Language of document : ECLI:EU:T:2021:892

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

15 de dezembro de 2021 (*)

«Ambiente — Regulamento (CE) n.o 1367/2006 — Obrigação dos Estados‑Membros de proteger e melhorar a qualidade do ar ambiente — Pedido de reexame interno — Indeferimento do pedido por inadmissibilidade»

No processo T‑569/20,

Stichting Comité N 65 Ondergronds Helvoirt, com sede em Helvoirt (Países Baixos), representada por T. Malfait e A. Croes, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Haasbeek, G. Gattinara e M. Noll‑Ehlers, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada pelo:

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman, M. de Ree, J. Langer e J. Hoogveld, na qualidade de agentes,

pelo

Parlamento Europeu, representado por W. Kuzmienko e C. Ionescu Dima, na qualidade de agentes,

e pelo

Conselho da União Europeia, representado por K. Michoel e A. Maceroni, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão da Comissão de 6 de julho de 2020 que indefere por inadmissível um pedido de reexame interno da decisão de encerrar o processo de denúncia CHAP (2019) 2512,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: V. Tomljenović, presidente, F. Schalin e I. Nõmm (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Stichting Comité N 65 Ondergronds Helvoirt, é um comité de ação que foi fundado em 2 de março de 2011, aquando da apresentação, pelos municípios de Vught, de Haaren, de Oisterwijk, de Tilburg e de ’s‑Hertogenbosch (Países Baixos), da sua visão para a estrada regional N 65 e seus arredores.

2        Depois de ter instaurado diferentes procedimentos administrativos e processos judiciais nacionais, a recorrente apresentou na Comissão Europeia, em 29 de agosto de 2019, uma denúncia contra o Reino dos Países Baixos. Considerava que a aplicação, pelas autoridades neerlandesas, do controlo e da apreciação da qualidade do ar em redor da estrada regional N 65 era contrária à Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa (JO 2008, L 152, p. 1). A recorrente entendia que a Comissão interpretava erradamente a disposição segundo a qual as medições de avaliação da qualidade do ar ambiente não deviam ser efetuadas a mais de dez metros da berma.

3        Por carta de 30 de janeiro de 2020, a Comissão informou a recorrente de que tinha decidido encerrar o processo de denúncia com a referência CHAP (2019) 2512, com o fundamento de que, nas suas cartas de 6 e 21 de setembro de 2019 e de 8 de janeiro de 2020, a recorrente não tinha apresentado nenhum elemento novo pertinente que pudesse justificar a abertura de um processo por incumprimento contra o Reino dos Países Baixos.

4        Em 12 de março de 2020, a recorrente apresentou um pedido de reexame interno ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO 2006, L 264, p. 13; a seguir «Regulamento Aarhus»).

5        Por carta de 6 de julho de 2020, a Comissão indeferiu por inadmissível o pedido de reexame interno da decisão de encerrar o processo de denúncia CHAP (2019) 2512 (a seguir «decisão recorrida»). Considerou que a carta de 30 de janeiro de 2020 não constituía um «ato administrativo» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento Aarhus nem uma «omissão administrativa» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea h), do referido regulamento. Com efeito, indicou ter emitido, enquanto instância de recurso administrativo, ao abrigo do artigo 258.o TFUE, a carta de 30 de janeiro de 2020 destinada a encerrar o processo de denúncia. Considerou que, em aplicação do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Aarhus, tal ato não constituía um ato administrativo na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea g), do referido regulamento.

 Tramitação processual e pedidos das partes

6        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de setembro de 2020, a recorrente pediu ao Tribunal Geral que anulasse a decisão recorrida.

7        Em 25 de novembro de 2020, a Comissão apresentou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral.

8        Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 3, 9 e 10 de dezembro de 2020, o Conselho da União Europeia, o Reino dos Países Baixos e o Parlamento Europeu pediram para intervir em apoio da Comissão.

9        Em 12 de janeiro de 2021, a recorrente apresentou a réplica na Secretaria do Tribunal Geral.

10      Por Decisões de 20 de janeiro de 2021, a presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção, respetivamente, do Conselho, do Reino dos Países Baixos e do Parlamento.

11      Em 25 de fevereiro de 2021, a Comissão apresentou a tréplica na Secretaria do Tribunal Geral.

12      Em 1, 2 e 4 de março de 2021, o Parlamento, o Reino dos Países Baixos e o Conselho apresentaram, respetivamente, as suas alegações de intervenção na Secretaria do Tribunal Geral.

13      O Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu, em aplicação do artigo 106.o, n.o 3, do seu Regulamento de Processo, julgar o recurso sem fase oral.

