Language of document : ECLI:EU:T:2006:28

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

26 de Janeiro de 2006 (*)

«Dumping – Importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China – Alteração do regulamento que institui um direito antidumping definitivo – Falta de efeito retroactivo – Anulação pelo Tribunal de Primeira Instância – Acção de indemnização – Violação suficientemente caracterizada»

No processo T‑364/03,

Medici Grimm KG, com sede em Rodgau Hainhausen (Alemanha), representada por R. MacLean, solicitor, e E. Gybels, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bishop, na qualidade de agente, assistido por G. Berrisch, advogado,

demandado,

apoiado por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por N. Khan e T. Scharf, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto uma acção intentada nos termos do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, destinada a obter a reparação dos danos alegadamente sofridos pela demandante pelo facto de não ter sido atribuído efeito retroactivo ao Regulamento (CE) n.° 2380/98 do Conselho, de 3 de Novembro de 1998, que altera o Regulamento (CE) n.° 1567/97 que cria um direito antidumping definitivo sobre as importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China (JO L 296, p. 1), parcialmente anulado pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 2000, Medici Grimm/Conselho (T‑7/99, Colect., p. II‑2671),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, P. Mengozzi e I. Wiszniewska‑Białecka, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Setembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2331/96 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO L 317, p. 1), e pelo Regulamento (CE) n.° 905/98 do Conselho, de 27 de Abril de 1998 (JO L 128, p. 18) (a seguir «regulamento de base»), institui o quadro jurídico aplicável na Comunidade em matéria de dumping na data em que ocorreram os factos do presente processo, a saber, 6 de Novembro de 1998, data da entrada em vigor do Regulamento (CE) n.° 2380/98 do Conselho, de 3 de Novembro de 1998, que altera o Regulamento (CE) n.° 1567/97 que cria um direito antidumping definitivo sobre as importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China (JO L 296, p. 1).

2        O artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base dispõe:

«Qualquer produto objecto de dumping pode ser sujeito a um direito antidumping sempre que a sua introdução em livre prática na Comunidade causar prejuízo.»

3        O artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base dispõe:

«A necessidade de manter em vigor as medidas [antidumping] poderá igualmente ser reexaminada, sempre que tal se justifique, por iniciativa da Comissão [ou] de um Estado‑Membro ou, na condição de ter decorrido um prazo razoável, de pelo menos um ano, desde a instituição das medidas definitivas, a pedido de qualquer exportador ou importador ou dos produtores comunitários que forneçam elementos de prova suficientes que justifiquem a necessidade de um reexame intercalar.

Será iniciado um reexame intercalar sempre que o pedido contenha elementos de prova suficientes de que a aplicação da medida deixou de ser necessária para compensar o dumping e/ou de que é improvável que o prejuízo subsista ou volte a ocorrer caso a medida fosse suprimida ou alterada ou ainda de que a medida existente não é, ou deixou de ser, suficiente para neutralizar o dumping que causa o prejuízo.

Nos inquéritos ao abrigo do presente número, a Comissão pode, nomeadamente, analisar em que medida as circunstâncias relacionadas com o dumping e o prejuízo sofreram ou não alterações significativas ou se as medidas em vigor estão ou não a alcançar os resultados pretendidos na eliminação do prejuízo anteriormente estabelecido, nos termos do artigo 3.° A este respeito, serão tomados em consideração na determinação final todos os elementos de prova documental pertinentes.»

4        O n.° 5 do mesmo artigo dispõe:

«Serão aplicáveis a qualquer reexame realizado nos termos dos n.os 2, 3 e 4 as disposições pertinentes do presente regulamento no que respeita aos processos e à tramitação processual, com excepção das que dizem respeito aos prazos. Esses reexames serão realizados prontamente e serão normalmente concluídos num prazo de doze meses a contar da data do seu início.»

5        O n.° 6 do mesmo artigo dispõe:

«Os reexames nos termos do presente artigo serão iniciados pela Comissão após consulta do comité consultivo. Sempre que os reexames o justifiquem, as medidas serão revogadas ou mantidas nos termos do n.° 2 ou serão revogadas, mantidas ou alteradas nos termos dos n.os 3 e 4 pela instituição comunitária responsável pela sua adopção [...]»

6        O n.° 8 do mesmo artigo prevê:

«Sem prejuízo do n.° 2, um importador pode pedir um reembolso dos direitos cobrados sempre que se comprovar que a margem de dumping na base do pagamento de direitos foi eliminada ou reduzida para um nível inferior ao nível do direito em vigor.

A fim de solicitar um reembolso de direitos antidumping, o importador apresentará um pedido à Comissão. O pedido será apresentado através do Estado‑Membro em cujo território os produtos foram introduzidos em livre prática no prazo de seis meses a contar da data em que o montante dos direitos definitivos a cobrar foi devidamente determinado pelas autoridades competentes ou da data em que foi tomada uma decisão definitiva de cobrança dos montantes garantidos através de direitos provisórios. Os Estados‑Membros transmitirão imediatamente o pedido à Comissão.

[…]»

 Antecedentes do litígio

7        O presente litígio inscreve‑se no âmbito do contencioso que opôs a demandante à Comissão e ao Conselho na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.° 2380/98.

8        Em 1996, a Comissão deu início a um processo antidumping relativo às importações de bolsas originárias da República Popular da China (JO 1996, C 132, p. 4). Nem a demandante, que importava bolsas de couro produzidas pela Lucci Creation Ltd, sociedade com sede em Hong Kong, que possuía estabelecimentos industriais na China e produzia bolsas de couro fabricadas exclusivamente para a demandante na comunidade, nem a Lucci Creation participaram no inquérito da Comissão.

