Language of document : ECLI:EU:T:2015:383

Processo T‑655/11

FSL Holdings e o.

contra

Comissão Europeia

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu da banana em Itália, na Grécia e em Portugal — Coordenação na fixação de preços — Admissibilidade da prova — Direitos de defesa — Desvio de poder — Prova da infração — Cálculo do montante da coima»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Segunda Secção) de 16 de junho de 2015

1.      Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Provas admissíveis — Legalidade da transmissão à Comissão de informações recolhidas pelas autoridades nacionais — Apreciação pelos tribunais nacionais à luz do direito nacional — Transmissão não declarada ilegal por um tribunal nacional — Consideração pela Comissão das informações transmitidas desse modo como elementos de prova — Admissibilidade

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 12.°, n.° 2)

2.      Concorrência — Procedimento administrativo — Poder de inspeção da Comissão — Decisão em que se ordena uma inspeção — Dever de fundamentação — Alcance — Dever de indicar o objeto e a finalidade da inspeção

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 20.°, n.° 4)

3.      Concorrência — Procedimento administrativo — Poderes de investigação da Comissão — Respeito no âmbito dos processos administrativos — Limites — Abertura de inquérito para verificar a exatidão de informações reveladas incidentalmente numa inspeção — Admissibilidade

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 20.°)

4.      Concorrência — Procedimento administrativo — Poderes da Comissão — Poder de separar o processo — Separação equivalente à abertura de novo processo de inquérito — Poder discricionário

(Artigo 101.° TFUE)

5.      Concorrência — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Possibilidade de a empresa em causa invocar plenamente esses direitos unicamente após o envio da comunicação de acusações — Posse da Comissão sobre notas manuscritas obtidas em inquéritos nacionais — Dever de informar a empresa em causa na fase de instrução preliminar anterior ao envio da comunicação de acusações — Inexistência

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho)

6.      Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Critérios — Redução do montante da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada — Concessão de imunidade condicional de coimas antes da adoção da decisão final da Comissão — Alcance — Aviso da Comissão para o caráter provisório do estatuto processual conferido pela concessão da imunidade condicional — Exercício de pressão ilegal — Inexistência

[Artigo 101.° TFUE; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão, n.os 8, alíneas a) e b), 11, alíneas a) a c), 15, 16, 18 e 19]

7.      Concorrência — Coimas — Montante — Redução do montante da coima como contrapartida de cooperação — Imunidade total — Requisitos — Cooperação plena, permanente e expedita da empresa em causa — Conceito

[Artigo 101.° TFUE; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão, ponto 11, alínea a)]

8.      Recurso de anulação — Fundamentos — Desvio de poder — Conceito

(Artigo 263 TFUE)

9.      Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Quadro jurídico — Orientações fixadas pela Comissão — Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante como contrapartida da cooperação das empresas arguidas — Autolimitação do seu poder de apreciação — Alcance

(Artigo 101.° TFUE; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

10.    Concorrência — Procedimento administrativo — Poderes de investigação da Comissão — Utilização de informações recolhidas numa inspeção efetuada noutro processo — Admissibilidade — Obrigação de cooperação plena, permanente e expedita da empresa requerente da imunidade total de coimas — Alcance

(Artigo 101.° TFUE; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

11.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Utilização de declarações de outras empresas que participaram na infração como meios de prova — Admissibilidade — Valor probatório de depoimentos voluntários prestados pelos principais participantes num cartel com vista a beneficiarem da aplicação da comunicação sobre a cooperação

(Artigo 101.° TFUE; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

12.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Modo de prova — Recurso a um conjunto de indícios — Consideração de elementos apurados fora do período da infração — Admissibilidade — Grau de força probatória exigido tratando‑se dos indícios individualmente considerados

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 2.°)

13.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara uma infração que consiste na conclusão de um acordo anticoncorrencial — Decisão que se baseia em provas documentais — Ónus probatório das empresas que contestam a realidade da infração

(Artigo 101.° TFUE)

14.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Modo de prova — Provas documentais — Apreciação do valor probatório de um documento — Critérios — Documento redigido em ligação imediata com os factos ou por uma testemunha direta desses factos — Alto valor probatório

