Language of document : ECLI:EU:T:2002:73

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

20 de Março de 2002 (1)

«Concorrência - Acordo, decisão ou prática concertada - Condutas de aquecimento urbano - Artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) - Coima - Igualdade de tratamento - Orientações para o cálculo das coimas - Não retroactividade»

No processo T-17/99,

KE KELIT Kunststoffwerk GmbH, com sede em Linz (Áustria), representada por G. Grassner e W. Löbl, avocats, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por W. Mölls e É. Gippini Fournier, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão 1999/60/CEE da Comissão, de 21 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/35.691/E-4 - Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1), ou, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada por essa decisão à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: P. Mengozzi, presidente, V. Tiili e R. M. Moura Ramos, juízes,

secretário: G. Herzig, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Outubro de 2000,

profere o presente

Acórdão (2)

Factos na origem do litígio

1.
    A recorrente é uma sociedade austríaca que opera no sector do aquecimento urbano e comercializa tubos com revestimento térmico adquiridos à sociedade dinamarquesa Løgstør Rør A/S (a seguir «Løgstør»).

[...]

8.
    Em 21 de Outubro de 1998, a Comissão adoptou a Decisão 1999/60/CE relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/35.691/E-4 - Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1), rectificada antes da sua publicação pela decisão de 6 de Novembro de 1998 [C (1998) 3415 final, a seguir «decisão» ou «decisão impugnada»], que declara a participação de diversas empresas, e, nomeadamente, da recorrente, num conjunto de acordos e de práticas concertadas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) (a seguir «cartel»).

9.
    Nos termos da decisão, no final do ano de 1990, foi celebrado um acordo entre os quatro produtores dinamarqueses de condutas de aquecimento urbano, baseado no princípio de uma cooperação geral no mercado nacional. Este acordo reuniu a ABB IC Møller A/S, a filial dinamarquesa do grupo helvético-sueco ABB Asea Brown Boveri Ltd (a seguir «ABB»), a Dansk Rørindustri A/S, também conhecida pela designação Starpipe (a seguir «Dansk Rørindustri»), a Løgstør e a Tarco Energi A/S (a seguir «Tarco») (a seguir, as quatro considerados em conjunto, «produtores dinamarqueses»). Uma das primeiras medidas terá consistido em coordenar o aumento dos preços tanto no mercado dinamarquês como nos mercados de exportação. Para repartir o mercado dinamarquês, foram fixadas quotas, posteriormente aplicadas e controladas por um «grupo de contacto» que reunia os responsáveis pelas vendas das empresas em causa. Para cada projecto comercial (a seguir «projecto»), a empresa à qual o grupo de contacto tinha atribuído o projecto informava os restantes participantes do preço que tinha a intenção de propor, e estes últimos fariam então uma proposta mais elevada de modo a proteger o fornecedor designado pelo cartel.

10.
    Nos termos da decisão, dois produtores alemães, o grupo Henss/Isoplus (a seguir «Henss/Isoplus») e a Pan-Isovit GmbH (a seguir «Pan-Isovit») começaram a participar nas reuniões regulares dos produtores dinamarqueses a partir do Outono de 1991. No âmbito destas reuniões, ter-se-ão realizado negociações para a repartição do mercado alemão. Estas terão conduzido, em Agosto de 1993, a acordos fixando quotas de venda para cada empresa participante.

11.
    Também segundo a decisão, foi celebrado um acordo entre todos estes produtores, em 1994, a fim de fixar quotas para todo o mercado europeu. Este cartel europeu terá tido uma estrutura com dois níveis. O «clube dos directores», composto pelos presidentes ou os directores-gerais das empresas participantes no cartel, atribuía quotas a cada uma das empresas tanto para o conjunto do mercado como para cada um dos mercados nacionais, nomeadamente a Alemanha, a Áustria, a Dinamarca, a Finlândia, a Itália, os Países Baixos e a Suécia. Relativamente a certos mercados nacionais, foi criado um «grupo de contacto», composto por responsáveis locais de vendas, a quem foi atribuída a tarefa de administrar os acordos atribuindo os projectos e coordenando as apresentações de propostas nos concursos.

12.
    No que respeita ao mercado austríaco, a decisão menciona que um grupo de contacto se reuniu com intervalos de três ou quatro semanas, tendo a primeira reunião tida em conta na decisão tido lugar em Dezembro de 1994, organizada pela recorrente. A última reunião teve lugar em Abril de 1996.

13.
    Como elemento do cartel, a decisão refere, nomeadamente, a adopção e a execução de medidas concertadas destinadas a eliminar a única empresa importante que dele não fazia parte, a Powerpipe. A Comissão especifica que determinados participantes no cartel recrutaram «funcionários-chave» daPowerpipe e deram a entender a esta última que devia retirar-se do mercado alemão. Na sequência da atribuição à Powerpipe de um importante projecto alemão, em Março de 1995, foi efectuada uma reunião em Düsseldorf, na qual participaram os seis principais produtores europeus (a ABB, a Dansk Rørindustri, a Henss/Isoplus, a Løgstør, a Tarco e a Pan-Isovit) e a Brugg Rohrsysteme GmbH (a seguir «Brugg»). Segundo a Comissão, foi decidido, nessa reunião, instituir o boicote colectivo dos clientes e dos fornecedores da Powerpipe. Esse boicote terá seguidamente sido posto em prática.

14.
    Na sua decisão, a Comissão expõe os fundamentos pelos quais não apenas o acordo expresso de repartição dos mercados celebrado entre os produtores dinamarqueses no final de 1990, mas também os acordos celebrados a partir de Outubro de 1991, vistos conjuntamente, podem ser considerados um «acordo» proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Além disso, a Comissão sublinha que os cartéis «dinamarquês» e «europeu» constituíam apenas a expressão de um único acordo que começou na Dinamarca, mas que teve, desde o início, o objectivo, a longo prazo, de alargar o controlo dos participantes a todo o mercado. Segundo a Comissão, o acordo duradouro entre produtores teve um efeito sensível sobre o comércio entre Estados-Membros.

