Language of document : ECLI:EU:C:2021:240

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

25 de março de 2021 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Função pública — Estatuto dos funcionários da União Europeia — Reforma do Estatuto — Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 — Novas disposições relativas ao reembolso das despesas de viagem anual e à concessão do tempo de transporte — Conexão com o estatuto de residente no estrangeiro ou de expatriado — Exceção de ilegalidade — Princípios da igualdade de tratamento e de proporcionalidade — Intensidade da fiscalização jurisdicional»

Nos processos apensos C‑517/19 P e C‑518/19 P,

que têm por objeto dois recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, apresentados em 8 de julho de 2019,

María Álvarez y Bejarano, residente em Namur (Bélgica),

AnaMaria Enescu, residente em Overijse (Bélgica),

Lucian Micu, residente em Bruxelas (Bélgica),

Angelica Livia Salanta, residente em Feschaux (Bélgica),

Svetla Shulga, residente em Wezembeek‑Oppem (Bélgica),

Soldimar Urena de Poznanski, residente em Laeken (Bélgica),

Angela Vakalis, residente em Bruxelas,

Luz Anamaria Chu, residente em Bruxelas,

Marli Bertolete, residente em Bruxelas,

María Castro Capcha, residente em Bruxelas,

Hassan Orfe El, residente em Leeuw‑Saint‑Pierre (Bélgica),

Evelyne Vandevoorde, residente em Bruxelas (C‑517/19 P),

Jakov Ardalic, residente em Bruxelas,

Liliana Bicanova, residente em Taintignies (Bélgica),

Monica Brunetto, residente em Bruxelas,

Claudia Istoc, residente em Waremme (Bélgica),

Sylvie Jamet, residente em Bruxelas,

Despina Kanellou, residente em Bruxelas,

Christian Stouraitis, residente em Wasmuel (Bélgica),

Abdelhamid Azbair, residente em Ruysbroeek Leeuw‑Saint‑Pierre (Bélgica),

Abdel Bouzanih, residente em Bruxelas,

Bob Kitenge Ya Musenga, residente em Nieuwerkerken, Alost (Bélgica),

El Miloud Sadiki, residente em Bruxelas,

Cam Tran Thi, residente em Bruxelas (C‑518/19 P),

representados por S. Orlandi e T. Martin, avocats

recorrentes,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por G. Gattinara e B. Mongin, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância (C‑517/19 P),

Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer e R. Meyer, na qualidade de agentes,

recorrido em primeira instância (C‑518/19 P),

interveniente em primeira instância (C‑517/19 P),

Parlamento Europeu, representado por C. Gonzáles Argüelles e E. Taneva, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância (C‑517/19 e C‑518/19),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Terceira Secção, N. Wahl, F. Biltgen e L. S. Rossi (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: M.‑A. Gaudissart, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 1 de julho de 2020,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        Com os seus respetivos recursos, Maria Alvarez y Bejarano, Ana‑Maria Enescu, Angelica Livia Salanta, Svetla Shulga, Soldimar Urena de Poznanski, Angela Vakalis, Luz Anamaria Chu, Marli Bertolete, Maria Castro Capcha, Evelyne Vandevoorde, Lucian Micu e Hassan Orfe El, por um lado (C‑517/19), Jakov Ardalic, Christian Stouraitis, Abdelhamid Azbair, Abdel Bouzanih, Bob Kitenge Ya Musenga, El Miloud Sadiki, Cam Tran Thi, Liliana Bicanova, Monica Brunetto, Claudia Istoc, Sylvie Jamet e Despina Kanellou, por outro (C‑518/19), pedem a anulação, respetivamente, dos Acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 30 de abril de 2019, Alvarez y Bejarano e o./Comissão (T‑516/16 e T‑536/16, não publicado, a seguir «primeiro acórdão recorrido», EU:T:2019:267), e de 30 de abril de 2019, Ardalic e o./Conselho (T‑523/16 e T‑542/16, não publicado, a seguir «segundo acórdão recorrido», EU:T:2019:272), pelos quais o Tribunal Geral negou provimento aos seus recursos de anulação das decisões da Comissão Europeia e do Conselho da União Europeia, respetivamente, de já não lhes conceder, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, o direito a dois dias e meio de férias suplementares por ano para viajarem para o seu local de origem (a seguir «tempo de transporte») e o direito ao pagamento de um montante fixo das despesas de viagem anual do local de afetação para o local de origem (a seguir «reembolso das despesas de viagem anual») (a seguir «decisões controvertidas»).

 Quadro jurídico

 Antigo Estatuto dos Funcionários da União

2        O artigo 7.o do anexo V, sob a epígrafe «Direito a interrupção de serviço», do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na sua versão anterior à entrada em vigor do Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, que altera o Estatuto dos Funcionários da União Europeia e o Regime aplicável aos outros agentes da União Europeia (JO 2013, L 287, p. 15) (a seguir «antigo Estatuto»), tinha a seguinte redação:

«A duração da[s férias anuais] é acrescida de um período de viagem calculado com base na distância por caminho de ferro que separa o local de gozo da licença do local de colocação, nas condições seguintes:

[…]

Para efeitos de férias, o local de gozo da licença, nos termos do presente artigo é o local de origem.

As disposições anteriores são aplicáveis aos funcionários cujo local de afetação se situe no território dos Estados‑Membros. Se o local de afetação se situar fora desse território, é fixado por decisão especial um período de viagem, tendo em conta as necessidades específicas.»

3        Por força das disposições conjugadas do artigo 57.o do antigo Estatuto e dos artigos 16.o e 91.o do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia, na versão anterior à entrada em vigor do Regulamento n.o 1023/2013 (1), o artigo 7.o do anexo V do antigo Estatuto era aplicável por analogia aos agentes contratuais.

4        O artigo 7.o do anexo VII do antigo Estatuto, sob a epígrafe «Regras relativas à remuneração e reembolso de despesas», previa:

«1.      O funcionário tem direito ao reembolso das despesas de viagem, para si próprio, cônjuge e pessoas a seu cargo que vivam efetivamente em sua casa:

a)      Por ocasião do início de funções, do local de recrutamento para o local de afetação;

b)      Por ocasião da cessação de funções, nos termos do artigo 47.o [do antigo Estatuto], do lugar da afetação para o lugar de origem definido no n.o 3 deste artigo;

c)      Por ocasião de qualquer transferência que implique mudança do local de afetação.

[…]

3.      O lugar de origem do funcionário é determinado aquando do início de funções (2), tendo em conta o lugar do recrutamento ou do centro dos seus interesses. Esta determinação pode, posteriormente, enquanto o interessado estiver em funções, e por ocasião da cessação de funções, ser revista por decisão particular da entidade competente para proceder a nomeações. Todavia, enquanto o interessado estiver em funções, tal decisão só pode ter lugar excecionalmente e após apresentação pelo interessado de documentos que justifiquem devidamente o seu pedido.»

