Language of document : ECLI:EU:T:2019:1

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

10 de janeiro de 2019 (*)

«Função pública — Agentes temporários — Artigo 2.o, alínea c), do Regime aplicável aos outros agentes — Contrato por tempo indeterminado — Despedimento — Quebra da relação de confiança — Direito de ser ouvido — Ónus da prova»

No processo T‑160/17,

RY, antigo agente temporário da Comissão Europeia, representado inicialmente por J.‑N. Louis e N. de Montigny e, em seguida, por J.‑N. Louis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Berscheid e L. Radu Bouyon, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 270.o TFUE e destinado à anulação da Decisão da Comissão, de 27 de abril de 2016, que rescinde o contrato por tempo indeterminado do recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise, R. da Silva Passos, K. Kowalik‑Bańczyk e M. C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de setembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O recorrente, RY, entrou ao serviço da Comissão Europeia em 1 de novembro de 2014, como agente temporário recrutado nos termos do artigo 2.o, alínea c), do Regime aplicável aos outros agentes da União Europeia (a seguir «ROA»), ao abrigo de um contrato por tempo indeterminado.

2        Em conformidade com os artigos 2.o e 3.o do contrato de trabalho assinado pelo diretor‑geral da Direção‑Geral dos Recursos Humanos e da Segurança da Comissão em 11 de dezembro de 2014, o recorrente exerceu, a partir de 1 de novembro de 2014, a função de chefe de gabinete adjunto de um membro da Comissão, sendo classificado no grau AD 12, escalão 2.

3        Em aplicação de um aditamento ao contrato de trabalho assinado em 2 de outubro de 2015 com efeitos a partir de 1 de outubro anterior, as funções do recorrente foram alteradas, tendo este passado a ocupar o lugar de perito no gabinete do membro da Comissão, sendo classificado no grau AD 13, escalão 2.

4        Por decisão do diretor‑geral da Direção‑Geral dos Recursos Humanos e da Segurança de 27 de abril de 2016 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão rescindiu o contrato de agente temporário do recorrente ao abrigo do artigo 47.o, alínea c), i), do ROA, com efeitos a partir de 1 de agosto de 2016. Essa decisão previa a execução de um pré‑aviso de três meses, no período de 1 de maio de 2016 a 31 de julho de 2016, durante a qual o recorrente devia ser colocado à disposição de uma direção‑geral. Tendo em conta a baixa por doença do recorrente durante o período de pré‑aviso, este terminou efetivamente em 30 de outubro de 2016.

5        Em 27 de julho de 2016, o recorrente apresentou à entidade habilitada a celebrar contratos de recrutamento (a seguir «EHCC») da Comissão uma reclamação contra a decisão impugnada, ao abrigo do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia. Em apoio da sua reclamação, o recorrente invocou, por um lado, a violação do artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e, por outro, a violação do artigo 2.o, alínea c), do ROA.

6        No que diz respeito à alegada violação do artigo 41.o da Carta, o recorrente afirmava, na sua reclamação, que a decisão impugnada estava viciada por uma falta total de fundamentação e pela violação do direito de ser ouvido. Sob o título B, com a epígrafe «Quanto ao mérito», da reclamação, o recorrente, no ponto 1, afirmava nomeadamente que não tinha sido informado dos motivos que levaram a pôr termo ao seu contrato, pelo que não lhe tinha sido dada a oportunidade de expor junto da EHCC os elementos que viciavam a decisão impugnada. No ponto 2 do mesmo título, acrescentava que nem o membro da Comissão em causa nem qualquer outra pessoa o tinha informado de uma quebra da relação de confiança.

7        Por decisão de 28 de novembro de 2016 (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»), a vice‑presidente da Comissão, responsável pelo orçamento e pelos recursos humanos, na qualidade de EHCC, indeferiu a reclamação do recorrente.

8        Nessa decisão, a EHCC considerou que a obrigação de ouvir o interessado previamente a um despedimento não se impunha quando, como no caso em apreço, em que estava em causa um agente temporário recrutado com fundamento no artigo 2.o, alínea c), do ROA, a decisão que pôs termo ao contrato foi tomada devido a uma quebra da relação de confiança. A EHCC considerou, em todo o caso, que o argumento relativo à violação dos direitos de defesa devia ser rejeitado, uma vez que tinha sido dada ao recorrente a oportunidade de apresentar o seu ponto de vista sobre a sua partida do gabinete, nomeadamente no decurso de reuniões organizadas em setembro e em dezembro de 2015.

