Language of document : ECLI:EU:C:2019:827

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

3 de outubro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Lei aplicável às obrigações contratuais — Exclusão do direito das sociedades do âmbito de aplicação da Convenção de Roma e do Regulamento (CE) n.o 593/2008 (Roma I) — Contrato fiduciário, celebrado entre um profissional e um consumidor, que tem unicamente por objeto gerir uma participação numa sociedade em comandita»

No processo C‑272/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), por Decisão de 28 de março de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de abril de 2018, no processo

Verein für Konsumenteninformation

contra

TVP Treuhand und Verwaltungsgesellschaft für Publikumsfonds mbH & Co KG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, L. Bay Larsen e M. Safjan (relator), juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 27 de fevereiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Verein für Konsumenteninformation, por S. Schumacher, Rechtsanwalt,

–        em representação da TVP Treuhand‑ und Verwaltungsgesellschaft für Publikumsfonds mbH & Co KG, por C. Kux, G. Eckert e I. Haiderer, Rechtsanwälte,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin, M. Wasmeier e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 2, alínea e), e do artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta a assinatura em Roma em 19 de junho de 1980 (JO 1980, L 266, p. 1, a seguir «Convenção de Roma»), do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), e do artigo 6.o, n.o 4, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6, a seguir «Regulamento Roma I»), bem como do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Verein für Konsumenteninformation (Associação para a Informação dos Consumidores, Áustria, a seguir «VKI») e a TVP Treuhand‑ und Verwaltungsgesellschaft für Publikumsfonds mbH & Co KG (a seguir «TVP»), uma sociedade de direito alemão, a respeito da legalidade de uma cláusula de escolha do direito aplicável utilizada por esta em contratos celebrados com investidores privados.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Convenção de Roma

3        O artigo 1.o da Convenção de Roma, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      O disposto na presente Convenção é aplicável às obrigações contratuais nas situações que impliquem um conflito de leis.

2.      Não se aplica:

[…]

e)      Às questões respeitantes ao direito das sociedades, associações e pessoas coletivas, tais como a constituição, a capacidade jurídica, o funcionamento interno e a dissolução das sociedades, associações e pessoas coletivas, bem como a responsabilidade pessoal legal dos associados e dos órgãos relativamente às dívidas da sociedade, associação ou pessoa coletiva;

[…]»

4        Nos termos do artigo 5.o desta convenção, sob a epígrafe «Contratos celebrados por consumidores»:

«1.      O presente artigo aplica‑se aos contratos que tenham por objeto o fornecimento de bens móveis corpóreos ou de serviços a uma pessoa, o “consumidor”, para uma finalidade que pode considerar‑se estranha à sua atividade profissional, bem como aos contratos destinados ao financiamento desse fornecimento.

2.      Sem prejuízo do disposto no artigo 3.o, a escolha pelas partes da lei aplicável não pode ter como consequência privar o consumidor privado da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da lei do país em que tenha a sua residência habitual:

–        se a celebração do contrato tiver sido precedida, nesse país, de uma proposta que lhe foi especialmente dirigida ou de anúncio publicitário e se o consumidor tiver executado nesse país todos os atos necessários à celebração do contrato, ou

–        se a outra parte ou o respetivo representante tiver recebido o pedido do consumidor nesse país, ou

–        se o contrato consistir numa venda de mercadorias e o consumidor se tenha deslocado desse país a um outro país e aí tenha feito o pedido, desde que a viagem tenha sido organizada pelo vendedor com o objetivo de incitar o consumidor a comprar.

3.      Sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e na falta de escolha feita nos termos do artigo 3.o, esses contratos serão regulados pela lei do país em que o consumidor tiver a sua residência habitual, se se verificarem as circunstâncias referidas no n.o 2 do presente artigo.

4.      O presente artigo não se aplica:

[…]

b)      Ao contrato de prestação de serviços quando os serviços devidos ao consumidor devam ser prestados exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual.

[…]»

 Regulamento Roma I

5        Os considerandos 7 e 25 do Regulamento Roma I têm a seguinte redação:

«(7)      O âmbito de aplicação material e as disposições do presente regulamento deverão ser coerentes com o Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Bruxelas I) [(JO 2001, L 12, p. 1),] e com o Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, sobre a lei aplicável às obrigações extracontratuais (“Roma II”) [(JO 2007, L 199, p. 40)].

