Language of document : ECLI:EU:T:2011:127

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

29 de Março de 2011 (*)

«Inexecução de um acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento de Estado – Sanção pecuniária compulsória – Pedido de pagamento – Revogação da legislação controvertida»

No processo T‑33/09,

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes e J. A. de Oliveira, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por M. Konstantinidis, P. Guerra e Andrade e P. Costa de Oliveira, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2008) 7419 final da Comissão, de 25 de Novembro de 2008, relativa ao pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória devida em execução do acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2008, Comissão/Portugal (C‑70/06, Colect., p. I‑1),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen (relator), juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Outubro de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 225.°, n.° 1, primeiro parágrafo, CE:

«O Tribunal de Primeira Instância é competente para conhecer em primeira instância dos recursos referidos nos artigos 230.°, 232.°, 235.°, 236.° e 238.°, com excepção dos atribuídos a uma câmara jurisdicional e dos que o Estatuto reservar para o Tribunal de Justiça. O Estatuto pode prever que o Tribunal de Primeira Instância seja competente para outras categorias de recursos.»

2        O artigo 226.° CE dispõe:

«Se a Comissão considerar que um Estado‑Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do presente Tratado, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações.

Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça.»

3        O artigo 228.° CE prevê:

«1.      Se o Tribunal de Justiça declarar que um Estado‑Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do presente Tratado, esse Estado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

2.      Se considerar que o Estado‑Membro em causa não tomou as referidas medidas, e após ter dado a esse Estado a possibilidade de apresentar as suas observações, a Comissão formula um parecer fundamentado especificando os pontos em que o Estado‑Membro não executou o acórdão do Tribunal de Justiça.

Se o referido Estado‑Membro não tomar as medidas necessárias para a execução do acórdão do Tribunal de Justiça dentro do prazo fixado pela Comissão, esta pode submeter o caso ao Tribunal de Justiça. Ao fazê‑lo, indica o montante da quantia fixa ou da sanção pecuniária compulsória, a pagar pelo Estado‑Membro, que considerar adequado às circunstâncias.

Se o Tribunal de Justiça declarar que o Estado‑Membro em causa não deu cumprimento ao seu acórdão, pode condená‑lo ao pagamento de uma quantia fixa ou de uma sanção pecuniária compulsória.

[...]»

4        Nos termos do artigo 274.°, primeiro parágrafo, CE:

«A Comissão executa o orçamento nos termos da regulamentação adoptada em execução do artigo [2]79.° […]»

 Factos na origem do litígio

5        Por acórdão de 14 de Outubro de 2004, Comissão/Portugal (C‑275/03, não publicado na Colectânea, a seguir «acórdão de 2004»), o Tribunal de Justiça decidiu:

«Ao não revogar o Decreto‑Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967, que subordina a indemnização das pessoas lesadas em consequência da violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos [JO L 395, p. 33].»

6        Por considerar que a República Portuguesa não havia cumprido este acórdão, a Comissão das Comunidades Europeias decidiu intentar, ao abrigo do artigo 228.°, n.° 2, CE, nova acção por incumprimento por inobservância das imposições determinadas pelo acórdão do Tribunal de Justiça.

7        A Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro de 2007, que aprova o Regime da Responsabilidade Civil Extracontractual do Estado e Demais Entidades Públicas (Diário da República, 1.a série, n.° 251, de 31 de Dezembro de 2007), estabelece o regime de responsabilização civil extracontratual do Estado e das restantes entidades públicas por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa em tudo o que não esteja previsto em lei especial. Disciplina igualmente, sem prejuízo do disposto em lei especial, a responsabilidade civil dos titulares de órgãos, dos funcionários e dos agentes públicos por danos decorrentes de acções ou omissões no exercício das funções administrativa e jurisdicional e por causa desse exercício e a responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas pelo diploma. O artigo 5.° da Lei n.° 67/2007 revogou o Decreto‑Lei n.° 48051. A Lei n.° 67/2007 entrou em vigor em 30 de Janeiro de 2008.

8        Por acórdão de 10 de Janeiro de 2008, Comissão/Portugal (C‑70/06, Colect., p. I‑1, a seguir «acórdão de 2008»), o Tribunal de Justiça declarou:

«16      No n.° 1 da parte decisória do [seu acórdão de 2004], o Tribunal de Justiça decidiu que, ao não revogar o Decreto‑Lei n.° 48051, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665.

17      No âmbito da presente acção por incumprimento, a fim de verificar se a República Portuguesa adoptou as medidas necessárias para a execução do referido acórdão, importa determinar se o Decreto‑Lei n.° 48051 foi revogado.

18      A este propósito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, a data de referência para apreciar a existência de um incumprimento nos termos do artigo 228.° CE situa‑se no momento em que termina o prazo fixado no parecer fundamentado emitido de harmonia com o disposto na referida disposição (acórdãos de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, C‑304/02, Colect., p. I‑6263, n.° 30; de 18 de Julho de 2006, Comissão/Itália, C‑119/04, Colect., p. I‑6885, n.° 27; e de 18 de Julho de 2007, Comissão/Alemanha, C‑503/04, [Colect., p. I‑6153,] n.° 19).