14      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão recorrida;

—        remeter o processo à Comissão para que esta o declare admissível e decida quanto ao mérito;

—        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão e o Reino dos Países Baixos concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas.

16      O Parlamento conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne julgar os pedidos da Comissão procedentes e negar provimento ao recurso.

17      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        julgar os pedidos da Comissão procedentes e negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

18      Em apoio do seu recurso de anulação, a recorrente invoca dois fundamentos, subdividindo‑se cada um em várias partes.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 1.o e do artigo 9.o, n.os 2 e 3, da Convenção de Aarhus, do artigo 216.o TFUE, do artigo 1.o, n.o 1, alínea d), do artigo 2.o, n.o 1, alínea g), e n.o 2, e do artigo 10.o do Regulamento Aarhus

19      No âmbito do primeiro fundamento, subdividido em duas partes, a recorrente alega que a Comissão violou o artigo 1.o e o artigo 9.o, n.os 2 e 3, da Convenção sobre o Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada, em nome da União Europeia, pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1) (a seguir «Convenção de Aarhus»), o artigo 216.o TFUE, o artigo 1.o, n.o 1, alínea d), o artigo 2.o, n.o 1, alínea g), e n.o 2, e o artigo 10.o do Regulamento Aarhus.

 Quanto à primeira parte, invocada a título principal, relativa à violação do artigo 1.o, n.o 1, alínea d), do artigo 2.o, n.o 1, alínea g), e n.o 2, e do artigo 10.o do Regulamento Aarhus

20      Numa primeira parte, apresentada a título principal, a recorrente alega que o procedimento de reexame previsto no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento Aarhus é distinto do processo por infração estabelecido nos artigos 258.o e 260.o TFUE, que, em 30 de janeiro de 2020, a Comissão adotou uma decisão individual em matéria de ambiente com efeitos jurídicos vinculativos, que esta última era efetivamente abrangida pela definição de ato administrativo na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento Aarhus e que essa decisão podia, portanto, ser objeto de reexame, não podendo a impugnação da mesma ser declarada inadmissível.

21      A Comissão, apoiada neste sentido pelo Reino dos Países Baixos, refuta estes argumentos.

22      Importa recordar que, em aplicação do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento Aarhus, qualquer organização não governamental que satisfaça os critérios enunciados no artigo 11.o desse regulamento tem o direito de requerer um reexame interno às instituições da União que tenham aprovado atos administrativos ao abrigo da legislação ambiental.

23      O conceito de ato administrativo mencionado no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento Aarhus é definido no artigo 2.o, n.o 1, alínea g), do mesmo regulamento como uma medida de caráter individual tomada por uma instituição da União ao abrigo da legislação ambiental e com efeitos externos juridicamente vinculativos.

24      O artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Aarhus fixa igualmente os limites desse conceito de ato administrativo ao dispor que este não inclui as medidas tomadas por uma instituição ou órgão da União na qualidade de instância de recurso administrativo, ou a sua omissão, por força dos artigos 258.o e 260.o TFUE, que dizem respeito ao processo por incumprimento.

25      No caso em apreço, a Comissão indeferiu por inadmissível o pedido de reexame, apresentado pela recorrente, da carta de 30 de janeiro de 2020 — a saber, a carta em que informava a referida recorrente de que decidia encerrar o processo de denúncia, uma vez que considerava não ter nenhum elemento novo pertinente suscetível de justificar a instauração de um processo por incumprimento contra o Reino dos Países Baixos.

26      Antes de mais, a Comissão considerou que, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento Aarhus, o reexame interno não era possível quando se tratasse de medidas ou omissões por parte de uma instituição ou órgão da União agindo na qualidade de instância de recurso administrativo.

27      Em seguida, a Comissão considerou que o processo de denúncia através da ferramenta de complaint handling (tratamento de denúncias) (a seguir «processo CHAP») iniciado pela recorrente podia constituir a primeira etapa conducente à abertura de um processo por infração, no sentido de que permitia à Comissão avaliar os casos de violação potencial da legislação da União pelos Estados‑Membros e tomar as medidas que considerasse adequadas.

28      Além do mais, afirmou que, em aplicação do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Aarhus, os processos por infração não estão abrangidos pelo conceito de ato administrativo na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento Aarhus ou de omissão administrativa na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea h), do referido regulamento, por um lado, e que os processos de tratamento das denúncias só existiam para lhe permitir cumprir a sua missão de guardiã dos Tratados ao abrigo do artigo 17.o TUE e dos artigos 258.o TFUE e seguintes, por outro. Por conseguinte, a Comissão considerou que esses processos de tratamento das denúncias não podiam, ao abrigo do Regulamento Aarhus, ser tratados de maneira diferente dos próprios processos de infração.

