Language of document : ECLI:EU:C:2016:384

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 1 de junho de 2016 (1)

Processo C‑166/15

Aleksandrs Ranks

Jurijs Vasiļevičs

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu tiesu kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Penal, Letónia)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 91/250/CEE — Proteção jurídica dos programas de computador — Venda de cópias não originais de programas de computador — Cópias incorporadas num suporte material diferente do suporte material de origem — Existência de uma violação do direito de distribuição — Possibilidade de invocar o esgotamento do direito de distribuição — Existência de uma violação do direito de reprodução»





I –    Introdução

1.        Por despacho de 18 de março de 2015, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de abril de 2015, o Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu tiesu kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Penal, Letónia) apresentou duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 4.° e 5.° da Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de abril de 2009, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO 2009, L 111, p. 16).

2.        Esta questão foi suscitada no âmbito de um processo penal instaurado contra Aleksandrs Ranks e Jurijs Vasiļevičs (a seguir, conjuntamente, «arguidos»), com fundamento, nomeadamente, na alegada violação dos direitos de autor da Microsoft Corporation (a seguir «Microsoft») na sequência da venda de cópias de programas de computador incorporados num suporte material diferente do suporte material de origem.

II – Enquadramento jurídico

A –    Direito da União

3.        Nos termos do seu artigo 10.°, a Diretiva 2009/24 revoga a Diretiva 91/250/CEE do Conselho de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (JO 1991, L 122, p. 42), conforme alterada pela Diretiva 93/98/CEE do Conselho de 29 de outubro de 1993, relativa à harmonização do prazo de proteção dos direitos de autor e de certos direitos conexos (JO 1993, L 290, p. 9) (a seguir «Diretiva 91/250»).

4.        Em conformidade com o seu artigo 11.°, a Diretiva 2009/24 entrou em vigor em 25 de maio de 2009. Ora, resulta do despacho de reenvio que os factos relevantes do litígio em causa no processo principal ocorreram entre 28 de dezembro de 2001 e 22 de dezembro de 2004. Por conseguinte, no presente processo devem ser aplicadas as disposições da Diretiva 91/250.

5.        O artigo 4.° da Diretiva 91/250, sob a epígrafe «Atos sujeitos a autorização», dispõe que:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 5.° e 6.°, os direitos exclusivos do titular, na aceção do artigo 2.°, devem incluir o direito de efetuar ou autorizar:

a)      A reprodução permanente ou transitória de um programa de computador, seja por que meio for, e independentemente da forma de que se revestir, no todo ou em parte. Se operações como o carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento de um programa de computador carecerem dessa reprodução, essas operações devem ser submetidas a autorização do titular do direito;

[…]

c)      Qualquer forma de distribuição ao público, incluindo a locação, do original ou de cópias de um programa de computador. A primeira comercialização na Comunidade de uma cópia de um programa efetuada pelo titular dos direitos ou realizada com o seu consentimento extinguirá o direito de distribuição na Comunidade dessa mesma cópia, com exceção do direito de controlar a locação ulterior do programa ou de uma sua cópia.»

6.        O artigo 5.° da Diretiva 91/250, sob a epígrafe «Exceções aos atos sujeitos a autorização», tem a seguinte redação:

«1.      Salvo disposições contratuais específicas em contrário, os atos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 4.° não se encontram sujeitos à autorização do titular sempre que sejam necessários para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa se destina, bem como para a correção de erros.

2.      O contrato não deve impedir a execução de uma cópia de apoio por uma pessoa que esteja autorizada a utilizar o programa na medida em que tal seja necessário para a sua utilização.

[…]»

7.        O artigo 7.° da Diretiva 91/250, sob a epígrafe «Medidas de proteção especiais», prevê que:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 4.°, 5.° e 6.°, os Estados‑Membros tomarão medidas adequadas, nos termos das respetivas legislações nacionais, contra as pessoas que pratiquem qualquer dos atos referidos nas alíneas a), b) e c) seguintes:

a)      Ponham em circulação uma cópia de um programa de computador, conhecendo ou não podendo ignorar o seu caráter ilícito;

b)      Estejam na posse, para fins comerciais, de uma cópia de um programa de computador, conhecendo ou não podendo ignorar o seu caráter ilícito;

[…]

2.      Qualquer cópia ilícita de um programa de computador poderá ser confiscada nos termos da legislação do Estado‑Membro em questão.

[…]»

III – Litígio em causa no processo principal e questões prejudiciais

8.        Entre 28 de dezembro de 2001 e 22 de dezembro de 2004, os arguidos, atuando em conjunto em virtude de um acordo prévio, venderam na plataforma de venda em linha disponibilizada pelo sítio Internet www.ebay.com mais de 3 000 cópias de programas de computador protegidos pelo direito de autor.