[…]

(25)      Os consumidores deverão estar protegidos pelas disposições do seu país de residência habitual que não são derrogáveis por acordo, na condição de o contrato de consumo ter sido celebrado no quadro das atividades comerciais ou profissionais exercidas pelo profissional no país em questão. […]»

6        O artigo 1.o deste regulamento, com a epígrafe «Âmbito de aplicação material», dispõe:

«1.      O presente regulamento é aplicável às obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis.

Não se aplica, em especial, às matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

2.      São excluídos do âmbito de aplicação do presente regulamento:

[…]

f)      As questões reguladas pelo direito das sociedades e pelo direito aplicável a outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica, tais como a constituição, através de registo ou por outro meio, a capacidade jurídica, o funcionamento interno e a dissolução de sociedades e de outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica, bem como a responsabilidade pessoal dos sócios e dos titulares dos órgãos que agem nessa qualidade relativamente às obrigações da sociedade ou entidade;

[…]»

7        O artigo 3.o do referido regulamento, com a epígrafe «Liberdade de escolha», prevê, no seu n.o 1:

«O contrato rege‑se pela lei escolhida pelas partes. […]»

8        Nos termos do artigo 6.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Contratos celebrados por consumidores»:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 5.o e 7.o, os contratos celebrados por uma pessoa singular, para uma finalidade que possa considerar‑se estranha à sua atividade comercial ou profissional (“o consumidor”), com outra pessoa que aja no quadro das suas atividades comerciais ou profissionais (“o profissional”), são regulados pela lei do país em que o consumidor tem a sua residência habitual desde que o profissional:

a)      Exerça as suas atividades comerciais ou profissionais no país em que o consumidor tem a sua residência habitual, ou

b)      Por qualquer meio, dirija essas atividades para este ou vários países, incluindo aquele país,

e o contrato seja abrangido pelo âmbito dessas atividades.

2.      Sem prejuízo do n.o 1, as partes podem escolher a lei aplicável a um contrato que observe os requisitos do n.o 1, nos termos do artigo 3.o Esta escolha não pode, porém, ter como consequência privar o consumidor da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável com base no n.o 1.

[…]

4.      Os n.os 1 e 2 não são aplicáveis aos contratos seguintes:

a)      Contratos de prestação de serviços quando os serviços devam ser prestados ao consumidor exclusivamente num país diferente daquele em que este tem a sua residência habitual.

[…]»

 Diretiva 93/13

9        Nos termos do décimo considerando da Diretiva 93/13:

«[…]      são nomeadamente excluídos da presente diretiva os contratos de trabalho, os contratos relativos aos direitos sucessórios, os contratos relativos ao estatuto familiar, bem como os contratos relativos à constituição e aos estatutos das sociedades».

10      O artigo 3.o desta diretiva dispõe, no seu n.o 1:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

 Direito austríaco

11      O artigo 6.o da Konsumentenschutzgesetz (Lei Federal relativa à Proteção dos Consumidores), de 8 de março de 1979 (BGBl. 140/1979, a seguir «KSchG»), dispõe, no seu n.o 3:

«É nula qualquer cláusula contratual constante de cláusulas contratuais gerais ou de formulários‑tipo de contratos que esteja redigida de forma pouco clara ou incompreensível.»

12      O artigo 13.oa, n.o 2, da KSchG prevê:

«O artigo 6.o é aplicável com o fim de proteger os consumidores, seja qual for o direito que rege o contrato, quando este resulte de atividades exercidas na Áustria pelo profissional, ou por pessoas ao serviço deste, para efeitos da celebração do referido contrato.»

13      Nos termos do artigo 864.oa do Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Geral) de 1 de junho de 1811 (JGS n.o 946/1811, a seguir «ABGB»):

«As disposições com um conteúdo não habitual utilizadas por uma parte contratante nas condições gerais ou nos contratos de adesão serão consideradas não escritas se forem desfavoráveis à outra parte e esta última, mesmo tendo em conta as circunstâncias, nomeadamente a aparência externa do ato, não tiver razões para esperar tais disposições, a menos que a primeira parte contratante tenha chamado especificamente a atenção da segunda para as mesmas.»

