Language of document : ECLI:EU:T:2006:349

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

16 de Novembro de 2006 (*)

«Marca comunitária – Processo de oposição – Pedido de marca nominativa comunitária Lyco‑A – Admissibilidade do recurso na Câmara de Recurso – Custas do processo – Repartição»

No processo T‑32/04,

Lichtwer Pharma AG, com sede em Berlim (Alemanha), representada por H.Kunz-Hallstein e R.Kunz-Hallstein, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por J.Weberndörfer, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI:

Laboratoire L. Lafon SA, com sede em Maisons-Alfort (França),

que tem por objecto a anulação da decisão da Quarta Câmara de Recurso do IHMI de 13 de Novembro de 2003 (processo R 1007/2002‑4), na medida em que esta decisão se pronuncia sobre a repartição das custas suportadas para efeitos dos processos de oposição e de recurso,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M.Vilaras, presidente, F.Dehousse e D.Šváby, juízes,

secretário: C.Kristensen, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Janeiro de 2004,

vista a contestação do IHMI entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Junho de 2004,

após a audiência de 2 de Fevereiro de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 23 de Junho de 1999, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), alterado (a seguir «Regulamento n.° 40/94»). A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo Lyco‑A para produtos que integram as classes 5, 29 e 30, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado.

2        A Queisser Pharma GmbH & Co. deduziu oposição, nos termos do artigo 42.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, ao registo da marca pedida, com fundamento na marca anterior LYCO PROTECT. Pela decisão n.º 3111/2002, de 30 de Outubro de 2002, a Divisão de Oposição indeferiu a oposição da Queisser Pharma por ausência de risco de confusão. Desta decisão não foi interposto qualquer recurso.

3        O Laboratoire L. Lafon SA deduziu oposição, nos termos do artigo 42.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, ao registo da marca pedida, com fundamento na marca anterior LYOC. Pela decisão n.º 3108/2002, de 30 de Outubro de 2002, a Divisão de Oposição indeferiu a oposição do Laboratoire L. Lafon por ausência de risco de confusão.

4        A Medicom Pharma AG deduziu oposição, nos termos do artigo 42.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, ao registo da marca pedida, com fundamento na marca anterior LYCO Q10. Pela decisão n.º 3110/2002, de 31 de Outubro de 2002, a Divisão de Oposição deferiu a oposição da Medicom Pharma e recusou o registo da marca pedida. Desta decisão não foi interposto qualquer recurso.

5        Em 16 de Dezembro de 2002, o Laboratoire L. Lafon apresentou um requerimento ao IHMI, no qual se indica o seguinte:

«Em conformidade com os artigos 57.°, 58.° e 59.° do [Regulamento n.° 40/94], informamos que o Laboratoire L. Lafon pretende recorrer da [decisão n.º 3108/2002]. Por conseguinte, queiram debitar imediatamente na nossa conta […] a quantia de 800 EUR. As alegações contendo a exposição dos fundamentos do recurso serão apresentadas até 28 de Fevereiro de 2003.»

6        Em 3 de Fevereiro de 2003, o Laboratoire L. Lafon apresentou as alegações contendo a exposição dos fundamentos do recurso.

7        Em 21 de Março de 2003, o IHMI informou a recorrente e o Laboratoire L. Lafon de que a decisão n.º 3110/2002, de 31 de Outubro de 2002, que deferiu a oposição da Medicom Pharma se tinha tornado definitiva.

8        Em 10 de Abril de 2003, a recorrente apresentou um requerimento no qual observou que o recurso tinha deixado de ter fundamento e, em 11 de Abril de 2003, o Laboratoire L. Lafon apresentou um requerimento no qual observou que o processo estava terminado.