9        Com o Regulamento (CE) n.° 209/97, de 3 de Fevereiro de 1997, que cria um direito antidumping provisório sobre as importações de certas bolsas originárias da República Popular da China (JO L 33, p. 11), que entrou em vigor em 4 de Fevereiro de 1997, a Comissão instituiu direitos antidumping provisórios de 39,2%, no máximo, sobre as referidas importações.

10      Com o Regulamento (CE) n.° 1567/97, de 1 de Agosto de 1997, que cria um direito antidumping definitivo sobre as importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China e que encerra o processo relativo às importações de bolsas de folhas de plástico ou de matérias têxteis originárias da República Popular da China (JO L 208, p. 31), que entrou em vigor em 3 de Agosto de 1997, o Conselho institui direitos antidumping definitivos de 38%, no máximo, sobre as importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China. Não tendo participado no processo, a Lucci Creation não obteve um tratamento individual e as importações dos seus produtos na Comunidade pela demandante foram sujeitas à taxa residual de 38%. A demandante não impugnou o Regulamento n.° 1567/97.

11      Em 13 de Setembro de 1997, isto é, nas seis semanas seguintes à publicação do Regulamento n.° 1567/97, depois de um grande número de produtores e de exportadores da República Popular da China terem estabelecido contacto com a Comissão para pedir um tratamento individual e quando a Comissão já não podia ter esses pedidos em consideração, por terem sido apresentadas depois do prazo fixado para o inquérito inicial, a Comissão publicou um aviso em que convidava os produtores e os exportadores a apresentarem elementos que justificassem a abertura de um processo de reexame intercalar das medidas antidumping impostas pelo Regulamento n.° 1567/97 (JO C 278, p. 4). A Lucci Creation, na sua qualidade de produtora e de exportadora, respondeu a este convite com o envio das informações pedidas pela Comissão.

12      Em 13 de Dezembro de 1997, a Comissão publicou um aviso (JO C 378, p. 8) que dava formalmente início a um reexame intercalar das medidas antidumping instituídas pelo Regulamento n.° 1567/97, quando, por um lado, ainda não tinha decorrido o prazo de um ano, previsto no artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base, a contar da instituição da medida definitiva, que consiste no presente caso na adopção do Regulamento n.° 1567/97, no dia 1 de Agosto de 1997, depois do qual os importadores ou exportadores podem pedir à Comissão, mediante a junção de provas, um reexame intercalar, e quando, por outro, nenhuma alteração das circunstâncias podia ter motivado o início do reexame pela Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 2000, Medici Grimm/Conselho, T‑7/99, Colect., p. II‑2671, n.° 83, a seguir «acórdão Medici Grimm I»). Entretanto, a Comissão indicava no seu aviso que o alcance do reexame estava limitado à questão do tratamento individual dos produtores e dos exportadores. O período de inquérito estabelecido era o mesmo que fora objecto do processo que levou à adopção do Regulamento n.° 1567/97, a saber, o período compreendido entre o dia 1 de Abril de 1995 e o dia 31 de Março de 1996 (a seguir «período de inquérito»).

13      No decurso deste novo inquérito, as importações de bolsas que não tinham beneficiado de um tratamento individual ao abrigo do Regulamento n.° 1567/97 continuaram a estar sujeitas ao direito antidumping residual de 38%.

14      Durante esse mesmo inquérito, a demandante invocou diversas vezes por escrito perante a Comissão que era necessário atribuir efeito retroactivo ao regulamento que viesse a ser adoptado no fim desse inquérito, designadamente porque os dados utilizados no decurso do mesmo eram relativos ao mesmo período que fora objecto do inquérito inicial, que levou à adopção do Regulamento n.° 1567/97. Pelo mesmo motivo, a demandante pediu diversas vezes à Comissão o reembolso dos direitos antidumping pagos por ela depois do dia 3 de Agosto de 1997, data da entrada em vigor do Regulamento n.° 1567/97. Explicava igualmente que não tinha dado início ao procedimento de reembolso nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento de base, por esperar que as novas medidas viessem a ser aplicadas retroactivamente.

15      Em 17 de Agosto de 1998, apresentou, contudo, nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento de base, um primeiro pedido de reembolso junto das autoridades alfandegárias alemãs no montante de 1 046 675,81 marcos alemães (DEM), correspondente aos direitos antidumping pagos por ela até essa data.

16      A título de resposta preliminar, a Comissão informou a demandante, por carta de 14 de Setembro de 1998, que se afigurava que quinze pagamentos, correspondentes a um total de 406 755,77 DEM, tinham sido efectuados antes do período de seis meses que antecedeu a apresentação do pedido de reembolso e não podiam, por isso, ser tidos em conta nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento de base.

17      No documento relativo à informação final, de 27 de Agosto de 1998, a Comissão confirmou que a demandante e a Lucci Creation beneficiavam de uma margem de dumping de 0% e indeferiu o pedido da demandante no que respeita à aplicação retroactiva da taxa dos direitos revistos.

18      Em 3 de Novembro de 1998, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 2380/98, do qual resulta que, durante o período de inquérito, não foi verificado qualquer dumping no que respeita às importações de produtos da Lucci Creation pela demandante e que, consequentemente, esta sociedade podia beneficiar de uma margem individual de dumping de 0%. Entretanto, o Conselho indeferiu o pedido de efeito retroactivo fundamentando a sua posição, por um lado, no carácter prospectivo das medidas adoptadas na sequência dos inquéritos de reexame e, por outro, «pelo facto de tal implicar que esses exportadores que recebem em resultado do presente inquérito uma taxa de direito inferior ao direito residual acabar[iam] por ser indevidamente compensados pela sua não cooperação no inquérito inicial».