(Artigo 101.° TFUE)

15.    Direitos fundamentais — Presunção de inocência — Processo em matéria de concorrência — Aplicabilidade — Consequências

(Artigo 101.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 48.°, n.° 1)

16.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração à concorrência — Acordo destinado a restringir a concorrência — Prossecução simultânea de objetivos legítimos — Falta de incidência

(Artigo 101.° TFUE)

17.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Coordenação e cooperação incompatíveis com a obrigação que incumbe a cada empresa de determinar de maneira autónoma o seu comportamento no mercado — Divulgação de informações sensíveis que eliminam a incerteza relativa ao comportamento futuro de um concorrente — Informações publicamente conhecidas — Inclusão — Requisitos

(Artigo 101.° TFUE)

18.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Acordos entre empresas — Empresa que participou num acordo anticoncorrencial — Comportamento que diverge do concertado no âmbito do acordo — Circunstância que não permite necessariamente excluir a sua participação no acordo

(Artigo 101.° TFUE)

19.    Concorrência — Regras da União — Infrações — Imputação — Imputabilidade a uma empresa do comportamento dos seus órgãos — Requisitos — Ação de uma pessoa autorizada a agir por conta da empresa

(Artigo 101.° TFUE)

20.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Troca de informações entre concorrentes — Infração à concorrência — Apreciação à luz da natureza da infração — Discussão entre concorrentes dos fatores importantes para a evolução dos preços — Infração pelo objetivo — Inexistência de ligação direta entre a prática concertada e os preços no consumo — Irrelevância

(Artigo 101.° TFUE)

21.    Concorrência — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Acesso ao processo — Alcance — Recusa da comunicação de um documento — Justificação

(Artigo 101.° TFUE)

22.    Concorrência — Procedimento administrativo — Audições — Audição de determinadas pessoas — Poder de apreciação da Comissão — Limite — Respeito dos direitos de defesa

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 773/2004 da Comissão, artigos 10.°, n.° 3, e 13.°)

23.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração complexa que apresenta elementos de acordo e elementos de prática concertada — Qualificação única como «acordo e/ou prática concertada» — Admissibilidade

(Artigo 101.° TFUE)

24.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Infração à concorrência — Critérios de apreciação — Objeto anticoncorrencial — Verificação suficiente — Distinção entre infrações por objeto e por efeito — Critérios que permitem considerar um acordo como uma restrição pelo objetivo

(Artigo 101.° TFUE)

25.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Não declaração de uma infração a respeito de outro operador em situação semelhante — Falta de incidência

(Artigo 101.° TFUE)

26.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Proibição — Infrações — Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infração única — Imputação de responsabilidade a uma empresa devido à participação na infração considerada na sua totalidade — Requisitos

(Artigo 101.° TFUE)

27.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Ónus da prova da infração e da respetiva duração a cargo da Comissão — Alcance do ónus probatório — Infração única e continuada — Inexistência de provas relativas a determinados períodos do período global tido em conta — Interrupção da participação da empresa na infração — Infração repetida — Consequências na determinação da coima

(Artigo 101.° TFUE)

28.    Concorrência — Coimas — Orientações para o cálculo das coimas — Método de cálculo que tem em conta diversos elementos de flexibilidade — Poder de apreciação da Comissão — Limites — Respeito do princípio da igualdade de tratamento — Cálculo do montante de base da coima — Fiscalização jurisdicional — Alcance

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, pontos 9, 12, 13 e 19 a 23)

29.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Método de cálculo definido pelas orientações fixadas pela Comissão — Cálculo do montante de base da coima — Critérios — Gravidade da infração — Apreciação segundo a natureza da infração — Efeito de uma prática anticoncorrencial — Critério não determinante

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, pontos 19 a 24)

30.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Critérios — Gravidade da infração — Circunstâncias atenuantes — Obrigação de a Comissão respeitar a sua prática decisória anterior — Inexistência

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2 e 3 Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 29)

31.    Concorrência — Coimas — Apreciação em função do comportamento individual da empresa — Incidência da não aplicação de sanção a outro agente económico — Inexistência

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23, n.os 2 e 3)

1.      O direito da União não pode admitir provas recolhidas em total desrespeito do procedimento previsto para o efeito e destinado a proteger os direitos fundamentais dos interessados. O recurso a esse procedimento deve, portanto, ser considerado uma formalidade essencial, na aceção do artigo 263.°, n.° 2, TFUE. Ora, a preterição de uma formalidade essencial tem consequências, independentemente da questão de saber se essa preterição causou danos a quem a invoca.