9.        A Microsoft é a titular dos direitos de autor relativos aos programas de computador que foram objeto destas vendas, os quais incluem os programas «Windows 95», «Windows 98», «Windows 2000 Professional», «Windows Millenium», «Windows XP Home 2002», «Office 2000 Professional», «Office XP Small Business» e «Office 2003».

10.      O montante total que os arguidos obtiveram com estas vendas não foi determinado com precisão em sede de instrução. No entanto, ficou demonstrado que os arguidos receberam um montante de 229 724,67 euros através do sistema de pagamento «PayPal» disponibilizado no sítio Internet www.ebay.com.

11.      No âmbito das referidas vendas, os arguidos venderam nomeadamente:

–        uma cópia do programa «Windows Millennium Edition», cujas condições de licença estipulavam que só podia ser entregue acompanhado de um computador novo («for distribution only with a new PC»);

–        duas cópias do programa «Windows 2000 Professional OEM», acompanhadas por um manual de instruções de utilização e um certificado de autenticidade, que foram considerados por um especialista como sendo reproduções ilegais do ficheiro e do programa de instalação do «Microsoft Windows 2000 Professional»;

–        trinta cópias do programa «Windows 98 Second Edition OEM», acompanhadas por um manual de instruções de utilização e um certificado de autenticidade, que foram considerados por um especialista como sendo reproduções ilegais dos ficheiros e dos programas de instalação do «Microsoft Windows 98 Starts Here 4/98» e do «Microsoft Windows 98 Second Edition».

12.      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que os arguidos foram considerados culpados das seguintes infrações penais:

–        venda ilegal em associação organizada de objetos protegidos pelo direito de autor, que são reproduzidos ou explorados por outro meio em violação do direito de autor (artigo 149.°, n.° 3, do Código Penal na sua versão em vigor em 17 de outubro de 2002);

–        utilização ilegal deliberada de uma marca que pertence a outrem, causando um prejuízo grave aos direitos e interesses individuais protegidos por lei (artigo 206.°, n.° 2, do Código Penal); e

–        exercício de uma atividade comercial sem registo, causando um prejuízo grave aos interesses individuais protegidos por lei (artigo 207.°, n.° 2, do Código Penal).

13.      Por sentença de 3 de janeiro de 2012, o Rīgas pilsētas Vidzemes priekšpilsētas tiesa (Tribunal do Distrito de Vidzeme da Cidade de Riga, Letónia) considerou os arguidos culpados das infrações previstas no artigo 149.°, n.° 3, e no artigo 206.°, n.° 2, do Código Penal e condenou‑os a indemnizar parcialmente os danos e a suportar todas as despesas e encargos do processo. Os arguidos foram absolvidos da infração prevista no artigo 207.°, n.° 2, do Código Penal.

14.      Por acórdão de 22 de março de 2013, o órgão jurisdicional de reenvio anulou a sentença proferida em primeira instância no que respeita à condenação dos arguidos a título do artigo 149.°, n.° 3, do Código Penal, e a pena aplicada. Todavia, este órgão jurisdicional condenou os arguidos a título do artigo 149.°, n.° 3, do Código Penal na sua versão em vigor em 17 de outubro de 2002. Quanto ao restante, a sentença não foi alterada.

15.      Por despacho de 13 de outubro de 2013, o Latvijas Republikas Augstākās tiesas Senāts (Supremo Tribunal da Letónia) anulou integralmente o acórdão de 22 de março de 2013 e devolveu o processo ao tribunal de primeira instância para reapreciação.

16.      Por decisão de 8 de outubro de 2013, o órgão jurisdicional de reenvio admitiu reapreciar em sede de recurso o processo penal relativo à acusação dos arguidos a título do artigo 149.°, n.° 3 (na sua versão em vigor em 31 de dezembro de 2010), do artigo 206.°, n.° 2, e do artigo 207.°, n.° 2, do Código Penal.

17.      Interrogando a relevância do acórdão UsedSoft (2) nas circunstâncias do processo principal, o Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu tiesu kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Penal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Uma pessoa que tenha adquirido um programa de computador licenciado como ‘usado’ num disco que não é original, que funciona e não é usado por nenhum outro utilizador, pode, ao abrigo [do artigo] 5.°, n.° 1, e [do artigo] 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24, invocar [o esgotamento] do direito de distribuir um exemplar (cópia) desse programa de computador, adquirido pelo primeiro comprador ao titular dos direitos com o disco original, se o disco se tiver deteriorado e o primeiro adquirente tiver apagado o seu exemplar (cópia) ou já não o utilizar?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, uma pessoa que pode invocar [o esgotamento] do direito de distribuir um exemplar (cópia) do programa de computador tem o direito de revender esse programa de computador num disco que não é o original a um terceiro, na aceção [do artigo] 4.°, n.° 2, e [do artigo] 5.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24?»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

18.      O pedido de decisão prejudicial foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de abril de 2015.

19.      Os arguidos, a Microsoft, os Governos italiano, letão e polaco, assim como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

20.      Os representantes dos arguidos e da Microsoft, o Governo letão e a Comissão estiveram presentes na audiência de 16 de março de 2016 para aí serem ouvidos nas suas observações.