5        O artigo 8.o do anexo VII do antigo Estatuto dispunha:

«1.      O funcionário tem direito anualmente, para si e, se tiver direito ao abono de lar, para o seu cônjuge e pessoas a seu cargo na aceção do artigo 2.o, ao pagamento de um montante equivalente às despesas de viagem do local de afetação para o local de origem na aceção do artigo 7.o

[…]

2.      O pagamento em montante fixo é efetuado com base num subsídio calculado por quilómetro da distância que separa o local de afetação do funcionário do seu local de recrutamento ou de origem;

[…]

4.      As disposições anteriores são aplicáveis aos funcionários cujo local de afetação esteja situado no território de um Estado‑Membro. […]

O reembolso das referidas despesas de viagem far‑se‑á sob a forma de um pagamento em montante fixo baseado no custo da viagem por avião na classe imediatamente superior à classe “turística”.»

6        Por força das disposições conjugadas dos artigos 22.o, 26.o e 92.o do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia, na sua versão anterior à entrada em vigor do Regulamento n.o 1023/2013, os artigos 7.o e 8.o do anexo VII do antigo Estatuto eram, em princípio, aplicáveis por analogia aos agentes contratuais.

 Estatuto dos Funcionários da União Europeia

7        O Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na sua versão resultante do Regulamento n.o 1023/2013 (a seguir «Estatuto»), entrou em vigor em 1 de janeiro de 2014.

8        Nos termos dos considerandos 2, 12 e 24 do Regulamento n.o 1023/2013:

«(2)      […] é necessário garantir um quadro para atrair, recrutar e manter pessoal altamente qualificado e multilingue, representando a base geográfica mais ampla possível de entre os cidadãos dos Estados‑Membros, tendo em devida conta o equilíbrio entre homens e mulheres, que seja independente e satisfaça as mais elevadas exigências profissionais, e permitir a esse pessoal a execução das suas funções de forma tão eficaz e eficiente quanto possível. Nesse sentido, é necessário superar as atuais dificuldades das instituições no recrutamento de funcionários ou agentes de determinados Estados‑Membros.

[…]

(12)      Nas suas Conclusões de 8 de fevereiro de 2013 sobre o Quadro Financeiro Plurianual, o Conselho Europeu sublinhou que a necessidade de consolidar as finanças públicas a curto, médio e longo prazo requer esforços especiais de todas as Administrações Públicas e de todo o seu pessoal, a fim de aumentar a eficiência e a eficácia e de promover a sua adaptação a um contexto económico em mudança. Este apelo reiterou, com efeito, o objetivo expresso na proposta da Comissão de 2011 de alteração do Estatuto dos Funcionários e o Regime aplicável aos outros agentes da União Europeia, a qual se esforçava por salvaguardar a relação custo‑eficiência e reconhecia que os desafios atualmente enfrentados pela União Europeia pressupõem um esforço especial de todas as Administrações Públicas e de todos os funcionários que as integram para aumentar a eficiência e para promover a sua adaptação a um contexto económico e social em mudança na Europa. Além disso, o Conselho Europeu reivindicou o ajustamento das remunerações e das pensões de todos os funcionários das instituições da União como parte integrante da reforma do Estatuto, mediante a suspensão do “método” por dois anos e a reintrodução de uma nova contribuição de solidariedade como vertente da reforma do “método” aplicado aos salários.

[…]

(24)      As regras relativas ao tempo de transporte e ao pagamento anual das despesas de viagem entre o local de afetação e o local de origem deverão ser atualizadas, racionalizadas e associadas ao estatuto de expatriado, de modo a tornar a sua aplicação mais simples e transparente. Em particular, o tempo de transporte anual deverá ser substituído por licença no local de residência e limitado a um máximo de dois dias e meio.»

9        O artigo 7.o do anexo V do Estatuto, sob a epígrafe «Direito a interrupções de serviço», dispõe:

«Os funcionários com direito ao subsídio de expatriação ou de residência no estrangeiro têm direito a dois dias e meio de férias suplementares por ano, para visitar o respetivo país de origem.

O primeiro parágrafo é aplicável aos funcionários cujo local de afetação esteja situado no território dos Estados‑Membros. Se o local de afetação se situar fora desse território, a duração das férias suplementares em razão do país de origem é fixada por decisão especial, tendo em conta as necessidades específicas.»

10      Por força das disposições conjugadas dos artigos 16.o e 91.o do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia, na sua versão resultante do Regulamento n.o 1023/2013 (a seguir «ROA»), o artigo 7.o do anexo V do Estatuto é aplicável por analogia aos agentes temporários e contratuais.

11      O artigo 4.o do anexo VII do Estatuto, sob a epígrafe «Regras relativas à remuneração e reembolso de despesas», aplicável por analogia aos agentes contratuais por força das disposições conjugadas dos artigos 21.o e 92.o do ROA, tem a seguinte redação:

«1.      O subsídio de expatriação do país igual a 16 % do montante total do vencimento‑base, bem como do abono de lar e do abono por filho a cargo, pagos ao funcionário, é concedido:

a)      Ao funcionário:

–        que não tenha e não tiver tido nunca a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, e,

–        que não tenha, habitualmente, durante um período de cinco anos expirando seis meses antes do início de funções, residido ou exercido a sua atividade profissional principal no território europeu do referido Estado. Não serão tomadas em consideração, para efeitos desta disposição, as situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado ou a uma organização internacional.

b)      Ao funcionário que, tendo ou tendo tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, tenha, habitualmente, durante um período de dez anos expirando à data do início de funções, residido fora do território europeu do dito Estado, por motivo diferente do exercício de funções num serviço de qualquer Estado ou organização internacional.

[…]

2.      O funcionário que, não tendo e não tendo tido nunca a nacionalidade do Estado em cujo território esteja situado o seu local de colocação, não preencha as condições previstas no n.o 1 tem direito a um subsídio de residência no estrangeiro igual a um quarto do subsídio de expatriação.

3.      Para efeitos de aplicação dos n.os 1 e 2, o funcionário que, pelo casamento, tiver adquirido oficiosamente, sem possibilidade de renúncia, a nacionalidade do Estado em cujo território esteja situado o seu local de colocação, é equiparado ao referido na alínea a), primeiro travessão, do n.o 1.»

12      O artigo 7.o do anexo VII do Estatuto prevê:

«1.      O funcionário tem direito ao pagamento de um montante fixo correspondente às despesas de viagem para si próprio, cônjuge e pessoas a seu cargo que vivam efetivamente em sua casa:

a)      por ocasião do início de funções, do local de recrutamento para o local de afetação;

b)      por ocasião da cessação de funções, nos termos do artigo 47.o do Estatuto, do local de afetação para o local de origem definido no n.o 4 do presente artigo;

c)      por ocasião de qualquer transferência que implique mudança do local de afetação.

Em caso de morte de um funcionário, o cônjuge sobrevivo e as pessoas a cargo têm direito ao pagamento de um montante fixo nas mesmas condições.

[…]

4.      O local de origem do funcionário é determinado no momento do início de funções, tendo em conta o local do recrutamento ou, mediante pedido expresso e devidamente fundamentado, o seu centro de interesses. Esta determinação pode ser revista posteriormente, enquanto o interessado estiver em funções ou por ocasião da cessação de funções, através de uma decisão especial da entidade competente para proceder a nomeações. Todavia, enquanto o interessado estiver em funções, tal decisão só pode ter lugar excecionalmente e após apresentação pelo interessado de documentos que justifiquem devidamente o seu pedido.