14      O artigo 879.o do ABGB dispõe:

«(1)      Um contrato que infrinja uma proibição legal ou seja contrário aos bons costumes é nulo.

[…]

(3)      Uma cláusula contratual que figure nas condições gerais ou nos contratos de adesão e não estabeleça uma das obrigações principais das partes é nula se prejudicar gravemente uma das partes, tendo em conta todas as circunstâncias.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Enquanto associação de consumidores de utilidade pública com sede na Áustria, a VKI é competente para intentar ações inibitórias destinadas a proteger os interesses dos consumidores residentes na Áustria.

16      A TVP é uma sociedade com sede em Hamburgo (Alemanha), filial a 100 % do grupo MPC Münchmeyer Capital AG Hamburg (a seguir «grupo MPC»), que cria e comercializa fundos de investimento fechados. Estes fundos são constituídos sob a forma de sociedades em comandita regidas pelo direito alemão, nas quais investidores privados e institucionais podem deter participações como comanditários.

17      Até 19 de dezembro de 2014, existia um acordo de controlo e pagamento de dividendos entre a TVP e a sua sociedade‑mãe. Deste modo, a direção da TVP estava subordinada ao grupo MPC.

18      Entre as numerosas sociedades em comandita criadas pelo grupo MPC figuram a Dreiundvierzigste Sachwert Rendite‑Fonds Holland GmbH & Co KG (a seguir «Fundo 43»), a Einundfünfzigste Sachwert Rendite‑Fonds Holland GmbH & Co KG e a Zweiundsiebzigste Sachwert Rendite‑Fonds Holland GmbH & Co KG.

19      A TVP detém uma participação, entre outros, no referido Fundo 43, constituído em 2003, como gestora e comanditária fundadora. Uma vez que este fundo não foi comercializado apenas na Áustria, foi aberta uma conta fiduciária num banco austríaco, destinada aos pagamentos do montante correspondente às participações dos investidores residentes na Áustria. Alguns dos outros fundos da TVP foram comercializados exclusivamente na Áustria, como o Siebenundsechzigste Sachwert Rendite‑Fonds Holland (constituído em 2004) e o Zweiundsiebzigste Sachwert Rendite‑Fonds Holland (constituído em 2011). A TVP abriu uma conta fiduciária num banco austríaco para estes dois últimos fundos.

20      Nos termos do artigo 3.o, n.o 3, dos estatutos do Fundo 43, a TVP pode admitir comanditários adicionais. Os investidores interessados, futuros comanditários, pagam uma contribuição para a conta fiduciária deste fundo. Os investidores entram, assim, indiretamente nesses fundos como fiduciantes, por intermédio da TVP que atua como gestora fiduciária. A TVP gere as participações destes com base num contrato fiduciário. Este procedimento é igualmente aplicado relativamente a outros fundos.

21      A TVP não se encarrega diretamente da prospeção desses investidores, sendo essa atividade efetuada por outra filial a 100 % do grupo MPC, a CPM Anlagen Vertriebs GmbH i.L. As ofertas e os prospetos seletivos são transmitidos por essa filial, mas igualmente por outros intermediários, como bancos austríacos ou consultores de investimento, a consumidores residentes na Áustria. A TVP, que não tem qualquer estabelecimento ou sucursal na Áustria, não tem contacto direto com os comanditários e não presta quaisquer serviços de consultoria.

22      Os investidores podem adquirir participações nos fundos enviando à TVP uma declaração de adesão sob a forma de uma proposta de celebração de um contrato fiduciário. Como resulta da decisão de reenvio, todos os investidores em causa no litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio assinaram os seus pedidos de subscrição na Áustria. O montante da sua participação devia ser depositado na conta fiduciária do fundo escolhido, aberta em nome da TVP num banco austríaco. O montante correspondente à sua participação não foi, em nenhum caso, depositado numa conta fiduciária alemã.

23      A TVP oferece aos investidores uma prestação de serviços fiduciários. Assume a participação comanditária por conta do investidor e administra‑a a título fiduciário. Exerce, em nome próprio, mas por conta do investidor, os direitos deste último resultantes da sua participação e transfere‑lhe os pagamentos de dividendos e todas as outras vantagens patrimoniais resultantes da sua participação. A TVP transmite de forma regular aos investidores as informações que lhe são prestadas pelo fundo acerca da evolução da atividade da sociedade em que aqueles detêm uma participação. Por estes serviços, recebe uma remuneração anual fixa de 0,3 % da entrada do investidor.

