Language of document : ECLI:EU:C:2022:617

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

1 de agosto de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política relativa à imigração — Direito ao reagrupamento familiar — Diretiva 2003/86/CE — Artigo 10.o, n.o 3, alínea a) — Artigo 16.o, n.o 1, alínea b) — Conceito de “filho menor” — Conceito de “vida familiar efetiva” — Adulto que pede o reagrupamento familiar com um menor ao qual foi reconhecido o estatuto de refugiado — Data pertinente para apreciar a qualidade de menor»

Nos processos apensos C‑273/20 e C‑355/20,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha), por Decisões de 23 de abril de 2020, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 22 de junho de 2020 e em 30 de julho de 2020, nos processos

Bundesrepublik Deustschland

contra

SW (C‑273/20),

BL,

BC (C‑355/20),

sendo intervenientes:

Stadt Darmstadt (C‑273/20),

Stadt Chemnitz (C‑355/20),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Passer, F. Biltgen, L. S. Rossi (relatora) e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de SW, por H. Mohrmann, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo neerlandês, por K. Bulterman, A. Hanje e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e D. Schaffrin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 2.o, alínea f), do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), e do artigo 16.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha) a SW, bem como a BL e BC, nacionais sírios, a respeito dos pedidos que estes apresentaram a fim de obterem a emissão de um visto nacional para efeitos de reagrupamento familiar com os seus respetivos filhos, aos quais foi reconhecido o estatuto de refugiado na Alemanha.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos dos considerandos 2, 4, 6, 8 e 9 da Diretiva 2003/86:

«(2)      As medidas relativas ao agrupamento familiar devem ser adotadas em conformidade com a obrigação de proteção da família e do respeito da vida familiar consagrada em numerosos instrumentos de direito internacional. A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente, no artigo 8.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950], e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

[…]

(4)      O reagrupamento familiar é um meio necessário para permitir a vida em família. Contribui para a criação de uma estabilidade sociocultural favorável à integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, o que permite, por outro lado, promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da Comunidade consagrado no Tratado.

[…]

(6)      A fim de assegurar a proteção da família e a manutenção ou a criação da vida familiar, é importante fixar, segundo critérios comuns, as condições materiais necessárias ao exercício do direito ao reagrupamento familiar.

[…]

(8)      A situação dos refugiados requer uma consideração especial devido às razões que obrigaram estas pessoas a abandonar os seus países e que as impedem de neles viverem com as respetivas famílias. Por isso, convém prever, para estas pessoas, condições mais favoráveis para o exercício do direito ao reagrupamento familiar

(9)      O reagrupamento familiar abrangerá de toda a maneira os membros da família nuclear, ou seja, o cônjuge e os filhos menores.»

4        O artigo 1.o da Diretiva 2003/86 tem a seguinte redação:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.»

5        Nos termos do artigo 2.o, alínea f), desta diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

f)      “Menor não acompanhado”: o nacional de um país terceiro ou apátrida, com idade inferior a 18 anos, que tenha entrado no território dos Estados‑Membros não acompanhado por um adulto responsável, por força da lei ou costume, e durante o período em que não se encontre efetivamente a cargo desse adulto, ou o menor que seja abandonado após a sua entrada no território dos Estados‑Membros.»

6        O artigo 4.o da referida diretiva prevê:

«1.      Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, bem como no artigo 16.o, os Estados‑Membros devem permitir a entrada e residência dos seguintes familiares:

[…]

b)      Os filhos menores do requerente do reagrupamento e do seu cônjuge, incluindo os filhos adotados nos termos de decisão tomada pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa, ou de uma decisão automaticamente executória por força das obrigações internacionais contraídas por esse Estado‑Membro, ou que tenha que ser reconhecida nos termos de obrigações internacionais;

[…]

Os filhos menores referidos no presente artigo devem ter idade inferior à da maioridade legal do Estado‑Membro em causa e não ser casados.

[…]

2.      Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, os Estados‑Membros podem, através de disposições legislativas ou regulamentares, autorizar a entrada e residência dos seguintes familiares:

a)      Os ascendentes diretos em primeiro grau do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge, se estiverem a seu cargo e não tiverem o apoio familiar necessário no país de origem;

[…]»

7        O artigo 5.o da mesma diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros determinam se, para exercer o direito ao reagrupamento familiar, cabe ao requerente do reagrupamento ou aos seus familiares apresentar o pedido de entrada e residência às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa.

[…]

5.      Na análise do pedido, os Estados‑Membros devem procurar assegurar que o interesse superior dos filhos menores seja tido em devida consideração.»

8        O artigo 10.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 especifica:

«Se o refugiado for um menor não acompanhado, os Estados‑Membros:

a)      Devem permitir a entrada e residência, para efeitos de reagrupamento familiar, dos seus ascendentes diretos em primeiro grau, sem que sejam aplicáveis os requisitos referidos na alínea a) do n.o 2 do artigo 4.o;

[…]»

9        Nos termos do artigo 13.o, n.os 1 e 2, dessa diretiva:

«1.      Logo que o pedido de entrada para efeitos de reagrupamento familiar seja deferido, o Estado‑Membro em causa deve permitir a entrada do familiar ou familiares. Posto isso, o Estado‑Membro em causa deve facilitar a essas pessoas a obtenção dos vistos necessários.