9        Além disso, a EHCC considerou que a decisão impugnada estava devidamente fundamentada. A este respeito, a EHCC indicou, nomeadamente, que o recorrente tinha sido informado várias vezes de que o seu desempenho não era satisfatório e que a possibilidade de pôr termo ao seu contrato tinha sido evocada pelo menos duas vezes no durante conversas com o chefe de gabinete, por um lado, e com o membro da Comissão, por outro. A EHCC acrescentou que a decisão de indeferimento da reclamação fornecia ao recorrente elementos de fundamentação suplementares.

 Tramitação processual e pedidos das partes

10      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de março de 2017, o recorrente interpôs o presente recurso.

11      Sob proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do seu Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

12      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito de uma medida de organização do processo, convidar as partes a concentrarem as suas alegações na questão da procedência ou não do fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, da Carta, e, admitindo que tal fundamento fosse procedente, sobre as modalidades de execução do direito de ser ouvido, em especial no que se refere aos papéis respetivos do membro da Comissão em causa e da EHCC.

13      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 12 de setembro de 2018.

14      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

16      O recorrente invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação do direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta. O segundo fundamento é relativo à violação pela Administração do dever de fundamentação, previsto no artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta.

17      Antes de mais, importa examinar o fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido.

18      Em apoio deste fundamento, o recorrente alega, nomeadamente, que ninguém o informou de uma qualquer quebra da relação de confiança antes da adoção da decisão impugnada e que a Comissão não apresentou prova em apoio das suas alegações relativas às conversas que tiveram lugar com o membro da Comissão e com o chefe de gabinete, em especial nos meses de setembro e de dezembro de 2015.

19      A Comissão contesta as afirmações do recorrente. Alega, nomeadamente, que a adoção de uma decisão que põe termo, devido a uma quebra da relação de confiança, a um contrato celebrado com base no artigo 2.o, alínea c), do ROA não pressupõe a audição prévia do interessado e que, em todo o caso, o membro da Comissão e o chefe de gabinete ouviram o recorrente várias vezes antes da adoção da decisão impugnada.

 Quanto à procedência do fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta

20      Nos termos do artigo 41.o da Carta, com a epígrafe «Direito a uma boa administração»:

«1.      Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.

2.      Este direito compreende, nomeadamente:

a)      O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente […]»

21      Há que referir que, como resulta da sua própria letra, esta disposição é de aplicação geral (Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 84).

22      Também o Tribunal de Justiça sempre afirmou a importância do direito de ser ouvido e o seu alcance muito lato na ordem jurídica da União Europeia, ao considerar que este direito deve ser aplicado a qualquer processo que possa ter como resultado um ato lesivo (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 85 e jurisprudência referida).

23      Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito do referido direito impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 86 e jurisprudência referida).

24      O direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 87 e jurisprudência referida).

25      A fim de assegurar uma proteção efetiva da pessoa em causa, esse direito tem, designadamente, por objeto permitir que esta última possa corrigir um erro ou invocar determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militem no sentido de que a decisão seja tomada, não seja tomada ou possua determinado conteúdo (Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 37).

26      O direito de ser ouvido implica igualmente que a Administração preste toda a atenção necessária às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 88 e jurisprudência referida).

27      O referido direito deve assim permitir à Administração instruir o processo de maneira a tomar uma decisão com pleno conhecimento de causa e fundamentá‑la adequadamente, a fim de que, sendo caso disso, o interessado possa validamente exercer o seu direito de recurso (v. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 59).

28      Por último, a existência de uma violação do direito de ser ouvido deve ser apreciada em função, designadamente, das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, M., C‑560/14, EU:C:2017:101, n.o 33 e jurisprudência referida).

29      No caso em apreço, é pacífico que a decisão impugnada, que pronuncia a rescisão do contrato de agente temporário do recorrente, constitui uma medida individual, tomada contra este último e que o afeta desfavoravelmente, na aceção do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

30      No entanto, a Comissão sublinha o papel especial das pessoas que exercem funções nos gabinetes dos membros da Comissão. Alega que, na medida em que essas pessoas devem ter a confiança do membro da Comissão a que estão ligadas, a adoção de uma decisão que põe termo, devido à quebra do vínculo de confiança, a um contrato celebrado com base no artigo 2.o, alínea c), do ROA não pressupõe a audição prévia do interessado.