15.
    Pelos fundamentos expostos, é o seguinte o dispositivo da disposição:

«Artigo 1.°

A ABB Asea Brown Boveri Ltd, a Brugg Rohrsysteme GmbH, a Dansk Rørindustri A/S, a Henss/Isoplus Group, a KE KELIT Kunststoffwerk GmbH, a Oy KWH Tech AB, a Løgstør Rør A/S, a Pan-Isovit GmbH, a Sigma Tecnologie Di Rivestimento S.r.L. e a Tarco Energi A/S infringiram o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado ao participarem, da forma e na medida descritas nos fundamentos desta decisão, num conjunto de acordos e práticas concertadas no sector dos tubos com revestimento térmico que tiveram início aproximadamente em Novembro/Dezembro de 1990 entre os quatro produtores dinamarqueses, e que foi posteriormente alargado a outros mercados nacionais, e aos quais se associaram a Pan-Isovit e a Henss/Isoplus, antes de constituírem, no final de 1994, um cartel global que abrangia o conjunto do mercado comum.

A duração da infracção foi a seguinte:

[...]

-    no caso da KE-KELIT de aproximadamente Janeiro de 1995 até [Março ou Abril de 1996],

[...]

As características principais da infracção são as seguintes:

-    repartição entre os produtores dos diferentes mercados nacionais e, finalmente, do conjunto do mercado europeu, através de um sistema de quotas,

-    atribuição de mercados nacionais a certos produtores e organização da retirada de outros produtores,

-    fixação em conjunto dos preços do produto e para projectos individuais,

-    a atribuição de projectos individuais a produtores designados para o efeito e manipulação dos processos de apresentação de propostas no âmbito de concursos, a fim de obter a adjudicação dos contratos a esses produtores,

-    para proteger o cartel da concorrência da única empresa importante que dele não fazia parte, a Powerpipe AB, aplicação de medidas concertadas destinadas a entravar a sua actividade comercial, a prejudicar o bom desenvolvimento das suas actividades ou a afastá-la pura e simplesmente do mercado.

[...]

Artigo 3.°

São aplicadas às empresas nomeadas no artigo 1.°, devido às respectivas infracções, as seguintes coimas:

[...]

e) KE-KELIT Kunststoffwerk GmbH, uma coima de 360 000 ecus;

[...]».

[...]

Questão de direito

23.
    A recorrente invoca, essencialmente, cinco fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a erros de facto na aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O segundo é relativo à violação do direito de defesa. O terceiro fundamento assenta na violação do princípio da igualdade de tratamento na aplicação da coima. O quarto fundamento respeita à violação de princípios gerais e a erros de apreciação na determinação do montante da coima. O quinto fundamento assenta na violação do dever de fundamentação.

I - Quanto ao fundamento relativo a erros de facto na aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

A - Quanto aos aspectos da infracção imputados à recorrente

1. Argumentos das partes

24.
    A recorrente contesta ter participado nas diferentes infracções enumeradas no artigo 1.° da decisão. Foi erradamente que a Comissão apenas reconheceu que a recorrente não participou nas medidas concertadas contra a Powerpipe.

25.
    Em primeiro lugar, a recorrente não participou na repartição dos mercados nacionais e, seguidamente, do conjunto do mercado europeu, através de um sistema de quotas. A recorrente nunca assistiu às reuniões do clube dos directores nem foi membro da associação de produtores «European District heating Pipe Manufacturers Association». A própria Comissão, no n.° 124 da decisão, admitiu que as quotas para o mercado austríaco foram fixadas fora das reuniões do clube dos directores e que a recorrente estava, assim, colocada perante um facto consumado. Acresce que as vendas da recorrente na Áustria eram imputadas à Løgstør como parte da quota europeia desta empresa. Contrariamente ao que a Comissão afirma, a recorrente não poderia ter exigido a outras empresas interessadas o respeito da sua quota. Dado que a recorrente actuava como revendedor, não pode, por outro lado, falar-se da sua implicação como «produtor local», como faz a decisão no n.° 153.

26.
    Em segundo lugar, a atribuição de mercados nacionais a determinados produtores e a organização da retirada de outros produtores não lhe podem ser imputadas. Dado que a recorrente apenas operava no mercado austríaco e não era ela própria um produtor, não dispunha de qualquer poder que lhe permitisse atribuir mercados nacionais ou organizar a retirada de outros produtores.

27.
    Em terceiro lugar, a recorrente não pode estar implicada em acordos relativos à fixação de preços, facto esse que a Comissão, aliás, não explicitou na comunicação das acusações nem na decisão. Enquanto revendedor de tubos com revestimento térmico, a recorrente não tinha a possibilidade de celebrar acordos relativos ao preços.

28.
    Em quarto lugar, nem a comunicação das acusações nem a decisão imputaram à recorrente a atribuição de projectos a produtores e a manipulação dos processos de apresentação de propostas. Não foi demonstrado que a atribuição dos projectos era objecto de discussões durante as reuniões do grupo de contacto nem que, nesse âmbito, fossem atribuídos projectos. Efectivamente, a Comissão não demonstrou que os preços eram fixados e que os preços das diferentes propostas eram determinados a seu favor. No n.° 84 da decisão, a Comissão apenas refere que os preços eram discutidos e não que eram fixados.