2.      O Estado‑Membro em causa deve emitir, em favor dos familiares, uma primeira autorização de residência de validade não inferior a um ano. Essa autorização de residência deve ser renovável.»

10      O artigo 15.o da referida diretiva prevê:

«1.      O mais tardar após cinco anos de residência, e desde que não tenha sido concedida ao familiar autorização de residência por motivo distinto do reagrupamento, o cônjuge do requerente do reagrupamento, ou a pessoa que com ele mantém uma união de facto, e os filhos que tiverem atingido a maioridade terão direito, mediante pedido se exigido, a uma autorização de residência autónoma, independente da autorização de residência do requerente do reagrupamento.

Os Estados‑Membros podem restringir a concessão da autorização de residência, a que se refere o primeiro parágrafo, ao cônjuge ou à pessoa que com ele mantém uma união de facto, em caso de rutura dos laços familiares.

2.      Os Estados‑Membros podem conceder uma autorização de residência autónoma aos filhos maiores e aos ascendentes diretos a quem se aplica o n.o 2 do artigo 4.o

[…]

4.      As condições relativas à concessão e ao prazo de validade da autorização de residência autónoma são estabelecidas pela legislação nacional.»

11      O artigo 16.o, n.o 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros podem indeferir um pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar ou, se for caso disso, retirar ou não renovar a autorização de residência de um familiar, nas seguintes circunstâncias:

a)      Quando as condições estabelecidas na presente diretiva não forem ou tiverem deixado de ser cumpridas.

[…]

b)      Quando o requerente do reagrupamento e os seus familiares não tiverem ou tiverem deixado de ter uma vida conjugal ou familiar efetiva;

[…]»

12      Nos termos do artigo 17.o da Diretiva 2003/86:

«Em caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os Estados‑Membros devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no Estado‑Membro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem.»

 Direito alemão

13      A Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet (Lei Relativa à Residência, ao Trabalho e à Integração dos Estrangeiros no Território Federal), de 25 de fevereiro de 2008 (BGBl. 2008 I, p. 162), na sua versão aplicável aos litígios no processo principal (a seguir «AufenthG»), prevê, no seu § 6, n.o 3:

«As estadas de longa duração carecem de visto para o território alemão (visto nacional), emitido antes da entrada no país. A sua emissão rege‑se pelas disposições em vigor em matéria de autorização de residência de duração limitada, de cartão azul europeu, de cartão para uma pessoa objeto de uma transferência dentro das empresas (ICT), de cartão de residente permanente e de autorização de residência de longa duração — UE. […]»

14      O § 25 desta lei, sob a epígrafe «Residência por razões humanitárias», estabelece, no seu n.o 2:

«Deve ser concedida a um estrangeiro uma autorização de residência quando o Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço federal para as migrações e os refugiados) lhe tiver reconhecido o estatuto de refugiado na aceção do § 3, n.o 1, da Asylgesetz (Lei relativa ao asilo) ou o direito à proteção subsidiária na aceção do § 4, n.o 1, da Lei relativa ao asilo. […]»

15      O § 36 da AufenthG, sob a epígrafe «Reagrupamento familiar de progenitores e de outros membros da família», dispõe:

«(1)      Em derrogação do § 5, n.o 1, ponto 1, e do § 29, n.o 1, ponto 2, deve ser concedida uma autorização de residência de duração limitada aos progenitores de um estrangeiro menor que possua uma autorização de residência de duração limitada ao abrigo do § 23, n.o 4, do § 25, n.o 1 ou n.o 2, primeiro período, primeira hipótese, um cartão de residente permanente ao abrigo do § 26, n.o 3, ou um cartão de residente permanente ao abrigo do § 26, n.o 4, após lhe ter sido concedida uma autorização de residência de duração limitada ao abrigo do § 25, n.o 2, primeiro período, segunda hipótese, quando nenhum dos progenitores que exerça o direito de guarda do menor se encontre no território alemão.

(2)      É possível conceder uma autorização de residência de duração limitada para efeitos de reagrupamento familiar a outros membros da família de um estrangeiro, quando for necessário para evitar dificuldades excessivas. O § 30, n.o 3, e o § 31 são aplicáveis mutatis mutandis aos membros da família maiores de idade e o § 34 aos membros da família menores de idade.»

 Litígios no processo principal e questões prejudiciais

16      SW, bem como BL e BC, nacionais sírios, pedem a emissão de um visto nacional para efeitos de reagrupamento familiar com os seus respetivos filhos, aos quais foi reconhecido o estatuto de refugiado.