Mais especificamente, n que respeita ao procedimento administrativo em matéria de concorrência, a proibição de utilizar como provas, para fins diferentes daqueles para que foram obtidas, as informações recolhidas pela Comissão e pelas autoridades de concorrência dos Estados‑Membros ao abrigo dos seus poderes de inquérito, que consta do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, responde a uma necessidade específica, a saber, a necessidade de assegurar o respeito das garantias processuais inerentes à recolha de informações pela Comissão e pelas autoridades nacionais de concorrência no âmbito das suas missões, não deixando de permitir uma troca de informações entre essas autoridades. Contudo, não se pode inferir dessa proibição uma proibição geral de a Comissão utilizar como prova informações obtidas por outra autoridade nacional no exercício das suas funções.

Nesse âmbito, a legalidade da transmissão à Comissão, por um procurador nacional ou pelas autoridades competentes em matéria de concorrência, de informações recolhidas nos termos do direito penal nacional, é uma questão de direito nacional. Além disso, o juiz da União não tem competência para fiscalizar a legalidade de um ato de uma autoridade nacional à luz do direito nacional. Assim, uma vez que a transmissão dos documentos em causa não foi declarada ilegal por um tribunal nacional, esses documentos não podem ser considerados elementos de prova inadmissíveis que devam ser desentranhados dos autos.

(cf. n.os 44‑46, 78, 80)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 48‑53)

3.      Num procedimento administrativo em matéria de concorrência, embora as informações recolhidas pela Comissão nas inspeções não possam ser utilizadas para outros fins diferentes dos indicados no mandado ou na decisão de inspeção, daí não se pode concluir que a Comissão está proibida de abrir um procedimento de inquérito para verificar a exatidão ou para completar informações de que tenha tomado conhecimento incidentalmente numa inspeção anterior no caso de essas informações indicarem a existência de comportamentos contrários às normas da concorrência do Tratado. No âmbito desse novo inquérito, a Comissão pode pedir novas cópias dos documentos obtidos no primeiro inquérito e utilizá‑las então como meios de prova no processo a que respeita o segundo inquérito, sem que os direitos de defesa das empresas em causa sejam afetados por isso.

Assim, o facto de pedir à Chiquita que apresentasse novamente documentos que já tinha apresentado num primeiro inquérito não é ilícito, antes se revela uma condição indispensável da utilização desses documentos no âmbito do presente processo.

(cf. n.os 54, 55, 69, 104, 157)

4.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 56, 57, 148)

5.      Num procedimento administrativo em matéria de concorrência, são precisamente o envio da comunicação de acusações, por um lado, e o acesso ao processo, que permite ao destinatário dessa comunicação tomar conhecimento das provas que constam do processo da Comissão, por outro, que asseguram os direitos de defesa.

Com efeito, é pela comunicação de acusações que a empresa em causa é informada de todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento. Por conseguinte, só após o envio da comunicação de acusações é que a empresa em causa pode fazer valer plenamente os seus direitos de defesa.

Com efeito, se esses direitos fossem estendidos à fase anterior ao envio da comunicação de acusações, a eficácia do inquérito da Comissão ficaria comprometida, pois a empresa em causa estaria, logo na fase de instrução preliminar, em condições de identificar as informações na posse da Comissão e, portanto, quais as que lhe poderiam ainda ser ocultadas.

Daí resulta que, a Comissão não tinha a obrigação de informar a empresa em causa da transmissão dos documentos pela autoridade nacional antes do envio da comunicação de acusações.