24      Nas relações comerciais com os investidores privados, a TVP utiliza formulários‑tipo de contrato. Os atos jurídicos necessários (assinatura da declaração de adesão) são praticados na Áustria pelos investidores e aceites na Áustria por parceiros contratuais da TVP ou pelos parceiros contratuais destes.

25      A TVP exerce a sua atividade de gestão ao abrigo de um contrato fiduciário. Nos contratos fiduciários em causa, dispõe‑se, nomeadamente:

«O contrato fiduciário rege‑se pelo direito da República Federal da Alemanha. Na medida em que, nos termos da lei, seja possível convencionar deste modo, o local de execução é a sede do administrador fiduciário, e a jurisdição deste último é o foro competente para conhecer de todos os litígios relativos ao presente contrato ou à sua celebração».

26      Esta cláusula não é negociada individualmente e faz parte dos formulários‑tipo de contrato. Estes formulários também não contêm qualquer indicação clara que permita ao futuro investidor tomar facilmente conhecimento da mesma.

27      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a TVP dirige as suas prestações de serviços para o mercado austríaco e explora um sítio Internet, www.tvp‑treuhand.at, a partir do qual o utilizador é encaminhado para o sítio alemão www.tvp‑treuhand.de. O titular do nome de domínio é uma sociedade do grupo MPC, responsável pela informática de todo o grupo. Esta sociedade administra igualmente a página inicial alemã do sítio Internet. Os investidores austríacos podem registar‑se através deste sítio desde 2006. Desde 2011 que os investidores que o manifestem expressamente podem votar em linha e não unicamente por escrito. Além disso, podem consultar uma cópia dos documentos escritos recebidos por essa via.

28      Através de uma ação inibitória intentada em 6 de setembro de 2013 perante o Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria), a VKI requereu que a TVP fosse proibida de utilizar, nas condições gerais em que baseia os contratos fiduciários que celebra ou nos formulários‑tipo de contrato utilizados para o efeito, no âmbito das relações comerciais com os investidores residentes na Áustria, que, segundo a VKI, devem ser considerados consumidores, a cláusula de escolha do direito aplicável e cláusulas de conteúdo equivalente, bem como de exigir o cumprimento dessas cláusulas.

29      Segundo a VKI, a cláusula de escolha do direito aplicável viola tanto o direito da União como o direito austríaco. Em especial, é contrária ao artigo 6.o, n.o 3, da KSchG, mas também aos artigos 864.oa e 879.o, n.o 3, do ABGB. Alega que, por força dos artigos 4.o e 6.o do Regulamento Roma II, cumpre apreciar a legalidade da cláusula impugnada à luz não do direito aplicável a esses contratos, mas do direito do lugar do ato ilícito, ou seja, do direito austríaco. Segundo a VKI, o direito austríaco é igualmente aplicável ao abrigo da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I, uma vez que a TVP organizou a sua atividade deliberadamente no mercado austríaco e que os serviços que lhe são imputáveis foram prestados na Áustria.

30      Por Sentença de 3 de setembro de 2015, o tribunal de primeira instância julgou a ação procedente. Aplicando o direito austríaco, ordenou à TVP que deixasse de utilizar as cláusulas objeto da referida ação nas suas relações comerciais com consumidores residentes na Áustria.

31      Por Despacho de 13 de setembro de 2016, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria), em sede de recurso, anulou a sentença daquele tribunal e devolveu‑lhe o processo para nova instrução e nova decisão. Considerou que a apreciação da validade da cláusula de escolha do direito aplicável devia ser efetuada segundo o direito alemão, mas que, segundo o mesmo direito, uma cláusula que figure nas condições contratuais gerais é abusiva na medida em que induza em erro o consumidor dando‑lhe a impressão de que apenas o direito alemão é aplicável ao contrato, sem o informar de que, em conformidade com o Regulamento Roma I e com a Convenção de Roma, beneficia igualmente da proteção que lhe é conferida pelas disposições imperativas da lei do país onde tem a sua residência habitual, no caso, o direito austríaco. O órgão jurisdicional de recurso afirma que, partindo do princípio de que a cláusula de escolha do direito aplicável a favor do direito alemão é válida, dever‑se‑ia em seguida, em princípio, apreciar a legalidade das outras cláusulas à luz desse direito. Considera que seria igualmente necessário examinar se as disposições imperativas de proteção dos consumidores previstas pelo direito austríaco se opõem à aplicação do direito alemão na apreciação da legalidade das cláusulas impugnadas.