29.
    Segundo a recorrente, não se pode deduzir uma manipulação das propostas a partir do documento que constitui o anexo 110 da comunicação das acusações, o qual refere os projectos e os diferentes concorrentes bem como números que representam as hipóteses de cada um dos concorrentes. Abstraindo do facto de que esse documento foi elaborado pela Pan-Isovit, o mesmo não demonstra nem uma manipulação das propostas nem uma participação da recorrente. Efectivamente, se tivesse havido manipulação das propostas, seria inútil referir uma apreciação das hipóteses de conseguir um projecto.

30.
    A recorrida afirma que a recorrente participou num cartel a nível europeu, embora sob a forma de acções relativas apenas ao mercado austríaco. É pacífico que a recorrente tinha consciência de que as suas actividades faziam parte de um sistema mais vasto. À margem das medidas concertadas contra a Powerpipe, a recorrente pode ser associada a todas as características principais da infracção expostas no artigo 1.° da decisão.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

31.
    Está assente que a decisão imputa à recorrente a participação no cartel geral que abrangia o conjunto do mercado comum, conforme descrito no artigo 1.°, primeiro parágrafo, da decisão.

32.
    Está igualmente assente que a Comissão apenas imputa à recorrente a participação nas medidas concertadas contra a Powerpipe, conforme referidas, entre as características principais do cartel, no artigo 1.°, terceiro parágrafo, quinto travessão, da decisão.

33.
    No que respeita às restantes características principais do cartel, referidas no artigo 1.°, terceiro parágrafo, primeiro, segundo, terceiro e quarto travessões, da decisão, há que considerar que a Comissão as imputou correctamente à recorrente.

34.
    Desde logo, no que respeita à «atribuição de projectos individuais a produtores designados para o efeito e manipulação dos processos de apresentação de propostas no âmbito de concursos, a fim de obter a adjudicação dos contratos a esses produtores», há que observar que as declarações da ABB e da Pan-Isovit, nos termos das quais a recorrente assistiu às reuniões do grupo de contacto austríaco no âmbito do qual as empresas repartiam entre si os projectos [resposta complementar da ABB, de 13 de Agosto de 1996, ao pedido de informações de 13 de Março de 1996 (a seguir «resposta complementar da ABB») e resposta da Pan-Isovit de 17 de Junho de 1996, ao pedido de informações de 13 de Março de 1996 (a seguir «resposta da Pan-Isovit»)] são apoiadas pelo conjunto dos documentos que constam dos anexos 109 e 110 da comunicação das acusações. Por um lado, a atribuição dos projectos relativos ao mercado austríaco é confirmada pela carta de 3 de Maio de 1995 da Isoplus Hohenberg, que fazia parte do grupo de facto Henss/Isoplus, a W. Henss, que consta do anexo 109 da comunicação dasacusações, a qual refere, a respeito da recorrente, após expor a atitude da ABB, da Dansk Rørindustri e da Pan-Isovit relativamente às quotas e/ou à atribuição de projectos, que a «Logstör-KELIT» «[cumpria] igualmente as suas promessas» e, além disso, menciona, entre determinadas «perturbações isoladas», o facto de um projecto que «deveria caber à KELIT» ter sido obtido pela Tarco. Por outro lado, no que respeita ao quadro contendo a lista dos projectos no mercado austríaco, encontrada na Pan-Isovit, que consta do anexo 110 da comunicação das acusações, as indicações precisas relativamente às propostas de outras empresas bem como às hipóteses de cada uma das empresas referidas de obterem um projecto não podem ser entendidas de outro modo senão como o resultado de uma troca de informações entre as empresas. O facto de esta troca de informações ser o resultado de acordos relativos à atribuição dos projectos é confirmado pela menção no mesmo quadro, como concorrentes ao projecto de «Berceliusplatz», da recorrente e, com uma proposta mais elevada, da Pan-Isovit, dado que este mesmo projecto é referido no documento constante do anexo 109 da comunicação das acusações como sendo um projecto que «deveria caber à KELIT» e que, no final, foi obtido pela Tarco. Por outro lado, resulta do anexo 72 da comunicação das acusações, mencionado no n.° 72 da decisão, que pelo menos a Henss/Isoplus utilizava, no que respeita à repartição dos projectos no mercado alemão, um quadro mencionando igualmente as «hipóteses» dos concorrentes juntamente com outros quadros elaborados pelos participantes no cartel que indicavam a empresa designada como «favorita» à qual o cartel atribuíra um projecto.

35.
    Além disso, no que se refere à «fixação em conjunto dos preços do produto e para projectos individuais», há que salientar que, em qualquer caso, a atribuição de projectos no âmbito do mercado austríaco necessitou de uma manipulação das propostas com base em acordos relativos aos preços a propor por cada uma das empresas que tinham a intenção de concorrer. Por outro lado, o facto de os preços serem objecto de discussões entre as empresas que operavam no mercado austríaco é demonstrado pela afirmação contida no documento constante do anexo 109 da comunicação das acusações, nos termos da qual todas as empresas se queixavam do facto de a tabela de preços «EU-Liste» não ser aplicável.

36.
    Neste contexto, a recorrente não pode fugir à sua responsabilidade no acordo de fixação dos preços alegando que apenas em determinada medida podia influenciar os preços facturados pela Løgstør. Efectivamente, essa situação não privou a recorrente de toda e qualquer autonomia no que respeita à sua política de preços e, em todo o caso, reforçou o seu interesse em moderar a concorrência sobre os preços.

37.
    Por último, no que respeita «à repartição entre os produtores dos diferentes mercados nacionais e, finalmente, do conjunto do mercado europeu, através de um sistema de quotas» bem como «à atribuição de mercados nacionais a certos produtores e organização da retirada de outros produtores», é de observar que a recorrente reconhece que foi informada pela ABB, em Janeiro de 1995, de que os produtores repartiram entre si o mercado austríaco através de quotas e que amesma se apercebeu, nessa altura, de que as reuniões do grupo de contacto austríaco faziam parte de um plano mais vasto. Daqui resulta que a recorrente teve de tomar conhecimento do facto de que outros mercados nacionais eram objecto de repartição entre produtores, o que podia implicar a retirada de determinados produtores de mercados atribuídos a outros produtores.