19      Em 3 de Dezembro de 1998, a demandante apresentou um segundo pedido de reembolso às autoridades alfandegárias alemãs num montante de 409 777,34 DEM, correspondente aos direitos antidumping que foram pagos entre o dia 18 de Agosto e o dia 6 de Novembro de 1998.

20      Em 12 de Janeiro de 1999, a demandante interpôs no Tribunal de Primeira Instância o recurso que deu origem ao acórdão Medici Grimm I.

21      Em 24 de Janeiro de 2000, a Comissão adoptou uma decisão relativa aos dois pedidos de reembolso dos direitos antidumping que foram apresentados pela demandante até àquela data. Essa decisão defere os pedidos de reembolso dos direitos num total de 1 049 697,38 DEM e indefere pedidos no valor de 406 755,77 DEM, por esses direitos terem sido pagos por operações efectuadas anteriormente ao período de seis meses que precedeu o pedido de reembolso.

22      Por volta do dia 30 de Março de 2000, as autoridades alfandegárias alemãs efectuaram um primeiro reembolso de direitos antidumping à demandante, no valor de 682 385,46 DEM. Este montante representava o valor autorizado pela decisão da Comissão de 24 de Janeiro de 2000, com a dedução dos montantes retidos pelas autoridades alemãs depois de um controlo dos registos de importação da demandante.

23      Por volta do dia 2 de Junho de 2000, as autoridades alemãs reembolsaram um montante suplementar de 229 502,16 DEM, que representava os direitos reavaliados para o período de 17 de Fevereiro a 5 de Novembro de 1998. Contudo, este reembolso era provisional, pois estava sujeito à condição de que viesse a decorrer o processo de revisão da decisão da Comissão de 24 de Janeiro de 2000, previsto no n.° 4 da mesma. No dia 6 de Junho de 2000, a demandante apresentou por isso um terceiro pedido de reembolso, por esse montante.

24      Em 29 de Junho de 2000, o Tribunal de Primeira Instância proferiu o seu acórdão Medici Grimm I. Com esse acórdão, o Tribunal anulou o artigo 2.° do Regulamento n.° 2380/98 na medida em que o Conselho não extraiu todas as consequências das conclusões do inquérito de reexame relativamente às importações pela demandante dos produtos da Lucci Creation.

25      Depois de ter verificado que nenhuma alteração de circunstâncias podia ter motivado o início do reexame pela Comissão, o Tribunal de Primeira Instância observou que a Comissão decidira utilizar o mesmo período de inquérito que esteve na base da instituição dos direitos definitivos pelo Regulamento n.° 1567/97. Daqui deduziu que o Conselho não tinha procedido a um reexame das medidas em vigor, mas, na realidade, tinha reaberto o processo inicial. Consequentemente, as instituições não podiam invocar a economia e os fins do processo de reexame para se oporem ao pedido da demandante destinado a obter o efeito retroactivo da taxa individual de 0% que lhe foi concedida pelo Regulamento n.° 2380/98.

26      Assim, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que, quando, no âmbito de um inquérito como o que teve lugar no presente processo, as instituições verificaram que não existia um dos elementos com base nos quais os direitos antidumping definitivos foram impostos, já não se podia considerar que estavam reunidas as condições previstas no artigo 1.° do regulamento de base quando da adopção do Regulamento n.° 1567/97 e que eram necessárias medidas de defesa comercial contra as importações da Lucci Creation para a Comunidade. Uma vez que as instituições verificaram que a Lucci Creation não praticara dumping durante o período de inquérito, devem atribuir efeito retroactivo a essa conclusão.

27      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância anulou parcialmente o Regulamento n.° 2380/98 na parte em que o Conselho não atribuiu efeito retroactivo à alteração da taxa do direito antidumping imposto às importações dos produtos da Lucci Creation pela demandante. Contudo, o Tribunal manteve esse regulamento em vigor até que as instituições adoptassem as medidas para dar cumprimento ao acórdão.

28      Não houve recurso deste acórdão.

29      Em 22 de Janeiro de 2001, na sequência da apresentação, pela Comissão, de uma proposta de regulamento que alterava o Regulamento n.° 1567/97, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 133/2001 que altera o Regulamento (CE) n.° 1567/97 no que respeita à data de aplicação de certas medidas antidumping aplicáveis às importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China (JO L 23, p. 9), para dar cumprimento ao acórdão Medici Grimm I.

30      O artigo 1.° do Regulamento n.° 133/2001 adita o seguinte parágrafo ao artigo 3.° do Regulamento n.° 1567/97:

«No que respeita às bolsas de couro fabricadas pela empresa Lucci Creation, Ltd que são importadas por Medici Grimm KG [...], a taxa do direito de 0,0% é aplicável a partir de 3 de Agosto de 1997.»

31      Este regulamento entrou em vigor em 26 de Janeiro de 2001.

32      Por volta do dia 9 de Fevereiro de 2001, após a adopção do Regulamento n.° 133/2001, as autoridades alfandegárias alemãs efectuaram dois reembolsos suplementares de 16 068,60 DEM e de 120 369,64 DEM, correspondentes aos pagamentos retidos na sequência da reavaliação dos direitos antidumping devidos pela demandante pelo período anterior ao dia 17 de Fevereiro de 1998.

33      Por volta do dia 19 de Fevereiro de 2001, as autoridades alfandegárias alemãs efectuaram um último reembolso de 425 115,90 DEM.

 Tramitação processual e pedidos das partes

34      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 31 de Outubro de 2003, a demandante intentou a presente acção.