32      Tanto a VKI como a TVP interpuseram recurso para o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) da decisão do tribunal de recurso. Segundo a TVP, a Convenção de Roma e o Regulamento Roma I não são aplicáveis tendo em conta a exclusão das questões relativas ao direito das sociedades do seu âmbito de aplicação. Devido à interligação entre os estatutos da empresa e o contrato fiduciário, os fiduciantes participavam diretamente na sociedade como sócios. Além disso, as exceções referidas no artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma e no artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I são igualmente aplicáveis, uma vez que a TVP exerce como administradora fiduciária os direitos de um comanditário e, consequentemente, presta serviços.

33      Nestas circunstâncias, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Estão abrangidos pela exclusão do âmbito de aplicação, que está prevista nos artigos 1. o, n. o 2, alínea e), da [Convenção de Roma] e no artigo 1. o, n. o 2, alínea f), do [Regulamento Roma I,] igualmente acordos entre o fiduciante e o fiduciário que detém uma participação social numa sociedade em comandita por conta do fiduciante, designadamente quando existe uma justaposição de contratos de sociedade e de contratos fiduciários?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Deve o artigo 3. o, n. o 1, da [Diretiva 93/13] ser interpretado no sentido de que é abusiva uma cláusula de um contrato fiduciário celebrado entre um empresário e um consumidor relativo à gestão de uma participação numa sociedade em comandita, que não foi negociada individualmente e que estabelece como lei aplicável a lei do Estado em que se situa a sede da sociedade em comandita quando o objeto do contrato fiduciário consiste exclusivamente na gestão de uma participação numa sociedade em comandita e o fiduciante está investido dos direitos e das obrigações de um sócio direto?

3)      Em caso de resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão:

A resposta é diferente se o empresário, para fornecer as prestações de serviços a que se comprometeu, não tiver de se deslocar ao Estado do consumidor, mas tiver obrigação de remeter ao consumidor os dividendos e outros benefícios patrimoniais decorrentes da participação, bem como informações sobre a evolução da atividade da [sociedade na qual detém uma] participação? A este respeito, faz alguma diferença a circunstância de ser aplicável o Regulamento Roma I ou a Convenção [de Roma]?

4)      Em caso de resposta afirmativa à terceira questão:

Essa resposta mantém‑se quando, além disso, o pedido de subscrição do consumidor tenha sido assinado no Estado da sua residência, o empresário forneça informações sobre a participação igualmente na Internet e tenha sido criado um organismo para pagamento, no qual o consumidor deve depositar o montante da participação, embora o empresário não esteja habilitado a dispor dessa conta bancária? A este respeito, faz alguma diferença a circunstância de ser aplicável o Regulamento Roma I ou a Convenção [de Roma]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

34      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma e o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I devem ser interpretados no sentido de que estão excluídas do âmbito de aplicação da referida convenção e do referido regulamento obrigações contratuais, como as que estão em causa no processo principal, que têm origem num contrato fiduciário cujo objeto é a gestão de uma participação numa sociedade em comandita.

35      A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu que a exclusão do âmbito de aplicação do Regulamento Roma I das questões reguladas pelo direito das sociedades, associações e pessoas coletivas, como a constituição, através de registo ou por outro meio, a capacidade jurídica, o funcionamento interno e a dissolução de sociedades, associações e pessoas coletivas, enunciada no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), deste regulamento, visa exclusivamente os aspetos orgânicos dessas sociedades, associações e pessoas coletivas (Acórdão de 8 de maio de 2019, Kerr, C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 33).