V –    Análise das questões prejudiciais

21.      As questões submetidas ao Tribunal de Justiça são relativas à existência de uma violação dos direitos de autor devido à venda, sem o consentimento do titular, de cópias de programas de computador realizadas sem a autorização do titular num suporte material diferente do suporte de origem (a seguir «cópias materiais não originais»). Assim, estas questões não dizem respeito à venda, pelo titular ou com o seu consentimento, de cópias realizadas pelo titular ou com a sua autorização no suporte material de origem (a seguir «cópias materiais originais»).

22.      No processo principal, os arguidos são acusados de terem vendido milhares de cópias materiais não originais de programas de computador cujos direitos de autor pertencem à Microsoft. Nas suas observações escritas, os arguidos afirmaram que tinham comprado estas cópias a empresas ou a particulares que já não as utilizavam.

23.      A venda de cópias materiais não originais é suscetível de violar dois direitos exclusivos atribuídos ao titular pelo artigo 4.°, alíneas a) e c), da Diretiva 91/250: o direito exclusivo de efetuar ou autorizar a reprodução permanente ou transitória de um programa de computador (a seguir «direito de reprodução»), assim como o direito exclusivo de efetuar ou autorizar qualquer forma de distribuição ao público, incluindo a locação, do original ou de cópias de um programa de computador (a seguir «direito de distribuição»).

24.      Por outro lado, ainda que as questões submetidas apenas refiram expressamente o esgotamento do direito de distribuição, estas questões dizem igualmente respeito às disposições que preveem derrogações ao direito de reprodução, designadamente, o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 91/250.

25.      Por conseguinte, considero que é necessário reformular as questões submetidas ao Tribunal de Justiça do seguinte modo. Com as suas questões, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 4.°, alíneas a) e c), e o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 91/250 devem ser interpretados no sentido de que os direitos exclusivos de reprodução e de distribuição do titular são violados quando é realizada uma cópia de um programa de computador por um utilizador, sem a autorização do titular, num suporte material diferente do suporte material de origem e esta cópia é vendida, sem a autorização do titular, por tal utilizador ou por outro utilizador, mesmo nos casos em que:

–        o suporte material de origem está danificado e

–        o vendedor da referida cópia inutiliza qualquer outra cópia que possua.

A –    Quanto à admissibilidade das questões submetidas

26.      O Governo letão manifestou dúvidas quanto à admissibilidade das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que estas evocam a venda de cópias não originais objeto de licença enquanto o despacho de reenvio refere relatórios de peritagem que constatam a venda de cópias de contrafação. Por conseguinte, as questões submetidas não são relevantes para decidir o litígio em causa no processo principal.

27.      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.° TFUE, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas tenham por objeto interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (3).

28.      Assim, a não apreciação de um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou ainda quando o problema for hipotético ou o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (4).

29.      No caso em apreço, e como afirmou o próprio Governo letão na audiência, a qualificação de «contrafação» dependerá da resposta que o Tribunal de Justiça der às questões submetidas. Para exemplificar, se o Tribunal de Justiça decidir que a realização e a venda de cópias materiais não originais, em circunstâncias como as do litígio em causa no processo principal, não violam os direitos de reprodução e de distribuição, estas cópias deixam de poder ser consideradas cópias de contrafação pelo órgão jurisdicional nacional.

30.      Nestas condições, considero que as questões submetidas estão diretamente relacionadas com o objeto do litígio em causa no processo principal e, consequentemente, são admissíveis.

B –    Quanto à existência de uma violação do direito de distribuição na venda de cópias materiais não originais de programas de computador

31.      Há que examinar, agora, se o artigo 4.°, alínea c), da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que existe uma violação ao direito exclusivo de distribuição do titular nas circunstâncias identificadas no n.° 5 das presentes conclusões.

32.      De acordo com o primeiro período desta disposição, constitui uma violação ao direito de distribuição o facto de ser distribuído ao público, sem a autorização do titular, o original ou uma cópia de um programa de computador. No processo principal, é pacífico que os arguidos venderam, na plataforma de venda em linha disponibilizada pelo sítio Internet www.ebay.com, vários milhares de cópias materiais não originais de programas de computador sem o consentimento do titular, ou seja, a Microsoft. Também é facto assente que estas vendas constituem distribuições na aceção da disposição referida.

33.      Por conseguinte, as vendas das cópias em causa no processo principal constituem uma violação do direito de distribuição da Microsoft, exceto se for demonstrado que tais vendas estão abrangidas por uma derrogação ao direito de distribuição. A este respeito, a maior parte das observações submetidas ao Tribunal de Justiça é relativa à questão de saber se tais vendas estão abrangidas pela regra do esgotamento do direito de distribuição prevista no artigo 4.°, alínea c), segundo período, da Diretiva 91/250.