38.
    Daqui resulta que, uma vez que a recorrente participou na atribuição de projectos no mercado austríaco, a Comissão lhe podia igualmente imputar a sua implicação na repartição dos mercados nacionais a nível europeu. Efectivamente, segundo a jurisprudência, uma empresa que participou numa infracção multiforme às regras da concorrência, através de comportamentos que lhe são próprios, que integram as noções de acordo ou de prática concertada com um objectivo anticoncorrencial, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e que visam contribuir para a realização da infracção no seu conjunto também pode ser responsável pelos comportamentos postos em prática por outras empresas no quadro da mesma infracção durante todo o período em que participou na referida infracção, quando se prova que a empresa em questão conhecia os comportamentos ilegais dos outros participantes, ou que os podia razoavelmente prever e estava pronta a aceitar o risco (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C-49/92 P, Colect., p. I-4125, n.° 203).

39.
    A este respeito, não é relevante afirmar que a recorrente não participou ela própria na atribuição dos mercados nacionais aos produtores nem na fixação das quotas individuais de cada produtor nos mercados que foram objecto de repartição. Efectivamente, resulta claramente da decisão que a Comissão a não acusa de ter ela própria participado nas discussões que conduziram à fixação de quotas e à atribuição de mercados nacionais a determinados produtores. Deve recordar-se, a este respeito, que a Comissão, na descrição que fez da estrutura do cartel europeu, afirmou que os grupos de contacto não decidiam sobre as quotas, mas que se ocupavam da atribuição dos projectos individuais e da coordenação do processo colusório de apresentação de propostas nos concursos (n.° 68 da decisão). Além disso, a Comissão esclareceu, no que respeita à recorrente, que esta apenas participou nos acordos relativos ao mercado austríaco, no qual lhe foi atribuída uma quota de 23%, e que pode perfeitamente ter sucedido que tenha sido colocada perante um facto consumado, dado que as quotas eram decididas pelo clube dos directores, às reuniões do qual não assistia (n.° 124, segundo parágrafo, da decisão).

40.
    Em todo o caso, a existência de uma atitude passiva por parte da recorrente é contrariada pela sua carta de 12 de Janeiro de 1995 à Løgstør, que consta do anexo 106 da comunicação das acusações, na qual insistiu junto da referida empresa para que fosse aumentada a sua quota relativa ao mercado austríaco.

41.
    Por último, a recorrente não pode invocar o facto de não ser ela própria um produtor de tubos com revestimento térmico como os que estão em causa nopresente processo. Efectivamente, embora a Comissão tenha descrito as características principais do cartel designando os participantes no mesmo como «produtores» e mesmo que, em determinados números da decisão, tenha erradamente qualificado a recorrente como «produtor», resulta claramente da decisão, designadamente dos seus n.os 17 e 82, que a Comissão a acusou de participar no cartel enquanto empresa que comercializava, por sua própria conta, condutas de aquecimento urbano adquiridas à Løgstør. Assim, a recorrente não pode acusar a Comissão de não ter tido em conta a sua qualidade de revendedor.

42.
    Resulta de tudo o que antecede que os argumentos relativos aos aspectos da infracção imputados à recorrente devem ser julgados improcedentes.

B - Quanto à existência de uma restrição à concorrência

1. Argumentos das partes

43.
    A recorrente refere que, enquanto empresa que dependia da sua fornecedora Løgstør, não pode ser acusada da infracção que a Comissão lhe imputa. Mesmo que o nexo de dependência económica que pode existir entre parceiros contratuais não impeça que se declare a existência de um acordo, a prática decisória da Comissão demonstra que esta pode não aplicar uma coima à empresa dependente ou que tenha sido forçada a celebrar o contrato restritivo da concorrência.

44.
    As quotas e os preços elevados que foram impostos à recorrente limitaram a sua autonomia no plano comercial. À recorrente não só foi imposto pela Løgstør um aumento dos preços, mas também uma redução dos descontos que lhe eram concedidos. Na qualidade de fornecedor, a Løgstør teve a possibilidade de determinar o volume de negócios da recorrente sem qualquer intervenção desta, apenas pela aceitação ou a recusa do fornecimento. Como já referiu nas suas observações sobre a comunicação das acusações, a recorrente sofreu restrições dos fornecimentos por parte da Løgstør.

45.
    Dado que as quotas e os preços eram impostos unilateralmente pela Løgstør e pelos outros produtores, não se pode falar de um acordo vertical.

46.
    A recorrida observa que, embora possa ter em conta a dependência económica de um membro de um cartel para lhe não aplicar uma coima, a isso não é obrigada. No caso concreto, a decisão de aplicar uma coima não é passível de censura, dado que, por um lado, a recorrente participou num acordo horizontal particularmente grave, designadamente relativo à atribuição de diferentes projectos e à manipulação de processos de apresentação de propostas no âmbito de concursos, com pleno conhecimento do carácter pan-europeu da repartição dos mercados e, por outro, a Comissão teve, além disso, em conta a situação particular da recorrente, modulando adequadamente o montante da respectiva coima.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

47.
    Em primeiro lugar, há que observar que, ao acusar a recorrente de participar num acordo relativo à repartição dos mercados nacionais e dos projectos individuais entre produtores, através de um sistema de fixação de quotas e de manipulação dos processos de apresentação de propostas no âmbito de concursos bem como de um acordo de fixação de preços, a Comissão teve em conta a participação da recorrente num acordo horizontal entre os operadores no mercado do aquecimento urbano.