19      No presente caso, é pacífico que, na data em que terminou o prazo fixado no parecer fundamentado que lhe foi enviado em 13 de Julho de 2005, a República Portuguesa não tinha ainda revogado o Decreto‑Lei n.° 48051.

20      À luz do exposto, há que concluir que, não tendo tomado as medidas necessárias para a execução do acórdão [de 2004], a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228.°, n.° 1, CE.

[…]

23      […] [N]ão pode ser acolhido o argumento da República Portuguesa de que a responsabilidade do Estado pelos danos causados em virtude de actos cometidos pelos seus funcionários e agentes já está prevista noutras disposições do seu direito nacional. Com efeito, conforme decidiu o Tribunal de Justiça no n.° 33 do [seu acórdão de 2004], esta circunstância não tem qualquer efeito sobre o incumprimento que consiste em manter em vigor o Decreto‑Lei n.° 48051 na ordem jurídica interna. O facto de existirem tais disposições não pode, portanto, garantir a execução do referido acórdão.

24      Consequentemente, importa concluir que, não tendo revogado o Decreto‑Lei n.° 48051, que subordina a indemnização das pessoas lesadas em consequência da violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo, a República Portuguesa não tomou as medidas necessárias para a execução do acórdão [de 2004] e, por esse facto, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228.°, n.° 1, CE.

[…]

30      Tendo reconhecido que a República Portuguesa não executou o seu acórdão [de 2004], o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do artigo 228.°, n.° 2, terceiro parágrafo, CE, impor a este Estado‑Membro o pagamento de uma quantia fixa ou de uma sanção pecuniária compulsória.

31      A este respeito, importa recordar que cabe ao Tribunal de Justiça, em cada processo, apreciar, tendo em conta as circunstâncias do caso em análise, as sanções pecuniárias a aplicar (acórdãos de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, já referido, n.° 86, e de 14 de Março de 2006, Comissão/França, C‑177/04, Colect., p. I‑2461, n.° 58).

32      No caso em apreço […], a Comissão propõe ao Tribunal de Justiça que aplique uma sanção pecuniária compulsória à República Portuguesa.

[…]

36      […] [N]o caso vertente, há que reconhecer que, na audiência no Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007, o agente da República Portuguesa confirmou que o Decreto‑Lei n.° 48051 estava ainda em vigor nessa data.

[…]

54      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que condenar a República Portuguesa no pagamento à Comissão, na conta relativa aos ‘recursos próprios’ das Comunidades Europeias, de uma sanção pecuniária compulsória de 19 392 euros por cada dia de atraso na adopção das medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão [de 2004] a contar da data da prolação do presente acórdão e até ao dia em que o referido acórdão [de 2004] for executado.

[…]

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      Não tendo revogado o Decreto‑Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967, que subordina a indemnização das pessoas lesadas em consequência da violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo, a República Portuguesa não tomou as medidas necessárias para a execução do acórdão de [2004] e, por esse facto, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228.°, n.° 1, CE.

2)      A República Portuguesa é condenada no pagamento à Comissão das Comunidades Europeias, na conta relativa aos ‘recursos próprios’ das Comunidades Europeias, de uma sanção pecuniária compulsória de 19 392 euros por cada dia de atraso na adopção das medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão de [2004], a contar da data da prolação do presente acórdão e até ao dia em que o referido acórdão de [2004] for executado.»

9        Em 28 de Janeiro de 2008, teve lugar uma reunião entre representantes da República Portuguesa e representantes da Comissão, na qual foi discutido o âmbito da Lei n.° 67/2007. Os representantes das autoridades portuguesas alegaram que, com a aprovação e a publicação da Lei n.° 67/2007 que revoga o Decreto‑Lei n.° 48051, a República Portuguesa tinha adoptado todas as medidas necessárias à execução do acórdão de 2004. Além disso, os representantes da República Portuguesa anunciaram a intenção de contestar no Tribunal de Justiça qualquer decisão da Comissão relativa à cobrança dos montantes devidos nos termos da sanção pecuniária compulsória fixada pelo Tribunal de Justiça. Alegaram ainda que a República Portuguesa só deveria pagar, quando muito, os montantes eventualmente em dívida, a partir da data da prolação do acórdão, isto é, 10 de Janeiro de 2008, até à data da entrada em vigor da Lei n.° 67/2007, isto é, 30 de Janeiro de 2008.

10      A Comissão, por seu lado, defendeu a tese de que, no essencial, a Lei n.° 67/2007 não constituía uma medida adequada e completa de execução do acórdão de 2004.

11      Seguidamente, realizaram‑se ainda duas novas reuniões entre as partes, por iniciativa da República Portuguesa, com vista a encontrar uma solução não contenciosa para o litígio que a opõe à Comissão.