29      Além disso, recordou que, em conformidade com o ponto 10 do documento denominado «Procedimentos administrativos para a gestão das relações com os autores das denúncias em matéria de aplicação do direito da União Europeia», anexo à Comunicação da Comissão, intitulada «Direito da [União]: Melhores resultados através de uma melhor aplicação» (JO 2017, C 18, p. 10), tinha informado a recorrente das razões por que propunha encerrar o processo e tinha‑a convidado a apresentar as suas observações.

30      Por último, a Comissão salientou que as cartas da recorrente de 6 e 21 de setembro de 2019 e de 8 de janeiro de 2020 não continham elementos novos pertinentes e que, portanto, tinha encerrado o processo de denúncia.

31      Por estes motivos, a Comissão indeferiu por inadmissível o pedido de reexame interno apresentado pela recorrente.

32      Importa determinar se a Comissão considerou corretamente que o pedido de reexame interno apresentado ao abrigo do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento Aarhus pela recorrente era inadmissível.

33      Em primeiro lugar, impõe‑se examinar se a Comissão agia na qualidade de instância de recurso administrativo nos termos do processo por incumprimento previsto no artigo 258.o TFUE, quando, através da carta de 30 de janeiro de 2020, encerrou o processo de denúncia da recorrente, e, portanto, se, em aplicação do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Aarhus, essa carta não constituía um ato administrativo na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento Aarhus.

34      Na sua denúncia, a recorrente sustentou que o Reino dos Países Baixos tinha violado a Diretiva 2008/50 e, particularmente, o anexo III desta (que diz respeito à avaliação da qualidade do ar e à localização dos pontos de amostragem para a medir), uma vez que a forma como eram medidos os valores‑limite fixados pela referida diretiva estavam em contradição com as disposições desta.

35      Por carta de 30 de janeiro de 2020, a Comissão informou a recorrente de que decidira encerrar o processo de denúncia, com o fundamento de que, nas suas cartas de 6 e 21 de setembro de 2019 e de 8 de janeiro de 2020, esta não tinha apresentado nenhum elemento novo pertinente que pudesse justificar a instauração de um processo por incumprimento contra o Reino dos Países Baixos.

36      As circunstâncias acima recordadas levam a considerar que a decisão da Comissão de encerrar o processo de denúncia da recorrente deve claramente ser entendida no sentido de que expressa a recusa da Comissão de instaurar um processo ao abrigo do artigo 258.o TFUE contra o Reino dos Países Baixos pelo alegado incumprimento das obrigações que incumbem a esse Estado‑Membro por força do direito da União.

37      Esta interpretação é, aliás, confirmada pelo facto de a decisão de encerrar o processo de denúncia ter sido tomada para encerrar o processo CHAP (2019) 2512, a saber, um processo destinado a tratar os pedidos de investigação e as denúncias recebidas pela Comissão a respeito dos incumprimentos do direito da União pelos Estados‑Membros, bem como por diversas menções explícitas da Comissão nesse sentido na sua carta de 30 de janeiro de 2020.

38      Com efeito, depois de ter indicado que não constituía um órgão jurisdicional de recurso das decisões tomadas pelas instâncias jurisdicionais neerlandesas, a Comissão sublinhou inequivocamente que só considerava uma ação contra um Estado‑Membro quando as decisões das suas instituições fossem contrárias ao direito da União. Neste sentido, mencionou de forma clara que, no caso em apreço, não havia indícios suficientes que permitissem justificar a aplicação de um processo por infração.

39      Neste contexto, a recorrente tenta fazer uma distinção entre o processo EU Pilot e o processo CHAP e sustentar que a consideração segundo a qual o processo EU Pilot está indissociavelmente ligado a um processo por incumprimento não pode ser alargada ao processo CHAP.

40      Antes de mais, importa recordar que, segundo a jurisprudência, o processo EU Pilot constitui uma espécie de «precursor» do processo ao abrigo do artigo 258.o TFUE e está, portanto, indissociavelmente ligado a um processo por incumprimento. Com efeito, o juiz da União considerou que, embora não se baseasse nesta disposição, o processo EU Pilot estruturou as diligências tradicionalmente empreendidas pela Comissão quando recebia uma denúncia ou quando agia por iniciativa própria (Acórdão de 25 de setembro de 2014, Spirlea/Comissão, T‑306/12, EU:T:2014:816, n.o 66) e, assim, mais não fez do que formalizar ou estruturar as trocas de informações que ocorriam tradicionalmente entre a Comissão e os Estados‑Membros na fase informal de um inquérito sobre possíveis violações do direito da União (Acórdão de 11 de maio de 2017, Suécia/Comissão, C‑562/14 P, EU:C:2017:356, n.o 43).