[…]»

13      O artigo 8.o do anexo VII do Estatuto estabelece:

«1.      Os funcionários que beneficiam do subsídio de expatriação ou de residência no estrangeiro têm direito, dentro dos limites previstos no n.o 2, ao pagamento anual de um montante fixo correspondente às despesas de viagem entre o local de afetação e o local de origem, tal como definidos no artigo 7.o, para si próprio e, no caso dos funcionários que beneficiam do abono de lar, para o cônjuge e pessoas a cargo na aceção do artigo 2.o

[…]

2.      […]

Caso o local de origem, tal como definido no artigo 7.o, se situe fora do território dos Estados‑Membros da União, ou fora dos países e territórios mencionados no [a]nexo II do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do território dos Estados‑Membros da Associação Europeia de Comércio Livre, o montante fixo é calculado com base no valor por quilómetro da distância geográfica que separa o local de afetação do funcionário da capital do Estado‑Membro do qual seja nacional.

[…]

4.      Os n.os 1, 2 e 3 do presente artigo são aplicáveis aos funcionários cujo local de afetação esteja situado no território dos Estados‑Membros. […]

O pagamento em montante fixo é baseado no custo da viagem por avião em classe “turística”.»

14      Por força das disposições conjugadas dos artigos 22.o, 26.o e 92.o do ROA, os artigos 7.o e 8.o do anexo VII do Estatuto são, sob certas condições, aplicáveis aos agentes temporários e, por analogia, aos agentes contratuais.

 Antecedentes dos litígios

15      Os antecedentes dos litígios, conforme apresentados nos n.os 8 a 14 do primeiro acórdão recorrido e nos n.os 8 a 14 do segundo acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

16      O local de afetação dos recorrentes nos processos C‑517/19 P e C‑518/19 P, funcionários ou agentes contratuais respetivamente da Comissão e do Conselho é a Bélgica. O seu local de origem está situado fora do território desse Estado‑Membro. Têm dupla nacionalidade, entre as quais a nacionalidade belga. Nenhum deles recebe um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação.

17      Enquanto beneficiavam, antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 1023/2013, de um período de viagem e do reembolso das despesas de viagem anual, os recorrentes deixaram de ter direito a essas vantagens a partir da entrada em vigor deste regulamento, pelo facto de não preencherem a condição que passou a estar prevista no artigo 7.o do anexo V e no artigo 8.o do anexo VII do Estatuto, segundo a qual as referidas vantagens só são concedidas aos funcionários que tenham direito a um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação.

18      Os recorrentes, que tomaram conhecimento dessas alterações ao consultarem o seu processo individual, apresentaram reclamações às respetivas instituições, nos termos do artigo 91.o do Estatuto. Estas reclamações foram indeferidas.

 Tramitação dos processos no Tribunal Geral

19      Por duas petições apresentadas na Secretaria do Tribunal da Função Pública da União Europeia em 26 de agosto de 2014 e 26 de janeiro de 2015, os recorrentes no processo C‑517/19 P interpuseram dois recursos, registados sob os números de processo F‑85/14 e F‑13/15, destinados a obter a anulação das decisões controvertidas que lhes dizem respeito.

20      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 29 de setembro de 2014, os recorrentes no processo C‑518/19 P interpuseram um recurso, registado sob o número de processo F‑100/14, destinado a obter a anulação das decisões controvertidas que lhes dizem respeito. Por outra petição apresentada na Secretaria do referido tribunal em 16 de fevereiro de 2015, nove desses recorrentes interpuseram um recurso, registado sob o número de processo F‑27/15, destinado a obter a anulação das decisões de não concessão do reembolso das despesas de viagem anual.

21      Em aplicação do artigo 3.o do Regulamento (UE, Euratom) 2016/1192 do Parlamento e do Conselho, de 6 de julho de 2016, relativo à transferência para o Tribunal Geral da União Europeia da competência para decidir, em primeira instância, dos litígios entre a União Europeia e os seus agentes (JO 2016, L 200, p. 137), estes quatro recursos foram transferidos para o Tribunal Geral no estado em que se encontravam em 31 de agosto de 2016. Foram registados sob os números T‑516/16, T‑523/16, T‑536/16 e T‑542/16.

 Acórdãos recorridos

22      Em apoio dos recursos em primeira instância respetivos, os recorrentes nos processos C‑517/19 P e C‑518/19 P invocaram três fundamentos, redigidos de forma idêntica, pelos quais se invocava a ilegalidade do artigo 7.o do anexo V e do artigo 8.o do anexo VII do Estatuto. O primeiro fundamento era relativo à ilegalidade destas disposições decorrentes de uma «contestação do local de origem dos recorrentes», o segundo, à ilegalidade da condição relativa ao benefício dos subsídios de residência no estrangeiro ou de expatriação e, o terceiro, à violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica, dos direitos adquiridos e da proteção da confiança legítima, bem como do direito pelo respeito da vida familiar.

23      No primeiro e no segundo acórdãos recorridos, o Tribunal Geral, por motivos substancialmente idênticos, julgou improcedentes todos os fundamentos invocados pelos recorrentes e negou provimento aos recursos.

24      Quanto ao primeiro fundamento, o Tribunal Geral considerou, no essencial, que as alterações introduzidas pelo Regulamento n.o 1023/2013 não tinham posto em causa a fixação do local de origem dos recorrentes, continuando este a produzir efeitos, nomeadamente no que respeita ao transporte do corpo para o local de origem em caso de morte durante o serviço e da mudança para o local de origem no momento da cessação das funções (n.os 49 a 54 do primeiro acórdão recorrido e n.os 47 a 52 do segundo acórdão recorrido).

25      No que respeita ao segundo fundamento, através do qual os recorrentes acusam o legislador da União de ter subordinado o reembolso das despesas de viagem anual e a concessão do tempo de transporte à condição de beneficiar de um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação em violação do princípio da igualdade de tratamento, o Tribunal Geral considerou, antes de mais, referindo‑se ao Acórdão do Tribunal da Função Pública de 23 de janeiro de 2007, Chassagne/Comissão (F‑43/05, EU:F:2007:14, n.o 61), que a fixação das condições e das modalidades de aplicação do reembolso dessas despesas e da concessão de tal período faz parte de um domínio da regulamentação em que o legislador da União goza de um amplo poder de apreciação (n.o 66 do primeiro acórdão recorrido e n.o 64 do segundo acórdão recorrido). Sublinhou que, em tal domínio, o juiz da União se deve limitar a verificar, «relativamente ao princípio da igualdade e da não discriminação, se a instituição em causa não procedeu a uma diferenciação arbitrária ou manifestamente inadequada e, no que se refere ao princípio da proporcionalidade, se a medida adotada não tem um caráter manifestamente inadequado em relação ao objetivo da regulamentação» (n.o 67 do primeiro acórdão recorrido e n.o 65 do segundo acórdão recorrido).

