Language of document : ECLI:EU:T:2022:568

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

21 de setembro de 2022 (*)

«FEAGA e FEADER — Despesas excluídas do financiamento — Despesas efetuadas pela França — Apoio associado voluntário — Condições de elegibilidade — Setores e produções elegíveis — Artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1307/2013»

No processo T‑475/21,

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, F. Alabrune, T. Stéhelin, G. Bain e J.‑L. Carré, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por C. Perrin e A. Sauka, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: M. J. Costeira, presidente, M. Kancheva e I. Dimitrakopoulos (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos,

visto que as partes não requereram a marcação de uma audiência no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo decidido, em aplicação do artigo 106.o, n.o 3, do seu Regulamento de Processo, julgar prescindindo da fase oral,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a República Francesa pede a anulação da Decisão de Execução (UE) 2021/988 da Comissão, de 16 de junho de 2021, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2021, L 218, p. 9; a seguir «decisão impugnada»), na medida em que excluiu do financiamento pelo FEAGA a quantia de 45 869 990,19 euros, correspondente às despesas efetuadas a título de uma medida de apoio associado voluntário à produção de leguminosas forrageiras, relativas ao ano de pedido 2017.

 Antecedentes do litígio

2        Em 1 de agosto de 2016, as autoridades francesas, em aplicação do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 608), notificaram à Comissão Europeia uma medida de apoio associado ao setor das proteaginosas, intitulada «24. Apoio à produção de leguminosas forrageiras» (a seguir «Medida 24»). No ponto 2.2.b) dessa notificação, precisou‑se, nomeadamente, que, para esse regime de apoio associado, as superfícies elegíveis eram aquelas em que se encontravam cultivadas leguminosas forrageiras puras, em mistura entre si ou em mistura com outras espécies (cereais, outras gramíneas, oleaginosas), se a mistura contiver no mínimo 50 % de sementes de leguminosas forrageiras à data de cultivo.

3        Para os anos de pedido 2015 e 2016 (ou seja, os exercícios de 2016 e 2017), a Comissão abriu um inquérito, sob a referência NAC/2016/021/FR, na sequência do qual verificou que as condições de elegibilidade estabelecidas pela Medida 24 não estavam em conformidade com o direito da União Europeia e, portanto, adotou a Decisão de Execução (UE) 2018/1841 da Comissão, de 16 de novembro de 2018, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do FEAGA e do FEADER (JO 2018, L 298, p. 34), que aplicou uma correção financeira à República Francesa para as despesas efetuadas a título dessa medida.

4        A Comissão abriu um novo inquérito para o ano de pedido 2017, registado sob a referência NAC/2018/009/FR.

5        Por ofício de 4 de maio de 2018, a Comissão comunicou à República Francesa os resultados do suprarreferido inquérito, em aplicação do artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento de Execução (UE) n.o 908/2014 da Comissão, de 6 de agosto de 2014, que estabelece as normas de execução do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento e do Conselho no que diz respeito aos organismos pagadores e outros organismos, gestão financeira, apuramento das contas, controlos, garantias e transparência (JO 2014, L 255, p. 59). Nessa comunicação de 4 de maio de 2018, a Comissão verificou que não tinha existido qualquer alteração das condições de elegibilidade da Medida 24 em relação às aplicáveis para os anos de pedido 2015 e 2016, pois as misturas de leguminosas com gramíneas continuavam a figurar entre as superfícies elegíveis para o apoio associado. Assim, a Comissão indicou às autoridades francesas que considerava irregulares e não elegíveis para o financiamento da União os pagamentos efetuados a título da Medida 24 a contar do ano de pedido 2017. Além disso, a Comissão solicitou às autoridades francesas a entrega de uma estimativa do risco para o FEAGA respeitante ao ano de pedido 2017 e a alteração das condições de elegibilidade da Medida 24.