35      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Fevereiro de 2004, a Comissão pediu que fosse admitida a sua intervenção no presente processo em apoio do Conselho. Por despacho de 6 de Maio de 2004, o presidente da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu essa intervenção.

36      Por carta de 18 de Junho de 2004, a Comissão informou o Tribunal de Primeira Instância de que renunciava à apresentação de alegações de intervenção, mas que iria intervir na fase oral do processo.

37      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral.

38      Na audiência de 14 de Setembro de 2005, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal.

39      A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar a acção admissível;

–        declarar que, nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, o Conselho é responsável pelos danos que lhe foram causados e condenar o Conselho a pagar‑lhe uma indemnização por perdas e danos no montante total de 168 315 EUR ou a pagar‑lhe qualquer outro montante que o Tribunal venha a considerar adequado;

–        condenar o Conselho nas despesas.

40      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar a acção improcedente;

–        condenar a demandante nas despesas.

41      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne declarar a acção improcedente.

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

42      Sem suscitar formalmente um questão prévia de inadmissibilidade por requerimento separado nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o Conselho sustenta, apesar disso, que a acção é inadmissível. Defende que a petição não preenche as exigências do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, por duas razões.

43      Em primeiro lugar, a demandante não fornece elementos suficientes que permitam identificar o acto comunitário ou o comportamento que terá causado o dano, pois designa sucessivamente o Regulamento n.° 2380/98, uma omissão do Conselho, as «actuações ilegais do Conselho aquando da adopção» do Regulamento n.° 2380/98, ou a «manutenção» dos direitos antidumping. Seja como for, não especificou, por cada um deles, a razão pela qual esse acto ou comportamento constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito destinada a protegê‑la e a razão pela qual lhe causou um dano.

44      Em segundo lugar, a demandante não fornece precisões suficientes sobre a ou as regra(s) de direito que o Conselho terá violado. A petição baseia‑se simultaneamente «nos artigos 1.° e 15.°, no artigo 11.°, n.° 3, no artigo 7.°, n.° 1, no artigo 9.°, n.° 4, [do regulamento de base] e – de uma forma geral – nas ‘protecções concedidas nos termos do regulamento de base’». Também aqui, a demandante não explica, relativamente a cada uma destas disposições, em que medida é que o Conselho a violou nem de que forma esta se destinava a proteger os seus interesses.

45      A demandante retorque que a sua acção é admissível. Em primeiro lugar, foi a adopção do Regulamento n.° 2380/98, mais especificamente a recusa do Conselho de extrair todas as consequências das conclusões do inquérito de reexame, que causou o dano. Em segundo lugar, a regra de direito que terá sido violada está suficientemente identificada. É o artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base, tendo‑se unicamente mencionado as outras disposições do regulamento de base referidas na petição (o artigo 7.°, n.° 1, o artigo 9.°, n.° 4, e o artigo 11.°, n.° 5) por elas sustentarem, na opinião da demandante, o princípio fundamental formulado no artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base.

46      A demandante acrescenta que a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho deve ser indeferida atendendo ao artigo 46.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, pois o Conselho não pediu que a acção seja declarada inadmissível, o que o Conselho contesta, alegando que o seu pedido principal de que a acção seja julgada improcedente é suficiente.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

47      Importa observar liminarmente que a presente acção é formalmente dirigida contra o Conselho e não contra a Comunidade. No entanto, segundo jurisprudência assente, o facto de se intentar uma acção contra a própria instituição com vista a questionar, com base no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, a responsabilidade extracontratual da Comunidade devido a um dano alegadamente causado por uma instituição da Comunidade não implica a sua inadmissibilidade. Com efeito, tal acção deve ser considerada intentada contra a Comunidade representada por essa instituição (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1989, Briantex e Di Domenico/CEE e Comissão, 353/88, Colect., p. 3623, n.° 7, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Abril de 2002, Lamberts/Provedor, T‑209/00, Colect., p. II‑2203, n.° 48).

48      No que se refere à procedência do fundamento de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho, se bem que o artigo 46.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo disponha que a contestação deve conter o pedido do demandado, este artigo não distingue o pedido relativo à admissibilidade da acção do pedido relativo ao mérito da acção ou do recurso. Este artigo também não exige que o demandado ou recorrido precise no seu pedido, para além dos argumentos desenvolvidos no corpo da sua contestação, por que razão o Tribunal de Primeira Instância deve julgar procedente ou improcedente a acção ou o recurso.

49      No presente caso, o Conselho indicou expressamente, no corpo da sua contestação, que considerava que a acção devia ser declarada inadmissível e, no pedido final, que pedia ao Tribunal de Primeira Instância que julgasse a acção improcedente. Consequentemente, o argumento da demandante relativo à rejeição da questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho deve ser rejeitado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Fevereiro de 2000, ADT Projekt/Comissão, T‑145/98, Colect., p. II‑387, n.os 67 e 69). De qualquer modo, a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho é de ordem pública e pode ser suscitada oficiosamente pelo órgão jurisdicional.

50      Por conseguinte, deve apreciar‑se a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho.

51      Nos termos do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do referido Estatuto e do artigo 44.°, n.° 1, alíneas c) e d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve indicar o objecto do litígio e fazer uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir o recurso. Tendo em vista garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente e de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Maio de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T‑195/95, Colect., p. II‑679, n.° 20, e de 3 de Fevereiro de 2005, Chiquita Brands e o./Comissão, T‑19/01, Colect., p. II‑0000, n.° 64).