12      Por ofício de 25 de Abril de 2008, as autoridades portuguesas transmitiram à Comissão a proposta de Lei n.° 210/2008, de alteração à Lei n.° 67/2007.

13      Na exposição de motivos da sua proposta de lei, o Governo português justifica a modificação da Lei n.° 67/2007 com a necessidade de alinhar o novo regime de responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas pela interpretação da Comissão do acórdão de 2008 e pelo regime previsto na Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimentos (JO L 395, p. 33), e na Directiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 76, p. 14).

14      Em 15 de Julho de 2008, o director‑geral da Direcção‑Geral (DG) «Mercado Interno e Serviços» enviou uma carta às autoridades portuguesas, na qual, por um lado, indicava partilhar da posição segundo a qual estas não tinham ainda adoptado todas as medidas necessárias à execução do acórdão de 2004 e, por outro, solicitava o pagamento do montante de 2 753 664 euros correspondente à sanção pecuniária compulsória relativa ao período de 10 de Janeiro a 31 de Maio de 2008, em execução do acórdão de 2008.

15      Por ofício de 23 de Julho de 2008, as autoridades portuguesas transmitiram à Comissão uma cópia da Lei n.° 31/2008, de 17 de Julho de 2008, que procede à primeira alteração à Lei n.° 67/2007 (Diário da República, 1.a série, n.° 137, de 17 de Julho de 2008). Esta lei entrou em vigor em 18 de Julho de 2008.

16      Por ofício de 4 de Agosto de 2008, as autoridades portuguesas responderam à carta de pedido de pagamento da Comissão. Reiteraram o ponto de vista segundo o qual, com a publicação e a entrada em vigor da Lei n.° 67/2007, já tinham adoptado todas as medidas necessárias à execução do acórdão de 2004. Contudo, declararam ter aceitado alterar o regime da Lei n.° 67/2007 e adoptar a Lei n.° 31/2008, para ultrapassar o diferendo interpretativo com a Comissão, relativo à interpretação a dar à Lei n.° 67/2007, e evitar assim o seu prolongamento. Indicaram ainda que o artigo 2.° da Lei n.° 31/2008 previa a aplicação retroactiva da lei a partir de 30 de Janeiro de 2008. Por conseguinte, consideravam que a ordem jurídica portuguesa dava integral execução ao acórdão de 2004, desde 30 de Janeiro de 2008. Deste modo, as autoridades portuguesas pediram, em substância, a reapreciação do montante relativo ao pagamento da sanção pecuniária compulsória, com referência à data de 30 de Janeiro de 2008.

17      Por ofício de 22 de Agosto de 2008, as autoridades portuguesas informaram a Comissão de que iriam proceder à transferência, para a conta «Recursos próprios da Comissão n.° 636003», do montante de 2 753 664 euros, precisando, contudo, que a transferência era efectuada sob condição e que não representava a aceitação pela República Portuguesa da respectiva sanção pecuniária compulsória ou a renúncia ao seu direito de impugnação do montante em causa, através dos meios judiciais de que dispunha.

18      Por petição registada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de Setembro de 2008, sob o número T‑378/08, a República Portuguesa interpôs recurso de anulação da carta de 15 de Julho de 2008.

19      Por requerimento registado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de Dezembro de 2008, a Comissão suscitou uma excepção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Alegava, em substância, que a carta de 15 de Julho de 2008 não constituía um acto recorrível, na medida em que não se tratava de uma decisão definitiva da Comissão.

20      Por ofício entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de Janeiro de 2009, a República Portuguesa informou o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 99.° do Regulamento de Processo, de que desistia do seu recurso.

21      O processo T‑378/08 foi cancelado no registo do Tribunal Geral, por despacho de 5 de Março de 2009 do presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral.

22      Com a Decisão C (2008) 7419 final, de 25 de Novembro de 2008 (a seguir «decisão impugnada»), notificada à República Portuguesa por carta do Secretariado Geral de 26 de Novembro de 2008, a Comissão indicou, no essencial, que, em sua opinião, a Lei n.° 67/2007 não constituía uma execução adequada do acórdão de 2004, que, em contrapartida, com a Lei n.° 31/2008, as autoridades portuguesas tinham dado execução a esse acórdão e que, tendo essa lei entrado em vigor em 18 de Julho de 2008, a data a partir da qual tinha sido posto fim ao incumprimento tinha sido fixada em 18 de Julho de 2008. Confirmou, assim, o pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória que havia sido feito na carta enviada pela DG «Mercado Interno e Serviços» em 15 de Julho de 2008. Além disso, reclamou um montante adicional de 911 424 euros correspondente ao período de 1 de Junho a 17 de Julho de 2008.

 Pedidos das partes

23      A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, declarar a invalidade da decisão impugnada;

–        a título subsidiário, declarar a invalidade do mesmo acto, na parte em que os seus efeitos ultrapassam a data de 29 de Janeiro de 2008;

–        condenar a Comissão no pagamento das despesas ou, no caso de o Tribunal reduzir o montante da sanção pecuniária, condenar cada parte a suportar as suas próprias despesas.