26      Em seguida, no que respeita ao objetivo prosseguido pelo artigo 7.o do anexo V e pelo artigo 8.o do anexo VII do Estatuto, o Tribunal Geral recordou que a possibilidade de um funcionário manter vínculos pessoais com o local dos seus interesses principais se tornou um princípio geral do direito da função pública da União, ao mesmo tempo que se salienta que, para alcançar esse objetivo, o legislador da União tinha pretendido atualizar e racionalizar as regras relativas ao tempo de transporte e ao reembolso das despesas de viagem anual e associá‑las ao estatuto de «expatriado» ou «residente no estrangeiro», a fim de tornar a sua aplicação mais simples e transparente (n.os 68 e 69 do primeiro acórdão recorrido e n.os 66 e 67 do segundo acórdão recorrido).

27      À luz deste objetivo e do amplo poder de apreciação de que dispõe o referido legislador, o Tribunal Geral sublinhou que a situação dos funcionários e agentes que beneficiam de um subsídio de expatriação ou de residência no estrangeiro não podia ser comparada à dos funcionários e dos agentes que, como os recorrentes, têm duas nacionalidades, entre as quais a do seu Estado de afetação, mesmo que o seu local de origem seja outro. Com efeito, enquanto um funcionário ou agente que não tem a nacionalidade do seu Estado de afetação demonstra uma certa vontade de manter os seus vínculos com o seu local de origem, o facto de um funcionário ou agente ter pedido e obtido a nacionalidade do Estado‑Membro de afetação demonstra, se não a existência de vínculos matrimoniais nesse Estado, pelo menos a vontade de aí estabelecer o centro dos seus interesses principais. O Tribunal Geral concluiu que a situação de expatriado ou de residente no estrangeiro e a dos recorrentes eram duas situações jurídicas distintas que justificavam uma diferença de tratamento com base na presunção de que a nacionalidade de uma pessoa constitui um indício sério da existência de vínculos múltiplos e estreitos entre essa pessoa e o país da sua nacionalidade (n.os 71 a 73 do primeiro acórdão recorrido e n.os 69 a 71 do segundo acórdão recorrido).

28      O Tribunal Geral declarou, além disso, que o direito a um subsídio de expatriação ou de residência no estrangeiro depende igualmente da verificação de circunstâncias factuais específicas, próprias da situação do funcionário interessado tendo em conta o seu local de origem, e que o funcionário que está inteiramente integrado no seu Estado de afetação, e ao qual não é, por conseguinte, concedido um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação, não pode pretender ter um vínculo mais estreito com o seu local de origem do que um funcionário que tem direito a esse subsídio. Assim, para o Tribunal Geral, não é a nacionalidade do funcionário, que mais não faz do que dar uma indicação sobre o seu vínculo com o local de afetação, mas a situação factual que justifica a concessão de um subsídio, visando assim corrigir as desigualdades de facto entre os funcionários integrados na sociedade do Estado de afetação e os que não estão (n.o 73 do primeiro acórdão recorrido e n.o 71 do segundo acórdão recorrido).

29      Por último, o Tribunal Geral concluiu que, «tendo em conta a lógica do sistema no seu conjunto e dado o amplo poder de apreciação do legislador, [devia] considerar‑se que o sistema que consiste em sujeitar a obtenção do tempo de transporte e o reembolso das despesas relativas à viagem anual à condição de o benefício do subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação não ser nem manifestamente inadequado nem manifestamente inapropriado tendo em conta o seu objetivo», e que, portanto, «não [havia] violação do princípio segundo o qual qualquer agente deve ter a possibilidade de manter uma relação pessoal com o centro dos seus interesses principais ou do princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação» (n.o 75 do primeiro acórdão recorrido e n.o 73 do segundo acórdão recorrido).

30      Quanto ao terceiro fundamento, relativo, nomeadamente, à violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal de Geral decidiu que não se podia sustentar que, no exercício do seu amplo poder de apreciação, o legislador tinha aplicado medidas manifestamente desproporcionadas ao objetivo que pretendia prosseguir (n.o 86 do primeiro acórdão recorrido e n.o 84 do segundo acórdão recorrido).

31      Em particular, o Tribunal Geral considerou que, à luz do objetivo recordado no considerando 24 do Regulamento n.o 1023/2013, era inteiramente proporcionado prever que um agente que tem a nacionalidade do seu local de afetação não pode ser considerado propriamente um agente expatriado e que, além disso, as novas regras estatutárias permitiam aos recorrentes, por um lado, manter um vínculo com o seu local de origem, não tendo a fixação deste último sido alterado na sequência da introdução daquelas, e, por outro, manter igualmente um vínculo com o Estado‑Membro de que são nacionais e com o qual os vínculos são considerados mais fortes (n.o 82 do primeiro acórdão recorrido e n.o 80 do segundo acórdão recorrido).

32      Além disso, à luz dos considerandos 2 e 12 do Regulamento n.o 1023/2013, segundo os quais cabe ao legislador, no contexto do recrutamento de pessoal altamente qualificado, proceder a uma seleção «com a base geográfica mais ampla possível de entre os cidadãos dos Estados‑Membros» e «salvaguardar a relação custo‑eficiência», o Tribunal Geral salientou que o legislador tinha, no contexto dos seus amplos poderes de apreciação, decidido limitar o reembolso das despesas de viagem anual a favor dos agentes «que mais necessitavam», ou seja, os «que eram expatriados ou residiam no estrangeiro e que eram menos integrados no seu país de afetação, para que pudessem manter vínculos com o Estado‑Membro de que eram nacionais e, por conseguinte, com o qual tinham os vínculos mais fortes» (n.o 84 do primeiro acórdão recorrido e n.o 82 do segundo acórdão recorrido).

33      Por último, o Tribunal Geral recordou, referindo‑se ao n.o 14 do Acórdão de 16 de outubro de 1980, Hochstrass/Tribunal de Justiça (147/79, EU:C:1980:238), que, mesmo que, em situações marginais, resultem inconvenientes casuais da instauração de uma regulamentação geral e abstrata, o legislador não podia ser acusado de ter recorrido a uma categorização, uma vez que esta não é discriminatória, por natureza, à luz do objetivo que prossegue (n.o 85 do primeiro acórdão recorrido e n.o 83 do segundo acórdão recorrido).

 Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

34      No processo C‑517/19 P, os recorrentes pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o primeiro acórdão recorrido;

–        anular as decisões controvertidas na parte que lhes diz respeito;

–        condenar a Comissão nas despesas.

35      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso, e

–        condenar os recorrentes nas despesas.

36      O Parlamento Europeu e o Conselho, que, enquanto intervenientes em primeira instância, apresentaram contestação em conformidade com o artigo 172.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, pedem igualmente que seja negado provimento ao recurso e que os recorrentes sejam condenados nas despesas.

37      No processo C‑518/19 P, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o segundo acórdão recorrido;

–        anular as decisões controvertidas na parte que lhes diz respeito;

–        condenar o Conselho nas despesas.

38      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso, e

–        condenar os recorrentes nas despesas.

39      O Parlamento que, enquanto interveniente em primeira instância, apresentou contestação em conformidade com o artigo 172.o do Regulamento de Processo, pede igualmente que seja negado provimento ao recurso e que os recorrentes sejam condenados nas despesas.

40      Em aplicação do artigo 54.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 1 de outubro de 2019, apensar os processos C‑517/19 P e C‑518/19 P para efeitos das fases escrita e oral do processo e do acórdão.