41      Recordado isto, coloca‑se a questão de saber se este raciocínio relativo ao processo EU Pilot pode ser alargado ao processo CHAP, iniciado, no caso em apreço, pela recorrente.

42      Não se pode deixar de observar que o processo de denúncia CHAP apresentado pela recorrente constituía uma primeira etapa que podia conduzir à abertura do processo por incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE e que esse processo não tinha outra finalidade senão permitir à Comissão cumprir a sua missão de guardiã dos Tratados ao abrigo do artigo 17.o TUE e do artigo 258.o TFUE.

43      A consideração de que a denúncia apresentada pela recorrente à Comissão apenas pode ser apreendida no contexto de um processo de declaração de incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE é reforçada pela constatação de que o único seguimento favorável que a Comissão poderia ter dado à referida denúncia teria sido, precisamente, instaurar tal processo contra o Reino dos Países Baixos (v., neste sentido, Despachos de 15 de janeiro de 2007, Sellier/Comissão, T‑276/06, não publicado, EU:T:2007:6, n.o 9; de 16 de abril de 2012, F91 Diddeléng e o./Comissão, T‑341/10, não publicado, EU:T:2012:183, n.os 24 e 25; e de 21 de outubro de 2014, Bharat Heavy Electricals/Comissão, T‑374/14, não publicado, EU:T:2014:931, n.o 8).

44      Como sublinhou a recorrente, é certamente verdade que, a par da abertura de um processo EU Pilot ou de um processo por incumprimento, ou de um encerramento do processo de denúncia, o processo CHAP poderia igualmente conduzir a outros mecanismos de resolução dos problemas e que este processo permitiria, assim, prevenir um processo por incumprimento contra o Estado‑Membro em causa.

45      Todavia, por um lado, importa sublinhar que estes mecanismos possíveis de resolução dos problemas, por mais eficazes que sejam, são informais e que o recurso aos mesmos permanece sujeito ao poder discricionário da Comissão. Se esta não estiver satisfeita com o andamento das discussões neste quadro, pode sempre retomar o processo oficial. Ora, se esse processo oficial prosseguir, conduzirá inevitavelmente ao encerramento do processo de denúncia, à abertura de um processo EU Pilot ou à instauração de um processo de declaração de incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE.

46      Por outro lado, a grande semelhança entre o processo CHAP e o processo EU Pilot traduz‑se igualmente no facto de ambos permitirem, além de instaurar um processo por incumprimento contra um Estado‑Membro, evitar a instauração deste processo.

47      Por conseguinte, há que considerar que, tal como o processo EU Pilot, o processo CHAP iniciado pela recorrente estava indissociavelmente ligado a um processo por incumprimento.

48      Em segundo lugar, tendo em conta que o processo de denúncia iniciado pela recorrente constituía a primeira etapa de um processo suscetível de levar a Comissão a instaurar a um processo por incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE e que esta agia, portanto, na qualidade de instância de recurso administrativo no âmbito do processo por incumprimento, a carta de 30 de janeiro de 2020 — que informava a recorrente de que decidia encerrar o processo de denúncia — não podia constituir um ato administrativo suscetível de reexame nos termos do artigo 10.o do Regulamento Aarhus. Com efeito, o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do mesmo regulamento exclui claramente esse ato do conceito de ato administrativo definido no artigo 2.o, n.o 1, alínea g), do referido regulamento.

49      Assim, e contrariamente ao que sustenta a recorrente, o seu pedido de reexame não está abrangido pelo âmbito de aplicação material de um pedido apresentado ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento Aarhus, uma vez que este âmbito está limitado pelo artigo 2.o, n.o 2, do mesmo regulamento.

50      Foi, portanto, com razão que a Comissão indeferiu por inadmissível o pedido de reexame interno, ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento Aarhus, da decisão de encerrar o processo de denúncia CHAP (2019) 2512.

51      A recorrente tenta, em vão, pôr em causa esta conclusão.

52      Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que, ao declarar inadmissível o pedido de reexame, a Comissão impede o Tribunal Geral de se pronunciar sobre as questões ambientais — no caso em apreço, sobre a interpretação correta do anexo III, secção C, da Diretiva 2008/50 — e arrogar‑se‑ia uma competência jurisdicional que não lhe pertence.

