Language of document : ECLI:EU:C:2021:618

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 15 de julho de 2021 (1)

Processo C160/20

Stichting Rookpreventie Jeugd,

Stichting Inspire2live,

Rode Kruis Ziekenhuis BV,

Stichting ClaudicatioNet,

Nederlandse Vereniging voor Kindergeneeskunde,

Nederlandse Vereniging voor Verzekeringsgeneeskunde,

Accare, Stichting Universitaire en Algemene Kinder en Jeugdpsychiatrie NoordNederland,

Vereniging Praktijkhoudende Huisartsen,

Nederlandse Vereniging van Artsen voor Longziekten en Tuberculose,

Nederlandse Federatie van Kankerpatiëntenorganisaties,

Nederlandse Vereniging Arbeids en Bedrijfsgeneeskunde,

Nederlandse Vereniging voor Cardiologie,

Koepel van Artsen Maatschappij en Gezondheid,

Nederlandse Vereniging voor Kindergeneeskunde,

Koninklijke Nederlandse Maatschappij tot bevordering der Tandheelkunde,

College van Burgemeester en Wethouders van Amsterdam

contra

Staatssecretaris van Volksgezondheid, Welzijn en Sport,

com a intervenção de:

Vereniging Nederlandse Sigaretten en Kerftabakfabrikanten (VSK)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco — Diretiva 2014/40/UE — Cigarros com filtro — Níveis máximos de emissão — Artigo 4.o, n.o 1 — Método de medição das emissões de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono com base em normas ISO — Não publicação do conteúdo dessas normas no Jornal Oficial da União Europeia — Exigências em matéria de publicação — Artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE — Condições de acesso ao conteúdo das referidas normas — Princípio do livre acesso»






I.      Introdução

1.        Poderá o legislador da União, nos atos legislativos que adota, fazer referência a normas internacionais elaboradas por entidades privadas (no presente caso, normas ISO (2)) sem publicar o seu conteúdo no Jornal Oficial da União Europeia, nem prever um acesso direto e gratuito dos cidadãos da União Europeia a esse conteúdo, embora essas normas estejam acessíveis naquela organização contra o pagamento de uma taxa pelos direitos de autor que invoca?

2.        Esta é, no essencial, uma das questões a que, no presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a responder ao Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão, Países Baixos).

3.        O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no contexto de um litígio que opõe a Stichting Rookpreventie Jeugd (Fundação para a Prevenção do Tabagismo entre os Jovens, Países Baixos, a seguir «Stichting») e outras quinze entidades (a seguir, conjuntamente, «recorrentes no processo principal») ao Staatssecretaris van Volksgezondheid, Welzijn en Sport (Secretário de Estado da Saúde Pública, do Bem‑Estar e do Desporto, Países Baixos, a seguir «staatssecretaris»).

4.        Nesse contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, mais concretamente, apurar se as condições de acesso ao conteúdo das normas ISO a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40/UE (3), que define um método de medição das emissões de alcatrão, de nicotina e de monóxido de carbono dos cigarros com filtro, estão em conformidade com as exigências de publicação constantes do artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE (4) e com o princípio da transparência que, entre outros, subjaz a essa disposição.

5.        No termo da minha exposição, proporei ao Tribunal de Justiça que declare que o artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE não obriga à publicação do conteúdo das normas ISO em causa no Jornal Oficial. Além disso, apresentarei as razões pelas quais entendo que as condições de acesso ao conteúdo dessas normas não violam os princípios gerais de que essa disposição é expressão.

II.    Enquadramento jurídico

A.      Regulamento (CE) n.o 1049/2001

6.        O artigo 12.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 (5) prevê:

«1.      As instituições fornecerão, tanto quanto possível, acesso público direto aos documentos sob forma eletrónica ou através de um registo, nos termos das regras em vigor na instituição em causa.

2.      Em especial, os documentos legislativos, ou seja os documentos elaborados ou recebidos no âmbito de procedimentos tendo em vista a aprovação de atos juridicamente vinculativos nos, ou para os, Estados‑Membros, deveriam ser tornados diretamente acessíveis, sem prejuízo do disposto nos artigos 4.o e 9.o

[…]»

7.        Nos termos do artigo 4.o, n.o 2, desse regulamento:

«As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

–        interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual,

–        […]»

B.      Regulamento (UE) n.o 1025/2012

8.        O artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1025/2012 (6) estabelece:

«Os organismos nacionais de normalização devem incentivar e facilitar o acesso das PME às normas e aos processos de elaboração de normas com vista a alcançar um elevado nível de participação no sistema de normalização, nomeadamente:

[…]

c)      Oferecendo acesso gratuito, ou com tarifas especiais, a atividades de normalização;

d)      Oferecendo acesso gratuito a projetos de normas;

e)      Disponibilizando gratuitamente, no seu sítio web, sínteses das normas;

[…]»

9.        Nos termos do artigo 10.o, n.o 6, desse regulamento:

«Caso a norma harmonizada satisfaça os requisitos que visa abranger, constantes da legislação correspondente da União em matéria de harmonização, a Comissão publica sem demora uma referência a essa norma harmonizada no [Jornal Oficial], ou por outros meios, de acordo com as condições estabelecidas no ato correspondente da legislação da União em matéria de harmonização.»

C.      Diretiva 2014/40

10.      O considerando 11 da Diretiva 2014/40 refere:

«Para medir os teores de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono nos cigarros (a seguir designados “níveis de emissão”), deverá recorrer‑se às normas ISO internacionalmente reconhecidas. […]»

11.      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, dessa diretiva:

«Os níveis de emissão dos cigarros comercializados ou fabricados nos Estados‑Membros (“níveis máximos de emissão”) não podem ser superiores a:

a)      10 mg de alcatrão por cigarro;

b)      1 mg de nicotina por cigarro;

c)      10 mg de monóxido de carbono por cigarro.»

12.      O artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva determina:

«1.      As emissões de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono dos cigarros são medidas segundo a norma ISO 4387 para o alcatrão, a norma ISO 10315 para a nicotina e a norma ISO 8454 para o monóxido de carbono.

A exatidão das medições relativas ao alcatrão, à nicotina e ao monóxido de carbono é determinada segundo a norma ISO 8243.»

III. Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

13.      Por cartas datadas de 31 de julho e 2 de agosto de 2018, os recorrentes no processo principal solicitaram à Nederlandse Voedsel‑ en Warenautoriteit (Autoridade neerlandesa para a Segurança dos Produtos Alimentares e dos Produtos de Consumo, Países Baixos, a seguir «NVWA») que se certificasse de que os cigarros com filtro propostos aos consumidores nos Países Baixos cumprem, quando utilizados da forma prevista, os níveis máximos de emissão de alcatrão, de nicotina e de monóxido de carbono previstos no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 e, eventualmente, adotasse medidas coercivas para que os produtos que não cumpram essas exigências sejam retirados do mercado (7).

14.      Por Decisão de 20 de setembro de 2018, a NVWA indeferiu o pedido de medidas coercivas apresentado por uma das recorrentes no processo principal, a Stichting, cujo objetivo é a prevenção do tabagismo na juventude. Tanto esta como todos os outros recorrentes no processo principal reclamaram desse indeferimento para o Staatssecretaris.

15.      Em 31 de janeiro de 2019, o Staatssecretaris indeferiu, por improcedente, a reclamação da Stichting, e por inadmissível a dos outros recorrentes no processo principal.

16.      Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso judicial dessa última decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. A Vereniging Nederlandse Sigaretten‑ en Kerftabakfabrikanten (Associação dos fabricantes neerlandeses de cigarros e de tabaco, Países Baixos, a seguir «VSK») pediu para intervir no processo principal. O seu pedido foi deferido.

17.      No âmbito desse processo, a Stichting alega, no essencial, que o método para medir os níveis de alcatrão, de nicotina e de monóxido de carbono dos cigarros com filtro a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 não é vinculativo. Segundo afirma, essas emissões deviam ser medidas tendo em conta, designadamente, a utilização prevista para esses produtos e, mais exatamente, o facto de os dedos e lábios dos fumadores obstruírem, parcialmente, as microperfurações existentes no filtro dos cigarros. Em consequência disso, as referidas emissões são, na verdade, maiores do que as que esse método permite determinar (8). Nessas condições, impõe‑se o recurso a outro método, mais protetor da saúde dos consumidores (9).

18.      O Staatssecretaris, a quem a VSK se associa, opõe‑se a essa argumentação e defende que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 tem caráter obrigatório. Assim, as autoridades nacionais não se podem afastar, por iniciativa própria, do método definido nessa disposição. De todo o modo, é sempre ao legislador da União que cabe decidir alterar, ou não, essa disposição.

19.      Dados estes argumentos, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em primeiro lugar, se o facto de as normas ISO a partir das quais são medidas as emissões de alcatrão, de nicotina e de monóxido de carbono dos cigarros com filtro não serem publicadas no Jornal Oficial e só estarem acessíveis na ISO contra pagamento é compatível, nomeadamente, com o regime de publicação previsto no artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE, bem como com o princípio da transparência.