17      O filho de SW, bem como o de BL e de BC, nascidos, respetivamente, em 18 de janeiro de 1999 e em 1 de janeiro de 1999, chegaram à República Federal da Alemanha em 2015. Em resposta aos seus pedidos de asilo apresentados, respetivamente, em 10 de dezembro de 2015 e em 5 de outubro de 2015, o Serviço Federal para as migrações e os refugiados concedeu‑lhes o estatuto de refugiado, respetivamente, em 15 de julho de 2016 e 10 de dezembro de 2015. Em 15 de agosto de 2016 e em 26 de maio de 2016, respetivamente, a autoridade competente em matéria de estrangeiros concedeu‑lhes uma autorização de residência de duração limitada válida por três anos.

18      Em 4 de outubro de 2016 e em 9 de novembro de 2016, respetivamente, SW, bem como BL e BC requereram à embaixada da República Federal da Alemanha em Beirute vistos nacionais para efeitos de reagrupamento familiar com os seus respetivos filhos, para si próprios e para outros filhos, irmãos e irmãs dos seus filhos que vivem no território alemão. Conforme resulta da decisão de reenvio no processo C‑355/20, por correio eletrónico de 29 de janeiro de 2016, os filhos de BL e BC já tinham apresentado nessa mesma embaixada um pedido de reagrupamento familiar com os seus progenitores.

19      Por Decisões de 2 de março de 2017 e de 28 de março de 2017, a embaixada indeferiu esses pedidos de vistos com o fundamento de que o filho de SW, bem como o de BL e BC tinham entretanto atingido a maioridade, respetivamente, em 18 de janeiro de 2017 e em 1 de janeiro de 2017.

20      O Verwaltungsgericht Berlin (Tribunal Administrativo de Berlim, Alemanha), por Sentenças de 1 de fevereiro de 2019 e de 30 de janeiro de 2019, condenou a República Federal da Alemanha a conceder a SW, bem como a BL e BC, respetivamente, vistos nacionais para efeitos de reagrupamento familiar, ao abrigo das disposições conjugadas do § 6, n.o 3, segundo período, e do § 36, n.o 1, da AufenthG, com o fundamento de que, ao abrigo da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão de 12 de abril de 2018, A e S (C‑550/16, EU:C:2018:248), os seus filhos deviam ser considerados menores.

21      A República Federal da Alemanha interpôs recurso de Revision das Sentenças do Verwaltungsgericht Berlin (Tribunal Administrativo de Berlim) para o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha), invocando uma violação do § 36, n.o 1, da AufenthG. Alega, em substância, que, em conformidade com a jurisprudência do Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal), à data pertinente da decisão do último órgão jurisdicional que se pronuncia sobre o mérito, o filho de SW e o de BL e BC não eram refugiados menores. Em seu entender, a jurisprudência resultante do Acórdão de 12 de abril de 2018, A e S (C‑550/16, EU:C:2018:248), não é transponível para o caso em apreço, uma vez que, no processo que deu origem a esse acórdão, apenas tinha sido tomada uma decisão definitiva quanto ao respeito da exigência relativa à qualidade de menor do refugiado em causa, prevista no artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2003/86, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), da mesma. Afirma que, no referido processo, não se decidiu a questão de saber se deve ser concedido um visto de entrada e residência aos progenitores de um refugiado que atingiu a maioridade, quando, por força do direito nacional, estes não beneficiam de um direito de residência independente do refugiado menor e devem abandonar imediatamente o território do Estado‑Membro em causa.

22      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, com base no direito nacional, SW, bem como BL e BC não têm direito à concessão de um visto para efeitos de reagrupamento familiar com os seus respetivos filhos.

23      Em particular, esse órgão jurisdicional considera que os requisitos previstos no § 36, n.o 1, da AufenthG não estão preenchidos no caso em apreço. Com efeito, em conformidade com jurisprudência constante do Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal), os progenitores de um refugiado menor apenas dispõem de um direito ao reagrupamento familiar com este, ao abrigo desta disposição, quando o filho ainda é menor no momento em que foi tomada a decisão, administrativa ou judicial, relativa ao pedido de reagrupamento familiar. No que respeita a este ponto, o reagrupamento familiar dos progenitores distingue‑se do reagrupamento familiar dos filhos, que não tem limite temporal, uma vez que a autorização de residência de duração limitada concedida a um filho se transforma, quando este atinge a maioridade, num direito de residência autónomo, independente do reagrupamento familiar. Em contrapartida, o direito alemão não concede aos progenitores de um refugiado menor que beneficiaram de um reagrupamento familiar com este o referido direito de residência autónomo quando o filho em causa atinge a maioridade, uma vez que o legislador não fez uso da possibilidade prevista para o efeito no artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86.

24      Além disso, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber à luz de que critérios deve apreciar se está satisfeita a exigência de uma vida familiar efetiva, à qual o artigo 16.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva sujeita o direito ao reagrupamento familiar.