6        Por ofício de 6 de novembro de 2018, as autoridades francesas, por um lado, contestaram a aplicação de uma correção financeira equivalente ao montante do apoio pago a título das superfícies ocupadas por misturas de leguminosas e de gramíneas e, por outro, alegaram, em substância, que não havia nenhuma disposição regulamentar que excluísse as gramíneas dos apoios associados.

7        Por ofício de 17 de dezembro de 2019, enviado com base no artigo 34.o, n.o 3, terceiro parágrafo, e no artigo 40.o, n.o 1, do Regulamento n.o 908/2014, a Comissão comunicou formalmente à República Francesa o montante estimado da correção proposta para o ano de pedido 2017, a saber, a quantia de 45 869 990,19 euros.

8        Por ofício de 3 de fevereiro de 2020, as autoridades francesas requereram a abertura de um processo de conciliação com base no artigo 40, n.o 1, do Regulamento n.o 908/2014. O órgão de conciliação entregou o seu relatório em 2 de agosto de 2020, no qual concluiu pela impossibilidade de uma conciliação entre as partes.

9        Por ofício de 5 de março de 2021, a Comissão comunicou às autoridades francesas a sua posição final na sequência do relatório do órgão de conciliação, na qual confirmou, em substância, que, na medida em que as gramíneas não eram mencionadas na lista dos setores e produções elegíveis para o apoio associado, estabelecida no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, as misturas de leguminosas e de gramíneas, ainda que numa percentagem minoritária, não podiam beneficiar desse apoio.

10      Na decisão impugnada, a Comissão excluiu, nomeadamente, do financiamento da União as despesas efetuadas pela República Francesa a título da Medida 24, respeitantes ao ano de pedido 2017, no montante de 45 869 990,19 euros.

 Pedidos das partes

11      A República Francesa conclui, em substância, pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na parte em que aplica uma correção financeira no montante de 45 869 990,19 euros às despesas relativas à Medida 24, correspondentes ao ano de pedido 2017;

–        condenar a Comissão nas despesas.

12      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Francesa nas despesas.

 Questão de direito

13      A República Francesa invoca um único fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013. Com efeito, a República Francesa alega que, ao considerar que as leguminosas cultivadas em mistura com gramíneas não eram elegíveis para um regime de apoio associado, a Comissão fez uma interpretação errada da referida disposição.

14      A este respeito, a República Francesa alega que de uma interpretação literal, sistemática e teleológica do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 resulta que o conceito de «setor», referido nesta disposição, tem um alcance mais amplo do que o conceito de «produção», o que seria, nomeadamente, confirmado pela distinção entre produções agrícolas e setores agrícolas operada pelo artigo 52.o, n.o 3, e pelo artigo 54.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1307/2013, pelo considerando 49 do referido regulamento e pelo Regulamento (UE) n.o 1308/2013 do Parlamento e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 922/72, (CEE) n.o 234/79, (CE) n.o 1037/2001 e (CE) n.o 1234/2007 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 671). Assim, segundo a República Francesa, em aplicação do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, os Estados‑Membros podem, para evitar o agravamento de dificuldades existentes, conceder um apoio associado quer a um setor agrícola específico, ou seja, a vários tipos de produções que se incluem a título principal ou secundário nesse setor, quer a um tipo específico de produção agrícola.

15      Especificamente quanto ao setor das proteaginosas, referido no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, a República Francesa considera que este não designa uma produção específica, mas que se refere ao setor das plantas pertencentes à família das leguminosas, que são cultivadas pelo seu conteúdo proteico.

16      Neste contexto, a República Francesa alega que o setor das proteaginosas deve merecer uma interpretação ampla de modo a nele incluir o conjunto das práticas correntes e consolidadas num Estado‑Membro para a produção de espécies de leguminosas cultivadas pelo seu conteúdo proteico.