52      A fim de preencher estas condições, uma petição destinada a obter a reparação de danos alegadamente causados por uma instituição comunitária deve conter os elementos que permitam identificar o comportamento que o demandante censura à instituição, as razões por que considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que alega ter sofrido e o carácter e a extensão deste prejuízo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão, T‑64/89, Colect., p. II‑367, n.° 73, e Chiquita Brands e o./Comissão, já referido, n.° 65).

53      No presente caso, só se discute a identificação do comportamento censurado ao Conselho.

54      No que se refere ao acto do Conselho que terá causado o dano, resulta claramente dos autos, designadamente das indicações que constam da petição e da réplica, que se trata da adopção do Regulamento n.° 2380/98 e, mais especificamente, da recusa do Conselho em extrair, nesse regulamento, todas as conclusões do inquérito que esteve na origem da sua adopção. Por conseguinte, a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho, relativa à falta de identificação do acto que causou o dano, deve ser rejeitada.

55      No que respeita à identificação da regra de direito que terá sido violada, é verdade que a petição remete não só para o artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base mas também para o seu artigo 7.°, n.° 1, para o seu artigo 9.°, n.° 4, e para o seu artigo 11.°, n.° 5, precisando que «essas disposições têm o objectivo de proteger os indivíduos da imposição arbitrária e injustificada de direitos antidumping quando os três critérios essenciais não estão preenchidos». Contudo, a demandante especificou na sua réplica que só invocava a violação do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base e que as outras disposições desse regulamento referidas na petição só foram mencionadas para ilustrar o princípio fundamental estabelecido nesse artigo. Atendendo a este elemento e tendo em consideração, por um lado, que a violação do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base foi suscitada pela demandante na sua petição e, por outro, que se admite que um demandante precise o seu pedido na réplica (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962‑1964, pp. 279, 295), a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho, sustentada na alegada falta de identificação da regra de direito que terá sido violada pelo Conselho, também deve ser rejeitada.

56      De resto, os autos demonstram que o Conselho pôde assegurar a sua defesa tanto no que se refere ao comportamento ilegal que lhe é censurado como no que se refere à regra de direito que terá sido violada.

57      Resulta do exposto que a acção é admissível.

 Quanto ao mérito

58      A título preliminar, o Tribunal de Primeira Instância verifica que a presente acção é um pedido de reparação do dano, fundada no artigo 235.° CE e no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.

59      Resulta de jurisprudência assente que a invocação da responsabilidade extracontratual da Comunidade, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, está subordinada à verificação de um conjunto de condições, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado à instituição, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16, e do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Março de 2005, EnBW Kernkraft/Comissão, T‑283/02, Colect., p. II‑0000, n.° 84).

60      Quando uma destas condições não está preenchida, o pedido deve ser julgado improcedente na sua totalidade, sem ser necessário apreciar os outros pressupostos da responsabilidade extracontratual em causa (acórdão EnBW Kernkraft/Comissão, já referido, n.° 85).

61      É pacífico, no presente caso, que o acórdão Medici Grimm I declarou a ilegalidade do comportamento censurado ao Conselho pela demandante, a saber, a adopção do Regulamento n.° 2380/98 sem a atribuição de um efeito retroactivo à alteração da taxa do direito antidumping imposta às importações pela demandante dos produtos da Lucci Creation, e que, segundo o n.° 87 desse acórdão, a violação do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base pelo Conselho também foi declarada.

62      Contudo, esta circunstância não é suficiente para considerar que a primeira condição para invocar à responsabilidade extracontratual da Comunidade, relativa à ilegalidade do comportamento censurado à instituição em causa, está preenchida. Com efeito, relativamente a esta condição, a jurisprudência exige que se verifique uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 42).

63      Como as duas condições relativas à natureza da regra de direito invocada e à gravidade da sua violação são cumulativas, deve apreciar‑se, de imediato, nas circunstâncias do presente caso, a questão de saber se o comportamento do Conselho constitui uma violação suficientemente caracterizada do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base.

 Argumentos das partes

64      A demandante alega que o critério decisivo para se considerar que uma violação do direito comunitário é suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando essa instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou esta nem sequer existe, a simples infracção do direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada.

65      No presente caso, o Conselho tinha de ter extraído as conclusões das suas constatações e ter dado um efeito retroactivo às medidas adoptadas sem dispor de margem de apreciação. Ainda na opinião da demandante, o Tribunal de Primeira Instância já apreciou essa questão nos n.os 85 e 86 do acórdão Medici Grimm I. Assim, o acórdão Medici Grimm I estabelece que o Conselho não dispunha de poder discricionário para decidir extrair ou não todas as consequências do reexame e, por isso, a simples infracção do direito comunitário é suficiente para declarar a existência de uma violação suficientemente caracterizada.

66      A demandante acrescenta que três elementos complementares ilustram o facto de o Conselho ter pouca ou nenhuma margem de apreciação quando adoptou o Regulamento n.° 2380/98. Primeiro, esse regulamento tinha um âmbito de aplicação e um alcance limitado. Segundo, o reexame realizado não implicou escolhas de política económica por parte das instituições e, logo, tinha pouca ou nenhuma margem de apreciação para além do exame dos preços de exportação dos exportadores chineses que participaram no inquérito. Pelo contrário, a escolha do período de inquérito inicialmente considerado para a adopção do Regulamento n.° 1567/97 tornou a operação equiparável a um procedimento administrativo que exclui as escolhas políticas normais que se colocam num processo de reexame normal. Terceiro, o Regulamento n.° 2380/98 limitou‑se a extrair as conclusões da análise das informações fornecidas pela demandante e pela Lucci Creation à Comissão no âmbito do seu inquérito.