34.      Nas observações submetidas ao Tribunal de Justiça é possível identificar três abordagens relativamente à eventual aplicação da regra do esgotamento às cópias materiais não originais.

35.      Segundo uma abordagem estrita defendida pela Microsoft, assim como pelos Governos italiano e polaco, uma cópia material não original nunca pode beneficiar do esgotamento do direito de distribuição e, consequentemente, não pode ser vendida por um utilizador sem a autorização do titular.

36.      De acordo com uma abordagem liberal invocada pelos arguidos e pelo Governo letão, uma cópia material não original beneficia do esgotamento do direito de distribuição quando são respeitados os requisitos que foram estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão UsedSoft (5), nomeadamente:

–        o titular atribuiu, através do pagamento de um preço que se destina a permitir‑lhe obter uma remuneração correspondente ao valor económico da cópia da obra de que é proprietário, um direito de utilização da referida cópia, sem limite de duração, e

–        o adquirente inicial que procede à revenda da cópia material não original inutiliza qualquer outra cópia que possui no momento da revenda.

37.      Segundo uma abordagem intermédia proposta pela Comissão, a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão UsedSoft (6) apenas pode ser alargada às cópias materiais não originais num caso específico, a saber, quando a cópia material original tiver sido danificada. É certo que a realização de cópias materiais não originais para fins distintos dos enumerados no artigo 5.° da Diretiva 91/250, nomeadamente com vista à sua revenda, não pode beneficiar do esgotamento do direito de distribuição. Todavia, a realização de uma cópia material não original quando a cópia material original está danificada encontra‑se abrangida pelo artigo 5.°, n.os 1 ou 2, da Diretiva 91/250, uma vez que é necessária para que o adquirente legítimo possa utilizar a cópia de acordo com o fim a que se destina. A Comissão infere daí que a revenda de uma cópia material não original realizada em tais circunstâncias beneficia do esgotamento, desde que estejam reunidos os requisitos estabelecidos nesse acórdão, resumidos no n.° 36 das presentes conclusões.

38.      Os elementos seguintes parecem militar a favor da abordagem estrita defendida pela Microsoft, assim como pelos Governos italiano e polaco.

39.      Em primeiro lugar, a redação do artigo 4.°, alínea c), segundo período, da Diretiva 91/250, que estabelece a única derrogação ao direito de distribuição no âmbito desta diretiva, afigura‑se incompatível com as abordagens liberal e intermédia pelos dois motivos seguintes.

40.      Por um lado, a redação desta disposição limita o benefício do esgotamento apenas à cópia original. Com efeito, segundo tal disposição a venda de uma cópia de um programa de computador, pelo titular ou com o seu consentimento, «extinguirá o direito de distribuição dessa mesma cópia» (o sublinhado é meu). Como sublinha a Microsoft, a utilização da expressão «dessa mesma cópia» exclui que a regra do esgotamento possa ser invocada em relação a qualquer cópia distinta da cópia original vendida pelo titular ou com o seu consentimento.

41.      Por outro lado, a redação desta disposição não sujeita o esgotamento do direito de distribuição à circunstância de o revendedor ter inutilizado qualquer outra cópia que possua ou ainda à circunstância de a cópia material original ter sido deteriorada, ao contrário do que alegam os arguidos, o Governo letão e a Comissão. Na realidade, esta disposição estabelece o esgotamento do direito de distribuição de forma incondicional em relação a qualquer cópia original vendida pelo titular ou com o seu consentimento.

42.      Em segundo lugar, a abordagem estrita parece corresponder à conceção geral da regra do esgotamento do direito de distribuição conforme prevista pela legislação da União em matéria de direitos de autor, como alega a Microsoft. Uma disposição semelhante ao artigo 4.°, alínea c), segundo período, da Diretiva 91/250 foi introduzida no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2001/29/CE (7).

43.      Esta disposição foi interpretada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Art & Allposters International (8). Este acórdão dizia respeito a uma violação de direitos de autor, relativos a imagens de obras protegidas que foram, sem a autorização do titular, transferidas de um poster em papel para uma tela de pintura e em seguida vendidas neste novo suporte. O Tribunal de Justiça declarou que o esgotamento do direito de distribuição prevista no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2001/29 abrangia apenas o suporte de origem vendido com o consentimento do titular (poster em papel) e não podia ser alargada ao novo suporte que incorpora imagens da obra protegida (tela de pintura).