53      Esse argumento deve ser rejeitado. Como sublinha acertadamente a Comissão, ela não se apropriou de nenhuma competência jurisdicional, tendo‑se limitado a exercer um poder de apreciação discricionário que lhe é conferido pelo Tratado FUE e por jurisprudência constante. Com efeito, o juiz da União sublinhou que a Comissão dispunha de um poder de apreciação discricionário para instaurar ou não um processo por incumprimento. Os particulares não têm, portanto, o direito de exigir que ela tome posição em determinado sentido. Assim, a Comissão não está obrigada a instaurar um processo ao abrigo do artigo 258.o TFUE. A recorrente que apresentou uma denúncia não tinha, na falta de direitos processuais previstos por disposições do direito da União que lhe permitissem exigir que a Comissão a informasse e a ouvisse, a possibilidade de interpor perante o juiz da União um recurso contra uma eventual decisão de encerrar o seu processo de denúncia (Despachos de 14 de janeiro de 2004, Makedoniko Metro e Michaniki/Comissão, T‑202/02, EU:T:2004:5, n.o 46, e de 19 de novembro de 2014, Mirelta Ingatlanhasznosító/Comissão e Provedor de Justiça, T‑430/14, não publicado, EU:T:2014:996, n.o 6; v., igualmente, neste sentido, Despacho de 17 de julho de 1998, Sateba/Comissão, C‑422/97 P, EU:C:1998:395, n.o 42).

54      O artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Aarhus inscreve‑se na lógica do Tratado FUE — e, particularmente, para o presente processo, do artigo 258.o TFUE — e da jurisprudência constante acima referida no n.o 53, na medida em que prevê que as medidas tomadas ou as omissões ao abrigo dos artigos 258.o e 260.o TFUE estão excluídas dos atos e omissões administrativos que podem ser objeto de reexame ao abrigo do artigo 10.o do mesmo regulamento.

55      Em segundo lugar, a recorrente alega erradamente que, ao considerar que não é possível pedir o reexame de uma tomada de posição da sua parte em resposta a uma denúncia, a Comissão atribui‑se competência exclusiva para as questões relacionadas com o ambiente. Com efeito, o pedido de reexame interno é, no caso em apreço, inadmissível por um motivo claramente especificado no artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Aarhus, a saber, é dirigido contra uma decisão de não instaurar um processo por incumprimento contra um Estado‑Membro.

56      De resto, a recorrente não demonstra de modo nenhum que, fora das hipóteses previstas no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento Aarhus, as denúncias relativas a questões ambientais apresentadas à Comissão teriam o mesmo destino e seriam, assim, todas declaradas inadmissíveis.

57      Em terceiro lugar, por último, a recorrente sustenta em vão que a Comissão tornou, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício, pelas organizações de proteção do ambiente, dos direitos que lhes são conferidos tanto pelo direito da União como pelos tratados internacionais, violou, assim, a ratio legis do Regulamento Aarhus e prejudicou o acesso efetivo à justiça em matéria de ambiente.

58      Com efeito, por um lado, a Comissão respeitou a restrição que o próprio legislador tinha previsto no Regulamento Aarhus, a saber, a de não incluir, entre os atos ou as omissões administrativos suscetíveis de reexame ao abrigo do artigo 10.o do mesmo regulamento, certos atos ou omissões como os adotados por força do artigo 258.o TFUE.

59      Por outro lado, importa recordar que o procedimento de reexame interno do artigo 10.o do Regulamento Aarhus visa facilitar o acesso à justiça das organizações não governamentais — visto que estas não necessitam de invocar um interesse suficiente nem de alegar a violação de um direito para poderem exercer essa prerrogativa, em conformidade com o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE — e que o referido regulamento reconhece, assim, a tais grupos a qualidade de destinatários (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen nos processos apensos Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht, C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2014:310, n.o 124, e do advogado‑geral M. Szpunar no processo TestBioTech e o./Comissão, C‑82/17 P, EU:C:2018:837, n.o 36).

60      Por conseguinte, o procedimento de reexame interno estabelecido no artigo 10.o do Regulamento Aarhus não tem por objeto permitir a impugnação de medidas que, por razões alheias à falta de legitimidade processual das organizações não governamentais, não poderiam ser impugnadas ao abrigo do artigo 263.o TFUE.

61      Tendo em conta o que precede, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, invocada a título subsidiário, relativa, pela via da exceção de ilegalidade, à execução incompleta das obrigações decorrentes do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, lido em conjugação com o seu artigo 1.o, pelo artigo 2.o, n.o 2, alínea b), e pelo artigo 10.o do Regulamento Aarhus, bem como a uma violação do artigo 216.o TFUE

62      Numa segunda parte, a recorrente invoca, a título subsidiário, uma exceção de ilegalidade do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 10.o do Regulamento Aarhus, na medida em que estas disposições não constituem uma execução completa das obrigações decorrentes do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, lido em conjugação com o artigo 1.o da mesma, bem como uma violação do artigo 216.o TFUE.