25      Neste contexto, o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, que são formuladas em termos idênticos nos processos C‑273/20 e C‑355/20:

«1      a)      Em caso de reagrupamento familiar com um refugiado menor não acompanhado, na aceção do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), e do artigo 2.o, alínea f), da [Diretiva 2003/86], o facto de que o refugiado continue a ser menor pode constituir uma “condição” na aceção do artigo 16.o n.o l, alínea a), [desta diretiva]? O regime de um Estado‑Membro que apenas concede um direito de residência (derivado) no Estado‑Membro aos progenitores a reagrupar com um refugiado menor não acompanhado, na aceção do artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2003/86, enquanto o refugiado for efetivamente menor é compatível com as disposições acima referidas?

b)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea a): devem as disposições conjugadas do artigo 16.o, n.o 1, alínea a), do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), e do artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2003/86 ser interpretadas no sentido de que um Estado‑Membro cuja legislação limita o direito de residência (derivado) dos progenitores ao período até à maioridade do filho pode indeferir um pedido de entrada e residência para fins de reagrupamento familiar apresentado pelos progenitores que ainda residem num Estado terceiro quando o refugiado atingiu a maioridade antes da decisão definitiva, em processo administrativo ou judicial, sobre um pedido apresentado no prazo de três meses após o reconhecimento do estatuto de refugiado?

2)      No caso de se responder à primeira questão que o reagrupamento familiar não pode ser recusado:

Que requisitos devem ser exigidos relativamente à vida familiar efetiva na aceção do artigo 16.o, n.o l, alínea b), da Diretiva 2003/86 nos casos de reagrupamento familiar dos progenitores com um refugiado que atingiu a maioridade antes da decisão sobre o pedido de entrada e residência para fins de reagrupamento familiar? Designadamente:

a)      É suficiente a ascendência direta em primeiro grau [artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2003/86] ou é igualmente exigível uma vida familiar efetiva?

b)      No caso de também ser necessária uma vida familiar efetiva:

Qual a intensidade da vida familiar exigível? A este respeito, bastam porventura contactos e visitas ocasionais ou regulares, é necessária uma vida em comum na mesma casa ou, além disso, é exigível uma comunidade de assistência mútua no seio da qual os seus membros são interdependentes?

c)      O reagrupamento familiar dos progenitores que ainda se encontram num Estado terceiro e apresentaram um pedido de reagrupamento familiar com um filho reconhecido como refugiado, que entretanto atingiu a maioridade, exige o prognóstico de que, após a entrada no Estado‑Membro, será (r)estabelecida a vida familiar na forma exigida na segunda questão, alínea b)?»

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

26      Por Decisão de 3 de agosto de 2020, o presidente do Tribunal de Justiça perguntou ao órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑273/20 se pretendia manter o seu pedido de decisão prejudicial tendo em conta o Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577). Por Decisão de 20 de agosto de 2020, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de agosto de 2020, o referido órgão jurisdicional informou o Tribunal de Justiça de que pretendia manter esse pedido, na medida em que considerava que o referido acórdão não respondia suficientemente às questões suscitadas no presente processo, precisando que a sua tomada de posição era igualmente válida para o pedido de decisão prejudicial apresentado no processo C‑355/20.

27      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2020, os processos C‑273/20 e C‑355/20 foram apensados para efeitos das fases escritas e oral, bem como do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

28      Com a primeira parte da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 16.o, n.o l, alínea a), da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de reagrupamento familiar de progenitores com um refugiado menor não acompanhado, nos termos do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), da mesma, o facto de esse refugiado ainda ser menor à data da decisão relativa ao pedido de entrada e residência para efeito de reagrupamento familiar apresentado pelos progenitores do requerente do reagrupamento constitui uma «condição» na aceção do referido artigo 16.o, n.o 1, alínea a), cuja inobservância permite aos Estados‑Membros indeferir tal pedido. Esse órgão jurisdicional pergunta igualmente se estas disposições devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, nesse caso, o direito de residência dos progenitores em causa cessa assim que o filho atinge a maioridade.

29      A este respeito, importa antes de mais sublinhar que, conforme foi recordado nos n.os 17 a 19 do presente acórdão, em 15 de julho de 2016 e em 10 de dezembro de 2015, respetivamente, as autoridades alemãs concederam o estatuto de refugiado ao filho de SW, bem como ao de BL e BC. Em 4 de outubro de 2016, ou seja, nos três meses seguintes ao reconhecimento do estatuto de refugiado do seu filho, SW apresentou um pedido de visto nacional para efeitos de reagrupamento familiar com o seu filho, quando este ainda era menor. De igual modo, no que respeita a BL e BC, embora o seu pedido de visto nacional só tenha sido apresentado em 9 de novembro de 2016, segundo as explicações do órgão jurisdicional de reenvio, o pedido de reagrupamento familiar já tinha sido apresentado pelo seu filho em 29 de janeiro de 2016, ou seja, nos três meses seguintes ao reconhecimento do estatuto de refugiado do seu filho menor. Estes pedidos apenas foram indeferidos por Decisões de 2 de março de 2017 e de 28 de março de 2017, com o fundamento de que o filho de SW, bem como o de BL e BC tinham entretanto atingido a maioridade, respetivamente, em 18 de janeiro de 2017 e em 1 de janeiro de 2017.

30      A fim de responder à primeira parte da primeira questão, há que recordar que o objetivo da Diretiva 2003/86 é, nos termos do seu artigo 1.o, estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.