 Quanto aos presentes recursos

41      Em apoio dos respetivos recursos, os recorrentes nos processos C‑517/19 P e C‑518/19 P invocam três fundamentos idênticos, relativos, o primeiro, a um erro de direito na definição do alcance da fiscalização jurisdicional, o segundo, à violação do princípio da igualdade de tratamento e do conceito de comparabilidade próprio a este último princípio e, o terceiro, à violação do princípio da proporcionalidade.

42      A este respeito, embora o terceiro fundamento de recurso seja, à semelhança do segundo fundamento, apresentado, na petição, sob um título mais geral relativo à violação do princípio da igualdade, resulta tanto dos argumentos apresentados em apoio deste terceiro fundamento como do anexo da petição que contém o resumo dos fundamentos invocados que o referido terceiro fundamento é relativo apenas à violação do princípio da proporcionalidade e não a uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

43      Os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao limitar a fiscalização da legalidade do Regulamento n.o 1023/2013, que efetuou à luz do princípio da igualdade de tratamento, à verificação do caráter «arbitrário» ou «manifestamente» inadequado ou inapropriado relativamente ao objetivo prosseguido pelas medidas em causa. Especificam, a este respeito, que (3) o Tribunal Geral errou, no n.o 67 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 65 do segundo acórdão recorrido, ao considerar que se devia limitar, nos domínios em que o legislador dispõe de um amplo poder de apreciação, a efetuar essa fiscalização restrita.

44      Segundo os recorrentes, a circunstância de o legislador gozar de um amplo poder de apreciação não é pertinente para efeitos do exame da compatibilidade das disposições do Regulamento n.o 1023/2013, relativas à concessão do tempo de transporte e ao reembolso das despesas de viagem anual, com o princípio da igualdade de tratamento.

45      Com efeito, sendo a igualdade de tratamento um princípio geral aplicável à função pública da União Europeia, o referido legislador é obrigado a respeitá‑lo, em todo o caso, sob fiscalização integral da legalidade que o juiz da União deve efetuar.

46      Os recorrentes acrescentam que os presentes processos se distinguem daquele que deu origem ao Acórdão do Tribunal da Função Pública de 23 de janeiro de 2007, Chassagne/Comissão (F‑43/05, EU:F:2007:14), no qual o Tribunal Geral baseou o seu raciocínio nos acórdãos recorridos. Com efeito, enquanto, neste último processo, estava apenas em causa a legalidade da alteração das modalidades de reembolso das despesas de viagem anual, os presentes processos têm por objeto a própria essência do direito ao referido reembolso.

47      Por último, ao colocar o poder de apreciação do legislador acima do princípio da igualdade de tratamento, o Tribunal Geral demonstrou uma «deferência injustificada» relativamente ao referido poder, que teve uma influência decisiva no resultado dos litígios. A este respeito, os recorrentes observam que foi em «termos muito gerais» que o Tribunal Geral decidiu que, tendo em conta a «lógica do sistema no seu conjunto» e o «amplo poder de apreciação do legislador», o Regulamento n.o 1023/2013 não era «manifestamente» incompatível com o princípio geral da igualdade de tratamento, tendo em conta o seu objetivo.

48      A Comissão, no processo C‑517/19 P, bem como o Conselho e o Parlamento, nos processos C‑517/19 P e C‑518/19 P, concluem pela improcedência do primeiro fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

49      Há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o vínculo jurídico entre os funcionários e a administração é de natureza estatutária e não contratual. Consequentemente, os direitos e os deveres dos funcionários podem, no respeito das exigências decorrentes do direito da União, ser alterados a todo o momento pelo legislador (Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Centeno Mediavilla e o./Comissão, C‑443/07 P, EU:C:2008:767, n.o 60, e de 4 de março de 2010, Angé Serrano e o./Parlamento, C‑496/08 P, EU:C:2010:116, n.o 82).

50      O mesmo se aplica aos agentes contratuais relativamente às disposições do Estatuto que lhes são aplicáveis por analogia.

51      Entre estas exigências figura o princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Centeno Mediavilla e o./Comissão, C‑443/07 P, EU:C:2008:767, n.o 78, e de 4 de março de 2010, Angé Serrano e o./Parlamento, C‑496/08 P, EU:C:2010:116, n.o 100).

52      Este princípio exige, segundo jurisprudência constante, que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdãos de 17 de julho de 2008, Campoli/Comissão, C‑71/07 P, EU:C:2008:424, n.o 50; de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 66; e de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 137).

53      Por outro lado, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, perante regras estatutárias como as que estão em causa no caso em apreço e tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe o legislador da União a este respeito, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando o legislador procede a uma diferenciação arbitrária ou manifestamente inadequada em relação ao objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de julho de 1983, Ferrario e o./Comissão, 152/81, 158/81, 162/81, 166/81, 170/81, 173/81, 175/81, 177/81 à 179/81, 182/81 e 186/81, EU:C:1983:208, n.o 13; de 17 de julho de 2008, Campoli/Comissão, C‑71/07 P, EU:C:2008:424, n.o 64; de 15 de abril de 2010, Gualtieri/Comissão, C‑485/08 P, EU:C:2010:188, n.o 72; e de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 85).

54      À luz desta jurisprudência, o Tribunal Geral não incorreu, por conseguinte, em erro de direito ao declarar, no n.o 67 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 65 do segundo acórdão recorrido, que se devia limitar a verificar, tendo em conta o princípio da igualdade de tratamento, se o legislador não tinha procedido, ao adotar as disposições impugnadas do Regulamento n.o 1023/2013, a uma diferenciação arbitrária ou manifestamente inadequada.

55      Quanto ao argumento relativo ao facto de o Tribunal Geral ter declarado, no n.o 75 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 73 do segundo acórdão recorrido, em termos muito gerais, que, tendo em conta a «lógica do sistema no seu conjunto» e o «amplo poder de apreciação do legislador», o Regulamento n.o 1023/2013 não era, tendo em conta o seu objetivo, «manifestamente» incompatível com o princípio geral da igualdade de tratamento, importa salientar que este argumento assenta numa leitura errada dos referidos acórdãos e deve, por conseguinte, ser manifestamente improcedente.

56      Com efeito, só depois de ter constatado, nos n.os 65 a 74 do primeiro acórdão recorrido e nos n.os 63 a 72 do segundo acórdão recorrido, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 53 do presente acórdão, que os funcionários e os agentes que beneficiam de um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação não estavam numa situação comparável à dos recorrentes, o Tribunal Geral considerou que o facto de submeter o benefício do tempo de transporte e do reembolso das despesas de viagem anual, previstos, respetivamente, no artigo 7.o do anexo V e no artigo 8.o do anexo VII do Estatuto, à condição de ter direito a um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação não era manifestamente inadequado nem manifestamente inapropriado, à luz do objetivo destas disposições, e não violava, portanto, o princípio da igualdade de tratamento.

57      Decorre das considerações precedentes que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

–       Argumentos das partes

58      Com o seu segundo fundamento, dirigido contra os n.os 70 a 73 do primeiro acórdão recorrido e contra os n.os 68 a 71 do segundo acórdão recorrido, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a situação dos funcionários e dos agentes que não têm direito a um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação não é comparável à dos funcionários e dos agentes que têm direito a esse subsídio, enquanto os primeiros têm, como os segundos, um local de afetação diferente do local de origem.