9        Por decisão de 13 de Novembro de 2003 (processo R 1007/2002-4) (a seguir «decisão recorrida»), a Quarta Câmara de Recurso concluiu que o processo de recurso tinha ficado sem objecto em razão da recusa definitiva do registo da marca pedida pela recorrente. Na mesma decisão, a Câmara de Recurso condenou ainda a recorrente nas taxas e custas dos processos de oposição e de recurso. No considerando 9 da decisão recorrida, a Câmara de Recurso fundamentou a sua decisão sobre as custas do seguinte modo:

«Uma vez que o pedido de marca comunitária Lyco‑A foi recusado ex tunc, embora num processo distinto, a demandante teria sido igualmente vencida no presente processo. Consequentemente, ficarão a seu cargo as taxas e custas suportadas para efeitos dos processos de oposição e de recurso.»

 Pedidos das partes

10      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o n.° 2 da parte dispositiva da decisão recorrida;

–        condenar o recorrido nas despesas.

11      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

12      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, essencialmente, três fundamentos de anulação. No âmbito do primeiro fundamento, a recorrente invoca uma violação das disposições da regra 48, n.° 1, alínea c), e da regra 49, n.° 1, do Regulamento (CE) n.º 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.º 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária (JO L 303, p. 1), alterado (a seguir «Regulamento n.º 2868/95»), bem como do princípio da igualdade de tratamento, entendendo que se impunha à Câmara de Recurso julgar inadmissível o recurso interposto da decisão da Divisão de Oposição. O segundo fundamento assenta na violação do artigo 81.º, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 e do princípio da equidade, por a Câmara de Recurso ter exercido erradamente o seu poder de apreciação em matéria de repartição das custas do processo. Finalmente, no âmbito do terceiro fundamento, a recorrente considera que o IHMI deveria, em conformidade com as regras 21 e 51 do Regulamento n.º 2868/95, ter restituído às partes metade das taxas de oposição e a totalidade das taxas de recurso. O Tribunal entende que deve examinar em primeiro lugar o segundo fundamento.

 Argumentos das partes

13      A recorrente alega que é errada a fundamentação da decisão recorrida nos termos da qual teria sido a parte vencida no processo litigioso e devia por esse facto suportar as respectivas custas.

14      A recorrente considera, em primeiro lugar, que a Câmara de Recurso aplicou erradamente o artigo 81.°, n.° 4, do Regulamento n.º 40/94. A este respeito, considera que a interpretação desta disposição à luz do direito alemão, que terá servido de exemplo para as correspondentes disposições do regulamento, demonstra que a Câmara de Recurso deveria ter verificado qual seria o resultado provável do processo de oposição pendente entre a recorrente e o Laboratoire L. Lafon. Entende ainda que o facto de deferir uma oposição não pode conduzir à recusa da marca ex tunc, mas apenas ex nunc. Caso contrário, o IHMI deveria restituir, nos casos em que fosse deferida uma oposição, todas as taxas de oposição relativas aos outros processos ainda pendentes, pois o pedido seria considerado como nunca tendo existido. Remete a este respeito para a regra 19, n.° 3, do Regulamento n.º 2868/95. A recorrente considera, por fim, que a regra 21 do Regulamento n.º 2868/95 demonstra que não era intenção do legislador pôr a cargo da parte vencida as custas relativas a todos os processos de oposição pendentes.

15      A recorrente considera, em segundo lugar, que a fundamentação avançada pela Câmara de Recurso não justifica uma derrogação do princípio da equidade. Em seu entender, o princípio da equidade exige que as custas sejam repartidas a meio quando, como no caso em apreço, uma das oposições formuladas contra o mesmo pedido de marca comunitária conduza à sua recusa. Segundo a recorrente, resulta das orientações relativas aos processos perante o IHMI que a condenação na totalidade das custas só constitui a regra quando uma das partes ponha termo ao processo. Recorda que, na página 130 do projecto das orientações relativas ao processo de oposição, vem indicado o seguinte:

«Uma vez que não tenha sido tomada qualquer decisão sobre a matéria de facto, a Divisão de Oposição decide livremente sobre as custas (artigo 81.°, n.° 4, do [Regulamento n.º 40/94]). O Instituto não pode determinar qual das partes foi ‘vencedora ou vencida’ e, portanto, aplicando o princípio da equidade, cada uma das partes deve suportar as suas próprias custas.»