(cf. n.os 94‑97)

6.      Num procedimento administrativo em matéria de concorrência, a concessão de imunidade condicional implica, portanto, a criação de um estatuto processual particular, no decurso do procedimento administrativo, a favor da empresa que preencha as condições enunciadas no n.° 8 da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, que produz certos efeitos jurídicos. Essa imunidade condicional não, contudo, de modo nenhum equiparável à imunidade de coimas definitiva, que só é concedida no final do procedimento administrativo.

É só no termo do procedimento administrativo, quando aprova a decisão final, que, nessa decisão, a Comissão concede ou não a imunidade de coimas propriamente dita à empresa que beneficia da imunidade condicional. É nesse exato momento que o estatuto processual que decorre da imunidade condicional deixa de produzir efeitos.

Assim, resulta do sistema previsto na comunicação sobre a cooperação que, antes da decisão final, a empresa requerente da imunidade não obtém qualquer imunidade de coimas propriamente dita, antes beneficia unicamente de um estatuto processual suscetível de se transformar em imunidade de coimas no termo do procedimento administrativo, se as condições previstas estiverem preenchidas.

Por conseguinte, a Comissão não tem que tomar posição de forma definitiva sobre um pedido de clemência logo na fase da comunicação de acusações.

A esse respeito, em face das obrigações resultantes para uma empresa do estatuto processual de requerente de imunidade, não se pode considerar que o simples facto de a Comissão lhe lembrar esse estatuto é constitutivo de um exercício de pressão ilegal.

(cf. n.os 116, 119, 120, 146, 154)

7.      A concessão de imunidade total de coimas constitui uma exceção ao princípio da responsabilidade pessoal da empresa pela violação das normas da concorrência, que encontra justificação no objetivo de favorecer a descoberta, a instrução, a repressão e a dissuasão das mais graves restrições da concorrência. Nestas condições, é, portanto, lógico exigir que, em troca da concessão da imunidade total de coimas pelo seu comportamento ilícito, a empresa requerente da imunidade forneça ao inquérito da Comissão uma cooperação que deve, segundo os termos da Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, ser «plena[...], [...] permanente e expedita».

Ora, decorre da qualificação da cooperação como «plena» que a colaboração que o requerente de imunidade deve oferecer à Comissão, para poder beneficiar de imunidade, deve ser completa, absoluta e sem reservas. A qualificação de «permanente» e «expedita» implica que essa colaboração se deve estender ao longo de todo o procedimento administrativo e que deve, em princípio, ser imediata.

Além disso, uma redução da coima com base na comunicação sobre a cooperação aplicável só pode ser justificada quando as informações prestadas e, mais em geral, o comportamento da empresa em causa possam, a esse respeito, ser consideradas demonstrativas de uma verdadeira cooperação sua.

Com efeito, tal como resulta do próprio conceito de cooperação, só quando o comportamento da empresa em causa demonstre esse espírito de cooperação pode ser concedida uma redução com base na comunicação sobre a cooperação aplicável.

Por maioria de razão, esta consideração também se aplica à cooperação necessária para justificar o benefício da imunidade total de coimas, na medida em que a imunidade constitui um tratamento ainda mais favorável do que uma simples redução da coima. Assim, o conceito de cooperação «plenamente, de forma permanente e expedita» que justifica a concessão da imunidade total de coimas implica uma colaboração verdadeira, completa e caracterizada por um real espírito de cooperação.

(cf. n.os 122‑126)

8.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 139)

9.      No direito da concorrência, a Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis determina, de forma geral e abstrata, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos de aplicação do seu programa de clemência e garante, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas.

Embora essa comunicação da cooperação não possa ser qualificada de norma jurídica a cujo cumprimento a Comissão esteja obrigada de qualquer forma, contém uma regra de conduta indicativa da prática a seguir da qual a Comissão não se pode afastar, num determinado caso, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento.

Ao adotar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que digam respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras, sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento ou da proteção da confiança legítima.