31      A este respeito, resulta do considerando 8 desta diretiva que a mesma prevê, para os refugiados, condições mais favoráveis para o exercício desse direito ao reagrupamento familiar, uma vez que a sua situação requer uma consideração especial devido às razões que obrigaram estas pessoas a abandonar os seus países e que as impedem de neles viverem com as respetivas famílias.

32      Uma dessas condições mais favoráveis diz respeito ao reagrupamento familiar com os ascendentes diretos em primeiro grau do refugiado. Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, ao passo que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2003/86, a possibilidade desse reagrupamento é, em princípio, deixada ao critério de cada Estado‑Membro e está sujeita, nomeadamente, à condição de os ascendentes diretos em primeiro grau estarem a cargo do requerente e não terem o apoio familiar necessário no país de origem, o artigo 10.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva prevê, em derrogação a este princípio, que os ascendentes diretos em primeiro grau têm o direito a tal reagrupamento com o refugiado menor não acompanhado, o qual não está sujeito nem a uma margem de apreciação por parte dos Estados‑Membros nem às condições previstas nesse artigo 4.o, n.o 2, alínea a) (Acórdão de 12 de abril de 2018, A e S, C‑550/16, EU:C:2018:248, n.os 33 e 34).

33      A este respeito, o conceito de «menor não acompanhado», que, no âmbito da Diretiva 2003/86, só é utilizado no referido artigo 10.o, n.o 3, alínea a), é definido no artigo 2.o, proémio e alínea f), desta diretiva. Embora esta última disposição indique que se deve entender por «menor não acompanhado» o nacional de um país terceiro ou apátrida que tenha, nomeadamente, idade inferior a 18 anos, não precisa o momento que deve ser tido em consideração para apreciar se esta condição está preenchida nem remete, a este respeito, para o direito dos Estados‑Membros, tendo o Tribunal de Justiça já declarado, em tais circunstâncias, que não pode ser concedida aos Estados‑Membros nenhuma margem de manobra quanto à fixação do momento que deve ser tido em consideração para apreciar a idade do refugiado menor não acompanhado para efeitos do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2003/86 (v., neste sentido, Acórdão de 12 de abril de 2018, A e S, C‑550/16, EU:C:2018:248, n.os 39 a 45).

34      Com efeito, há que recordar que, em conformidade com as exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade, uma disposição deste direito que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance deve normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo nomeadamente em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.os 29 e 30 e jurisprudência referida].

35      A este respeito, há que recordar que o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/86 é favorecer o reagrupamento familiar e que esta diretiva visa, além disso, conferir proteção aos nacionais de países terceiros, nomeadamente aos menores [Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 25 e jurisprudência referida].

36      Além disso, nos termos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), quando apliquem o direito da União, os Estados‑Membros devem respeitar os direitos e observar os princípios consagrados na Carta e promover a sua aplicação, de acordo com as respetivas competências e na observância dos limites das competências da União tal como lhe são conferidas pelos Tratados.

37      A este respeito, há que recordar que incumbe aos Estados‑Membros, nomeadamente aos seus órgãos jurisdicionais, não só interpretarem o seu direito nacional em conformidade com o direito da União mas também evitarem basear‑se numa interpretação de um diploma de direito derivado que seja suscetível de entrar em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União [Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o33 e jurisprudência referida].

38      Em particular, o artigo 7.o da Carta reconhece o direito ao respeito pela vida privada e familiar. Segundo jurisprudência constante, este artigo 7.o deve ser lido em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, reconhecido no artigo 24.o, n.o 2, da referida Carta, e tendo em conta a necessidade da criança de manter regularmente relações pessoais com ambos os progenitores expressa no artigo 24.o, n.o 3 da mesma [Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 34 e jurisprudência referida].

39      Daqui decorre que as disposições da Diretiva 2003/86 devem ser interpretadas e aplicadas à luz do artigo 7.o e do artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, como, de resto, decorre dos termos do considerando 2 e do artigo 5.o, n.o 5, da referida diretiva, que impõem aos Estados‑Membros a obrigação de examinarem os pedidos de reagrupamento familiar no interesse das crianças em causa e com o intuito de favorecer a vida familiar [Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 35 e jurisprudência referida].

40      No caso em apreço, resulta dos pedidos de decisão prejudicial que o direito alemão exige que o menor refugiado não acompanhado tenha idade inferior a 18 anos não só no momento da apresentação pelo ascendente direto em primeiro grau do seu pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar, mas igualmente à data em que as autoridades nacionais competentes ou os órgãos jurisdicionais nacionais eventualmente implicados se pronunciem sobre esse pedido.

41      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86, lido em conjugação com o artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que deve ser qualificado de «menor», na aceção desta disposição, o nacional de um país terceiro ou o apátrida com idade inferior a 18 anos no momento da sua entrada no território de um Estado‑Membro e da apresentação do seu pedido de asilo nesse Estado, mas que, no decurso do processo de asilo, atinge a maioridade e ao qual é, posteriormente, reconhecido o estatuto de refugiado (Acórdão de 12 de abril de 2018, A e S, C‑550/16, EU:C:2018:248, n.o 64).