31      A este respeito, é verdade que um membro da Comissão dispõe de um gabinete composto por colaboradores que são seus conselheiros pessoais. O recrutamento desses colaboradores é efetuado intuitu personae, ou seja, de modo amplamente discricionário, sendo os interessados escolhidos tanto pelas suas qualidades profissionais e morais como pela sua aptidão para se adaptarem aos métodos de trabalho próprios do membro da Comissão em causa e aos do gabinete no seu conjunto (Acórdão de 11 de julho de 2006, Comissão/Cresson, C‑432/04, EU:C:2006:455, n.o 130).

32      O poder amplamente discricionário de que dispõe o membro da Comissão para escolher os seus colaboradores justifica‑se, designadamente, pela natureza específica das funções exercidas num gabinete de um membro da Comissão e pela necessidade de manter relações de confiança mútua entre esse membro da Comissão e os seus colaboradores (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 29 de abril de 2004, Parlamento/Reynolds, C‑111/02 P, EU:C:2004:265, n.o 51).

33      No entanto, a natureza específica das funções exercidas no gabinete de um membro da Comissão e a necessidade de manter relações de confiança mútua não podem privar o colaborador em causa do direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão de rescisão unilateral do seu contrato devido a uma quebra da relação de confiança.

34      Com efeito, em primeiro lugar, importa recordar que o direito do interessado de ser ouvido antes da adoção de qualquer decisão individual que o afete desfavoravelmente está expressamente consagrado pelas disposições do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, a qual tem, desde 1 de dezembro de 2009, data de entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o mesmo valor jurídico que os Tratados. Por conseguinte, na medida em que a Comissão invoca a jurisprudência do Tribunal Geral e do Tribunal da Função Pública da União Europeia, segundo a qual, quando é tomada uma decisão de despedimento com fundamento numa perda de confiança, o interessado não dispõe da garantia do direito de ser ouvido durante o procedimento administrativo (Acórdãos de 24 de fevereiro de 2010, P/Parlamento, F‑89/08, EU:F:2010:11, n.os 31 a 33; de 7 de julho de 2010, Tomas/Parlamento, F‑116/07, F‑13/08 e F‑31/08, EU:F:2010:77, n.os 100 e 101; e de 24 de outubro de 2011, P/Parlamento, T‑213/10 P, EU:T:2011:617, n.o 43), importa recordar que, como foi posteriormente declarado pelo Tribunal da Função Pública, há que ter atualmente em conta as disposições da Carta, que têm o mesmo valor jurídico que os Tratados (Acórdãos de 12 de dezembro de 2013, CH/Parlamento, F‑129/12, EU:F:2013:203, n.o 37, e de 22 de maio de 2014, CU/CESE, F‑42/13, EU:F:2014:106, n.o 37).

35      Em segundo lugar, importa acrescentar que o respeito do direito de ser ouvido impõe‑se ainda mais, tratando‑se da rescisão do contrato por tempo indeterminado de um agente temporário por iniciativa da Administração, quando tal medida, por muito justificada que seja, constitui um ato com consequências graves para o interessado, que perde o seu emprego e cujo percurso profissional pode ficar negativamente afetado durante muitos anos (v., neste sentido, Acórdão de 8 de outubro de 2015, DD/FRA, F‑106/13 e F‑25/14, EU:F:2015:118, n.o 95).

36      Em terceiro lugar, na medida em que se considera o despedimento de um funcionário que exerce funções no gabinete de um membro da Comissão por quebra da relação de confiança, fundamento para cuja apreciação o membro da Comissão em causa dispõe de um poder amplamente discricionária, é de boa administração que o interessado seja informado previamente da medida de despedimento projetada e possa apresentar as suas observações, a fim de, por exemplo, corrigir um eventual erro, dissipar um possível mal‑entendido ou invocar elementos relativos à sua situação profissional ou pessoal.

37      Em quarto lugar, nomeadamente quando a quebra da relação de confiança tem origem em juízos de valor do membro da Comissão em causa a respeito do seu colaborador, o referido membro poderá considerar, depois de ter sido dada a oportunidade ao seu colaborador de apresentar as suas observações, que a relação de confiança não foi afinal quebrada.