(cf. n.os 141‑143)

10.    Num procedimento administrativo em matéria de concorrência, o facto de a Comissão não se basear no pedido inicial de clemência de uma empresa relativo a um determinado processo como prova da infração no caso presente não é suscetível de demonstrar que a Comissão, no procedimento posterior, tenha abusado dos seus poderes para obrigar essa empresa a confirmar factos relativos a outro processo. Com efeito, o dever de cooperação de uma empresa requerente de imunidade total de coimas inclui a obrigação de cooperar plenamente, de forma permanente e expedita ao longo de todo o procedimento, o que pode igualmente implicar investigações e declarações a respeito de factos não abrangidos pela declaração inicial na sequência de questões colocadas pela Comissão, na medida em que o facto de responder a questões é uma parte importante do dever de cooperação dos requerentes de imunidade.

Além disso, na medida em que a Comissão tanto pode separar como apensar procedimentos por razões objetivas, quando não é invocado qualquer elemento destinado a pôr em causa as razões apresentadas pela Comissão para decidir que, nesse caso concreto, se deve considerar que os factos nos dois processos distintos devem ser considerados duas infrações manifestamente distintas, a Comissão pode considerar que qualquer candidato à imunidade deve cooperar nos dois inquéritos distintos suscetíveis de resultar do mesmo pedido de imunidade e continuar a cooperar mesmo depois de ter obtido a imunidade final pela infração ou infrações abrangidas por um dos inquéritos.

Por outro lado, uma vez que a Comissão se pode basear em indícios de um processo como ponto de partida para inquéritos noutro processo e a obrigação de cooperação do requerente de imunidade se estende ao longo de todo o procedimento e implica o dever de reagir a novas circunstâncias, não é ilícito o facto de se ter baseado desse modo num documento que consta de outro processo para colocar uma questão ao requerente de imunidade.

(cf. n.os 147‑149, 165)

11.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 151‑153, 182, 338‑343, 356, 380, 381, 386, 495)

12.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 175‑179, 203, 217, 375)

13.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 180, 181, 261‑263)

14.    O princípio que prevalece no direito da União é o da livre administração da prova e o único critério pertinente para apreciar a prova livremente apresentada reside na sua credibilidade, que depende da sua origem, das circunstâncias da sua criação, do seu destinatário e da sensatez e fiabilidade do seu conteúdo. Assim, há que dar uma grande importância ao facto de um documento ter sido gerado em ligação imediata com os factos ou por uma testemunha direta desses.

(cf. n.os 182, 183, 197, 222, 229, 344)

15.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 184, 185)

16.    No direito da concorrência, um acordo tem um objetivo restritivo mesmo que não tenha por único objetivo restringir a concorrência, mas prossiga igualmente outros objetivos legítimos, a menos que se demonstre que os contactos entre as empresas serviram unicamente esses objetivos legítimos.

(cf. n.os 220, 230, 306)

17.    No direito da concorrência, a troca de informações entre concorrentes não passa a ser legítima pelo facto de essas informações ou algumas delas serem do conhecimento público, na medida em que qualquer operador económico deve determinar de forma autónoma a política que tenciona seguir no mercado interno. Embora esta exigência de independência não prive as empresas do direito de se adaptarem inteligentemente ao comportamento efetivo ou previsível dos seus concorrentes, opõe‑se rigorosamente a qualquer contacto direto ou indireto entre elas com o objetivo ou com o efeito de influenciarem o comportamento no mercado de um concorrente efetivo ou potencial ou de revelarem a esse concorrente o comportamento que elas próprias tenham decidido ou tencionem adotar no mercado.

A esse respeito, o ponto de vista de um concorrente sobre uma ou outra informação importante para as condições da oferta e da procura, suscetível de ser obtido por outro meio diferente das discussões com as empresas em causa, e a sua influência na evolução do mercado, não constitui, por definição, uma informação pública disponível.

Além disso, refira‑se que a partilha regular de informações sobre os preços pode ter o efeito de aumentar artificialmente a transparência num mercado em que a concorrência já é atenuada por um contexto regulamentar específico e de trocas de informações entre os concorrentes.

Acresce que, mesmo quando as informações sobre os preços sejam do conhecimento dos clientes antes da sua comunicação aos concorrentes e, desse modo, possam ser obtidas no mercado, isso não implica que, no momento do envio das tabelas de preços aos concorrentes, esses preços já constituam um dado objetivo do mercado, percetível de modo imediato. O envio direto permite aos concorrentes ter conhecimento destas informações de modo mais simples, rápido e direto do que através do mercado. Além disso, esse envio prévio permite‑lhes criar um clima de certeza mútua quanto às suas futuras políticas de preços.

