo de liquidação, a tomada em consideração de critérios de oportunidade pelo órgão jurisdicional que conhece do pedido de abertura de um processo de insolvência secundário insere‑se no âmbito do direito nacional do Estado‑Membro em cujo território é requerida a abertura desse processo. Todavia, quando fixam os requisitos para a abertura de um processo desse tipo, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União e, nomeadamente, os seus princípios gerais, bem como as disposições do Regulamento n.° 1346/2000.

Por outro lado, o órgão jurisdicional que conhece do pedido de abertura de um processo secundário deve ter em conta, ao aplicar o seu direito nacional, os objetivos prosseguidos pela possibilidade de abertura desse processo.

Por último, após a abertura de um processo secundário, o órgão jurisdicional que abriu esse processo deve ter em consideração os objetivos do processo principal e levar em conta a economia do regulamento no respeito do princípio da cooperação leal.

(cf. n.os 65‑67, disp. 3)