48.
    Neste âmbito, a recorrente não pode afirmar que, devido à sua dependência em relação à Løgstør no que respeita aos seus fornecimentos, passou a não dispor da autonomia necessária para participar em seu próprio nome num acordo. Efectivamente, mesmo que margem de manobra da recorrente fosse limitada devido à sua dependência dos fornecimentos da Løgstør, isso não altera a conclusão de que a recorrente, ao participar por sua própria conta num acordo sobre o mercado austríaco, restringiu a concorrência que existia nesse mercado. Mesmo sendo certo que os laços de dependência económica que existem entre os participantes num cartel podem condicionar a sua liberdade de iniciativa e de decisão, não é menos verdade que a existência dos referidos laços não exclui a possibilidade de recusar o consentimento no acordo que é proposto (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1979, BMW e o./Comissão, 32/78 e 36/78 a 82/78, Recueil, p. 2435, n.° 36).

49.
    Quanto à afirmação da recorrente segundo a qual sofreu uma pressão exercida pelas restrições dos fornecimentos por parte da Løgstør, há que notar que aquela não apresentou qualquer prova disso, uma vez que os elementos de prova indicados na sua réplica se referem unicamente à atitude da Løgstør relativamente a actividades levadas a cabo pela recorrente fora do mercado austríaco.

50.
    Em todo o caso, mesmo pressupondo que tenha sofrido pressões por parte da Løgstør, a recorrente não pode invocar o facto de ter participado no cartel obrigada pelos outros participantes, dado que poderia denunciar as pressões de que era objecto às autoridades competentes e apresentar à Comissão uma denúncia nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, em vez de participar nas actividades em questão (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Hüls/Comissão, T-9/89, Colect., p. II-499, n.os 123 e 128, e de 6 de Abril de 1995, Tréfileurope/Comissão, T-141/89, Colect., p. II-791, n.° 58).

51.
    Consequentemente, este fundamento deve ser julgado improcedente na parte em que a recorrente contesta a existência de uma restrição à concorrência.

C - Quanto à afectação do comércio entre Estados-Membros

1. Argumentos das partes

52.
    A recorrente observa que a sua participação nas reuniões do grupo de contacto nacional nem sequer pôde afectar as trocas entre Estados-Membros, o que, no entanto, consiste num dos elementos constitutivos da infracção prevista no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O facto de a recorrente ter ou não tido consciência de fazer parte de um plano mais vasto nada teria alterado. Efectivamente, para determinar a responsabilidade da recorrente em relação ao cartel, não é relevante examinar se os acordos celebrados no âmbito do clube dos directores, de que fazia parte a Løgstør, afectaram as trocas entre Estados-Membros. Em todo o caso, mesmo que fosse de imputar um acordo à recorrente, esta nunca actuou com a consciência de poder exercer através da sua acção qualquer influência sobre o mercado comum.

53.
    Por outro lado, mesmo que a recorrente não tivesse participado nas reuniões dos fornecedores locais, não teria podido incrementar as suas actividades económicas no mercado austríaco, dado que a sua quota estava nas mãos da Løgstør, que dirigia o seu comportamento económico.

54.
    A recorrida realça que, nos n.os 149 e 150 da decisão, explicou que a infracção teve um efeito sensível sobre o comércio entre Estados-Membros. Este impacto sobre as trocas decorre do cartel no seu conjunto, pouco importando saber se a infracção cometida por cada um dos seus membros produziu esse efeito. Efectivamente, a recorrente teve conhecimento de que os acordos relativos ao seu próprio mercado se inseriam num plano mais vasto. Por outro lado, os produtos que vendia eram todos importados da Dinamarca.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

55.
    Em primeiro lugar, deve recordar-se, como foi declarado nos n.os 37 a 40 supra, que a Comissão imputou correctamente à recorrente uma violação do artigo 85.° do Tratado devido à sua participação, no mercado austríaco, numa infracção que ultrapassava o âmbito apenas do mercado austríaco.

56.
    Por outro lado, a recorrente não contesta a afirmação da Comissão, no n.° 149 da decisão, de que o cartel global no qual se integrava a cooperação no mercado austríaco teve um efeito sensível sobre o comércio entre Estados-Membros e de que o referido cartel global abrangeu, no final de 1994, o conjunto do mercado comum e a quase totalidade das trocas realizadas em toda a Comunidade no sector do aquecimento urbano.

57.
    Nestas circunstâncias, a recorrente não pode negar que a infracção de que é acusada é susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

58.
    Efectivamente, resulta do texto do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado que as únicas questões relevantes são as de saber se a recorrente participou com outras empresas num acordo tendo por objecto ou por efeito restringir a concorrência e se esse acordo era susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros.Consequentemente, as questões de saber se a participação individual da empresa em causa no acordo podia, apesar da sua pequena dimensão, restringir a concorrência ou afectar o comércio entre Estados-Membros ou se a recorrente teve a intenção de encerrar os mercados, e, por esse motivo, de violar o artigo 85.° do Tratado carecem de relevância (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Böel/Comissão, T-142/89, Colect., p. II-867, n.os 88 e 99, e Tréfileurope/Comissão, já referido, n.° 122). Dado que a Comissão fez prova bastante de que a infracção, na qual participou a recorrente, era susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, não é necessário demonstrar que a participação individual da recorrente afectou as trocas entre Estados-Membros (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, ICI/Comissão, T-13/89, Colect., p. II-1021, n.° 35).

59.
    É de acrescentar que, em qualquer caso, a limitação da parte de mercado da recorrente a uma determinada quota do mercado austríaco era susceptível de afectar as suas importações de condutas do seu fornecedor dinamarquês, a Løgstør e, consequentemente, de afectar o comércio entre Estados-Membros.

60.
    Por todas estas razões, deve igualmente ser julgado improcedente o fundamento adiantado pela recorrente no que respeita à afectação do comércio entre Estados-Membros.