16      O IHMI conclui pela improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

17      Nos termos do artigo 81.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, «[s]e não houver lugar a decisão, […] a Câmara de Recurso decide livremente sobre as custas».

18      Decorre do teor desta disposição que a Câmara de Recurso goza de um amplo poder de apreciação na repartição das custas do processo no âmbito de uma decisão que não conhece do mérito [ver, neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2005, Schäfer/IHMI – KoKa (Mike’s MEALS ON WHEELS), T‑163/04, não publicado na Colectânea, n.° 55]. Nestas circunstâncias, o juiz comunitário não pode substituir a apreciação da Câmara de Recurso pela sua própria apreciação. Porém, incumbe-lhe fiscalizar se, tendo em conta as considerações que a levaram a efectuar a sua apreciação, a Câmara de Recurso não excedeu os limites do seu poder de apreciação e não fez uso deste poder de modo manifestamente errado.

19      Importa recordar que, na decisão recorrida, a Câmara de Recurso começou por constatar que o processo de recurso tinha deixado de ter objecto em razão da recusa definitiva do registo da marca pedida pela recorrente e, seguidamente, condenou-a, com base no base artigo 81.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a pagar as taxas e as custas suportadas para efeitos dos processos de oposição e de recurso.

20      A este respeito, a Câmara de Recurso fundamentou a sua decisão afirmando que, «[u]ma vez que o pedido de marca comunitária [...] foi recusado ex tunc, embora num processo distinto, [a recorrente] teria sido igualmente vencida no presente processo».

21      Desde logo está assente que o processo de oposição que conduziu à recusa da marca pedida pela recorrente e o processo que opunha esta ao Laboratoire L. Lafon, submetido à Câmara de Recurso no caso em apreço, se baseiam em elementos de facto distintos. Donde se conclui que a apreciação do risco de confusão entre as marcas em conflito em cada um destes processos implica a tomada em consideração do conjunto dos elementos de facto e de direito invocados em cada caso pelas partes.

22      Nestas condições, a circunstância de uma oposição ter sido julgada procedente, apesar de privar os processos paralelos do respectivo objecto, não permite de forma alguma determinar qual das partes nestes processos paralelos teria sido vencida. Com efeito, a determinação da parte vencida em determinado processo só pode assentar no objecto e no quadro factual e jurídico desse processo, conforme são definidos pelas pretensões das partes.

23      Há ainda que referir, sem ser necessário apreciar os efeitos de uma decisão de recusa de um pedido de marca, que a condenação do requerente de uma marca, cujo registo foi recusado, a suportar as custas referentes a quaisquer eventuais processos paralelos não pode decorrer automaticamente, como pressupõe a decisão recorrida, da decisão de deferir uma das oposições formuladas contra este pedido.

24      À luz destas considerações, o Tribunal entende que é de forma juridicamente correcta que a recorrente alega que a fundamentação da Câmara de Recurso enferma de erro manifesto, na medida em que considerou que, em razão da recusa do pedido de marca noutro processo de oposição, a recorrente teria sido vencida no processo que a opunha ao Laboratoire L. Lafon e deviam por esse facto ficar a seu cargo as taxas e as custas suportadas para efeitos dos processos de oposição e de recurso. Com esta apreciação, a Câmara de Recurso excedeu os limites do seu poder de apreciação à luz do artigo 81.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

25      Por conseguinte, o n. °2 da parte dispositiva da decisão recorrida deve ser anulado, sem que seja necessário examinar os demais fundamentos invocados pela recorrente.

 Quanto às despesas

26      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo o IHMI sido vencido, há que condená-lo nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide :

1)      O n.° 2 da parte dispositiva da decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 13 de Novembro de 2003 (processo R 1007/2002‑4) é anulado.

2)      O IHMI é condenado nas despesas.

Vilaras

Dehousse

Šváby

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Novembro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Vilaras


* Língua do processo: alemão.