24       A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        indeferir o pedido da República Portuguesa;

–        condenar a República Portuguesa na totalidade das despesas.

 Questão de direito

 Argumentos das partes

25      A República Portuguesa alega, no essencial, a título principal, que o Tribunal de Justiça declarou com muita clareza que o incumprimento resultava do facto de não ter revogado o Decreto‑Lei n.° 48051 e que, por conseguinte, lhe incumbia revogar o referido decreto‑lei para dar execução ao acórdão de 2004.

26      Ora, a República Portuguesa deu execução ao acórdão de 2004 com a aprovação da Lei n.° 67/2007 que revogou o Decreto‑Lei n.° 48051 e criou um novo regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado.

27      Além disso, a República Portuguesa considera que a interpretação dada pela Comissão a esta lei é errada.

28      A este respeito, alega, no essencial, que, no n.° 31 do seu acórdão de 2004, o Tribunal de Justiça considerou que, ao tornar dependente da prova de culpa ou dolo a efectivação da responsabilidade civil do Estado, nos termos previstos no Decreto‑Lei n.° 48051, a República Portuguesa não tinha cumprido as suas obrigações comunitárias. Em contrapartida, um regime de responsabilidade baseado numa presunção de culpa – como estabelece a Lei n.° 67/2007, em particular nos artigos 7.° e 10.°, n.os 2 e 3 – é compatível com as directivas comunitárias. Com efeito, nada no acórdão de 2004 pode levar à conclusão de que a responsabilidade do Estado no âmbito dos contratos abrangidos pela Directiva 71/305/CE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F3 p. 9), e pela Directiva 77/62/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO 1977, L 13, p. 1; EE 17 F1 p. 29), tem natureza puramente objectiva, ou seja, sem culpa.

29      A República Portuguesa considera que, para dar cumprimento ao acórdão de 2004, podia, assim, livremente fixar os pressupostos em que assenta o mecanismo referido no artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665, desde que esse mecanismo dispense o particular lesado de fazer prova da culpa da entidade adjudicante.

30      Em seu entender, não se pode confundir a existência de culpa com a necessidade de prova da mesma.

31      A República Portuguesa considera que o facto de o novo regime prever uma presunção ilidível não põe em causa a sua conformidade com a Directiva 89/665, na medida em que bastará ao particular alegar e provar a ilicitude do comportamento, sem que seja necessário provar a existência de culpa, incumbindo ao Estado, se necessário, fazer prova do contrário.

32      A República Portuguesa considera ainda que a referência à culpa leve prevista no artigo 10.°, n.° 2, da Lei n.° 67/2007 não é relevante, uma vez que o lesado está sempre dispensado de fazer a prova da culpa e que esta referência serve, acima de tudo, o propósito de impedir responsabilizar solidariamente o funcionário ou agente responsável pelo acto ilícito e danoso. Por outras palavras, não há direito de regresso perante o agente no caso de culpa leve, mas unicamente no caso de culpa grave ou de dolo. No entanto, esta distinção, que só diz respeito às relações entre a Administração e os seus agentes, em nada afecta a posição do lesado.

33      Por outro lado, as disposições do artigo 7.°, n.os 3 e 4, da Lei n.° 67/2007, relativas ao funcionamento anormal do serviço, visam, no essencial, segundo a República Portuguesa, proteger o particular nas situações em que não consegue identificar com precisão o agente ou funcionário responsável pelo acto ilícito danoso. Nesses casos, presume‑se a existência de ilicitude do acto. Assim, o particular está também dispensado de fazer a prova da ilicitude do acto, o que consubstancia uma forma de responsabilidade objectiva.

34      Por outro lado, a República Portuguesa sustenta, em substância, que, na medida em que não se limitou a revogar o Decreto‑Lei n.° 48051, mas consagrou um novo regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, não existe continuidade entre o regime anterior e o regime estabelecido pela Lei n.° 67/2007 nem, por conseguinte, uma continuidade da infracção ao direito comunitário.

35      A República Portuguesa afirma, além disso, que a modificação introduzida na Lei n.° 67/2007 pela Lei n.° 31/2008 visou tão‑somente ultrapassar o diferendo interpretativo com a Comissão e evitar o seu prolongamento.

36      Segundo a República Portuguesa, na medida em que o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a conformidade da Lei n.° 67/2007 com o direito comunitário, incumbia à Comissão intentar nova acção por incumprimento, a fim de submeter ao Tribunal de Justiça a questão da adequação do novo regime jurídico previsto por esta lei ao direito da União.

37      Subsidiariamente, a República Portuguesa alega que a retroactividade da Lei n.° 31/2008 – admitindo que esta, e não a Lei n.° 67/2007, compatibiliza o direito português com o direito comunitário – leva a que a data relevante para efeitos da cessação do incumprimento seja 30 de Janeiro de 2008 e não a data da publicação da lei, como afirmou erradamente a Comissão.