59      A este respeito, os recorrentes sustentam que, para determinar o caráter comparável de diferentes situações, há que ter em conta o objeto e a finalidade do ato que institui a distinção, bem como os princípios e objetivos do domínio do qual releva o referido ato. Ora, o Regulamento n.o 1023/2013 faz depender o direito de um funcionário ou de um agente de manter vínculos pessoais com o seu local de origem do seu grau de integração no seu local de afetação, apesar de, como o Tribunal Geral declarou no n.o 68 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 66 do segundo acórdão recorrido, o artigo 7.o do anexo V e o artigo 8.o do anexo VII do Estatuto prosseguirem sempre a mesma finalidade e terem sempre o mesmo objeto, ou seja, permitir aos funcionários e aos agentes, bem como às pessoas a seu cargo, viajar, pelo menos uma vez por ano, para o seu local de origem, a fim de manter os laços familiares, sociais e culturais. Tal possibilidade tornou‑se, aliás, como o Tribunal Geral recordou igualmente nos acórdãos recorridos, um princípio geral do direito da função pública da União.

60      Por conseguinte, segundo os recorrentes, tendo em conta o objeto e a finalidade das disposições em causa do Regulamento n.o 1023/2013, todos os funcionários e agentes da União cujo local de origem se situe num Estado diferente do da sua afetação estão numa situação comparável, independentemente de receberem ou não um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação. Assim, ao prever que só os funcionários e agentes que recebam essa compensação podem beneficiar de um tempo de transporte e do reembolso das despesas de viagem anual, o legislador faz depender estas últimas vantagens do grau de integração desses funcionários e desses agentes no seu local de afetação, ou seja, de um critério subjetivo.

61      Os recorrentes sustentam que a fixação do local de origem de um funcionário ou de um agente fora do território do Estado no qual está situado o seu local de afetação não tem nenhuma influência sobre o seu direito ao subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação, e vice‑versa. Com efeito, em seu entender, a determinação do local de origem de um funcionário ou de um agente e a concessão do subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação correspondem a necessidades e a interesses diferentes.

62      Por conseguinte, o Tribunal Geral presumiu erradamente, nos n.os 71 e 73 do primeiro acórdão recorrido e nos n.os 69 e 71 do segundo acórdão recorrido, que um funcionário ou um agente que não recebe subsídio de expatriação pelo facto de, durante o período de cinco anos que termina seis meses antes da sua entrada em funções, ter residido ou exercido a sua atividade profissional principal no território do Estado onde está situado o seu local de afetação teve a intenção de quebrar os seus vínculos com o seu local de origem, ao deslocar para o local de afetação o centro dos seus interesses principais. Do mesmo modo, a aquisição por um funcionário ou agente da nacionalidade do Estado em que está situado o seu local de afetação não significa que este tenha pretendido deslocar o centro dos seus interesses e quebrar os vínculos familiares ou patrimoniais com o local de origem.

63      A Comissão, no processo C‑517/19 P, bem como o Conselho e o Parlamento, nos processos C‑517/19 P e C‑518/19 P, concluem pela improcedência do segundo fundamento.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

64      Como mencionado no n.o 52 do presente acórdão, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado.

65      Segundo jurisprudência constante, para poder determinar se existe ou não uma violação do referido princípio, há que ter em conta, nomeadamente, o objeto e a finalidade prosseguida pela disposição que alegadamente viola (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Piessevaux/Conselho, C‑454/17 P, não publicado, EU:C:2018:680, n.o 79 e jurisprudência referida).

66      A este respeito, é importante sublinhar, como também salientou o advogado‑geral no n.o 61 das suas conclusões, que o objeto e a finalidade do artigo 7.o do anexo V e do artigo 8.o do anexo VII do Estatuto permaneceram, em substância, inalterados com a entrada em vigor do Regulamento n.o 1023/2013, uma vez que essas disposições continuam a destinar‑se a conferir vantagens para permitir aos funcionários e às pessoas a seu cargo viajar, pelo menos uma vez por ano, para o seu local de origem, a fim de aí manter vínculos familiares, sociais e culturais, especificando‑se que esse local será determinado, nos termos do artigo 7.o, n.o 4, do anexo VII, quando da entrada em funções do funcionário, tendo em conta, em princípio, o seu local de recrutamento ou, mediante pedido expresso e devidamente fundamentado, do centro dos seus interesses.

67      Contudo, como resulta do considerando 24 do Regulamento n.o 1023/2013, ao proceder às alterações do artigo 7.o do anexo V e do artigo 8.o do anexo VII do Estatuto, o legislador da União pretendeu, no âmbito da reforma do Estatuto dos Funcionários e do Regime aplicável aos outros agentes da União, atualizar e racionalizar as regras relativas ao tempo de transporte e de reembolso das despesas de viagem anual, associando‑os ao estatuto de residente no estrangeiro ou de expatriado, de modo a tornar a sua aplicação mais simples e transparente. Por outro lado, esse objetivo específico faz parte de um objetivo mais geral que consiste, como resulta dos considerandos 2 e 12 deste regulamento, em garantir uma boa relação custo‑eficiência num contexto socioeconómico na Europa que exige a consolidação das finanças públicas e um esforço particular de cada Administração Pública e do seu pessoal para melhorar a eficácia e a eficiência, mantendo simultaneamente o objetivo de assegurar um recrutamento de qualidade com a base geográfica mais ampla possível.

68      Nesta perspetiva, quando da adoção do Regulamento n.o 1023/2013, o legislador optou por associar o direito ao tempo de transporte e ao reembolso das despesas de viagem anual ao «estatuto de expatriado» em sentido amplo, isto é, conceder esse direito apenas aos funcionários e agentes que preencham as condições previstas no artigo 4.o do anexo VII do Estatuto para beneficiarem de um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação, a fim de melhor direcionar essas medidas e limitar o seu benefício àqueles que dele mais necessitam, atendendo a esse estatuto de residente no estrangeiro ou expatriado.

69      A este respeito, importa recordar, por um lado, que o subsídio de expatriação tem por objetivo compensar os encargos e desvantagens especiais resultantes da entrada em funções nas instituições da União para os funcionários que, por esse facto, são obrigados a transferir a sua residência do Estado do seu domicílio para o Estado de afetação e a integrar‑se num novo meio. O conceito de expatriação depende igualmente da situação subjetiva do funcionário, ou seja, do seu grau de integração no novo meio resultante, por exemplo, da sua residência habitual ou do exercício de uma atividade profissional principal. A concessão do subsídio de expatriação visa assim remediar as desigualdades de facto entre os funcionários integrados na sociedade do Estado de afetação e os que não estão (Acórdão de 24 de janeiro de 2008, Adam/Comissão, C‑211/06 P, EU:C:2008:34, n.os 38 e 39 e jurisprudência referida).