67      A título subsidiário, a demandante acrescenta que o Conselho ultrapassou em todo o caso, manifesta e gravemente, os limites da margem de apreciação de que dispunha. O desrespeito das protecções conferidas pelo regulamento de base é manifesto por o Conselho não ter tido em conta as consequências das conclusões do inquérito, ao pretender pôr fim a um inquérito de reexame com base no artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base, para evitar as consequências das conclusões desse inquérito, quando na realidade o processo efectuado foi o de uma reabertura do inquérito inicial.

68      Três factores agravam a violação das protecções conferidas pelo regulamento de base. Em primeiro lugar, a demandante chamou a atenção do Conselho para o facto de a recusa de conferir um efeito retroactivo às disposições do Regulamento n.° 2380/98 ser incompatível com a economia do regulamento de base. Em segundo lugar, as consequências dessa recusa para a demandante eram previsíveis e, apesar disso, foram afastadas pelo Conselho por as considerar irrelevantes. Em terceiro lugar, a opção de retomar o período de inquérito inicial devia ter despertado a atenção do Conselho para o carácter inusitado do processo e devia ter‑lhe parecido evidente que o Regulamento n.° 2380/98 ia ser adoptado para fazer face a um conjunto de circunstâncias particulares, que se podia imaginar virem a ter consequências especiais.

69      Além disso, as fundamentações adiantadas pelo Conselho para justificar a sua recusa de se conformar com as conclusões do reexame configuram um desvio de poder.

70      De qualquer modo, segundo a demandante, à luz dos factos do presente caso, o comportamento do Conselho constitui uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário, atendendo a que o Conselho tinha conhecimento de que as informações relativas a um período de inquérito inicial nunca tinham sido utilizadas para efectuar um inquérito de reexame, as medidas antidumping retroactivas já tinham sido adoptadas no passado e as dificuldades encontradas pelo Conselho eram irrelevantes para apreciar a legalidade dos seus actos.

71      O Conselho retorque que, se o Tribunal de Primeira Instância vier a considerar que ele violou uma regra de direito destinada a proteger a demandante, essa violação não é suficientemente caracterizada. A avaliação do carácter suficientemente caracterizado ou não de uma violação do direito comunitário deve efectuar‑se tendo em conta, designadamente, a complexidade das situações a regular, as dificuldades de aplicação ou interpretação dos textos e, mais particularmente, a margem de apreciação de que o autor do acto controvertido dispõe. Além disso, o critério decisivo para considerar que uma violação do direito comunitário é suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, por parte da instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando essa instituição só dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida ou mesmo de nenhuma, a simples infracção do direito comunitário pode ser suficiente para determinar a existência de uma violação suficientemente caracterizada.

72      No presente caso, o Conselho considera ter disposto de uma margem de apreciação relativamente à questão da retroactividade do Regulamento n.° 2380/98.

73      O Conselho salienta, por um lado, que a sua posição sobre o efeito retroactivo ou não do Regulamento n.° 2380/98 foi adoptada no fim de um processo aberto pelo início de um inquérito de reexame a pedido dos Estados‑Membros e, por outro, que devido à adopção desse regulamento, a demandante se encontrou numa situação mais favorável do que aquela em que estaria se não se tivesse dado início a esse inquérito. O início do inquérito de reexame foi, assim, um acto puramente discricionário, que permitiu à demandante beneficiar de uma reparação que não podia pedir caso esse inquérito não tivesse sido iniciado. O facto de as instituições não terem ido mais longe na reparação concedida à demandante não pode ser considerado uma violação suficientemente caracterizada que implique a responsabilidade extracontratual da Comunidade nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.

74      A título subsidiário, o Conselho adianta três argumentos suplementares. Em primeiro lugar, a decisão relativa ao efeito retroactivo do Regulamento n.° 2380/98 comportava um elemento de apreciação que consistia em saber se as circunstâncias do inquérito de reexame permitiam ou justificavam uma derrogação à regra geral segundo a qual as medidas adoptadas na sequência de inquéritos de reexame só têm natureza prospectiva. Em segundo lugar, os resultados do inquérito de reexame não foram intencionalmente desconsiderados pelo Conselho. Este último perguntou‑se se era possível atribuir um efeito retroactivo ao Regulamento n.° 2380/98, tendo presente que a reutilização dos dados iniciais no âmbito de um reexame não tinha precedente e que era claro que as conclusões não diziam respeito a um período posterior. No entanto, chegou à conclusão de que essa solução era impossível tendo em conta as disposições aplicáveis em matéria de reexame e na falta de precedente semelhante. Não podia prever que o Tribunal de Primeira Instância não perfilharia a mesma perspectiva. Sendo o caso excepcional, o risco de erro era maior. Além disso, ao recusar o efeito retroactivo, esforçou‑se apenas por aplicar o regulamento de base de forma não discriminatória a uma situação para a qual o regulamento não previa solução; a aplicação de uma norma jurídica por analogia é muito delicada. Em terceiro lugar, é irrelevante o facto de a demandante ter chamado a atenção das instituições para as consequências da falta de efeito retroactivo do Regulamento n.° 2380/98, em especial porque as instituições não ignoraram esse aviso, tendo apenas chegado a uma conclusão diferente.

75      Também não foi cometido qualquer desvio de poder, pois a aplicação retroactiva foi recusada devido à natureza prospectiva das medidas adoptadas no encerramento de um processo de reexame e o Regulamento n.° 2380/98 não foi adoptado com o fim exclusivo ou determinante de alcançar fins diferentes dos invocados.

76      No presente caso, o comportamento do Conselho só constitui uma «abordagem errada, mas desculpável, de um problema jurídico por resolver», que não implica a responsabilidade extracontratual da Comunidade na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.