Por último, o mero facto de ter obtido nessas reuniões informações respeitantes aos seus concorrentes, informações estas que um operador independente preserva como segredo comercial, é suficiente para revelar a existência de um espírito anticoncorrencial.

(cf. n.os 282, 320‑324)

18.    V. texto da decisão.

(cf. n.° 302)

19.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 303, 304)

20.    A troca de informações entre concorrentes é suscetível de ser contrária às normas da concorrência quando atenua ou suprime o grau de incerteza no funcionamento do mercado em causa, tendo como consequência uma restrição da concorrência entre empresas. Assim, a fixação de um preço, mesmo meramente indicativo, afeta o jogo da concorrência pelo facto de permitir a todos os participantes no acordo preverem, com um grau razoável de certeza, qual a política de preços prosseguida pelos seus concorrentes. De uma forma mais geral, tais acordos comportam uma intervenção direta nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa.

Muito em particular, no mercado da banana, a referência em discussões bilaterais entre operadores conhecedores de fatores muito importantes para a determinação do nível da oferta face à procura, tais como as condições meteorológicas, tanto nos países produtores como nos países destinatários da fruta para consumo, a dimensão das existências nos portos e nos maturadores, a situação das vendas a nível do comércio retalhista e nos maturadores e a existência de campanhas de promoção conduz necessariamente a uma partilha da compreensão do mercado e da sua evolução em termos de preços.

A esse respeito, mesmo admitindo que os preços reais posteriormente faturados não correspondem às intenções de preços trocadas pelas partes, isso não retira o seu caráter anticoncorrencial às referidas trocas. Além disso, o artigo 101.° TFUE visa, à semelhança das outras normas da concorrência enunciadas no tratado, não só proteger os interesses diretos dos concorrentes ou dos consumidores, mas também a estrutura do mercado e, desse modo, a concorrência enquanto tal.

Em particular, o facto de uma prática concertada não ter influência direta no nível dos preços não impede que tenha limitado a concorrência entre as empresas em causa. Com efeito, refira‑se que os preços efetivamente praticados num mercado podem ser influenciados por fatores externos, fora do controlo dos membros de um cartel, tais como a evolução da economia em geral, a evolução da procura nesse setor particular ou o poder de negociação dos clientes.

(cf. n.os 328‑330, 388, 391, 456, 457, 536, 537)

21.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 400‑403)

22.    Num procedimento administrativo em matéria de concorrência, entre as garantias conferidas pelo ordenamento jurídico da União, consta nomeadamente a obrigação de a instituição competente analisar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso.

A esse respeito, a garantia dos direitos de defesa não exige que a Comissão proceda à inquirição de testemunhas indicadas pelos interessados quando entenda que a instrução do processo foi suficiente. Com efeito, embora o artigo 10.°, n.° 3, do Regulamento n.° 773/2004 relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE], disponha que as empresas e associações de empresas objeto de processos nos termos do Regulamento n.° 1/2003 podem propor à Comissão a audição de pessoas que possam corroborar os factos constantes das suas observações, resulta do artigo 13.° do mesmo regulamento que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação razoável para decidir do eventual interesse de uma audição das pessoas cujo depoimento possa ter importância para a instrução do processo.

(cf. n.os 405, 406)

23.    No direito da concorrência, a comparação entre o conceito de acordo e de prática concertada revela que, do ponto de vista subjetivo, ambas abrangem formas de conluio que partilham da mesma natureza e que só se distinguem pela sua intensidade e pelas formas como se manifestam. Daí resulta que, embora os conceitos de acordo e de prática concertada incluam elementos constitutivos parcialmente distintos, não são reciprocamente incompatíveis. A Comissão não tem, portanto, a obrigação de qualificar de acordo ou de prática concertada cada um dos comportamentos apurados, podendo legitimamente qualificar uns de «acordos» e outros de «práticas concertadas».