II - Quanto ao fundamento assente na violação dos direitos de defesa

A - Quanto à violação do direito a ser ouvido no que respeita aos aspectos da infracção imputados à recorrente

1. Argumentos das partes

61.
    A recorrente afirma que a Comissão violou os seus direitos de defesa ao não lhe indicar na comunicação das acusações todas as infracções referidas no artigo 1.° da decisão. A única coisa que a Comissão parece imputar à recorrente seria a sua participação em reuniões entre fornecedores locais bem como o seu conhecimento de um plano mais vasto. Ora, estas críticas não constam dos elementos da infracção tidos em conta na decisão, enquanto os elementos que constam desta última nunca tinham sido imputados anteriormente à recorrente. A Comissão não lhe imputou, assim, em concreto as infracções enumeradas no artigo 1.° da decisão antes da adopção desta. Não obstante, a comunicação das acusações deveria ser redigida em termos suficientemente claros para que os interessados pudessem tomar conhecimento do comportamento de que a Comissão os acusa.

62.
    A recorrida observa que, embora seja certo que nem todas as características enumeradas no artigo 1.° da decisão se aplicam à recorrente, é igualmente certo que as acções que lhe são imputadas são expostas de forma clara e compreensívelem diversos locais da decisão. Ora, a exposição de motivos da decisão corresponde à da comunicação das acusações.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

63.
    Deve recordar-se que o respeito do direito de defesa, que constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser observado em todas as circunstâncias, nomeadamente em qualquer procedimento susceptível de conduzir à aplicação de sanções, mesmo se se tratar de um processo administrativo, exige que as empresas e as associações de empresas interessadas sejam colocadas em condições de, logo na fase administrativa do processo, darem utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegados pela Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 11; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Shell/Comissão, T-11/89, Colect., p. II-757, n.° 39).

64.
    Segundo a jurisprudência, a comunicação das acusações deve incluir uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento do comportamento que lhes é censurado pela Comissão. É só com esta condição que a comunicação de acusações pode desempenhar a sua função, nos termos dos regulamentos comunitários, que é fornecer às empresas e às associações de empresas todos os elementos necessários para lhes permitir que se defendam efectivamente antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C-89/95, C-104/85, C-114/85, C-116/85, C-117/85 e C-125/85 a C-129/85, Colect., p. I-1307, n.° 42; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T-352/94, Colect., p. II-1989, n.° 63).

65.
    No presente processo, há que esclarecer em que medida a Comissão, na sua decisão, acusou a recorrente, em primeiro lugar, de ter participado directamente na infracção conforme descrita no artigo 1.°, primeiro e terceiro parágrafos, da decisão, e, em segundo lugar, de ter tido conhecimento dos restantes aspectos da infracção.

66.
    A este respeito, deve observar-se que, no que respeita ao mercado austríaco, a decisão, nos n.os 66 a 68, refere a estrutura do cartel europeu em vigor a partir de 1994, que abrangia um nível superior, o clube dos directores, e um nível subordinado, constituído pelos diferentes grupos de contacto instituídos para cada grande mercado nacional, entre os quais, designadamente, a Áustria. Na sua exposição relativa à aplicação do cartel no mercado austríaco, nos n.os 82 a 84, a decisão refere, designadamente, que a primeira reunião do grupo de contacto austríaco foi organizada pela recorrente e que as quotas propostas pelo clube dos directores lhe foram comunicadas pela ABB. Nos termos do n.° 84 da decisão, o grupo de contacto austríaco reuniu-se regularmente a fim de aplicar a repartiçãoacordada, discutir preços e quotas de mercado e, se necessário, proceder a ajustamentos relativamente aos projectos individuais, com o objectivo de manter as partes de mercado conformes às quotas. No mesmo número, a decisão refere que a recorrente participou nestas reuniões, que se realizaram pela última vez em Abril de 1996.

67.
    Seguidamente, no n.° 124 da decisão, é explicado que a recorrente não ignorava que os acordos na Áustria se inscreviam no quadro de um plano mais vasto e que unicamente tomou parte nos acordos relativos ao mercado austríaco, que não assistiu às reuniões do clube de directores nem às do grupo de contacto para a Alemanha e não teve conhecimento das medidas adoptadas contra a Powerpipe, não estando às mesmas de qualquer forma associada.

68.
    Ora, deve observar-se que estas críticas figuram, em termos absolutamente idênticos, na comunicação das acusações. Com efeito, uma descrição do cartel análoga à que consta do artigo 1.° da decisão encontra-se nas páginas 1 e 2 da comunicação das acusações remetida à recorrente. A estrutura a dois níveis do cartel europeu é exposta em termos idênticos aos da decisão nas páginas 27 e 38 da comunicação das acusações, do mesmo modo que a descrição da aplicação do cartel no mercado austríaco, que consta nas páginas 35 e 36 da referida comunicação, corresponde à que é feita na decisão. A Comissão referiu igualmente na comunicação das acusações que a primeira reunião do grupo de contacto austríaco foi organizada pela recorrente e citou as quotas propostas pelo clube dos directores e comunicadas pela ABB. No mesmo local, a comunicação das acusações menciona que o grupo de contacto austríaco se reuniu regularmente a fim de aplicar a repartição acordada, discutir os preços e quotas do mercado, com o objectivo de manter as partes de mercado comuns conformes às quotas. A comunicação das acusações acrescenta igualmente que a recorrente se encontrava entre os participantes nessas reuniões e que o grupo de contacto austríaco se reuniu até Abril de 1996.