38      Pede, por conseguinte, a anulação da decisão impugnada com fundamento nos erros de direito cometidos pela Comissão.

39      No que se refere à alegação feita a título principal pela República Portuguesa, a Comissão sustenta, no essencial, antes de mais, que o objecto do litígio é fixado pela Comissão na notificação para cumprir que dirige ao Estado‑Membro em causa.

40      Ora, segundo a Comissão, o objecto do litígio, na acção por incumprimento instaurada contra a República Portuguesa, não era uma acção deste Estado, mas sim uma omissão. Esta omissão decorria do facto de a Directiva 89/665 exigir um resultado – a indemnização das pessoas lesadas por qualquer violação do direito comunitário aplicável à celebração de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem – e de a revogação do Decreto‑Lei n.° 48051 não bastar, segundo a Comissão, para o alcançar.

41      A Comissão considera que, por conseguinte, não se tratava simplesmente de revogar o Decreto‑Lei n.° 48051, mas sim todo o regime jurídico infractor que estava na origem do incumprimento da directiva comunitária. Considera que o Tribunal de Justiça foi claro a este respeito nos seus acórdãos de 2004 e de 2008, ao julgar que o Decreto‑Lei n.° 48051, que fazia depender a indemnização das pessoas lesadas da existência de culpa, segundo as modalidades previstas nesta legislação, colocava o Estado português numa situação de incumprimento do direito comunitário. Além disso, alega que, no acórdão de 2008, o Tribunal de Justiça declarou que, não tendo revogado o regime na origem do incumprimento, o Estado português não tinha dado execução ao acórdão de 2004.

42      Para a Comissão, é evidente que o acórdão de 2004 não implica que, com a mera revogação do Decreto‑Lei n.° 48051, a República Portuguesa tivesse dado cabal cumprimento aos deveres que lhe incumbiam por força do artigo 1.°, n.° 1, e do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665.

43      A Comissão sustenta, em seguida, que, segundo a sua interpretação do direito português, a Lei n.° 67/2007 não o compatibiliza com o direito comunitário, apesar de, nos seus articulados, reconhecer que se trata de um regime jurídico diferente do regime anteriormente em vigor. Com efeito, segundo a Comissão, só com a adopção da Lei n.° 31/2008 é que a República Portuguesa deu cumprimento ao acórdão de 2004.

44      A este respeito, a Comissão afirma, no essencial, que a Directiva 89/665 prevê a indemnização daqueles que tiverem sido lesados por decisões ilegais das entidades adjudicantes ou por violação da lei. Não se está, portanto, no domínio da responsabilidade objectiva, mas sim no domínio da responsabilidade civil administrativa delitual. Considera que, no acórdão de 2004, o Tribunal de Justiça não tratou de tal questão, nem este acórdão permite retirar nenhuma conclusão sobre tal matéria.

45      Segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça considerou, em contrapartida, que o sistema de protecção jurisdicional da República Portuguesa não era adequado, porque exigia a prova da existência de culpa por parte dos agentes da entidade administrativa.

46      Ora, segundo a Comissão, a Lei n.° 67/2007 também não transpõe correctamente a Directiva 89/665 para o direito português.

47      A Comissão precisa que se devem distinguir três situações.

48      Em primeiro lugar, se o acto tiver sido praticado por um funcionário ou agente que agiu com dolo ou culpa grave, o acto ilícito é directamente imputável a esse funcionário ou agente e o Estado é responsabilizado indirectamente, de forma solidária, se, para além destes dois primeiros requisitos, o agente ou funcionário assim identificado tiver agido no exercício das suas funções. Se não estiverem preenchidos estes requisitos, o Estado não é responsável.

49      A Comissão considera, além disso, que se o funcionário tiver agido com dolo ou culpa grave, o lesado, nos termos do artigo 10.°, n.° 2, da Lei n.° 67/2007, tem de provar esse dolo ou culpa grave, uma vez que voltam a funcionar, para esse efeito, os critérios gerais do ónus da prova.

50      Em segundo lugar, se o acto ilícito tiver sido praticado por um funcionário que agiu com culpa leve, o acto ilícito é directamente imputável a esse funcionário ou agente e o Estado é indirectamente responsabilizado porque nenhum acto de que seja autor lhe poderá ser censurado. O Estado só é responsabilizado por facto de outrem. Também neste caso, segundo a Comissão, o Estado só é responsável se o funcionário ou agente tiver agido no exercício da função administrativa e por causa desse exercício. Se o Estado provar que não houve culpa do agente, não é responsável.

51      No que respeita à culpa leve, a Comissão alega, no essencial, que a presunção de culpa pode ser facilmente ilidida por todos os meios, incluindo testemunhas, uma vez que a culpa é aferida pela diligência de um funcionário médio, de quem não se espera que resolva as imperfeições do sistema administrativo.