42      Neste contexto, há que referir, em primeiro lugar que, em conformidade com jurisprudência constante, considerar a data em que a autoridade competente do Estado‑Membro em causa decide do pedido de entrada e residência no território desse Estado para efeitos de reagrupamento familiar como data de referência para apreciar a idade do requerente ou, consoante o caso, do requerente do reagrupamento para efeitos de aplicação do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2003/86 não seria conforme nem com os objetivos prosseguidos por essa diretiva nem com as exigências decorrentes do artigo 7.o da Carta, relativo ao respeito pela vida privada, e do artigo 24.o, n.o 2, da Carta, dado que esta última disposição exige que todos os atos relativos às crianças, nomeadamente os praticados pelos Estados‑Membros ao aplicarem a referida diretiva, terão primordialmente em conta o interesse superior da criança [v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 36].

43      Com efeito, as autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais competentes não seriam incitados a tratar os pedidos dos menores com prioridade, com a urgência necessária à tomada em consideração da sua vulnerabilidade, e poderiam, assim, atuar de forma a pôr em risco o direito à vida familiar tanto do progenitor com o seu filho menor, como deste último com um membro da sua família [v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Membro da família), C‑768/19, EU:C:2021:709, n.o 40 e jurisprudência referida].

44      Em segundo lugar, tal interpretação também não permitiria garantir, em conformidade com os princípios da igualdade de tratamento e da segurança jurídica, um tratamento idêntico e previsível a todos os requerentes que se encontrem cronologicamente na mesma situação, na medida em que levaria a tornar o sucesso do pedido de reagrupamento familiar dependente principalmente de circunstâncias imputáveis à Administração ou aos órgãos jurisdicionais nacionais, em especial da maior ou menor celeridade no tratamento do pedido ou na decisão do recurso interposto de uma decisão de indeferimento de tal pedido, e não de circunstâncias imputáveis ao requerente [v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 42 e jurisprudência referida].

45      Além disso, a referida interpretação, na medida em que teria como efeito fazer depender o direito ao reagrupamento familiar de circunstâncias aleatórias e imprevisíveis, totalmente imputáveis às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes do Estado‑Membro em causa, poderia levar a diferenças significativas no tratamento dos pedidos de reagrupamento familiar entre os Estados‑Membros e no interior de um mesmo Estado‑Membro [v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 43].

46      Nestas condições, há que considerar que, em caso de reagrupamento familiar dos progenitores com um refugiado menor não acompanhado, na aceção do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2003/86, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), da mesma, a data da decisão relativa ao pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar apresentado pelos progenitores do requerente do reagrupamento não é determinante para apreciar a qualidade de menor do refugiado em causa.

47      Por conseguinte, o facto de esse refugiado ainda ser menor nessa data não constitui uma «condição», na aceção do artigo 16.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva, cuja inobservância permite aos Estados‑Membros indeferir esse pedido, sob pena de contradizer a interpretação, recordada no n.o 41, que o Tribunal de Justiça fez do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86, lido em conjugação com o artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da mesma.

48      A este respeito, importa assinalar que, como o Tribunal de Justiça já declarou, a idade do requerente ou, consoante o caso, do requerente do reagrupamento não pode ser considerada uma condição material para o exercício do direito ao reagrupamento familiar, na aceção do considerando 6 e do artigo 1.o da Diretiva 2003/86, como as condições previstas nomeadamente no âmbito do capítulo IV desta diretiva, que são referidas no artigo 16.o, n.o 1, da mesma. Com efeito, contrariamente a estas últimas, a condição da idade é uma condição da própria admissibilidade do pedido de reagrupamento familiar, cuja evolução é certa e previsível, e que, por isso, só pode ser apreciada na data da apresentação desse pedido [v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, Estado belga (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 46].

49      Daqui resulta que o artigo 16.o, n.o l, alínea a), da Diretiva 2003/86 se opõe a uma regulamentação nacional que exige, em caso de reagrupamento familiar dos progenitores com um refugiado menor não acompanhado, nos termos do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), da mesma, que esse refugiado ainda seja menor à data da decisão relativa ao pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar apresentado pelos progenitores do requerente do reagrupamento.

50      No que respeita à questão de saber se é permitido limitar o direito de residência dos progenitores em causa ao período em que o requerente do reagrupamento ainda é menor, há que salientar que, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86, lido em conjugação com o n.o 1 deste artigo, os Estados‑Membros são obrigados, logo que o pedido de reagrupamento familiar seja deferido, a emitir, em favor dos familiares, uma primeira autorização de residência de validade não inferior a um ano.

51      Decorre desta disposição que, mesmo na hipótese de o reagrupamento familiar ter sido pedido pelos progenitores de um refugiado menor que entretanto atingiu a maioridade, deve ser concedida a esses progenitores, se o seu pedido for deferido, uma autorização de residência válida não inferior a um ano, sem que o facto de o filho beneficiário do estatuto de refugiado atingir a maioridade possa levar a reduzir a duração dessa autorização de residência [v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Membro da família), C‑768/19, EU:C:2021:709, n.o 63]. Assim, em tais circunstâncias, é contrário à referida disposição apenas conceder aos progenitores um direito de residência enquanto esse filho for efetivamente menor.