44.      Em meu entender, a circunstância de o suporte de origem ter sido deteriorado não compromete a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Art & Allposters International (9). Deste modo, a eventual deterioração do poster em papel não pode implicar que o utilizador tenha a possibilidade de transferir, sem violar o direito de distribuição, a imagem para uma tela de pintura e a revenda sem a autorização do titular. Da mesma forma, a deterioração de um livro não atribui ao seu proprietário o direito de vender uma fotocópia, tal como a deterioração de um disco vinil também não atribui o direito de transferir o seu conteúdo para um disco compacto e proceder à venda deste sem a autorização do titular.

45.      Por analogia, o esgotamento do direito de distribuição previsto no artigo 4.°, alínea c), segundo período, da Diretiva 91/250 beneficia apenas o suporte de origem vendido pelo titular ou com o seu consentimento (cópia original). Contrariamente ao que alegam os arguidos, o Governo letão e a Comissão, a regra do esgotamento não pode ser aplicada à revenda, sem o consentimento do titular, de outros suportes que incorporam o programa de computador (cópias materiais não originais), mesmo em caso de deterioração do suporte de origem.

46.      Em terceiro lugar, as abordagens liberal e intermédia parecem confundir as regras que regulam o direito de distribuição e as que regulam o direito de reprodução.

47.      O mesmo sucede quanto ao requisito de o revendedor ter de «inutilizar» qualquer cópia que possua no momento da revenda (10). De facto, esta obrigação, evocada nos n.os 70 e 78 do acórdão UsedSoft (11), é imposta ao revendedor sob pena de violar o direito de reprodução. Em contrapartida, tal obrigação não é relevante para efeitos da determinação da existência de uma violação do direito de distribuição.

48.      De igual modo, de acordo com a abordagem intermédia defendida pela Comissão (12), o utilizador que realiza uma cópia material não original nos termos do artigo 5.°, n.os 1 ou 2, da Diretiva 91/250 tem o direito, em determinadas condições, de distribuir tal cópia.

49.      Ora, estas disposições estabelecem derrogações apenas ao direito de reprodução. Mesmo admitindo que a cópia realizada por um utilizador é legal à luz dos requisitos estabelecidos no artigo 5.°, n.os 1 ou 2, da Diretiva 91/250, isto não implica que este utilizador tenha o direito de vender tal cópia sem violar o direito de distribuição. O direito de realizar uma cópia para sua própria utilização não atribui o direito de vender esta cópia a outrem.

50.      Em quarto lugar, julgo que a abordagem liberal defendida pelos arguidos e pelo Governo letão e a abordagem intermédia proposta pela Comissão impõem ao adquirente de uma cópia material não original um ónus da prova difícil, ou mesmo impossível, de satisfazer.

51.      Segundo tenho conhecimento, o Tribunal de Justiça nunca se pronunciou expressamente sobre o ónus da prova do esgotamento no âmbito da Diretiva 91/250. Não obstante, segundo os princípios gerais que regulam o ónus da prova, compete à parte que invoca um meio de defesa demonstrar que cumpre os requisitos previstos para o efeito. Em matéria de direito das marcas, o Tribunal de Justiça declarou, em conformidade com estes princípios, que incumbia à pessoa que invoca o esgotamento demonstrar que preenche os requisitos previstos para o efeito (13). Não vejo nenhuma razão para derrogar esta abordagem em matéria de direito de autor, que é igualmente defendida pela doutrina (14).

52.      Aplicando estes princípios, compete ao adquirente de uma cópia material não original demonstrar que os requisitos sugeridos pelos arguidos, o Governo letão e a Comissão estão preenchidos, apresentando, nomeadamente, a prova de que a cópia original está deteriorada e de que o revendedor inutilizou qualquer outra cópia que possuía. Em meu entender, para o adquirente é difícil, ou mesmo impossível, apresentar tal prova, em particular no âmbito de transações à distância como as que estão em causa no processo principal. Acrescento que, caso o adquirente não possa provar que a cópia adquirida beneficia do esgotamento, estará exposto ao risco de esta cópia ilegal ser confiscada nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 91/250.

53.      Em quinto e último lugar, julgo que a abordagem liberal defendida pelos arguidos e pelo Governo letão e a abordagem intermédia proposta pela Comissão complicam sensivelmente o combate às cópias de contrafação. Com efeito, como sublinhou a Microsoft, é frequentemente impossível, na prática, distinguir uma cópia de apoio legal (por ser realizada nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 91/250) de uma cópia de contrafação. Assim, permitir a venda de cópias de apoio, como sugerem os arguidos, o Governo letão e a Comissão, causaria grandes dificuldades práticas às autoridades encarregadas do combate à contrafação.

54.      À luz do exposto, considero que o artigo 4.°, alínea c), da Diretiva 91/250 deve ser interpretado no sentido de que o direito exclusivo de distribuição do titular é violado nas circunstâncias identificadas no n.° 5 das presentes conclusões.