63      A Comissão — apoiada neste sentido pelo Reino dos Países Baixos, pelo Parlamento e pelo Conselho — contesta os argumentos apresentados pela recorrente.

64      Impõe‑se constatar que o raciocínio da recorrente assenta unicamente na solução adotada pelo Tribunal Geral no seu Acórdão de 14 de junho de 2012, Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht/Comissão (T‑396/09, EU:T:2012:301), e no raciocínio seguido pelo advogado‑geral N. Jääskinen nas suas Conclusões nos processos apensos Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht (C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2014:310).

65      No Acórdão de 14 de junho de 2012, Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht/Comissão (T‑396/09, EU:T:2012:301), o Tribunal Geral tinha considerado que, à semelhança de qualquer outro acordo internacional no qual a União era parte, a Convenção de Aarhus primava sobre os atos de direito derivado da União, que o juiz da União só podia proceder ao exame da validade de uma disposição de um regulamento à luz de um tratado internacional quando a natureza e a sistemática deste último a isso não se opusessem e quando, por outro lado, as suas disposições fossem, do ponto de vista do respetivo conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas.

66      O Tribunal Geral precisou, contudo, referindo‑se nomeadamente aos Acórdãos de 22 de junho de 1989, Fediol/Comissão (70/87, EU:C:1989:254), e de 7 de maio de 1991, Nakajima/Conselho (C‑69/89, EU:C:1991:186), que o Tribunal de Justiça tinha declarado que lhe cabia exercer a fiscalização da legalidade de um ato da União à luz das disposições de um acordo internacional que não fossem suscetíveis de ser invocadas pelo particular em juízo, quando a União tivesse decidido dar execução a uma obrigação particular assumida no quadro desse acordo ou no caso de o ato de direito derivado em causa remeter expressamente para disposições precisas desse acordo. O Tribunal Geral deduziu daí que o juiz da União devia poder proceder à fiscalização da legalidade de um regulamento à luz de um acordo internacional, quando esse regulamento se destinasse a dar execução a uma obrigação imposta por esse acordo às instituições da União (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht/Comissão, T‑396/09, EU:T:2012:301, n.o 54).

67      O Tribunal Geral considerou que esses requisitos estavam preenchidos no processo em causa, uma vez que, por um lado, as recorrentes em primeira instância, que não invocaram o efeito direto das disposições do acordo, punham incidentalmente em causa, em conformidade com o artigo 277.o TFUE, a validade de uma disposição do Regulamento Aarhus à luz da Convenção de Aarhus e que, por outro, este regulamento tinha sido adotado para dar cumprimento às obrigações internacionais da União, previstas no artigo 9.o, n.o 3, desta convenção, conforme resultava do artigo 1.o, n.o 1, e do considerando 18 deste regulamento. Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu que o artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento Aarhus, na medida em que só previa o procedimento de reexame interno para um ato administrativo definido como «qualquer medida de caráter individual» — excluindo, assim, as «medidas de caráter geral» —, não era compatível com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus (Acórdão de 14 de junho de 2012, Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht/Comissão, T‑396/09, EU:T:2012:301, n.os 57, 58 e 69).

68      No âmbito do processo de recurso do acórdão do Tribunal Geral, o advogado‑geral N. Jääskinen considerou, assim, que, atendendo ao seu objetivo e à sua sistemática, o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus constituía, deste modo, em parte, uma norma suficientemente clara para poder servir de base à fiscalização da legalidade no que respeita ao acesso à justiça das organizações dotadas de legitimidade processual nos termos da legislação nacional, ou mesmo da legislação da União, e que, consequentemente, esta disposição podia constituir um critério de referência para efeitos da apreciação da legalidade dos atos das instituições da União (Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen nos processos apensos Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht, C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2014:310, n.o 95).

69      No entanto, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça não seguiu a solução adotada pelo Tribunal Geral e defendida pelo advogado‑geral N. Jääskinen.

70      Com efeito, segundo a jurisprudência, as disposições de um acordo internacional em que a União seja parte só podem ser invocadas em apoio de um recurso de anulação de um ato de direito derivado da União ou de uma exceção de ilegalidade desse ato, por um lado, se a natureza e a economia desse acordo a isso não se opuserem e, por outro, se essas disposições se afigurarem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas (Acórdãos de 3 de junho de 2008, Intertanko e o., C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 45; de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 110; e de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 54).