77      No decurso da audiência, a Comissão alegou que, no presente caso, o Conselho, com a adopção do Regulamento n.° 2380/98, corrigiu simples e intencionalmente uma aplicação demasiado estrita e severa do Regulamento n.° 1567/97, para auxiliar as partes como a demandante. Visto que o regulamento de base não contém nenhuma disposição relativa à reabertura do processo, abriu um inquérito de reexame no âmbito do artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base. Além disso, a jurisprudência reconhece às instituições um vasto poder discricionário no que se refere à escolha do período de inquérito. As instituições pensaram pura e simplesmente efectuar um reexame das medidas em vigor. Só o acórdão Medici Grimm I veio tornar evidente que as disposições do regulamento de base relativas ao reexame não eram aplicáveis ao presente caso. No que respeita às circunstâncias novas e excepcionais, não se pode deduzir delas que a actuação do Conselho, ao agir dessa forma, violou manifesta ou gravemente os limites do seu poder discricionário. Assim, no presente caso, não houve violação suficientemente caracterizada do direito comunitário que implique a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

78      O comportamento ilícito censurado no presente caso diz respeito, no essencial, ao facto de, no Regulamento n.° 2380/98, o Conselho não ter extraído todas as consequências das conclusões do inquérito de reexame relativo às importações pela demandante dos produtos da Lucci Creation, ao não atribuir efeito retroactivo à alteração da taxa do direito antidumping aplicada a essas importações.

79      Segundo jurisprudência assente, e como a demandante recorda, o critério decisivo para considerar que uma violação do direito comunitário é suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, por parte da instituição comunitária, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando esta instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para se concluir pela existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdãos Bergaderm e Goupil/Comissão, já referido, n.os 41 a 44, e EnBW Kernkraft/Comissão, já referido, n.° 87). Em especial, a verificação de uma irregularidade que, em circunstâncias análogas, uma administração normalmente prudente e diligente não teria cometido permite concluir que o comportamento da instituição constitui uma ilegalidade susceptível de implicar a responsabilidade da Comunidade nos termos do artigo 288.° CE (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, Colect., p. II‑1975, n.° 134).

80      Para este efeito, o regime comunitário da responsabilidade extracontratual da Comunidade tem igualmente em consideração a complexidade das situações a regular e as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 43, e de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.° 52).

81      Além disso, a protecção dos direitos conferidos aos particulares pelo direito comunitário não pode variar em função da natureza nacional ou comunitária da autoridade que está na origem do prejuízo (acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, já referido, n.° 41). Assim, deve reconhecer‑se que, de forma semelhante ao contencioso da responsabilidade dos Estados‑Membros por violação do direito comunitário, para determinar se uma infracção do direito comunitário cometida por uma instituição comunitária constitui uma violação suficientemente caracterizada, o juiz comunitário que deva apreciar um pedido de reparação deve atender a todos os elementos que caracterizam a situação que lhe foi submetida e que, entre tais elementos, constam, designadamente, o grau de clareza e de precisão da regra violada e o carácter intencional ou indesculpável de um eventual erro de direito (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Haim, C‑424/97, Colect., p. I‑5123, n.° 43, e de 4 de Dezembro de 2003, Evans, C‑63/01, Colect., p. I‑14447, n.° 86).

82      Em primeiro lugar, há que determinar se no presente caso o Conselho dispunha de uma margem de apreciação na adopção do Regulamento n.° 2380/98 no que se refere à questão da retroactividade da modificação da taxa do direito antidumping aplicada às importações dos produtos de Lucci Creation.

83      O Tribunal de Primeira Instância decidiu, no n.° 87 do acórdão Medici Grimm I, que, tendo as instituições comunitárias verificado no âmbito do inquérito de reexame que faltava um dos elementos com base nos quais os direitos antidumping definitivos tinham sido impostos, já não se podia considerar que estavam reunidas as condições previstas no artigo 1.° do regulamento de base aquando da adopção do Regulamento n.° 1567/97 e que eram necessárias medidas de defesa comercial contra as exportações da Lucci Creation para a Comunidade. Nestas condições, as instituições estavam obrigadas a extrair todas as consequências da escolha do período de inquérito para o reexame em causa e, uma vez que verificaram que a Lucci Creation não praticara dumping durante o referido período, deviam ter atribuído efeito retroactivo às consequências dessa constatação.

84      Daqui resulta que o Conselho, tendo verificado que a Lucci Creation não tinha praticado dumping durante o período de inquérito, não tinha o direito de aplicar um direito antidumping às importações desses produtos pela demandante. Assim, juridicamente, não dispunha de nenhuma margem de apreciação e estava obrigado a atribuir efeito retroactivo à alteração da taxa desse direito.

85      Não se pode acolher o argumento contrário do Conselho, relativo ao carácter prospectivo das medidas adoptadas no encerramento dos processos de reexame. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância decidiu no acórdão Medici Grimm I que, dado que o período de inquérito em causa para o reexame anterior à adopção do Regulamento n.° 2380/98 era o mesmo que foi objecto do processo que conduziu à adopção do Regulamento n.° 1567/97, não se tratava de um processo de reexame, mas da reabertura do inquérito inicial.

86      Além disso, o facto de o início do inquérito que levou à adopção do Regulamento n.° 2380/98 ter podido ser um gesto político, decorrente de uma escolha discricionária do Conselho, mesmo que se considere provado, não é relevante, na medida em que essa escolha não podia ter qualquer efeito nas obrigações que incumbem ao Conselho por força do regulamento de base.