17      Ora, em França, as culturas de leguminosas destinadas às rações para animais são habitualmente cultivadas em mistura com outras espécies, como as gramíneas. Com efeito, a cultura de leguminosas em mistura com gramíneas apresenta não só um interesse agrícola, na medida em que permite aos criadores dispor de uma forragem mais facilmente digerível para os animais, mas também um interesse ambiental, pois as leguminosas permitem fixar no solo o azoto do ar e, portanto, reduzir a utilização de fertilizantes azotados. Por outro lado, a República Francesa alega que o setor das leguminosas forrageiras apresenta um significativo declínio desde a década de 1960. Por conseguinte, a concessão de um apoio associado à cultura das leguminosas que inclua as culturas de leguminosas forrageiras em mistura com outras espécies, incluindo as gramíneas, corresponderia ao objetivo do apoio associado, que é o de apoiar um setor em dificuldades incentivando uma prática comum e meritória para a saúde animal e para o ambiente.

18      Por último, na réplica, a República Francesa precisa que não defende que as leguminosas e as gramíneas constituem, respetivamente, produções principais e produções secundárias no setor das proteaginosas, mas que as misturas entre leguminosas e gramíneas, com o predomínio das leguminosas, são um tipo de produção autónoma no referido setor.

19      A Comissão contesta os argumentos da República Francesa.

20      A título preliminar, por um lado, há que observar que, nos seus articulados, a República Francesa não contesta que as gramíneas, consideradas isoladamente, não se integram nos setores ou nas produções cuja lista se estabelece no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 e que, portanto, não são, enquanto tais, elegíveis para o apoio associado. Por outro lado, é pacífico entre as partes que as leguminosas são elegíveis para o apoio associado na medida em que esta produção faz parte do setor das proteaginosas, expressamente referido no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013.

21      No entanto, as partes discordam quanto à questão de saber se são elegíveis para o apoio associado a misturas entre, por um lado, produtos agrícolas que integram um dos setores ou uma das produções cuja lista se estabelece no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, como as leguminosas, e por outro, produtos agrícolas que não se integram nos referidos setores ou produções, como as gramíneas.

22      Para efeitos da resposta a esta questão, importa proceder à interpretação literal, sistemática e teleológica do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2015, Finlândia/Comissão, T‑124/14, EU:T:2015:955, n.o 24).

 Quanto à interpretação literal

23      No âmbito de uma interpretação literal, importa ter em conta que os textos de direito da União são redigidos em várias línguas e que todas as versões linguísticas fazem fé, o que pode implicar uma comparação das versões linguísticas entre si (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2015, Finlândia/Comissão, T‑124/14, EU:T:2015:955, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

24      O artigo 52.o do Regulamento n.o 1307/2013, sob a epígrafe «Regras gerais», figura no capítulo 1, intitulado «Apoio associado voluntário», do título IV, intitulado «Apoio associado», do referido regulamento e prevê, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros podem conceder apoio associado aos agricultores nas condições estabelecidas no presente capítulo.

25      Nos termos do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, o apoio associado pode ser concedido aos seguintes setores e produções: cereais, oleaginosas, proteaginosas, leguminosas para grão, linho, cânhamo, arroz, frutos de casca rija, batata para fécula, leite e produtos lácteos, sementes, carne de ovino e de caprino, carne de bovino, azeite, bichos‑da‑seda, forragens secas, lúpulo, beterraba sacarina, cana‑de‑açúcar e chicória, frutas e produtos hortícolas e talhadia de rotação curta.

26      Observe‑se que o artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 estabelece uma lista de setores e de produções elegíveis para o apoio associado, cujo caráter limitado e exaustivo é demonstrado pela utilização do adjetivo «seguinte» («following» em inglês e «seguenti» em italiano), seguido de dois pontos, que precede a enumeração dos referidos setores e das referidas produções.