71      O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus não continha nenhuma obrigação incondicional e suficientemente precisa suscetível de reger diretamente a situação jurídica dos particulares (Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie, C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 45). Com efeito, considerou que, uma vez que só «os membros do público que satisf[izesse]m os critérios estabelecidos no direito interno» eram titulares dos direitos previstos no artigo 9.o, n.o 3, desta convenção, esta disposição estava dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de um ato posterior (Acórdão de 13 de janeiro de 2015, Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht, C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2015:4, n.o 55).

72      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, no qual o artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento Aarhus se baseou, não podia ser invocado para efeitos da apreciação da legalidade deste último (Acórdãos de 13 de janeiro de 2015, Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht, C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2015:4, n.o 61). Esta solução foi várias vezes recordada pelo Tribunal Geral (Acórdãos de 15 de dezembro de 2016, TestBioTech e o./Comissão, T‑177/13, não publicado, EU:T:2016:736, n.o 50, e de 14 de março de 2018, TestBioTech/Comissão, T‑33/16, EU:T:2018:135, n.o 88).

73      Importa salientar que, nos seus articulados, a recorrente reproduziu textualmente o raciocínio seguido pelo advogado‑geral N. Jääskinen nas suas Conclusões nos processos apensos Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht (C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2014:310) e limitou‑se a sublinhar que a posição defendida por este não tinha sido suficientemente tomada em consideração. Todavia, não apresentou nenhum argumento que justifique que o Tribunal Geral se afaste da solução que veio a ser adotada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 13 de janeiro de 2015, Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht (C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2015:4).

74      Decorre do exposto que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus não pode servir de disposição invocável para efeitos da apreciação da legalidade do artigo 10.o do Regulamento Aarhus.

75      Daqui resulta que a alegação relativa à ilegalidade do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 10.o do Regulamento Aarhus à luz do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus deve ser julgada improcedente.

76      Nenhum dos argumentos da recorrente põe em causa esta conclusão.

77      Em primeiro lugar, e pela razão acima indicada no n.o 74, a recorrente invoca em vão as Conclusões do Comité de Avaliação do Cumprimento das Disposições da Convenção de Aarhus de 17 de março de 2017, intituladas «Findings and Recommendations of the Compliance Committee with Regard to Communication ACCC/C/2008/32 (Part II) Concerning Compliance by the European Union» [Conclusões e Recomendações do Comité de Avaliação do Cumprimento a Respeito da Comunicação ACCC/C/2008/32 (Parte II) Relativa ao Cumprimento das Disposições pela União Europeia], segundo as quais a abordagem da Comissão seria contrária às obrigações relativas ao acesso à justiça em matéria de ambiente decorrente da Convenção de Aarhus.

78      Além disso, as constatações que figuram no relatório não concluem expressamente pela ilegalidade da disposição que prevê a inadmissibilidade de um pedido de reexame interno ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento Aarhus relativo à decisão de não instaurar um processo por incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE.

79      Com efeito, nos n.os 106 a 112 das suas conclusões, o Comité de Avaliação exprimiu reservas sobre a conformidade do conceito de instância de recurso administrativo que figura no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento Aarhus. O referido Comité sublinhou que a Convenção de Aarhus excluía do conceito de autoridade pública os «organismos ou instituições que atuem na qualidade de órgãos jurisdicionais ou legislativos», mas não os organismos que atuem na qualidade de «instância de recurso administrativo». O Comité de Avaliação considerou, assim, que a conclusão que daí devia ser retirada era a de que a Convenção de Aarhus fazia uma distinção entre os processos judiciais e administrativos e só excluía as autoridades públicas quando estas atuavam a título judicial, mas não quando atuavam por via de controlo administrativo. O Comité de Avaliação concluiu que, embora não estivesse convencido de que os atos ou as omissões de todas as instâncias de recurso administrativo enumeradas no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento Aarhus, como as do Provedor de Justiça, deviam ser sujeitos a exame ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, tinha dúvidas quanto ao facto de que a exclusão geral de todos os atos administrativos e omissões de instituições que atuam na qualidade de instâncias de recurso administrativo estivesse em conformidade com a referida disposição. No entanto, precisou que não dispunha de exemplos concretos de violações e que não ia ao ponto de declarar o incumprimento da convenção a esse respeito.

80      Por conseguinte, não se pode deduzir destas conclusões que o Comité de Avaliação declarou que a inadmissibilidade de um pedido de reexame interno ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento Aarhus relativo à decisão de não instaurar um processo por incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE não é conforme com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus.

81      Em segundo lugar, no que respeita à alegada violação do artigo 216.o TFUE, não se pode deixar de observar que o raciocínio contido nos articulados da recorrente em nenhum momento faz referência a esta disposição nem precisa as razões da alegada violação desta, como sublinham a Comissão, o Parlamento e o Conselho. Deve, portanto, ser julgada improcedente.