70      Por outro lado, o subsídio de residência no estrangeiro é, por sua vez, concedido, em aplicação do artigo 4.o, n.o 2, do anexo VII do Estatuto, ao funcionário que, não tendo e nunca tendo tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, não preenche as condições para obter um subsídio de expatriação. Por conseguinte, este subsídio destina‑se a compensar as desvantagens que os funcionários sofrem devido ao seu estatuto de estrangeiro, a saber, um certo número de inconvenientes, tanto de direito como de facto, de ordem cívica, familiar, educativa, cultural, política, que os cidadãos desse Estado não conhecem (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 1980, Hochstrass/Tribunal de Justiça, 147/79, EU:C:1980:238, n.o 12).

71      Decorre do que precede que o artigo 4.o do anexo VII do Estatuto estabelece critérios objetivos por força dos quais o benefício dos subsídios que prevê está limitado aos funcionários que, em princípio, não estão ou estão pouco integrados na sociedade do Estado (4) de afetação, e que permitem, em contrapartida, supor que os funcionários que não preenchem as condições para beneficiar dos referidos subsídios têm, por seu turno, um grau suficiente de integração no Estado‑Membro de afetação, que não os expõe às desvantagens mencionadas nos n.os 69 e 70 do presente acórdão.

72      Assim, mesmo que o seu local de origem não tenha sido fixado no Estado em que se situa o seu local de afetação, funcionários e agentes, como os recorrentes, que não preenchem as condições para beneficiar de um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação, têm vínculos mais estreitos com o referido Estado do que os funcionários e agentes que preenchem as referidas condições, os quais não têm a priori, como sublinhou o Tribunal Geral no n.o 70 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 68 do segundo acórdão recorrido, nenhum vínculo com o local da sua afetação, não tendo ou nunca tendo tido a nacionalidade do Estado de afetação, por um lado, e/ou, por outro, nunca tendo, pelo menos durante um período prolongado, vivido ou exercido a sua atividade profissional nesse Estado.

73      Assim, e como o Tribunal Geral declarou, em substância, com razão, no n.o 73 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 71 do segundo acórdão recorrido, funcionários e agentes, como os recorrentes, não podem pretender ter um vínculo mais estreito com o seu local de origem do que um funcionário ou um agente que tem direito ao subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação. Com efeito, este último é o menos integrado no seu local de afeção e, por esse facto, tem mais necessidade de manter vínculos com o seu local de origem.

74      Por conseguinte, foi com razão que o Tribunal Geral, no n.o 71 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 69 do segundo acórdão recorrido, considerou que os funcionários e os agentes que recebem o subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação não se encontram numa situação comparável à dos recorrentes.

75      Tendo em conta as considerações precedentes, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento


–       Argumentos das partes


76      Com o seu terceiro fundamento, os recorrentes sustentam que, nos n.os 69 e 80 a 86 do primeiro acórdão recorrido, bem como nos n.os 67 e 78 a 84 do segundo acórdão recorrido, o Tribunal Geral apreciou erradamente o objetivo e o caráter proporcionado do artigo 7.o do anexo V e do artigo 8.o do anexo VII do Estatuto.

77      Por um lado, salientam que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 69 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 67 do segundo acórdão recorrido, o regime resultante do Regulamento n.o 1023/2013 é mais difícil de aplicar e menos transparente do que o anterior à entrada em vigor deste regulamento. Com efeito, enquanto este último regime concedia o reembolso das despesas de viagem anual a qualquer funcionário ou agente cujo local de origem estivesse fixado num local diferente do local de afetação, o direito ao reembolso passaria a variar em função da nacionalidade do funcionário ou do agente em causa, do seu local de origem, do seu local de afetação e do seu grau de integração neste último. O Tribunal Geral confundiu, assim, os conceitos de expatriação e de local de origem, o que leva à criação de situações manifesta e puramente arbitrárias, na medida em que o reembolso não tem ligação com a distância que separa o local de origem do local de afetação.

78      A este respeito, os recorrentes mencionam o exemplo de dois deles que têm o seu local de origem fixado, respetivamente, no Peru e no Brasil. Explicam que, na hipótese de estes deverem ser afetados numa delegação da União na América do Sul, o reembolso das suas despesas de viagem anual seria efetuado com base na distância que separa o seu local de afetação da capital do Estado‑Membro de que são nacionais, a saber, Bruxelas (Bélgica). O montante reembolsado seria então superior ao que teria sido calculado, nos termos do antigo Estatuto, com base na distância entre o seu local de afetação e o seu local de origem, estando estes dois locais situados no continente sul‑americano.

79      Do mesmo modo, os recorrentes mencionam o exemplo de outro, cujo local de origem se situa em Marrocos. Alegam que, caso o local de afetação deste último devesse ser o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) em Alicante (Espanha) ou o Instituto de Estudos de Prospetiva Tecnológica do Centro Comum de Investigação (JRC) da Comissão em Sevilha (Espanha), o reembolso das suas despesas de viagem anual seria calculado com base na distância entre o local de afetação e Bruxelas, ou seja, cerca de 1 800 km, ao passo que Rabat (Marrocos) se situa a menos de 1 000 km de Alicante ou de Sevilha.

80      Por outro lado, os recorrentes salientam que esta argumentação foi afastada pelo Tribunal Geral através de uma fundamentação insuficiente e lapidar, tendo‑se este limitado, no n.o 85 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 83 do segundo acórdão recorrido, a qualificar essas situações de «inconvenientes casuais», por referência ao Acórdão de 16 de outubro de 1980, Hochstrass/Tribunal de Justiça (147/79, EU:C:1980:238).

81      Os recorrentes alegam, por outro lado, que o Regulamento n.o 1023/2013 também não é adequado para alcançar o objetivo alegado, que consiste, como o Tribunal Geral sublinhou no n.o 84 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 82 do segundo acórdão recorrido, em reservar o benefício do direito ao reembolso das despesas de viagem anual aos funcionários e agentes que delas «mais necessitam», a saber, àqueles que são «expatriados ou residem no estrangeiro».

82      A este respeito, os recorrentes realçam o facto de um funcionário ou agente cujo local de origem se situa fora da União e que recebe o subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação não beneficiar do reembolso das suas despesas de viagem anual no caso de o seu local de afetação estar situado a menos de 200 km da capital do Estado‑Membro de que é nacional, ainda que faça parte, na ótica do legislador da União, daqueles que delas mais necessitam.

83      A Comissão, no processo C‑517/19 P, bem como o Conselho e o Parlamento, nos processos C‑517/19 P e C‑518/19 P, concluem pela improcedência do terceiro fundamento.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

84      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade faz parte dos princípios gerais do direito da União e exige que os meios postos em prática por uma disposição do direito da União sejam adequados a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do que é necessário para os alcançar [Acórdão de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho (C‑482/17, EU:C:2019:1035), n.o 76 e jurisprudência referida].

85      No que respeita à fiscalização jurisdicional do respeito destas condições, já foi declarado no n.o 57 do presente acórdão que o legislador da União dispõe, perante regras estatutárias como as que estão em causa, de um amplo poder de apreciação.

86      Assim, não se trata de saber se uma medida adotada nesse domínio era a única ou a melhor possível, visto que só o caráter manifestamente inadequado desta, em relação ao objetivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (Acórdão de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho, C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 77 e jurisprudência referida).