27      Por conseguinte, dado que o artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, por um lado, estabelece uma lista limitativa de setores e de produções elegíveis para o apoio associado e, por outro, não refere as misturas entre produtos que integram os setores ou produções expressamente referidos nessa lista e produtos que não integram esses setores ou essas produções, a interpretação literal desta disposição parece apoiar a tese da Comissão relativa, em substância, à inelegibilidade das referidas misturas, em vez da defendida pela República Francesa.

 Quanto à interpretação sistemática

28      Da utilização, por um lado, do adjetivo «voluntário» na epígrafe do capítulo 1 do título IV do Regulamento n.o 1307/2013 e, por outro, do verbo «poder» no artigo 52.o, n.o 1, deste regulamento (v. n.o 24, supra) decorre que o regime do apoio associado não é vinculativo e que, por conseguinte, os Estados‑Membros dispõem de discricionariedade na concessão desse apoio.

29      Além disso, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013, quando os Estados‑Membros decidem instituir esse apoio, devem fazê‑lo observando todas as condições estabelecidas no capítulo 1 do título IV do referido regulamento (v. n.o 24, supra).

30      A este respeito, em primeiro lugar, em aplicação do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, são elegíveis para o apoio associado os setores e as produções cuja lista exaustiva está estabelecida nesse artigo. Em segundo lugar, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, do referido regulamento, só podem beneficiar desse apoio setores ou regiões de um Estado‑Membro em que «tipos específicos de agricultura» ou «setores agrícolas específicos», por um lado, sejam particularmente importantes por motivos económicos, ambientais ou sociais e, por outro, enfrentem certas dificuldades. O artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento Delegado (UE) n.o 639/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento n.o 1307/2013 e que altera o anexo X do mesmo regulamento (JO 2014, L 181, p. 1), precisa que as referidas dificuldades pressupõem a existência de um risco de abandono ou de declínio da produção devido, designadamente, à reduzida rendibilidade da atividade em causa, com reflexos negativos no equilíbrio económico, social ou ambiental da região ou setor em causa. Em terceiro lugar, o artigo 52.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1307/2013 dispõe que esse apoio deve ser necessário à manutenção dos níveis atuais de produção nos setores ou regiões em causa.

31      Assim, de uma leitura conjunta das suprarreferidas disposições decorre que o legislador pretendeu restringir a faculdade dos Estados‑Membros de concederem um apoio associado instituindo condições cumulativas que limitam consideravelmente o círculo dos beneficiários elegíveis e, mais genericamente, o seu campo de aplicação material. Por conseguinte, uma interpretação lata do referido âmbito de aplicação seria incompatível com as suprarreferidas condições.

32      Além disso, embora o artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1307/2013 confira uma certa margem de apreciação aos Estados‑Membros para verificar se os setores ou as produções, por um lado, são especialmente importantes por motivos económicos, ambientais ou sociais e, por outro, enfrentam certas dificuldades, e se o apoio associado poderia evitar o agravamento dessas dificuldades ou o abandono da produção, não decorre de modo algum desse artigo, nem de nenhuma outra disposição do Regulamento n.o 1307/2013 ou do Regulamento n.o 639/2014, que os Estados‑Membros disponham de uma margem de apreciação análoga quanto à definição dos setores ou das produções elegíveis para o apoio associado cuja lista está estabelecida no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013. Com efeito, esse poder de apreciação seria contrário ao caráter exaustivo da lista estabelecida no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, que, aliás, a República Francesa reconheceu expressamente nos seus articulados.

33      Por outro lado, importa referir que o artigo 1.o, alínea b), do Regulamento n.o 1307/2013 estabelece a lista dos diversos regimes de apoio aos agricultores que são regulamentados pelas suas disposições. Ora, do anexo 1 do mesmo regulamento resulta que esses regimes são dissociados da produção, com exceção do regime do apoio associado e do pagamento específico para o algodão, o qual é regido pelas disposições constantes do capítulo 2 do título IV do mesmo regulamento.