Assim, a circunstância de a infração em causa apenas envolver duas empresas, incluindo uma pequena, e de ter durado menos de nove meses nada muda quanto ao facto de a Comissão não ter que qualificar de acordo ou de prática concertada cada um dos comportamentos provados, podendo com razão qualificar alguns desses comportamentos de «acordos» e outros de «práticas concertadas». A esse respeito, quando a Comissão faça prova bastante da ocorrência de contactos entre as partes, não se pode exigir que a Comissão determine com precisão cada momento individual em que as partes se concertaram.

(cf. n.os 418, 419, 453)

24.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 421‑431, 469, 471, 472)

25.    No direito da concorrência, a declaração de uma infração relativamente a empresas não pode ser rejeitada pelo facto de não se ter atuado contra outras empresas. Com efeito, o facto de um operador que se encontre numa situação semelhante à de uma empresa arguida não ter sido sujeito a nenhuma declaração de infração pela Comissão não permite rejeitar a infração imputada às empresas arguidas, quando tenha sido devidamente demonstrada.

(cf. n.° 461)

26.    Uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE pode resultar não só de um ato isolado, mas também de uma série de atos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada com base no facto de um ou mais elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também poderem constituir, só por si e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Quando as várias ações se inscrevem num plano de conjunto em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo.

A esse respeito, o conceito de infração única visa uma situação na qual várias empresas participaram numa infração constituída por um comportamento continuado com uma única finalidade económica, destinada a falsear a concorrência, ou ainda em infrações individuais ligadas entre si através de uma identidade de objeto (mesma finalidade de todos os elementos) e de sujeitos (identidade das empresas em causa, conscientes de participarem no objetivo comum).

Além disso, segundo jurisprudência constante, o conceito de infração única pode estar ligado à qualificação jurídica de um comportamento anticoncorrencial que consiste em acordos, em práticas concertadas e em decisões de associações de empresas.

(cf. n.os 478‑480, 491)

27.    Em matéria de cartéis, o conceito de plano de conjunto permite que a Comissão presuma que a prática de uma infração não foi interrompida, mesmo não dispondo de provas da participação da empresa na infração num determinado período, desde que essa empresa tenha participado na infração antes e depois desse período e desde que não haja provas ou indícios que levem a crer que a infração foi interrompida no que lhe diz respeito. Nesse caso, poderá aplicar uma coima por todo o período da infração, incluindo o período relativamente ao qual não dispõe de provas da participação dessa empresa.

A esse respeito, embora as provas devam ser apreciadas no seu conjunto para analisar se a Comissão respeitou o seu ónus da prova da existência da infração, a análise efetuada para a determinação do seu caráter continuado não visa analisar através dessas provas se todas as provas no seu conjunto permitem admitir razoavelmente que a infração decorreu de forma ininterrupta durante todo o período em causa, mas sim se a Comissão apresentou provas de factos suficientemente próximos no tempo, de forma a poder admitir‑se razoavelmente que a infração decorreu de forma ininterrupta entre duas datas precisas.

Em contrapartida, quando, no contexto do funcionamento do cartel em causa, devido a uma apreciação do período que separa duas manifestações de um comportamento ilícito, se puder considerar que a participação de uma empresa na infração foi interrompida e que a empresa participou na infração antes e depois dessa interrupção, essa infração deve ser qualificada de repetida, se — tal como na infração continuada — existir um objetivo único prosseguido por ela, antes e depois da interrupção. Tal objetivo único pode ser inferido da identidade dos objetivos das práticas em causa, dos produtos em causa, das empresas participantes na colusão, das principais formas de execução, das pessoas singulares envolvidas por conta das empresas e, por último, do âmbito de aplicação geográfico dessas práticas. A infração será então única e repetida e, embora a Comissão possa aplicar uma coima por todo o período da infração, não pode fazê‑lo, em contrapartida, pelo período em que a infração esteve interrompida.

(cf. n.os 481‑484, 494, 496)

28.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 502‑511)

29.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 508, 525, 528‑532, 538, 539)

30.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 548, 549, 552, 553)

31.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 556‑558)