38      Além disso, embora não incumba à EHCC substituir a apreciação do membro da Comissão em causa, quanto à realidade da quebra da relação de confiança, pela sua própria apreciação, a EHCC deve, no entanto, antes de mais, verificar se é efetivamente evocada a inexistência ou a perda de uma relação de confiança, em seguida, assegurar‑se da exatidão material dos factos (v., neste sentido, Acórdão de 22 de maio de 2014, CU/CESE, F‑42/13, EU:F:2014:106, n.o 41) e, por último, assegurar‑se que, tendo em conta o motivo invocado, o pedido de rescisão não está viciado por uma violação direitos fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, CH/Parlamento, F‑129/12, EU:F:2013:203, n.o 41) por um desvio de poder. Neste contexto, a EHCC pode, nomeadamente, considerar, à luz das observações apresentadas pelo interessado, que circunstâncias especiais justificam que sejam ponderadas outras medidas diferentes de um despedimento, por exemplo, a afetação do interessado a outras funções no âmbito da Comissão.

39      Em quinto lugar, há que sublinhar que a Comissão não tem razão ao invocar o Acórdão de 29 de abril de 2004, Parlamento/Reynolds (C‑111/02 P, EU:C:2004:265), em apoio da tese segundo a qual não se impunha a obrigação de ouvir o recorrente previamente à adoção da decisão impugnada. Com efeito, as circunstâncias do presente processo são diferentes das do processo que deu origem a esse acórdão, as quais eram relativas a factos anteriores à entrada em vigor da Carta. Acresce que a decisão controvertida nesse processo era uma decisão que punha termo ao destacamento de um funcionário do Parlamento Europeu que exercia as funções de secretário‑geral de um grupo político e reintegrava esse funcionário na sua direção‑geral de origem, e não uma decisão de despedimento de um agente temporário.

40      Resulta do que precede que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, uma decisão de rescisão do contrato por tempo indeterminado de um agente temporário recrutado ao abrigo do artigo 2.o, alínea c), do ROA, por quebra da relação de confiança, não pode ser adotada sem que tenha sido previamente respeitado o direito desse agente de ser ouvido, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

41      Consequentemente, o recorrente pode utilmente invocar a violação do direito de ser ouvido no âmbito do presente recurso.

42      Nesta fase, importa apreciar se o direito do recorrente de ser ouvido foi violado.

 Quanto à violação do direito de ser ouvido

43      O recorrente alega que não foi ouvido antes da adoção da decisão impugnada. Afirma que ninguém o informou de uma qualquer quebra da relação de confiança antes da rescisão do seu contrato. Não lhe foi enviado nenhum documento dando conta de uma inaptidão para desempenhar as suas funções ou de problemas relativos ao seu rendimento e à sua conduta no serviço. Alega que a Comissão não apresentou provas que demonstrem que as conversas, evocadas nos n.os 28 a 36 da contestação, com o membro da Comissão e com o chefe de gabinete tiveram lugar, nomeadamente no que respeita às reuniões de 3 de setembro e de 14 de dezembro de 2015. Acrescenta que contesta as afirmações da Comissão a este respeito.

44      A Comissão sustenta que o recorrente foi ouvido várias vezes antes de ter sido adotada a decisão impugnada. O recorrente, inicialmente recrutado como chefe de gabinete adjunto, teve dificuldades em se adaptar ao contexto institucional e em exercer as suas funções relacionadas com o dossiê da segurança, dossiê prioritário da pasta do membro da Comissão, sobre o que o chefe de gabinete e o membro da Comissão conversaram com o recorrente em várias ocasiões. Em 3 de setembro de 2015, teve lugar uma reunião entre o chefe de gabinete e o recorrente, na qual a partida deste último do gabinete foi considerada. Esta reunião foi seguida de uma conversa com o membro da Comissão sobre o mesmo assunto. A Comissão sublinha que, em outubro de 2015, foi oferecido ao recorrente um lugar de perito, a fim de lhe permitir continuar a trabalhar no gabinete. Em 14 de dezembro de 2015, o recorrente foi convocado pelo chefe de gabinete e a questão da sua partida foi considerada de forma mais concreta. Foi novamente dada a oportunidade ao recorrente de apresentar o seu ponto de vista e discuti‑lo pessoalmente com o membro da Comissão numa reunião posterior. Apesar das iniciativas do gabinete, o recorrente não melhorou a sua prestação. Por esta razão, o membro da Comissão decidiu encetar, em abril de 2016, as diligências para rescindir o contrato do recorrente com o fundamento de que a relação de confiança tinha sido quebrada.