34      Por conseguinte, o apoio associado constitui um regime de apoio derrogatório em relação aos outros regimes de apoio regidos pelo Regulamento n.o 1307/2013, que são dissociados da produção e que, em princípio, não respeitam especificamente a setores ou a produções agrícolas que enfrentam certas dificuldades.

35      Daqui resulta que, atendendo ao caráter derrogatório do apoio associado, as suas condições de aplicação devem ser objeto de uma interpretação estrita [v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 13 de dezembro de 2018, Sut, C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 28 e jurisprudência aí referida, e de 22 de janeiro de 2020, Pensionsversicherungsanstalt (Cessação de atividade depois da idade legal de reforma), C‑32/19, EU:C:2020:25, n.o 38 e jurisprudência aí referida].

36      À luz das considerações precedentes, há que concluir que os setores e as produções elegíveis, cuja lista se encontra estabelecida no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, devem ser objeto de uma interpretação estrita.

37      Por conseguinte, a interpretação sistemática do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 não corrobora a tese da República Francesa quanto à elegibilidade das misturas que incluem produtos agrícolas abrangidos por um dos setores ou das produções cuja lista se encontra expressamente estabelecida nesse artigo e outros produtos que não são abrangidos por esses setores ou produções.

 Quanto à interpretação teleológica

38      Para efeitos da interpretação teleológica do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, importa ter em consideração o objetivo do regime de apoio associado, evocado no considerando 49 e no artigo 52.o, n.o 5, do mesmo regulamento. Desse considerando e desta última disposição, lidos em conjugação com o artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1307/2013 e com o artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 639/2014 (v. n.o 30, supra), resulta que o apoio associado não tem por objetivo apoiar a produção agrícola de um modo geral, mas destina‑se a criar um incentivo à manutenção dos níveis atuais de produção nos setores ou nas regiões específicas de um Estado‑Membro em que tipos específicos de agricultura ou setores agrícolas específicos, especialmente importantes por motivos económicos e sociais, enfrentem certas dificuldades que podem levar ao abandono ou ao declínio da produção e ter reflexos negativos no equilíbrio económico, social ou ambiental da região ou setor em causa.

39      Daqui resulta que o objetivo do apoio associado é o de apoiar a produção correspondente a certos setores agrícolas ou a certas produções específicas que enfrentam determinadas dificuldades, a fim de evitar o abandono ou o declínio dessa produção e o impacto negativo que daí resultaria para o equilíbrio económico, social ou ambiental da região ou setor em causa.

40      No presente caso, importa lembrar que a Medida 24, intitulada «Apoio à produção de leguminosas forrageiras», se destinava a incentivar a produção de leguminosas forrageiras, pois, de acordo com a notificação efetuada pela República Francesa nos termos do artigo 52.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1307/2013, as superfícies de cultivo de leguminosas forrageiras tinham entrado em declínio desde 2010 e as superfícies de cultivo de leguminosas forrageiras puras apresentavam uma redução contínua e significativa.

41      A República Francesa afirma, em substância, que um apoio associado à cultura de leguminosas de conteúdo proteico, que inclui, nomeadamente, as misturas de leguminosas e de gramíneas, corresponde ao objetivo de apoiar um setor em dificuldades especialmente importante por motivos económicos, sociais ou ambientais, na aceção do artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1307/2013.

42      A este respeito, em primeiro lugar, a República Francesa alega que as leguminosas têm a particularidade de fixar no solo o azoto do ar, evitando, assim, a utilização de fertilizantes azotados e que é essa a razão pela qual as leguminosas são frequente e tradicionalmente semeadas juntamente com outras espécies.

43      Ora, do argumento suprarreferido não decorre que as leguminosas são exclusiva ou principalmente semeadas juntamente com as gramíneas. Por conseguinte, esse argumento não é suscetível de demonstrar que o objetivo prosseguido pela Medida 24, em conformidade com o Regulamento n.o 1307/2013, que consiste em apoiar a produção de leguminosas forrageiras com vista à manutenção do seu nível atual (v. n.o 40, supra), só pode ser eficazmente alcançado se a referida produção incluísse misturas de leguminosas e de gramíneas.