52      Tendo em consideração o exposto, há que responder à primeira parte da primeira questão que o artigo 16.o, n.o l, alínea a), da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de reagrupamento familiar de progenitores com um refugiado menor não acompanhado, nos termos do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), da mesma, o facto de esse refugiado ainda ser menor à data da decisão relativa ao pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar apresentado pelos progenitores do requerente do reagrupamento não constitui uma «condição» na aceção do referido artigo 16.o, n.o 1, alínea a), cuja inobservância permita aos Estados‑Membros indeferir tal pedido. Além disso, estas disposições, lidas à luz do artigo 13.o, n.o 2, da referida diretiva, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, em tal situação, o direito de residência dos progenitores em causa cessa assim que o filho atinge a maioridade.

53      Atendendo à resposta à primeira parte da primeira questão, não há que responder à segunda parte desta questão, uma vez que foi submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio apenas em caso de resposta afirmativa à primeira parte da referida questão.

 Quanto à segunda questão

54      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, quais são os requisitos exigidos para considerar que existe uma vida familiar efetiva, na aceção do artigo 16.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/86, nos casos de reagrupamento familiar de um progenitor com um filho menor ao qual foi reconhecido o estatuto de refugiado, quando esse filho atingiu a maioridade antes da adoção da decisão relativa ao pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar apresentado por esse progenitor.

55      Em particular, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que esclareça se, para esse efeito, a ascendência direta em primeiro grau é suficiente ou se é igualmente necessária uma vida familiar efetiva, e, nesse caso, qual deve ser a sua intensidade. Esse órgão jurisdicional pergunta também se um reagrupamento familiar exige que, após a entrada do progenitor no território do Estado‑Membro em causa, a vida familiar seja restabelecida neste último Estado‑Membro.

56      A este respeito, importa recordar que o artigo 16.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/86 permite aos Estados‑Membros indeferir um pedido de reagrupamento familiar, retirar ou não renovar a autorização de residência concedida, quando o requerente do reagrupamento e os seus familiares não tiverem ou tiverem deixado de ter uma vida conjugal ou familiar efetiva. No entanto, esta disposição não fixa critérios que permitam apreciar a existência de tais laços familiares efetivos nem impõe nenhuma exigência específica no que respeita à intensidade das relações familiares em causa. Além disso, também não remete, quanto a este ponto, para o direito dos Estados‑Membros.

57      Como foi recordado no n.o 34 do presente acórdão, em conformidade com as exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade, uma disposição deste direito que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance deve normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo nomeadamente em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa.

58      Ora, há que salientar que a Diretiva 2003/86, em conformidade com o seu considerando 6, visa assegurar a proteção da família e a manutenção ou a criação da vida familiar através do reagrupamento familiar. Além disso, em conformidade com o considerando 4 desta diretiva, o reagrupamento familiar é um meio necessário para permitir a vida em família e contribui para a criação de uma estabilidade sociocultural.

59      Por outro lado, como foi recordado no n.o 39 do presente acórdão, as medidas relativas ao reagrupamento familiar, incluindo as previstas no artigo 16.o dessa diretiva, devem respeitar os direitos fundamentais, nomeadamente o direito ao respeito pela vida privada e familiar garantido pelo artigo 7.o e pelo artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, que impõem aos Estados‑Membros a obrigação de examinarem os pedidos de reagrupamento familiar no interesse das crianças em causa e com o intuito de favorecer a vida familiar.

60      Importa igualmente recordar que, segundo o considerando 8 da Diretiva 2003/86, a situação dos refugiados requer uma consideração especial devido às razões que obrigaram estas pessoas a abandonar os seus países e que as impedem de neles viverem com as respetivas famílias. É por esta razão que a referida diretiva prevê condições mais favoráveis para os refugiados e os seus ascendentes diretos em primeiro grau no que respeita ao exercício do seu direito ao reagrupamento familiar.

61      Por último, a apreciação das condições exigidas para que se possa considerar que existe uma vida familiar efetiva, na aceção do artigo 16.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/86, requer a realização de uma avaliação casuística, como resulta, aliás, do artigo 17.o desta diretiva, com o auxílio de todos os fatores pertinentes em cada caso concreto e à luz dos objetivos prosseguidos pela referida diretiva.

62      Para o efeito, a mera ascendência direta em primeiro grau não basta para estabelecer um laço familiar efetivo. De facto, embora as disposições pertinentes da Diretiva 2003/86 e da Carta protejam o direito a uma vida familiar e promovam a sua preservação, deixam, desde que os interessados continuem a ter uma vida familiar efetiva, aos titulares desse direito o cuidado de decidir das modalidades segundo as quais pretendem ter a sua vida familiar e não impõem, em especial, nenhuma exigência no que respeita à intensidade da sua relação familiar [v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Membro da família), C‑768/19, EU:C:2021:709, n.o 58].