C –    Quanto à existência de uma violação ao direito de reprodução por venda de cópias materiais não originais de programas de computador

55.      Ainda que a verificação de uma violação do direito de distribuição possa constituir uma resposta suficiente às questões submetidas ao Tribunal de Justiça, afigura‑se importante, tendo em conta as dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e as disposições da Diretiva 91/250 por este referidas, apreciar se o artigo 4.°, alínea a), assim como o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 91/250 devem ser interpretados no sentido de que o direito exclusivo de reprodução do titular é violado nas circunstâncias identificadas no n.° 25 das presentes conclusões.

56.      No processo principal, é pacífico que os arguidos venderam várias cópias materiais não originais de programas de computador, que foram realizadas sem a autorização do titular, ou seja, a Microsoft. A realização de tais cópias viola o direito de reprodução da Microsoft, exceto se for demonstrado que estão abrangidas por uma derrogação ao direito de reprodução.

57.      O artigo 5.° da Diretiva 91/250 estabelece duas derrogações potencialmente pertinentes nas circunstâncias do litígio em causa no processo principal e que foram evocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. O ato de reprodução não está, em princípio, sujeito à autorização do titular, por um lado, quando é necessário para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa se destina (artigo 5.°, n.° 1, dessa diretiva) ou, por outro, quando consiste em realizar uma cópia de apoio necessário para a sua utilização (artigo 5.°, n.° 2, da referida diretiva).

58.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, no momento em que foram realizadas, as cópias materiais não originais em causa no processo principal constituíam efetivamente cópias necessárias para a utilização dos programas ou das cópias de apoio na aceção destas disposições. As constatações fatuais comunicadas no despacho de reenvio não continham, em minha opinião, qualquer indicação a este respeito.

59.      Não obstante, mesmo admitindo que as cópias materiais não originais em causa no processo principal estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação das derrogações previstas no artigo 5.° da Diretiva 91/250 no momento em que foram realizadas, considero que a sua venda subsequente conduz à perda do benefício destas derrogações, pelos seguintes motivos.

60.      Por um lado, resulta da redação do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 que a cópia material não original deve ser realizada pelo adquirente legítimo de modo a permitir‑lhe utilizar o programa de computador de acordo com o fim a que esse programa se destina. Ora, em caso de revenda do programa de computador, este adquirente legítimo cede os direitos de utilização que possui sobre tal programa e deve deixar de o utilizar. Por conseguinte, deixa de poder cumprir o requisito de a cópia material não original lhe dever permitir utilizar o programa de computador de acordo com o fim a que esse programa se destina. Como afirmou a Comissão, o termo «utilização» que figura nesta disposição não pode ser interpretado no sentido de que inclui a realização de cópias materiais não originais para efeitos da sua revenda.

61.      Por outro lado, o artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 91/250 pressupõe que a pessoa que tem o direito de utilizar o programa faça uma cópia de apoio «na medida em que tal seja necessário para a sua utilização». Do mesmo modo, em caso de revenda do programa de computador, o detentor deverá deixar de o utilizar e já não poderá preencher este requisito.

62.      Resulta do exposto que, tal como alegaram a Microsoft e o Governo italiano, a venda de uma cópia material não original — que, por hipótese, não foi autorizada pelo titular — terá como consequência uma violação do direito de reprodução, devido à perda do benefício das derrogações previstas no artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 91/250.

63.      Os n.os 70 e 78 do acórdão UsedSoft (15) aparentemente corroboram esta interpretação, uma vez que o Tribunal de Justiça declarou que o revendedor deve inutilizar qualquer cópia que possua diferente da cópia revendida, sob pena de violar o direito de reprodução. Com efeito, considero que as cópias que têm de ser inutilizadas incluem, nomeadamente, as cópias realizadas pelo revendedor nos termos do artigo 5.°, n.os 1 ou 2, da Diretiva 91/250.

64.      Os arguidos afirmaram nas suas observações escritas que compraram todas as cópias dos programas de computador em causa no processo principal a empresas ou a particulares que já não as utilizavam.

65.      É evidente que não compete ao Tribunal de Justiça, mas ao órgão jurisdicional de reenvio, pronunciar‑se sobre esta questão de caráter factual. Caso seja demonstrado que os arguidos venderam efetivamente cópias materiais não originais realizadas por terceiros, a violação ao direito de reprodução previsto no artigo 4.°, alínea a), da Diretiva 91/250 não poderá, enquanto tal, ser‑lhes imputada.

66.      Nessa hipótese, os arguidos podem, não obstante, invocar o artigo 7.°, n.° 1, alíneas a) ou b), da Diretiva 91/250. A este respeito, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se os arguidos preenchem os requisitos impostos por estas disposições e, em particular, se sabiam ou tinham razões para julgar que as cópias em causa no processo principal eram ilegais.

67.      Acrescento que as cópias ilegais de um programa de computador podem ser confiscadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 91/250.