45      Importa recordar que, quando uma decisão apenas pode ser tomada no respeito do direito de ser ouvido, deve ser dada ao interessado a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a medida projetada, no âmbito de um intercâmbio escrito ou oral iniciado pela EHCC e cuja prova incumbe a esta (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2007, Marcuccio/Comissão, C‑59/06 P, EU:C:2007:756, n.o 47, e de 3 de junho de 2015, BP/FRA, T‑658/13 P, EU:T:2015:356, n.o 54). Assim, é erradamente que a Comissão afirma, na tréplica, que o recorrente suporta o ónus da prova no que respeita à questão de saber se foi ouvido antes da adoção da decisão impugnada.

46      No caso em apreço, há que constatar que a Comissão não fez prova de que foi dada a oportunidade ao recorrente de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista, no âmbito de um intercâmbio escrito ou oral, sobre a medida projetada.

47      Com efeito, embora a Comissão alegue que tiveram lugar conversações entre o membro da Comissão e o chefe de gabinete, por um lado, e o recorrente, por outro, mesmo admitindo que essas conversações pudessem ser de natureza a permitir ao interessado dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a medida projetada, na aceção do n.o 45, supra, a Comissão não apresenta prova a este respeito, ao passo que o recorrente contesta as suas afirmações. A Comissão não apresenta, por exemplo, nenhuma nota, mensagem de correio eletrónico ou testemunho. Além disso, não sustenta, que, quando das conversas de setembro e de dezembro de 2015, tenham sidas abordadas com o recorrente a perda de confiança e a rescisão do contrato por esse motivo.

48      Embora seja verdade, como alega a Comissão, que a jurisprudência recordada no n.o 45, supra, não exige que haja uma audição e que a referida audição seja objeto de um relatório ou de uma ata para que seja respeitado o direito de ser ouvido, não é menos verdade que cabe à Comissão, quando o agente temporário contesta, como no caso em apreço, ter sido ouvido, fazer prova de que foi dada a oportunidade ao interessado de apresentar as suas observações sobre a intenção da Comissão de rescindir o seu contrato invocando a quebra da relação de confiança. Por outro lado, a circunstância, sublinhada pela Comissão, de os gabinetes dos membros da Comissão serem entidades de pequena dimensão não permite, por si só, considerar demonstrado que um agente que exerce funções num desses gabinetes foi validamente ouvido antes de ser objeto de uma decisão de despedimento. Por último, embora o recorrente não apresente qualquer explicação ou justificação a respeito das reuniões dos meses de setembro e de dezembro de 2015, basta constatar que o recorrente contesta as afirmações da Comissão segundo as quais ele foi, no decurso dessas reuniões, validamente ouvido, sem que seja possível conferir a simples afirmações da Comissão primazia relativamente às negações da outra parte (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2007, Marcuccio/Comissão, C‑59/06 P, EU:C:2007:756, n.os 69 e 70).

49      Por outro lado, no que respeita à questão, abordada pela Comissão, de saber se o recorrente pode contestar a não elaboração de um relatório de fim de estágio, basta declarar que esta questão não afeta a conclusão de que a Comissão não apresenta a prova de que o direito do recorrente a ser ouvido foi respeitado.

50      Resulta do que precede que o direito do recorrente de ser ouvido antes da adoção da decisão impugnada foi violado.

 Quanto às consequências da violação do direito de ser ouvido

51      Segundo jurisprudência constante, uma violação do direito de ser ouvido apenas dá origem à anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, não se verificando tal irregularidade, o processo pudesse conduzir a um resultado diferente (Acórdãos de 10 de setembro de 2013, G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 38, e de 24 de abril de 2017, HF/Parlamento, T‑584/16, EU:T:2017:282, n.o 157; v., igualmente, Acórdão de 9 de setembro de 2015, De Loecker/SEAE, F‑28/14, EU:F:2015:101, n.o 127 e jurisprudência referida).

52      No caso em apreço, o recorrente alega que, se tivesse sido ouvido antes da adoção da decisão impugnada, teria podido ser informado das críticas formuladas contra si, apresentar as suas observações e disponibilizar as mensagens de correio eletrónico que demonstram que os motivos apresentados pela Comissão eram infundadas. Indica que as críticas que a Comissão invoca para justificar a decisão impugnada são elementos subjetivos que, pela sua natureza, teriam podido ser alterados se ele tivesse sido ouvido.