69.
    Seguidamente, a Comissão, na página 56 da comunicação das acusações, explicou que os dois fornecedores locais - a KE KELIT e a Sigma Tecnologie Di Rivestimento SrL (a seguir «Sigma») - apenas participaram nas actividades do cartel no respectivo mercado interno, embora tivessem consciência de que as reuniões no âmbito do grupo de contacto para esse mercado faziam parte de um plano mais vasto, dado que sabiam que as quotas que lhes eram atribuídas tinham sido decididas pelo clube dos directores. Na página 66 da comunicação das acusações, a Comissão referiu ainda que a recorrente não participou nas medidas concertadas contra a Powerpipe.

70.
    Tendo em conta a concordância entre as críticas que constam da decisão impugnada e as acusações comunicadas à recorrente durante a fase administrativa do processo, esta não pode afirmar que a Comissão lhe não imputou, na comunicação das acusações, as infracções referidas no artigo 1.° da decisão.

71.
    Daqui resulta que este fundamento deve ser julgado improcedente no que respeita aos aspectos da infracção imputados à recorrente.

[...]

III - Quanto ao fundamento assente na violação do princípio da igualdade de tratamento na aplicação da coima

A - Argumentos das partes

90.
    A recorrente afirma que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento na medida em que não aplicou coimas a outras empresas que actuaram igualmente na qualidade de revendedores ligados a produtores de tubos com revestimento térmico ou mesmo na qualidade de produtores. A este respeito, a recorrente refere outras empresas que desempenharam um papel semelhante ao seu.

91.
    No que respeita ao mercado austríaco, havia, em primeiro lugar, a empresa Infratec Gruner & Partner GmbH, antiga Krobath & Gruner GmbH (a seguir «Infratec»). No anexo 109 da comunicação das acusações, a Infratec foi mencionada como revendedor da Dansk Rørindustri. Em segundo lugar, a empresa Steinbacher, que esteve representada nas reuniões do grupo de contacto austríaco, como demonstra o anexo 109 acima referido. Esta empresa não era revendedor de um determinado produtor, mas vendeu tubos com revestimento térmico que ela mesma produzia.

92.
    No entender da recorrente, trata-se de empresas numa situação comparável à sua, às quais a Comissão aplicou um tratamento diferente. Efectivamente, tal como a recorrente, a Infratec esteve representada nas reuniões do grupo de contacto e dispôs de uma quota que era atribuída ao produtor. Se estes elementos conduziram, contudo, à conclusão de que as empresas em causa não eram membros do cartel, como a Comissão concluiu, este raciocínio deveria igualmente ter sido aplicado à recorrente. Quanto ao argumento segundo o qual, ao contrário da recorrente, a Infratec não dispôs de uma quota própria, tendo esta sido atribuída à Dansk Rørindustri, a recorrente observa que o anexo 109 da comunicação das acusações demonstra que foi esse também o seu caso, dado que a sua quota foi atribuída à Løgstør.

93.
    No que respeita a outros mercados nacionais, a recorrente refere outras empresas que participaram, na qualidade de representantes de produtores de condutas, em reuniões de grupos de contacto. No que se refere ao mercado italiano, a decisão confirma que a empresa Socologstor, cujas vendas estavam compreendidas na quota atribuída à Løgstør para o conjunto da Europa, como sucedia com a recorrente, participou em reuniões de grupos de contacto. No que se refere ao mercado britânico, resulta da resposta da Pan-Isovit que esta actuava neste mercado através da sua representação inglesa, que participou em reuniões. No que respeita ao mercado alemão, uma empresa mencionada várias vezes nos anexos dacomunicação das acusações representou a Dansk Rørindustri pelo menos no âmbito de um projecto de aquecimento urbano, como resulta do anexo 135 da comunicação das acusações, e participou na reunião de Frankfurt de 10 de Janeiro de 1995. Quanto ao mercado dos Países Baixos, a resposta complementar da ABB refere os nomes de directores e de duas empresas. A primeira destas empresas vendeu tubos com revestimento térmico adquiridos à Løgstør e, segundo a ABB, participou em reuniões em 1995. A segunda foi também fornecedora de tubos com revestimento térmico, adquirindo-os à Henss/Isoplus.

94.
    Se se observarem estas situações equiparáveis do ponto de vista do direito da concorrência, mostra-se que não há diferenças que justifiquem uma disparidade de tratamento por parte da Comissão. Pelo contrário, ao não aplicar qualquer coima às empresas referidas, a decisão contraria, na realidade, o objectivo que ela mesma tem em vista. A Comissão provocou, efectivamente, através da sua decisão, uma distorção do jogo da concorrência, dado que a recorrente foi o único fornecedor a quem foi aplicada uma coima e, consequentemente, o único a sofrer uma ofensa à sua reputação devido à publicação da decisão, enquanto outros fornecedores e mesmo produtores de condutas não suportaram o encargo financeiro que representa uma coima.

95.
    A recorrida observa que o argumento da recorrente terá que ser julgado improcedente, dado que a Comissão demonstrou que a recorrente participou na infracção e que lhe cabe, por isso, uma parte da responsabilidade. Mesmo se a Comissão se absteve erradamente de penalizar outras empresas que se encontravam na mesma situação, a recorrente não pode invocar essa circunstância para contestar uma sanção que lhe foi correctamente aplicada.

96.
    Em qualquer caso, pelo menos no que respeita às empresas austríacas, a argumentação da recorrente não corresponde aos factos. A situação da Infratec não é comparável à da recorrente, na medida em que a Dansk Rørindustri possuía uma quota tanto para o mercado europeu como para o mercado austríaco, enquanto a Løgstør apenas possuía uma quota europeia, mas não uma quota no mercado austríaco. As vendas de produtos da Løgstør efectuadas pela recorrente foram imputadas à Løgstør no âmbito da sua quota europeia. Quanto à Steinbacher, esta também não era membro do cartel ou, de qualquer forma, a sua participação no cartel não foi suficientemente provada, pelo que a Comissão não podia adoptar medidas contra a mesma.

B - Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

97.
    Há que recordar que o princípio da igualdade de tratamento só é violado, segundo jurisprudência constante, quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e de 28 deJunho de 1990, Hoche, C-174/89, Colect., p. I-2681, n.° 25; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, BPB Eendracht/Comissão, T-311/94, Colect., p. II-1129, n.° 309).

98.
    Deve notar-se que a recorrente não demonstrou, relativamente a nenhuma das outras empresas que referiu, que existe uma prova da sua participação activa nas reuniões de grupos de contacto e da atribuição às mesmas de uma quota própria no respectivo mercado nacional equiparável à demonstrada pela Comissão relativamente à recorrente, conforme descrita nos n.os 34 a 41 supra.

99.
    A este respeito, deve notar-se que, no que respeita à empresa Steinbacher, mencionada no documento que se acha no anexo 64 da comunicação das acusações como tendo uma quota própria no mercado austríaco e cujo nome figura na lista de projectos que constam do anexo 110 da comunicação das acusações, existem, entre os documentos reunidos pela Comissão, informações que põem em dúvida, no mínimo, o facto de a participação da Steinbach se ter aproximado do grau de participação da recorrente. Por um lado, o facto de se ter entendido que esta empresa não participou no cartel é confirmado pela resposta da Løgstør de 17 de Janeiro de 1995 à carta da recorrente de 12 de Janeiro de 1995, que consta do anexo 107 da comunicação das acusações, nos termos da qual a Løgstør considerava que não deveria haver preocupações com a atribuição de uma quota a esta empresa, dado que era de esperar o encerramento do respectivo departamento de aquecimento urbano. Por outro lado, esta empresa é citada na carta de 3 de Maio de 1995 da Isoplus Hohenberg à W. Henss, que consta do anexo 109 da comunicação das acusações, como tendo oferecido preços de dumping. Por outro lado ainda, não resulta do referido documento, nem das declarações de outros participantes no cartel, que esta empresa tenha participado numa reunião do grupo de contacto.

100.
    Quanto à Infratec, há que concluir que, mesmo que esta tenha sido referida na carta de 3 de Maio de 1995 da Isoplus Hohenberg à W. Henss como uma empresa que, nesse momento, «respeit[ava] ainda os acordos» e na resposta complementar da ABB como tendo participado nas reuniões do grupo de contacto, há que verificar igualmente que, ao contrário da recorrente, o seu nome não consta dos participantes no grupo de contacto austríaco mencionados no anexo 67 da comunicação das acusações, nem dos mencionados pela Pan-Isovit, na sua resposta, e igualmente não figura na lista de projectos constante do anexo 110 da comunicação das acusações.

101.
    Por outro lado, mesmo pressupondo que a situação de algumas empresas não destinatárias da decisão tenha sido análoga à da recorrente, tal não permitiria afastar a imputação da infracção à mesma, uma vez que a infracção foi correctamente provada com base em provas documentais (acórdão Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, já referido, n.° 146). Resulta de jurisprudência constante que, quando uma empresa, pelo seu comportamento, violou o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, não pode escapar a qualquer sanção com o fundamento de que a outrosoperadores económicos não foi aplicada uma coima, quando, como no caso em apreço, o juiz comunitário não foi chamado a pronunciar-se sobre a situação destas últimas (acórdão Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, já referido, n.° 197, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T-43/92, Colect., p. II-441, n.° 176, e de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T-49/95, Colect., p. II-1799, n.° 56).

102.
    Consequentemente, improcede este fundamento.

IV - Quanto ao fundamento assente na violação de princípios gerais e em erros de apreciação na determinação do montante da coima

[...]

C - Quanto à dupla penalidade

1. Argumentos das partes

186.
    A recorrente afirma que, embora os seus actos sejam imputáveis à Løgstør, foi aplicada a ambas uma coima. Ora, para comportamentos distintos, mas ligados entre si, apenas é lícito aplicar uma única coima. Esta solução deveria ter sido aplicada à recorrente tendo em conta as suas relações com a Løgstør.

187.
    A recorrida considera que não houve dupla penalidade dado que a participação da recorrente no cartel no âmbito do grupo de contacto austríaco constituiu uma infracção autónoma ao artigo 85.° do Tratado.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

188.
    Deve notar-se que a recorrente não pode invocar o facto de a sua quota ter sido fixada pelo clube dos directores ao qual assistia a Løgstør e de que a primeira dependia dos fornecimentos da segunda a fim de escapar à sua própria responsabilidade na infracção em causa.

189.
    Efectivamente, como foi declarado no n.° 48 supra, a Comissão demonstrou correctamente que a recorrente, embora a sua margem de manobra fosse limitada devido a depender dos fornecimentos da Løgstør, participou ainda assim, por sua própria conta, num acordo sobre o mercado austríaco. A este respeito, deve recordar-se que foi a recorrente, e não a Løgstør, que se reuniu com os seus concorrentes no mercado austríaco a fim de discutir os preços e de atribuir os projectos individuais em conformidade com as quotas atribuídas a cada um deles.

Assim, a Comissão imputou correctamente a cooperação no mercado austríaco à recorrente e não à Løgstør, embora tenha imputado a esta a participação no cartel que abrangia o conjunto do mercado comum.

190.
    Consequentemente, deve este fundamento ser julgado improcedente na medida em que assenta numa alegada dupla penalidade.

[...]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A recorrente é condenada nas despesas.

Mengozzi
Tiili
Moura Ramos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Março de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: alemão.


2:     Apenas são reproduzidos os pontos da fundamentação do presente acórdão cuja publicação o Tribunal de Primeira Instância considera útil. O enquadramento jurídico e factual do presente processo acha-se exposto no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão (T-23/99, Colect., p. II-0000).