87      No caso em apreço, como foi salientado no n.o 67 do presente acórdão, resulta do considerando 24 do Regulamento n.o 1023/2013 que o legislador da União pretendeu, no âmbito da reforma do Estatuto dos Funcionários e do Regime aplicável aos outros agentes da União, atualizar e racionalizar as regras relativas ao tempo de transporte e de reembolso das despesas de viagem anual, associando‑os ao estatuto de residente no estrangeiro ou de expatriado, de modo a tornar a sua aplicação mais simples e transparente.

88      A este respeito, os recorrentes sustentam, por um lado, que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 84 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 82 do segundo acórdão recorrido, essas disposições não satisfazem esse objetivo. Com efeito, o regime anterior à reforma resultante do Regulamento n.o 1023/2013 era mais simples de aplicar e mais transparente, na medida em que, com o novo regime, a concessão de um tempo de transporte e o reembolso das despesas de viagem anual dependem de um grande número de critérios factuais diferentes, mencionados no n.o 77 do presente acórdão.

89      Todavia, esta alegação não pode ser acolhida. Com efeito, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, embora o artigo 7.o do anexo V e o artigo 8.o do anexo VII do Estatuto, relativos às vantagens em causa, devam agora ser lidos em conjugação com o artigo 4.o do mesmo, relativo ao subsídio de residência no estrangeiro e de expatriação, esta última disposição aplica‑se com base em critérios objetivos e está redigida com suficiente precisão e clareza, o que garante uma aplicação simples e transparente das primeiras disposições estatutárias, em conformidade com o objetivo do legislador mencionado no considerando 24 do Regulamento n.o 1023/2013.

90      Por outro lado, no que respeita às situações consideradas pelos recorrentes e descritas nos n.os 78 e 79 do presente acórdão, há que constatar que estas apresentam um caráter hipotético ou teórico, na medida em que os recorrentes não alegaram que alguns deles tinham o local de afetação numa delegação da União na América do Sul, no EUIPO em Alicante ou no Instituto de Estudos de Prospetiva Tecnológica do JRC em Sevilha.

91      Ora, resulta da jurisprudência que um funcionário ou um agente não tem legitimidade para agir no interesse da lei ou das instituições e só pode invocar, em apoio de um recurso, os motivos de natureza pessoal que o afetem (Despacho de 8 de março de 2007, Strack/Comissão, C‑237/06 P, EU:C:2007:156, n.o 64 e jurisprudência referida).

92      Por outro lado, no que diz respeito ao argumento dos recorrentes, retomado no n.o 81 do presente acórdão, segundo o qual o Regulamento n.o 1023/2013 não é adequado para alcançar o objetivo de reservar o benefício do direito ao reembolso das despesas de viagem anual aos funcionários e agentes que dela «mais necessitam», a saber, os que são «residentes no estrangeiro» ou «expatriados», há que sublinhar, como foi recordado no n.o 66 do presente acórdão, que o objetivo de atualizar e racionalizar as regras em matéria de reembolso das despesas de viagem anual, associando‑as ao estatuto de expatriado ou residente no estrangeiro, se inscreve no objetivo mais geral de salvaguardar a relação custo‑eficiência num contexto socioeconómico na Europa que exige a consolidação das finanças públicas e um esforço particular de cada Administração Pública e do seu pessoal para melhorar a eficácia e a eficiência, mantendo simultaneamente o objetivo de assegurar um recrutamento de qualidade com a base geográfica mais ampla possível.

93      Ora, limitar o reembolso das despesas de viagem anual apenas aos funcionários e agentes que beneficiam de um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação, a saber, àqueles que estão menos integrados no seu país de afetação e que, por esse facto, têm mais necessidade de manter vínculos com o seu local de origem, é adequada a contribuir para a realização do objetivo mais geral prosseguido pelo legislador, recordado no número anterior, que é salvaguardar a relação custo‑eficiência para a função pública da União, mantendo simultaneamente um recrutamento de qualidade com a base geográfica mais ampla possível.

94      Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 77 das suas conclusões, foi no âmbito da sua ampla margem de apreciação que o legislador optou, entre as diferentes soluções possíveis, por restringir o número de beneficiários das vantagens em causa, excluindo a categoria de funcionários e agentes, como os recorrentes, cuja relação com o local de origem considerou ser menos estreita.

95      Por conseguinte, foi com razão que o Tribunal Geral declarou, no n.o 86 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 84 do segundo acórdão recorrido, que não se podia sustentar que, no exercício do seu amplo poder de apreciação, o legislador instituiu medidas manifestamente desproporcionadas ao objetivo prosseguido.

96      A este respeito, a situação considerada pelos recorrentes e descrita no n.o 82 do presente acórdão não é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

97      Com efeito, tal situação, que pressupõe o direito a um subsídio de residência no estrangeiro ou de expatriação, tem caráter hipotético ou teórico, na medida em que nenhum dos recorrentes beneficia desse subsídio.

98      Assim, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

99      Tendo em conta tudo o que precede, há que negar provimento aos recursos na íntegra.

 Quanto às despesas

100    Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

101    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Quando um interveniente em primeira instância, que não tenha ele próprio interposto o recurso da decisão do Tribunal Geral, participe no processo no Tribunal de Justiça, este pode, por força do artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, decidir que esse interveniente suporte as suas próprias despesas. Por último, em conformidade com o disposto no artigo 140.o, n.o 1, deste regulamento, igualmente aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que tenham intervindo no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

102    No que respeita ao processo C‑517/19 P, tendo a Comissão pedido a condenação dos recorrentes nas despesas e tendo estes sido vencidos, há que condená‑los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

103    O Parlamento e o Conselho, enquanto intervenientes no Tribunal Geral, suportarão as suas próprias despesas.

104    No que respeita ao processo C‑518/19 P, tendo o Conselho pedido a condenação dos recorrentes nas despesas e tendo estes sido vencidos, há que condená‑los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho.

105    O Parlamento, enquanto interveniente no Tribunal Geral, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento aos recursos nos processos C517/19 P e C518/19 P.

2)      Maria Alvarez y Bejarano, AnaMaria Enescu, Angelica Livia Salanta, Svetla Shulga, Soldimar Urena de Poznanski, Angela Vakalis, Luz Anamaria Chu, Marli Bertolete, Maria Castro Capcha, Evelyne Vandevoorde, Lucian Micu e Hassan Orfe El suportarão as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, respeitantes ao recurso no processo C517/19 P.

3)      Jakov Ardalic, Christian Stouraitis, Abdelhamid Azbair, Abdel Bouzanih, Bob Kitenge Ya Musenga, El Miloud Sadiki, Cam Tran Thi, Liliana Bicanova, Monica Brunetto, Claudia Istoc, Sylvie Jamet e Despina Kanellou suportarão as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia, respeitantes ao recurso no processo C518/19 P.

4)      O Conselho da União Europeia suportará as suas próprias despesas respeitantes ao recurso no processo C517/19 P.

5)      O Parlamento Europeu suportará as suas próprias despesas respeitantes aos recursos nos processos C517/19 P e C518/19 P.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.


1      É necessário um mínimo de 2 ocorrências posteriores.


2      Proponho a harmonização no sentido das recomendações de Girodet (ratoeiras e dificuldades da língua francesa).


3 Tendo em conta o facto de que o objeto da ação é referido na proposição principal.


4      Por razões de harmonização.