63      No caso em apreço, por um lado, é pacífico que o filho de SW, bem como o de BL e BC ainda eram menores no momento em que foram obrigados a abandonar o seu país de origem e que estes progenitores, em conjunto com os seus filhos menores, constituíam assim famílias nucleares para efeitos do considerando 9 da Diretiva 2003/86, as quais são, segundo o mesmo considerando, abrangidas «de toda a maneira» pelo reagrupamento familiar. Ora, sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, nada parece indicar que os interessados não tinham, durante o período anterior à fuga do seu respetivo filho, uma vida familiar efetiva.

64      Por outro lado, há que ter em conta o facto de que, no caso em apreço, SW, bem como BL e BC e seus respetivos filhos não puderam ter uma verdadeira vida familiar durante o período em que estiveram separados em razão, nomeadamente, da situação específica dos seus filhos enquanto refugiados, de modo que, por conseguinte, esta circunstância não é, enquanto tal, suscetível de servir de base à conclusão da inexistência de vida familiar efetiva na aceção do artigo 16.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/86. De resto, também não é possível presumir que toda a vida familiar entre um progenitor e o seu filho deixa de existir imediatamente assim que o filho menor atinge a maioridade.

65      Dito isto, a existência de uma vida familiar efetiva pressupõe a demonstração da realidade do laço familiar ou da vontade de estabelecer ou manter esse laço.

66      Assim, o facto de os interessados tencionarem fazer visitas ocasionais, na medida em que sejam possíveis, e manter contactos regulares de qualquer tipo, tendo em conta, nomeadamente, as circunstâncias materiais que caracterizam a situação das pessoas em causa, entre as quais a idade do filho, pode ser suficiente para se considerar que essas pessoas restabelecem relações pessoais e afetivas e para comprovar a existência de uma vida familiar efetiva.

67      Além disso, como o Tribunal de Justiça igualmente declarou, também não se pode exigir que o filho que requer o reagrupamento e o seu progenitor se apoiem mutuamente em termos financeiros, uma vez que é provável que não disponham dos meios materiais para o fazer [v., por analogia, Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Reagrupamento familiar de um jovem que atingiu a maioridade), C‑279/20, EU:C:2022:XXX, n.o 68].

68      Tendo em consideração o exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 16.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que a mera ascendência direta em primeiro grau não é suficiente para se considerar que existe uma vida familiar efetiva, na aceção desta disposição, no caso do reagrupamento familiar de um progenitor com um filho menor ao qual foi reconhecido o estatuto de refugiado, quando esse filho atingiu a maioridade antes da adoção da decisão relativa ao pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar apresentado por esse progenitor. No entanto, não é necessário que o menor que requer o reagrupamento e o progenitor em causa coabitem no mesmo lar ou vivam sob o mesmo teto para que esse progenitor possa beneficiar do reagrupamento familiar. As visitas ocasionais, na medida em que sejam possíveis, e os contactos regulares de qualquer tipo podem ser suficientes para se considerar que essas pessoas restabelecem relações pessoais e afetivas e para comprovar a existência de uma vida familiar efetiva. Além disso, também não se pode exigir que o filho que requer o reagrupamento e o progenitor em causa se apoiem mutuamente em termos financeiros.

 Quanto às despesas

69      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 16.o, n.o l, alínea a), da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de reagrupamento familiar de progenitores com um refugiado menor não acompanhado, nos termos do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), da mesma, o facto de esse refugiado ainda ser menor à data da decisão relativa ao pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar apresentado pelos progenitores do requerente do reagrupamento não constitui uma «condição» na aceção do referido artigo 16.o, n.o 1, alínea a), cuja inobservância permite aos EstadosMembros indeferir tal pedido. Além disso, estas disposições, lidas à luz do artigo 13.o, n.o 2, da referida diretiva, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, em tal situação, o direito de residência dos progenitores em causa cessa assim que o filho atinge a maioridade.

2)      O artigo 16.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que a mera ascendência direta em primeiro grau não é suficiente para se considerar que existe uma vida familiar efetiva, na aceção desta disposição, no caso do reagrupamento familiar de um progenitor com um filho menor ao qual foi reconhecido o estatuto de refugiado, quando esse filho atingiu a maioridade antes da adoção da decisão relativa ao pedido de entrada e residência para efeitos de reagrupamento familiar apresentado por esse progenitor. No entanto, não é necessário que o menor que requer o reagrupamento e o progenitor em causa coabitem no mesmo lar ou vivam sob o mesmo teto para que esse progenitor possa beneficiar do reagrupamento familiar. As visitas ocasionais, na medida em que sejam possíveis, e os contactos regulares de qualquer tipo podem ser suficientes para se considerar que essas pessoas restabelecem relações pessoais e afetivas e para comprovar a existência de uma vida familiar efetiva. Além disso, também não se pode exigir que o filho que requer o reagrupamento e o progenitor em causa se apoiem mutuamente em termos financeiros.

 

Assinaturas      

 

*      Língua do processo: alemão.