53      A este respeito, resulta, em substância, da decisão de indeferimento da reclamação que a quebra da relação de confiança entre o recorrente e o membro da Comissão em causa tem a sua origem nas «dificuldades [do recorrente] em se adaptar ao contexto institucional da Comissão, bem como em exercer as suas funções em relação ao dossiê prioritário que é a segurança». Além disso, nos termos da decisão de indeferimento da reclamação, o recorrente «não foi capaz de aconselhar o [membro da Comissão] sobre os seus dossiês e, nomeadamente, de desenvolver uma estratégia sobre a cidadania».

54      Tais afirmações, formuladas em termos muito gerais, procedem de apreciações quanto à maneira de trabalhar do requerente, com base tanto em elementos objetivos como em juízos de valor. Ora, como sublinha com razão o recorrente, estes últimos são, devido ao seu caráter subjetivo, por natureza suscetíveis de serem alterados no âmbito de um intercâmbio com o interessado (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 18 de setembro de 2015, Wahlström/Frontex, T‑653/13 P, EU:T:2015:652, n.o 28). Além disso, qualquer que seja o grau de subjetividade das apreciações em causa, a Comissão, ao não oferecer ao recorrente nenhuma possibilidade de expor o seu ponto de vista, privou este último de uma oportunidade de convencer que era possível fazer uma apreciação diferente da sua maneira de trabalhar e, assim, de procurar restabelecer a relação de confiança entre o membro da Comissão e ele próprio. Com efeito, o recorrente teria podido formular, caso tivesse sido ouvido, observações sobre a sua forma de trabalhar ou sobre a sua situação pessoal ou profissional, suscetíveis de dar uma interpretação diferente às críticas que lhe eram dirigidas.

55      Isto é tanto mais assim quanto, como foi acima salientado nos n.os 32 e 36, o membro da Comissão em causa dispõe de um poder amplamente discricionário na escolha dos seus colaboradores recrutados com base no artigo 2.o, alínea c), do ROA, o que lhe confere uma grande latitude tanto para propor o despedimento dos referidos colaboradores como para voltar atrás nessa proposta.

56      Assim, considerar, nas circunstâncias do caso em apreço, que a EHCC teria necessariamente adotado uma decisão idêntica se o recorrente tivesse tido a oportunidade de expor utilmente o seu ponto de vista durante o procedimento administrativo equivaleria a esvaziar da sua substância o direito fundamental de ser ouvido, consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, uma vez que o próprio conteúdo desse direito implica que o interessado tenha a possibilidade de influenciar o processo decisório em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2011, Marcuccio/Comissão, T‑236/02, EU:T:2011:465, n.o 115, e de 5 de outubro de 2016, ECDC/CJ, T‑395/15 P, não publicado, EU:T:2016:598, n.o 80).

57      Por último, quanto ao argumento invocado pela Comissão na sua contestação relativo ao facto de que o recorrente não podia apresentar, numa fase posterior do processo contencioso, as mensagens de correio eletrónico evocadas na petição, admitindo que existam e que o seu conteúdo seja o que o recorrente lhes atribui, há que salientar, por um lado, que o recorrente não apresentou essas mensagens no Tribunal Geral e, por outro, que a eventual inadmissibilidade das referidas mensagens de correio eletrónico no Tribunal Geral não tem incidência na possibilidade que o requerente teria tido, se tivesse sido ouvido, de apresentar essas mensagens ou, em todo o caso, quaisquer outros elementos úteis durante o procedimento administrativo para tentar evitar que a decisão de despedimento projetada fosse tomada.

58      Nestas condições, não se pode excluir que o processo de despedimento poderia ter tido a um resultado diferente se o recorrente tivesse sido devidamente ouvido.

59      Resulta do que precede que o fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, deve ser acolhido.

60      Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada, sem que seja necessário examinar o segundo fundamento suscitado pelo recorrente, relativo à violação do dever de fundamentação.

 Quanto às despesas

61      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No caso em apreço, tendo a Comissão sido vencida há que condená‑la nas despesas, conforme pedido pelo recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

decide:

1)      A Decisão da Comissão Europeia, de 27 de abril de 2016, que rescinde o contrato por tempo indeterminado de RY é anulada.

2)      A Comissão é condenada nas despesas.

Gervasoni

Madise

da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

 

      Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de janeiro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.