44      De qualquer modo, importa referir, à semelhança da Comissão, que o apoio associado não tem o objetivo de apoiar medidas que tenham efeitos benéficos para o ambiente e que existe outro regime de apoio previsto pelo Regulamento n.o 1307/2013 que prossegue esse objetivo (v. capítulo 3, intitulado «Pagamento para práticas agrícolas benéficas para o clima e o ambiente», do título III, intitulado «Regime de pagamento de base, regime de pagamento único por superfície e pagamentos conexos», do referido regulamento).

45      Assim, ainda que se admita que as leguminosas apresentam vantagens para o ambiente, esse facto não demonstra que o objetivo acima referido no n.o 40 seria eficazmente prosseguido por um apoio associado concedido às misturas de leguminosas e gramíneas. Por conseguinte, o argumento da República Francesa acima referido no n.o 42 deve ser rejeitado.

46      Por outro lado, na réplica, a República Francesa alega que as culturas de misturas de leguminosas com gramíneas apresentam um interesse ambiental enquanto tal, pois a presença de gramíneas obrigaria as leguminosas a fixar melhor o azoto do ar, evitando, assim, a utilização nos solos de fertilizantes azotados. A República Francesa, para fundamentar este argumento, invoca um estudo de 2010 do Institut national de recherche pour l’agriculture, l’alimentation et l’environnement [Instituto Nacional de Investigação Agronómica, Alimentar e Ambiental (INRAE)]. Todavia, dos autos não resulta que os suprarreferidos argumento e estudo tenham sido comunicados à Comissão e tenham sido objeto de um debate durante o procedimento administrativo. Nestas condições, em conformidade com a jurisprudência segundo a qual a legalidade de uma decisão da Comissão deve ser apreciada em função das informações de que podia dispor à data da respetiva adoção (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Lituânia/Comissão, T‑19/18, não publicado, EU:T:2020:4, n.o 42 e jurisprudência aí referida), os suprarreferidos argumento e estudo devem ser excluídos por não terem impacto sobre o mérito da decisão impugnada.

47      Em segundo lugar, a República Francesa alega que as misturas de leguminosas e gramíneas permitem aos criadores dispor de rações para os animais mais completas e mais facilmente digeríveis. Ora, há que considerar, à semelhança da Comissão, que este argumento não é pertinente, pois, no presente caso, a Medida 24 não diz respeito ao setor da pecuária, destinando‑se a apoiar a produção de leguminosas forrageiras. Por conseguinte, o argumento da República Francesa deve ser rejeitado.

48      Daqui resulta que a República Francesa não consegue demonstrar que a concessão de um apoio associado às misturas de leguminosas e gramíneas corresponde ao objetivo da Medida 24, em conformidade com o Regulamento n.o 1307/2013.

49      Atendendo às considerações precedentes, a interpretação teleológica do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 confirma que as misturas entre produtos agrícolas que integram um dos setores ou uma das produções cuja lista está expressamente estabelecida nesse artigo e produtos agrícolas não incluídos nesses setores ou produções não são elegíveis para o apoio associado.

50      À luz do anteriormente exposto, a interpretação literal, sistemática e teleológica do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 obsta à interpretação ampla do conceito de «setor» agrícola, referido no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, defendida pela República Francesa.

51      Importa, no entanto, verificar se, tal como afirma a República Francesa, para efeitos de definir um setor agrícola, na aceção do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, há que ter em conta o conjunto das práticas correntes e consolidadas num Estado‑Membro para a produção de culturas incluídas nesse setor (v. n.o 16, supra).

52      A este respeito, a República Francesa afirma que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 639/2014, as práticas correntes e consolidadas num Estado‑Membro são pertinentes para definir os setores agrícolas específicos referidos no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013.