82      Em todo o caso, se se entender a alegada violação do artigo 216.o TFUE como uma consequência do facto de a Comissão não respeitar o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, que vincula as instituições da União e os Estados‑Membros, este argumento deve ser rejeitado.

83      Com efeito, o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus prevê que «cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente». Resulta da redação desta disposição que as partes contratantes dispõem de uma ampla margem de apreciação na definição das modalidades de execução dos referidos processos (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2020, Mellifera/Comissão, C‑784/18 P, não publicado, EU:C:2020:630, n.o 88).

84      Em terceiro lugar, as alegadas violações do artigo 1.o e do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus não constam da descrição do fundamento nem da fundamentação deste e devem, por conseguinte, ser rejeitadas.

85      Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

86      Tendo em conta o exame do primeiro fundamento, há que considerar que é inoperante o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão notificou o Reino dos Países Baixos para corrigir as suas regras internas em matéria de amostragem e que essa notificação constitui uma prova de que o Reino dos Países Baixos não cumpriu as suas obrigações em conformidade com a Diretiva 2008/50.

87      Com efeito, mesmo admitindo que o Reino dos Países Baixos tenha cometido uma infração à Diretiva 2008/50, essa eventual infração não tem incidência na legalidade da decisão recorrida, na medida em que o pedido de reexame foi indeferido por ser inadmissível e não pelo facto de o Reino dos Países Baixos não ter cometido nenhuma infração à referida diretiva.

88      Resulta de tudo o que precede que, tanto na sua primeira parte como na sua segunda parte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 5.o da Convenção de Aarhus, dos artigos 2.o e 8.o da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, dos artigos 2.o e 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, do artigo 3.o, n.o 3, do artigo 9.o, do artigo 168.o, n.o 1, e do artigo 191.o, n.os 1 e 2, TFUE, bem como dos artigos 6.o, 7.o e 23.o e dos anexos III e XI, secção B, da Diretiva 2008/50

89      No âmbito do segundo fundamento, subdividido em quatro partes, a recorrente alega que a Comissão violou o artigo 5.o da Convenção de Aarhus, os artigos 2.o e 8.o da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, os artigos 2.o e 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 3.o, n.o 3, o artigo 9.o, o artigo 168.o, n.o 1, e o artigo 191.o, n.os 1 e 2, TFUE, bem como os artigos 6.o, 7.o e 23.o e os anexos III e XI, secção B, da Diretiva 2008/50.

90      A Comissão, apoiada neste sentido pelo Reino dos Países Baixos, entende que o fundamento é inoperante.

91      Importa recordar que, através da decisão recorrida, a Comissão declarou inadmissível o pedido de reexame da decisão de encerrar o processo de denúncia CHAP (2019) 2512. O fundamento de inadmissibilidade mencionado na decisão recorrida assenta no facto de que, na adoção da referida decisão, a Comissão agiu na qualidade de instância de recurso administrativo na aceção do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento Aarhus e de que, por conseguinte, essa decisão não constituía um ato administrativo na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea g), do referido regulamento.

92      A decisão de encerrar o processo de denúncia não continha, portanto, conclusões definitivas sobre a questão de saber se o Reino dos Países Baixos tinha ou não violado a Diretiva 2008/50. Essa decisão apenas continha uma apreciação da Comissão sobre a possibilidade ou não de instaurar um processo por incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE.

93      Ora, a argumentação desenvolvida pela recorrente no âmbito do segundo fundamento assenta unicamente em argumentos de mérito relativos à violação, pelo Reino dos Países Baixos e, por consequência, pela Comissão, respetivamente, dos critérios de avaliação da qualidade do ar, do critério da exposição e da obrigação de estabelecer um plano relativo à qualidade do ar, previstos pela Diretiva 2008/50, e do direito à vida, consagrado nos artigos 2.o e 8.o da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e nos artigos 2.o e 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, e do direito a um elevado nível de proteção da saúde humana, consagrado no artigo 9.o, no artigo 168.o, n.o 1, e no artigo 191.o, n.o 1, TFUE.

94      Daqui resulta que o fundamento invocado pela recorrente é inoperante.

95      Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

96      Sem que seja necessário apreciar a admissibilidade do pedido da recorrente destinado a remeter o processo à Comissão para que esta o julgue admissível e se pronuncie quanto ao mérito, há que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

97      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que a condenar a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

98      Segundo o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. O Reino dos Países Baixos, o Parlamento e o Conselho suportarão, portanto, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Stichting Comité N 65 Ondergronds Helvoirt é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      O Reino dos Países Baixos, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de dezembro de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.