52      Em terceiro lugar, se a acção ou omissão revestir carácter funcional e os danos não resultarem do comportamento concreto de um funcionário ou agente, ou de não ser possível atribuir a acção ou a omissão, os danos são imputados a um funcionamento anormal do serviço, se, atendendo às circunstâncias e a padrões médios, fosse razoável exigir do serviço outra actuação. Se não estiverem preenchidos tais requisitos, o Estado não é responsável.

53      A Comissão considera, no essencial, que o conceito de funcionamento anormal do serviço é, pelo menos em parte, um sucedâneo da culpa, na medida em que implica a averiguação da diligência devida directamente ao serviço público no âmbito do qual se produziu o facto lesivo.

54      Assim, em todo o caso, segundo a Comissão, a indemnização do lesado depende, nos termos da lei, da existência de culpa do funcionário na prática do acto ilícito, ou do funcionamento anormal do serviço.

55      A Comissão considera, portanto, que a responsabilidade civil do Estado não é directa, nos termos da Lei n.° 67/2007, anteriormente à sua alteração pela Lei n.° 31/2008, mas depende da existência de culpa por parte dos funcionários ou agentes da entidade administrativa. Ora, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 2004, considerou que tal regime não dava cumprimento à Directiva 89/665. Com efeito, tanto a culpa do agente ou funcionário como o funcionamento anormal do serviço são conceitos alheios à Directiva 89/665.

56      Finalmente, a Comissão considera, em substância, que a infracção em causa é uma infracção duradoura, que só cessou com a Lei n.° 31/2008, sendo, a este respeito, irrelevante a sucessão do Decreto‑Lei n.° 48051 e da Lei n.° 67/2007. Considera, por outro lado, que a retroactividade desta Lei n.° 31/2008 é também irrelevante, visto que foi com a adopção desta lei, em 17 de Julho de 2008, que cessou o incumprimento e que só esta data deve ser tida em consideração.

 Apreciação do Tribunal Geral

 Considerações preliminares

57      Deve recordar‑se que, nos termos do artigo 226.° CE, se a Comissão considerar que um Estado‑Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE, formulará um parecer fundamentado, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça.

58      Resulta de jurisprudência constante que a Comissão não tem, com efeito, poderes para decidir de modo definitivo, através dos pareceres formulados ao abrigo do artigo 226.° CE ou de outras tomadas de posição no âmbito desse processo, os direitos e obrigações de um Estado‑Membro, ou para lhe dar garantias quanto à compatibilidade de um determinado comportamento com o Tratado, e que, segundo os artigos 226.° CE a 228.° CE, a determinação dos direitos e obrigações dos Estados‑Membros e o julgamento do seu comportamento só podem resultar de um acórdão do Tribunal de Justiça (acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 1981, Essevi e Salengo, 142/80 e 143/80, Recueil, p. 1413, n.° 16, e de 22 de Fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, Colect., p. I‑1327, n.° 18).

59      Por outro lado, nos termos do artigo 228.°, n.° 2, CE, o Tribunal de Justiça, por iniciativa da Comissão, após esta ter formulado um parecer fundamentado que não foi seguido de efeitos por parte do Estado‑Membro em causa, pode condenar no pagamento de uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária compulsória, caso declare que o Estado‑Membro não deu cumprimento ao seu acórdão.

60      O procedimento previsto no artigo 228.°, n.° 2, CE deve ser considerado um processo judicial especial de execução de acórdãos, ou seja, um processo executivo (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, C‑304/02, Colect., p. I‑6263, n.° 92).

61      Deve, contudo, constatar‑se que o Tratado CE não estabelece as modalidades de execução do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no fim deste novo processo, em particular quando é decidida a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória.

62      No entanto, na medida em que um acórdão do Tribunal de Justiça, proferido com base no artigo 228.°, n.° 2, CE, condena um Estado‑Membro a pagar à Comissão, na conta «Recursos próprios da Comunidade Europeia», uma sanção pecuniária compulsória e em que, nos termos do artigo 274.° CE, a Comissão executa o orçamento, é a esta que incumbe cobrar os montantes devidos ao orçamento da União em execução do acórdão, em conformidade com as disposições dos regulamentos adoptados em execução do artigo 279.° CE.

63      Todavia, o Tratado CE não prevê disposições especiais em matéria de resolução dos litígios que, nesta ocasião, possam surgir entre um Estado‑Membro e a Comissão.

64      Daqui decorre que as vias de recurso previstas pelo Tratado CE são aplicáveis e que a decisão da Comissão que fixa o montante devido pelo Estado‑Membro a título da sanção pecuniária compulsória a que foi condenado é susceptível de ser objecto de recurso de anulação por força do artigo 230.° CE.

65      Por conseguinte, o Tribunal Geral é competente para conhecer deste recurso, em conformidade com as disposições do artigo 225.°, n.° 1, primeiro parágrafo, CE.

66      Contudo, no exercício desta competência, o Tribunal Geral não pode usurpar a competência exclusiva reservada ao Tribunal de Justiça pelos artigos 226.° CE e 228.° CE.