87      Entretanto, a falta de margem de apreciação do Conselho quanto ao efeito retroactivo do Regulamento n.° 2380/98 não é suficiente para considerar que, no presente caso, existiu uma violação suficientemente caracterizada do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base susceptível de implicar a responsabilidade da Comunidade. Com efeito, em segundo lugar, ainda há que ter em consideração a complexidade da situação a regular, as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos, o grau de clareza e de precisão da regra violada e o carácter intencional ou indesculpável do erro de direito cometido.

88      No presente caso, o Conselho alega, no essencial, que cometeu um erro desculpável, por as circunstâncias do caso sob apreciação não terem precedente, e que agiu de boa fé quando decidiu não atribuir efeito retroactivo ao Regulamento n.° 2380/98.

89      A este respeito, deve observar‑se, em primeiro lugar, que resulta tanto do Regulamento n.° 2380/98 como de todo o processo que antecedeu a sua adopção que as instituições consideravam terem dado início a um inquérito de reexame e não à reabertura do processo inicial. Só a partir do acórdão Medici Grimm I é que a situação jurídica ficou clarificada e o processo seguido pelas instituições foi requalificado.

90      Em segundo lugar, resulta dos princípios aplicáveis em matéria de reexame, e, em particular, do artigo 11.°, n.° 6, do regulamento de base, que as medidas adoptadas no encerramento dos inquéritos de reexame são de natureza prospectiva, sendo o efeito eventualmente retroactivo de determinados regulamentos de reexame admitido apenas sob certas condições limitadas, que não se encontram preenchidas no presente caso. Além disso, não existia precedente análogo.

91      Em terceiro lugar, o considerando 19, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2380/98 demonstra claramente que o Conselho não ignorou os argumentos que foram apresentados pela demandante antes da adopção do Regulamento n.° 2380/98, quanto ao seu efeito retroactivo, mas que, depois de os ter tido em consideração, chegou a outra conclusão.

92      Em quarto lugar, mesmo que a adopção do Regulamento n.° 2380/98 não implicasse, em si mesma, uma opção de política económica, levantava contudo uma questão jurídica difícil, sem precedente jurisprudencial, que só foi resolvida quando o Tribunal de Primeira Instância decidiu sobre a legalidade do referido regulamento no acórdão Medici Grimm I.

93      Em quinto lugar, não ficou provado que o Conselho tivesse cometido um desvio de poder. Segundo jurisprudência assente, um acto de uma instituição comunitária só é inquinado por essa ilegalidade se tiver sido adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1997, Itália/Comissão, C‑285/94, Colect., p. I‑3519, n.° 52, e do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2001, T. Port/Comissão, T‑52/99, Colect., p. II‑981, n.° 53), e um desvio de poder só pode ser reconhecido com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T‑551/93, T‑231/94 a T‑234/94, Colect., p. II‑247, n.° 168, e T. Port/Comissão, já referido, n.° 53).

94      Ora, no presente caso, a demandante não provou que o Conselho tenha recusado atribuir efeito retroactivo ao Regulamento n.° 2380/98 com o fim exclusivo, ou pelo menos determinante, de atingir fins diferentes dos invocados.

95      Pelo contrário, o Conselho recusou atribuir efeito retroactivo ao Regulamento n.° 2380/98 não com o fim exclusivo ou determinante de os importadores que não participaram no inquérito inicial serem sancionados e se verem privados do benefício do reembolso dos seus direitos antidumping, mas porque, no contexto factual e jurídico, conforme este podia ser percepcionado na altura, o Conselho considerava que se tinha dado início a um inquérito de reexame e que as medidas a tomar no encerramento do mesmo só podiam ter natureza prospectiva. A justificação do recurso ao período de inquérito inicial por razões de celeridade, no considerando 8 do Regulamento n.° 2380/98, e a qualificação de «excepcional» desse recurso demonstram, para além disso, que as instituições estavam convencidas de estar a realizar um reexame.

96      Por outro lado, a fundamentação adiantada pelo Conselho para justificar a recusa de efeito retroactivo do Regulamento n.° 2380/98, recordada no n.° 18 supra, não releva para a análise da existência eventual de um desvio de poder. Com efeito, mesmo que essa fundamentação seja indubitavelmente inábil, é apenas secundária relativamente à fundamentação principal adiantada e em si mesma suficiente, segundo a qual os processos de reexame, no âmbito dos quais o Conselho pensava estar a agir, são por natureza de carácter prospectivo.

97      Por isso, contrariamente ao que a demandante sustenta, não se pode considerar, à luz destas circunstâncias e na falta de todo e qualquer elemento de prova em contrário, que o Conselho cometeu um desvio de poder ou violou intencionalmente o artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base.

98      Nestas circunstâncias, não é evidente que o Conselho tenha violado o artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base de forma suficientemente caracterizada que implique a responsabilidade extracontratual da Comunidade. A argumentação da demandante deve, por isso, ser rejeitada, sem que se tenha de apreciar se essa disposição tem por objecto conferir direitos aos particulares.

99      Assim, visto que a condição para a invocação da responsabilidade extracontratual da Comunidade relacionada com o comportamento da instituição em causa não está preenchida no presente caso, deve julgar‑se a acção improcedente sem que se devam analisar as outras condições que dão lugar à referida responsabilidade.

 Quanto às despesas

100    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida e tendo o demandado formulado um pedido nesse sentido, há que condená‑la nas despesas.

101    A Comissão, parte interveniente, suportará as suas próprias despesas nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, segundo o qual as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      A demandante suportará, além das próprias despesas, as despesas efectuadas pelo Conselho.

3)      A Comissão suportará as suas próprias despesas.

Legal

Mengozzi

Wiszniewska‑Białecka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Janeiro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: inglês.