68.      À luz do exposto, considero que o artigo 4.°, alínea a), assim como o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 91/250 devem ser interpretados no sentido de que o direito exclusivo de reprodução do titular é violado nas circunstâncias identificadas no n.° 5 das presentes conclusões.

D –    Quanto ao alcance do acórdão UsedSoft no âmbito do presente processo

69.      Os arguidos, o Governo letão e a Comissão invocaram vários excertos do acórdão UsedSoft (16) nas suas observações. O órgão jurisdicional de reenvio questiona igualmente a relevância deste acórdão nas circunstâncias do processo principal.

70.      Tendo apreciado a existência de uma violação ao direito de distribuição e de uma violação ao direito de reprodução em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, é ainda importante, em meu entender, apresentar as razões pelas quais considero que este acórdão apenas tem uma relevância limitada no âmbito do presente processo.

71.      Há que recordar que este processo dizia respeito à revenda em segunda mão, pela UsedSoft, de licenças de utilização respeitantes às cópias imateriais de um programa de computador descarregadas a partir do sítio Internet do titular, a Oracle. Esta opôs‑se a tal prática de revenda alegando, nomeadamente, que a regra do esgotamento do direito de distribuição não era aplicável a essas cópias imateriais (17).

72.      O Tribunal de Justiça declarou que a regra do esgotamento devia ser aplicada tanto às cópias materiais como às cópias imateriais de um programa de computador (18). No que respeita especificamente às cópias imateriais, o Tribunal de Justiça precisou que o esgotamento devia beneficiar uma cópia imaterial descarregada através da Internet quando o titular atribuiu, mediante o pagamento de um preço que se destina a permitir‑lhe obter uma remuneração correspondente ao valor económico da cópia da obra de que é proprietário, um direito de utilização da referida cópia, sem limite de duração (19).

73.      Por outro lado, e com vista a preservar o efeito útil da regra do esgotamento, o Tribunal de Justiça declarou que, por derrogação ao direito de reprodução exclusivo do titular, o segundo adquirente de tal cópia imaterial tem o direito de realizar uma cópia para o seu computador com vista a utilizar o programa de acordo com o fim a que este se destina, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/250 (20).

74.      Em minha opinião, a solução adotada pelo Tribunal de Justiça neste acórdão foi ditada pela vontade de preservar o efeito útil do esgotamento do direito de distribuição alargando o seu âmbito de aplicação às cópias imateriais de programas de computador. De facto, a solução contrária teria encorajado os titulares a distribuírem os seus programas de computador de forma imaterial a fim de contornarem a regra do esgotamento.

75.      Ora, as circunstâncias do litígio em causa no processo principal são sensivelmente distintas das que deram origem ao acórdão UsedSoft (21).

76.      Por um lado, nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça no presente processo permite considerar que os arguidos venderam licenças de utilização respeitantes às cópias imateriais, que constituíram o objeto do acórdão UsedSoft (22). Em contrapartida, é pacífico que o litígio em causa no processo principal é relativo a cópias materiais não originais de programas de computador.

77.      Por outro lado, os motivos que conduziram o Tribunal de Justiça à solução adotada neste acórdão não são transponíveis para o caso em apreço. Com efeito, no contexto mais «clássico» de cópias materiais originais vendidas com o consentimento do titular, não existe risco específico de afetar o efeito útil da regra do esgotamento do direito de distribuição. Sublinho, a este respeito, que a Microsoft não contesta que as cópias materiais originais dos seus programas de computador, vendidas pela própria ou com o seu consentimento, beneficiam do esgotamento do direito de distribuição. Deste modo, ao contrário da Oracle no processo UsedSoft (23), a Microsoft não se opõe ao aparecimento de um mercado de venda em segunda mão de cópias originais, mas ao aparecimento de um mercado de venda em segunda mão de cópias não originais realizadas e vendidas sem o seu consentimento.

78.      Atendendo a estas diferenças entre as circunstâncias do presente processo e as que deram origem ao acórdão UsedSoft (24), considero que este acórdão apenas tem uma relevância limitada no âmbito do presente processo. Como afirmou acertadamente a Comissão, a questão da revenda de cópias materiais não originais simplesmente não foi apreciada pelo Tribunal de Justiça neste acórdão.

79.      O interesse desta precisão não é unicamente teórico. Com efeito, daqui decorre que a solução adotada em tal acórdão, que estabelece as condições em que a revenda de uma cópia imaterial não viola o direito de distribuição, não é aplicável por analogia a circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, contrariamente ao que alegam os arguidos, o Governo letão e a Comissão (25).

80.      Resumindo, a solução adotada no acórdão UsedSoft (26) visa o contexto específico da venda de licenças de utilização respeitantes às cópias imateriais de programas de computador, o qual não tinha sido explicitamente previsto pelo legislador da União no momento da adoção da Diretiva 91/250. Fora deste contexto específico, importa efetuar uma aplicação clássica das disposições que regulam os direitos exclusivos de distribuição e de reprodução, em particular dos artigos 4.° e 5.° da Diretiva 91/250.