67      Assim, no âmbito de um recurso de anulação com fundamento no artigo 230.° CE, dirigido contra uma decisão da Comissão relativa à execução de um acórdão do Tribunal de Justiça proferido com fundamento no artigo 228.°, n.° 2, CE, o Tribunal Geral não se pode pronunciar sobre uma questão, relativa ao incumprimento das obrigações que incumbem a um Estado‑Membro por força do Tratado CE, que o Tribunal de Justiça não tenha decidido previamente.

 Quanto ao caso em apreço

68      Cabe recordar os termos do acórdão de 2008:

«16      No n.° 1 da parte decisória do [acórdão de 2004], o Tribunal de Justiça decidiu que, ao não revogar o Decreto‑Lei n.° 48051, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665.

17      No âmbito da presente acção por incumprimento, a fim de verificar se a República Portuguesa adoptou as medidas necessárias para a execução do referido acórdão, importa determinar se o Decreto‑Lei n.° 48051 foi revogado.

18      A este propósito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, a data de referência para apreciar a existência de um incumprimento nos termos do artigo 228.° CE situa‑se no momento em que termina o prazo fixado no parecer fundamentado emitido de harmonia com o disposto na referida disposição (acórdãos de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, C‑304/02, Colect., p. I‑6263, n.° 30; de 18 de Julho de 2006, Comissão/Itália, C‑119/04, Colect., p. I‑6885, n.° 27; e de 18 de Julho de 2007, Comissão/Alemanha, C‑503/04, [Colect., p. I‑6153,] n.° 19).

19      No presente caso, é pacífico que, na data em que terminou o prazo fixado no parecer fundamentado que lhe foi enviado em 13 de Julho de 2005, a República Portuguesa não tinha ainda revogado o Decreto‑Lei n.° 48051.

20      À luz do exposto, há que concluir que, não tendo tomado as medidas necessárias para a execução do acórdão [de 2004], a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228.°, n.° 1, CE.

[…]

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      Não tendo revogado o Decreto‑Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967, que subordina a indemnização das pessoas lesadas em consequência da violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo, a República Portuguesa não tomou as medidas necessárias para a execução do acórdão de [2004], e, por esse facto, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228.°, n.° 1, CE.

2)      A República Portuguesa é condenada no pagamento à Comissão das Comunidades Europeias, na conta relativa aos ‘recursos próprios’ das Comunidades Europeias, de uma sanção pecuniária compulsória de 19 392 euros por cada dia de atraso na adopção das medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão de [2004], a contar da data da prolação do presente acórdão e até ao dia em que o referido acórdão de [2004] for executado.»

69      Resulta expressamente da parte decisória do acórdão de 2008, lida à luz da fundamentação do Tribunal de Justiça nos n.os 16 a 19, que bastava à República Portuguesa revogar o Decreto‑Lei n.° 48051, para dar cumprimento ao acórdão de 2004, e que a sanção pecuniária compulsória era devida até essa revogação.

70      Ora, é pacífico que o Decreto‑Lei n.° 48051 foi revogado pelo artigo 5.° da Lei n.° 67/2007, adoptada em 31 de Dezembro de 2007, publicada no Diário da República no mesmo dia e entrada em vigor em 30 de Janeiro de 2008.

71      Contudo, na decisão impugnada, a Comissão considerou, em substância, que a Lei n.° 67/2007 não constituía uma execução adequada do acórdão de 2004, que, em contrapartida, com a Lei n.° 31/2008, as autoridades portuguesas tinham dado execução a esse acórdão e que, tendo esta lei entrado em vigor em 18 de Julho de 2008, a data de cessação do incumprimento era fixada em 18 de Julho de 2008. Por conseguinte, a Comissão recusou‑se a fixar o fim do incumprimento na data em que o Decreto‑Lei n.° 48051 foi revogado pela Lei n.° 67/2007.

72      Por conseguinte, a Comissão desrespeitou a parte decisória do acórdão de 2008. A decisão impugnada deve, por conseguinte, ser anulada.

73      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela interpretação dada pela Comissão ao acórdão de 2004.

74      É certo que a Comissão sustenta que o Tribunal de Justiça, ao exigir, nos seus acórdãos de 2004 e de 2008, a revogação do Decreto‑Lei n.° 48051, «que subordina a indemnização das pessoas lesadas em consequência da violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo», não exigiu apenas a revogação desse decreto‑lei – o que, segundo ela, teria conduzido a um vazio jurídico e não teria constituído uma transposição conforme da Directiva 89/665 – mas também que esses acórdãos deviam ser interpretados no sentido de que o Tribunal de Justiça decidiu igualmente que o facto de subordinar a indemnização das pessoas lesadas por uma violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo não estava em conformidade com a directiva.

75      Considera que, por conseguinte, o incumprimento persistia enquanto existisse no direito português essa subordinação da indemnização das pessoas lesadas por uma violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo.

76      A Comissão considera que lhe incumbia, por conseguinte, ter em consideração, não a data em que o decreto‑lei foi revogado mas a data em que o legislador português aboliu a subordinação da indemnização das pessoas lesadas por uma violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que o transpõem à prova da existência de culpa ou dolo.