36      Esta interpretação é corroborada pelo Relatório respeitante à convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, redigido por Mario Giuliano, professor da Universidade de Milão, e Paul Lagarde, professor da Universidade de Paris I (JO 1980, C 282, p. 1), segundo o qual a exclusão das referidas questões do âmbito de aplicação da Convenção de Roma, que foi substituída, entre os Estados‑Membros, pelo Regulamento Roma I, visa todos os atos de natureza complexa necessários à criação de uma sociedade ou que regulam a sua vida interna ou a sua dissolução, ou seja, atos que se enquadram no direito das sociedades (Acórdão de 8 de maio de 2019, Kerr, C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 34).

37      Como salientou o advogado‑geral nos n.os 49 a 55 das suas conclusões, embora operações como a venda ou a fidúcia relativas a participações sociais possam suscitar questões reguladas pelo direito das sociedades, o mesmo não se pode dizer dos contratos subjacentes a essas operações. Em especial, a simples circunstância de um contrato ter uma conexão com «questões reguladas pelo direito das sociedades» não tem por efeito excluir do âmbito de aplicação do Regulamento Roma I as obrigações que derivam desse contrato. Por conseguinte, estas questões não devem ser confundidas com questões contratuais. Neste caso, a ação inibitória intentada pela VKI diz respeito ao caráter abusivo e, portanto, à licitude de determinadas cláusulas dos contratos fiduciários em questão. Assim sendo, as questões suscitadas pelo litígio no processo principal são abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito que rege o contrato e, consequentemente, do Regulamento Roma I.

38      Cumpre recordar que o Tribunal de Justiça também decidiu, no caso de obrigações decorrentes de um contrato de empréstimo celebrado por uma sociedade antes da sua fusão transfronteiriça, a qual, antes dessa fusão, estava abrangida pelo âmbito de aplicação da Convenção de Roma, que a lei aplicável à interpretação e execução dessas obrigações antes da fusão continua a ser aplicável após a fusão (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2016, KA Finanz, C‑483/14, EU:C:2016:205, n.os 52 a 58).

39      Além disso, se as partes no processo principal discordarem quanto ao facto de os fiduciantes serem ou não acionistas, essa questão, que é de direito das sociedades, não é decisiva no âmbito do processo principal. Com efeito, não respeita ao alcance dos eventuais direitos e obrigações que os fiduciantes possam ter, nos termos do direito das sociedades aplicável, relativamente às sociedades em comandita, nem a eventuais obrigações dos fiduciantes relativamente a terceiros credores da sociedade, mas ao caráter abusivo e, consequentemente, à legalidade de certas cláusulas dos contratos fiduciários.

40      Ora, essas cláusulas, que dizem respeito a questões como o alcance da responsabilidade da TVP como administradora fiduciária, o lugar de prestação dos serviços fiduciários e a lei aplicável ao contrato fiduciário, destinam‑se a regular as relações contratuais entre fiduciantes e administradores fiduciários e, consequentemente, estão abrangidas pela lex contractus. Por conseguinte, as obrigações em causa no processo principal não estão excluídas do âmbito de aplicação da Convenção de Roma ou do Regulamento Roma I.

41      Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção de Roma e o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento Roma I devem ser interpretados no sentido de que não estão excluídas do âmbito de aplicação da referida convenção e do referido regulamento obrigações contratuais, como as que estão em causa no processo principal, que têm origem num contrato fiduciário cujo objeto é a gestão de uma participação numa sociedade em comandita.

 Quanto à terceira e quarta questões

42      Com a terceira e quarta questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I devem ser interpretados no sentido de que está abrangido pela exclusão prevista nessas disposições um contrato fiduciário segundo o qual os serviços devidos ao consumidor devem ser prestados à distância, no país de residência habitual deste, a partir do território de outro país.

43      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio já declarou que os contratos fiduciários controvertidos são contratos de consumo que podem estar abrangidos pelas regras de proteção dos consumidores previstas no artigo 5.o da Convenção de Roma e no artigo 6.o do Regulamento Roma I. Com efeito, os referidos contratos vinculam um «profissional», a TVP, que atua no exercício da sua atividade profissional, a diferentes investidores que têm a qualidade de «consumidores», ou seja, pessoas singulares que, ao celebrar os referidos contratos, agiram com um propósito que pode ser considerado alheio a essa atividade.