53      A Comissão contesta os argumentos da República Francesa.

54      Em primeiro lugar, por um lado, importa referir, à semelhança da Comissão, que o Regulamento n.o 639/2014 é um regulamento delegado que tem por objetivo completar as disposições do Regulamento n.o 1307/2013. Assim, essas disposições não podem ser invocadas para derrogar as disposições do Regulamento n.o 1307/2013, com base no qual foi adotado, nem para interpretar essas disposições num sentido contrário à sua redação e à sua sistemática.

55      Por outro lado, o artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 639/2014 não respeita à definição dos setores e das produções elegíveis para o apoio associado, operada no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013. Com efeito, o artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 639/2014 refere‑se expressamente ao artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1307/2013, o qual estabelece uma condição cumulativa e distinta da prevista no artigo 52.o, n.o 2, do referido regulamento (v. n.os 30 a 32, supra).

56      De uma leitura conjunta do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 639/2014 e do artigo 52.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1307/2013 resulta que os Estados‑Membros só «devem ter em conta, nomeadamente, as condições e estruturas de produção pertinentes da região ou setor em causa» quando identificam, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1307/2013, os «tipos específicos de agricultura» ou os «setores agrícolas específicos» que, por um lado, são especialmente importantes por motivos económicos, sociais ou ambientais e que, por outro, enfrentam determinadas dificuldades.

57      Em segundo lugar, na réplica, a República Francesa precisou, em substância, que não pretendia demonstrar que as práticas correntes e consolidadas num Estado‑Membro constituíam um critério de elegibilidade para o apoio associado, mas sim que essas práticas eram pertinentes para definir os setores agrícolas específicos referidos no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013. A este respeito, basta referir que essa distinção é artificial. Com efeito, contrariamente ao afirmado pela República Francesa, a definição dos setores cuja lista se encontra estabelecida no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 é uma questão que se suscita para efeitos de determinar as culturas e as produções elegíveis para o apoio associado nos termos do referido artigo. Ora, como acima se referiu no n.o 32, este artigo não atribui nenhuma margem de apreciação aos Estados‑Membros no que respeita à definição dos setores e das produções elegíveis para o apoio associado.

58      Em terceiro lugar, com vista a garantir a segurança jurídica e uma interpretação uniforme, na União, das disposições relativas ao apoio associado, um setor agrícola, na aceção do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, deve ser definido em função de critérios claros e objetivos relativos aos produtos agrícolas abrangidos nesse setor. Assim, o conceito de «setor» não pode ser definido com base nas práticas correntes e consolidadas num Estado‑Membro para produção de culturas incluídas nesse setor, as quais não dizem respeito aos próprios produtos e podem variar em função das condições existentes em cada Estado‑Membro. Além disso, a regulamentação europeia não prevê critérios específicos com base nos quais deva ser apreciada a existência de uma prática corrente e consolidada num Estado‑Membro. Por conseguinte, a interpretação sugerida pela República Francesa é incompatível com as exigências de clareza e previsibilidade da norma jurídica aplicável.

59      Assim, ainda que se admita que as misturas de leguminosas e de gramíneas constituem uma prática corrente e consolidada em França no setor das proteaginosas, as mesmas não podem ser consideradas parte integrante do referido setor na aceção do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013.

60      À luz do anteriormente exposto, há que considerar que a Comissão não cometeu nenhum erro de direito ao interpretar o artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013 no sentido de que são excluídos do apoio associado, por um lado, os produtos que não são mencionados na lista estabelecida nesse artigo ou que não integram um dos setores igualmente mencionados nessa lista, como as gramíneas, e por outro, as misturas entre os suprarreferidos produtos e os abrangidos pelos setores ou produções expressamente referidos nesse artigo.

61      Por conseguinte, há que julgar improcedente o fundamento único invocado pela República Francesa e, portanto, negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

62      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Francesa sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      Negar provimento ao recurso.

2)      Condenar a República Francesa nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de setembro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.