77      Segundo a Comissão, uma vez que a revogação do Decreto‑Lei n.° 48051 não teve esse efeito, o incumprimento era, por conseguinte, susceptível de persistir.

78      Tal facto foi constatado na decisão impugnada, quando a Comissão considerou, no essencial, que a Lei n.° 67/2007 não constituía uma execução adequada do acórdão de 2004, que, em contrapartida, através da Lei n.° 31/2008, as autoridades portuguesas tinham dado execução a esse acórdão e que, na medida em que esta lei entrou em vigor em 18 de Julho de 2008, a data em que o incumprimento tinha cessado era 18 de Julho de 2008.

79      Assim, a Comissão tinha não só a faculdade mas também a obrigação de verificar se o novo regime jurídico instituído na sequência da aprovação da Lei n.° 67/2007 constituía uma transposição adequada da Directiva 89/665.

80      No entanto, esta tese não pode ser aceite.

81      Com efeito, no âmbito da execução de um acórdão do Tribunal de Justiça que aplique uma sanção pecuniária compulsória a um Estado‑Membro, a Comissão deve poder apreciar as medidas adoptadas pelo Estado‑Membro para dar cumprimento ao acórdão do Tribunal de Justiça, a fim de evitar, nomeadamente, que o Estado‑Membro que não cumpriu as suas obrigações se limite a adoptar medidas que, na realidade, têm o mesmo conteúdo que as que foram objecto do acórdão do Tribunal de Justiça.

82      Contudo, o exercício deste poder de apreciação não pode prejudicar os direitos – em particular os direitos processuais – dos Estados‑Membros, tal como resultam do procedimento previsto no artigo 226.° CE, nem a competência exclusiva do Tribunal de Justiça para decidir sobre a conformidade de uma legislação nacional com o direito comunitário.

83      Ora, há que reconhecer que o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a conformidade da Lei n.° 67/2007 com a Directiva 89/665, no acórdão de 2004 nem no acórdão de 2008.

84      Além disso, é pacífico que a Lei n.° 67/2007 revogou o Decreto‑Lei n.° 48051 e instituiu um novo sistema de responsabilidade que comporta alterações substanciais em relação ao regime resultante do Decreto‑Lei n.° 48051.

85      Na decisão impugnada, a própria Comissão reconhece que «a Lei n.° 67/2007 torna potencialmente menos difícil a obtenção de uma indemnização pelos concorrentes lesados por um acto ilícito da entidade adjudicante» e, nos seus articulados, que o legislador português não se limitou a revogar o Decreto‑Lei n.° 48051, tendo‑o substituído, com esta lei, por um novo regime jurídico.

86      Por outro lado, resulta das discussões havidas antes da adopção da decisão impugnada e dos respectivos articulados no âmbito do presente processo que as partes não estão de acordo quanto à conformidade da Lei n.° 67/2007 com o direito comunitário.

87      Decidir essa questão equivaleria a apreciar a compatibilidade da Lei n.° 67/2007 com o direito comunitário, o que requer uma análise jurídica complexa que vai muito além de um controlo formal destinado a determinar se o Decreto‑Lei n.° 48051 foi ou não revogado.

88      Ora, a determinação dos direitos e obrigações dos Estados‑Membros e o julgamento do seu comportamento só podem resultar de um acórdão do Tribunal de Justiça ao abrigo dos artigos 226.° CE a 228.° CE (v. n.° 58, supra).

89      Por conseguinte, no âmbito da execução do acórdão de 2008, a Comissão não podia decidir que a Lei n.° 67/2007 não era conforme com o direito comunitário e daí extrair consequências para o cálculo da sanção pecuniária compulsória decidida pelo Tribunal de Justiça. Caso considerasse que o regime jurídico instituído pela nova lei não constituía uma transposição correcta da Directiva 89/665, devia desencadear o procedimento previsto no artigo 226.° CE.

90      Para ser exaustivo, o Tribunal Geral realça que a tese avançada pela Comissão, que consiste em defender que lhe deve ser concedida uma margem de apreciação mais ampla no que respeita à execução de um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em aplicação do artigo 228.°, n.° 2, CE, teria como consequência que, na sequência da contestação, por parte de um Estado‑Membro, no Tribunal Geral, de uma apreciação da Comissão que ultrapassasse os termos exactos da parte decisória do acórdão do Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral seria inevitavelmente levado a pronunciar‑se sobre a conformidade de uma legislação nacional com o direito comunitário. Ora, tal apreciação é da exclusiva competência do Tribunal de Justiça, e não do Tribunal Geral.

91      Decorre do acima exposto que a Comissão não tinha fundamento para adoptar a decisão impugnada, que deve, por conseguinte, ser anulada.

 Quanto às despesas

92      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da República Portuguesa.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É anulada a Decisão C (2008) 7419 final da Comissão, de 25 de Novembro de 2008.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Março de 2011.

Assinaturas


* Língua do processo: português.