44      Contudo, estes artigos excluem expressamente, no n.o 4, certos contratos do seu âmbito de aplicação. Em especial, o artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I preveem, em termos idênticos, que as regras de proteção em matéria de contratos de consumo não se aplicam «ao contrato de prestação de serviços quando os serviços devidos ao consumidor devam ser prestados exclusivamente num país diferente daquele em que tem a sua residência habitual».

45      Resulta da redação das referidas disposições que o artigo 5.o da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Roma I não se aplicam quando, em primeiro lugar, exista um contrato de prestação de serviços e, em segundo lugar, os serviços devidos ao consumidor sejam prestados exclusivamente num país diferente daquele em que esse consumidor tem a sua residência habitual.

46      No que respeita, por um lado, ao conceito de «contrato de prestação de serviços», deve ser interpretado da mesma forma que o de «contrato de prestação de serviços», que figura no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, e que o de «prestação de serviços», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 44/2001, na medida em que se refere ao compromisso de exercer uma atividade específica mediante remuneração (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Kerr, C‑25/18, EU:C:2019:376, n.os 36 a 41).

47      No caso em apreço, é de notar que, nos termos de um contrato fiduciário como os que estão em causa no processo principal, o administrador fiduciário exerce uma atividade que consiste em gerir o objeto do contrato fiduciário, em contrapartida de uma remuneração. Por conseguinte, deve considerar‑se que esse contrato tem por objeto uma prestação de serviços na aceção do artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma e do artigo 6.o n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I.

48      Por outro lado, no que diz respeito ao país em que devem ser prestados os serviços ao consumidor, há que determinar, em primeiro lugar, se essa questão é prévia à determinação da lei que regula o contrato ou se é abrangida por esta última.

49      Ora, como explicou o advogado‑geral no n.o 71 das suas conclusões, a questão do lugar da prestação dos serviços ao consumidor destina‑se a determinar a lei aplicável ao contrato e deve, assim, ser decidida a montante da determinação desta última.

50      A este respeito, resulta do Relatório respeitante à convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, mencionado no n.o 36 do presente acórdão, que a exclusão que figura no artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma é justificada pelo facto de, no caso dos contratos relativos a serviços que são prestados exclusivamente fora do Estado de residência do consumidor, este não poder razoavelmente esperar que a lei do seu Estado de origem seja aplicada em derrogação das regras gerais dos artigos 3.o e 4.o da referida convenção.

51      Assim, a menos que permita a um prestador de serviços, como a TVP, escolher, em detrimento do objetivo de proteção dos consumidores, a lei aplicável utilizando uma cláusula contratual que determine o lugar da prestação, a exclusão em causa não pode ser interpretada no sentido de que a expressão «devam ser prestados», na aceção do artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I, remete para a obrigação contratual de efetuar a prestação de serviços num lugar determinado. Como salientou o advogado‑geral no n.o 76 das suas conclusões, é necessário verificar se resulta da própria natureza dos serviços contratados que os mesmos são necessariamente prestados fora do Estado de residência habitual do consumidor.

52      Quando, como preveem os contratos em causa no processo principal, o lugar de execução material da prestação se situa num país diferente daquele em que o consumidor dele beneficia, deve considerar‑se que os serviços são prestados «exclusivamente» fora do Estado‑Membro de residência habitual do consumidor apenas se este não tiver possibilidade de beneficiar desses serviços no seu Estado de residência e tiver de se deslocar ao estrangeiro para esse efeito.

53      No caso em apreço, como salientou o advogado‑geral no n.o 81 das suas conclusões, o facto de os montantes exigidos para a adesão à sociedade terem sido pagos em contas fiduciárias da TVP na Áustria, de esta ter pagado os dividendos aos consumidores austríacos em contas austríacas, cumprir as obrigações de informação que lhe incumbem por força do contrato fiduciário enviando relatórios sobre a sua gestão fiduciária aos consumidores austríacos na Áustria e dispor de um sítio Internet para os consumidores austríacos no qual estes podem consultar informações e exercer o seu direito de voto parecem indicar, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que os referidos serviços são prestados à distância no país de residência do consumidor. Daqui decorre que a exclusão prevista no artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma e no artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I não é aplicável.

54      Resulta do que precede que há que responder à terceira e quarta questões que o artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Roma I devem ser interpretados no sentido de que não está abrangido pela exclusão prevista nessas disposições um contrato fiduciário segundo o qual os serviços devidos ao consumidor devem ser prestados à distância, no país de residência habitual deste, a partir do território de outro país.