E –    Quanto às consequências práticas da abordagem proposta

81.      As consequências práticas da abordagem que proponho ao Tribunal de Justiça são as seguintes.

82.      Quando a cópia original de um programa de computador, vendida pelo titular ou com o seu consentimento, é incorporada num suporte material, apenas esta cópia material original beneficia da regra do esgotamento do direito de distribuição. Aliás, o revendedor de tal cópia tem de inutilizar qualquer outra cópia que possua, sob pena de violar o direito de reprodução. Por conseguinte, esta abordagem constitui um obstáculo jurídico ao aparecimento de um mercado em segunda mão para as cópias materiais não originais de programas de computador, mas não impede o aparecimento de tal mercado para as cópias originais.

83.      Quando a cópia original não é incorporada num suporte material, deve ser aplicada a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão UsedSoft (27) a fim de preservar o efeito útil da regra do esgotamento. Deste modo, o direito de distribuição sobre a cópia imaterial extingue‑se se o titular tiver atribuído, mediante o pagamento de um preço que se destina a permitir‑lhe obter uma remuneração correspondente ao valor económico da cópia da obra de que é proprietário, um direito de utilização da referida cópia, sem limite de duração (n.° 72). Além disso, o revendedor tem de inutilizar qualquer outra cópia que possua, sob pena de violar o direito de reprodução (n.os 70 e 78). Esta solução permite o aparecimento de mercado em segunda mão para as cópias imateriais de programas de computador.

VI – Conclusão

84.      Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões prejudiciais submetidas pelo Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu tiesu kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Penal):

«O artigo 4.°, alíneas a) e c), assim como o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador, conforme alterada pela Diretiva 93/98/CEE do Conselho, de 29 de outubro de 1993, relativa à harmonização do prazo de proteção dos direitos de autor e de certos direitos conexos, devem ser interpretados no sentido de que os direitos exclusivos de reprodução e de distribuição do titular são violados quando é realizada uma cópia de um programa de computador por um utilizador, sem a autorização do titular, num suporte material diferente do suporte material de origem e esta cópia é vendida, sem a autorização do titular, por tal utilizador ou por outro utilizador, mesmo nos casos em que:

–        o suporte material de origem está danificado, e

–        o vendedor da referida cópia inutiliza qualquer outra cópia na sua posse.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


3 —      V., nomeadamente, acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne (C‑650/13, EU:C:2015:648, n.° 36 e jurisprudência referida).


4 —      V., nomeadamente, acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne (C‑650/13, EU:C:2015:648, n.° 37 e jurisprudência referida).


5 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


6 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


7 —      Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10). Nos termos do seu artigo 4.°, n.° 2, «[o] direito de distribuição não se esgota, na [União], relativamente ao original ou às cópias de uma obra, exceto quando a primeira venda ou qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade desse objeto, na [União], seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento» (o sublinhado é meu).


8 —      Acórdão de 22 de janeiro de 2015 (C‑419/13, EU:C:2015:27).


9 —      Acórdão de 22 de janeiro de 2015 (C‑419/13, EU:C:2015:27).


10 —      V. n.° 36 das presentes conclusões.


11 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


12 —      V. n.° 37 das presentes conclusões.


13 —      V., neste sentido, acórdão de 20 de novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss (C‑414/99 a C‑416/99, EU:C:2001:617, n.° 54). O Tribunal de Justiça declarou igualmente que os artigos 34.° e 36.° TFUE não se opõem a uma regra nacional que prevê que os pressupostos do esgotamento devem ser provados pela pessoa que o invoca, exceto quando tal regra permite que o titular da marca compartimente os mercados nacionais: v., neste sentido, acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q (C‑244/00, EU:C:2003:204, n.os 35 a 42).


14 —      Walter, M. M., e von Lewinski, S., European Copyright Law: A Commentary, Oxford University Press, Oxford, 2010, n.° 5.4.33: «Whoever alleges that the right of distribution with regard to a specific copy is exhausted, in principle, has to bear the burden of proof according to the general rules» (tradução livre: «Qualquer pessoa que alegue que o direito de distribuição está esgotado relativamente a uma cópia específica deve, em princípio, suportar o ónus da prova, nos termos das regras gerais»).


15 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


16 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


17 —      Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.° 53).


18 —      Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.° 59).


19 —      Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.° 72).


20 —      Acórdão de 3 de julho de 2012, UsedSoft (C‑128/11, EU:C:2012:407, n.os 83 e 88).


21 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


22 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


23 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


24 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


25 —      V. n.os 36 e 37 das presentes conclusões.


26 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).


27 —      Acórdão de 3 de julho de 2012 (C‑128/11, EU:C:2012:407).