 Quanto à segunda questão

55      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato fiduciário celebrado entre um profissional e um consumidor, relativo à gestão de uma sociedade em comandita, que não foi objeto de negociação individual e segundo a qual o direito aplicável é o do Estado onde a sociedade em comandita tem a sua sede social, é abusiva na aceção dessa disposição.

56      A título preliminar, convém recordar que artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Roma I preveem que, em princípio, um contrato de consumo é regido pela lei do país em que o consumidor tem a sua residência habitual.

57      Uma vez que a ação intentada no processo principal diz respeito a consumidores residentes na Áustria, o direito austríaco deve, em princípio, regular os contratos fiduciários que esses consumidores celebraram com a TVP. No entanto, importa saber se a cláusula de escolha da lei inserida nestes contratos que designa como aplicável a lei da sede da TVP, concretamente a lei alemã, é ilegal por ser abusiva.

58      Embora o artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Roma e o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Roma I autorizem, em princípio, o recurso a uma cláusula relativa à escolha da lei aplicável, deve, no entanto, recordar‑se que é abusiva, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, uma cláusula constante das condições contratuais gerais de venda de um profissional, que não foi objeto de negociação individual e induz o consumidor em erro, dando‑lhe a impressão de que só a lei do Estado‑Membro da sede desse profissional é aplicável ao contrato celebrado por via eletrónica, sem o informar de que beneficia igualmente, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do referido regulamento, da proteção que lhe proporcionam as disposições imperativas do direito que seria aplicável na falta dessa cláusula, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar à luz de todas as circunstâncias pertinentes (Acórdão de 28 de julho de 2016, Verein für Konsumenteninformation, C‑191/15, EU:C:2016:612, n.o 71).

59      As considerações anteriores têm âmbito geral, não se limitando a uma modalidade específica de celebração de contratos, concretamente a via eletrónica. Devem, por conseguinte, levar o órgão jurisdicional de reenvio a declarar o caráter abusivo da cláusula de escolha da legislação controvertida se estiverem preenchidas as condições referidas no número anterior, o que cabe ao referido órgão jurisdicional verificar.

60      Resulta do que precede que há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato fiduciário relativo à gestão de uma sociedade em comandita, como os que estão em causa no processo principal, celebrado entre um profissional e um consumidor, que não foi objeto de negociação individual e segundo a qual o direito aplicável é o do Estado‑Membro em que a sociedade em comandita tem a sua sede social, é abusiva, na aceção da referida disposição, quando induz o consumidor em erro, dando‑lhe a impressão de que só a lei desse Estado‑Membro é aplicável ao contrato, sem o informar de que beneficia igualmente, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Roma e do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Roma I, da proteção que lhe proporcionam as disposições imperativas do direito nacional que seria aplicável na falta dessa cláusula.

 Quanto às despesas

61      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta a assinatura em Roma em 19 de junho de 1980, e o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), devem ser interpretados no sentido de que não estão excluídas do âmbito de aplicação da referida convenção e do referido regulamento obrigações contratuais, como as que estão em causa no processo principal, que têm origem num contrato fiduciário cujo objeto é a gestão de uma participação numa sociedade em comandita.

2)      O artigo 5.o, n.o 4, alínea b), da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais e o artigo 6.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento n.o 593/2008 devem ser interpretados no sentido de que não está abrangido pela exclusão prevista nessas disposições um contrato fiduciário segundo o qual os serviços devidos ao consumidor devem ser prestados à distância, no país de residência habitual deste, a partir do território de outro país.

3)      O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula de um contrato fiduciário relativo à gestão de uma sociedade em comandita, como os que estão em causa no processo principal, celebrado entre um profissional e um consumidor, que não foi objeto de negociação individual e segundo a qual o direito aplicável é o do EstadoMembro em que a sociedade em comandita tem a sua sede social, é abusiva, na aceção da referida disposição, quando induz o consumidor em erro, dandolhe a impressão de que só a lei desse EstadoMembro é aplicável ao contrato, sem o informar de que beneficia igualmente, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais e do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 593/2008, da proteção que lhe proporcionam as disposições imperativas do direito nacional que seria aplicável na falta dessa cláusula.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.