20.      Em segundo lugar, interroga‑se sobre o caráter vinculativo do método de medição dos níveis de emissões previsto no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, bem como sobre a validade dessa disposição à luz dos objetivos da mesma diretiva e de outras normas jurídicas de hierarquia superior (10).

21.      Nestas condições, o rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão), por Decisão de 20 de março de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de março de 2020, ordenou a suspensão da instância e, designadamente, a submissão da seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça(11):

«A definição do método de medição previsto no artigo 4.o, n.o 1, da diretiva, com base em normas ISO que não são de livre acesso, está de acordo com o artigo 297.o, n.o 1, TFUE e com o princípio da transparência que também está na base da referida diretiva?»

22.      A Stichting, a VSK, o Governo neerlandês, o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça. No presente processo, não houve audiência de alegações. Porém, as partes e os intervenientes responderam por escrito às questões que o Tribunal de Justiça colocou em 9 de fevereiro de 2021.

IV.    Análise

A.      Considerações preliminares

23.      De acordo com o solicitado pelo Tribunal de Justiça, as presentes conclusões centrar‑se‑ão na primeira questão prejudicial.

24.      Por meio desta questão, que se subdivide em duas partes, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que esclareça, por um lado, se o artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE obriga a que as normas ISO a que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 se refere sejam publicadas no Jornal Oficial e, por outro, se as condições de acesso ao conteúdo dessas normas (que, para além de não serem publicadas no Jornal Oficial, a ISO só coloca à disposição do público contra pagamento, sem que as instituições da União tornem o seu conteúdo direta e gratuitamente acessível) estão em conformidade com o princípio da transparência.

25.      A título preliminar, cabe sublinhar que, a partir do momento em que, no presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre uma questão que, em definitivo, tem a ver com a acessibilidade ao conteúdo da lei, ou seja, com a possibilidade de os cidadãos a conhecerem, o ponto de partida da resposta a essa questão deve evidentemente, em minha opinião, ser o de que, numa sociedade democrática, todo o cidadão deve ter livre acesso ao conteúdo da lei. Trata‑se de um dos fundamentos do Estado de direito (12).

26.      Esse princípio do livre acesso ao conteúdo da lei deve, em minha opinião, ser garantido, pelo menos por duas razões. A primeira decorre do adágio segundo o qual «o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém», que implica necessariamente que a lei não pode ser oponível aos sujeitos de direito enquanto estes não tiverem a possibilidade de a conhecer. A segunda decorre da necessidade de os cidadãos, em sentido amplo, terem a possibilidade de consultar a totalidade dos diplomas que regulam a vida em sociedade, adotados pelos poderes públicos, a fim de assegurar o seu respeito (13) e de exercer efetivamente os direitos que lhes são conferidos numa sociedade democrática (14). De resto, é aí que se encontra a própria essência da diligência dos recorrentes no processo principal: através do recurso que interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio, essas entidades, cujo objetivo comum é a prevenção do tabagismo, pretendem precisamente afirmar que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 define um método de medição que, segundo entendem, não protege suficientemente a saúde dos consumidores.

27.      Decorre desse princípio que as normas ISO referidas num ato legislativo da União, como, no presente caso, a Diretiva 2014/40 (15), devem ser publicadas no Jornal Oficial ou, pelo menos, que as instituições da União são obrigadas a garantir que o seu conteúdo é direta e gratuitamente colocado à disposição do público?

28.      A este propósito, antes de mais, devo esclarecer que nenhuma disposição de direito da União trata especificamente dos requisitos de publicação que as normas internacionais, como as normas ISO em causa, devem cumprir quando são assim referidas num ato legislativo. Em especial, o artigo 10.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1025/2012, que define obrigações precisas no que respeita à publicação das normas harmonizadas (16), não é aplicável às normas ISO. Neste contexto, parece‑me importante ter presente que este reenvio prejudicial não é sobre a questão de saber se a publicação de outras normas técnicas no Jornal Oficial, independentemente de serem nacionais, harmonizadas ou europeias (17), deve ser completa, ou não, ou sobre se o seu conteúdo deve ser livremente acessível ao público. No presente caso, apenas se trata de normas internacionais e, mais especificamente, de normas ISO elaboradas por uma organização privada, cujo financiamento provém, nomeadamente, da venda das normas de que é autora (18).

29.      Em seguida, e como sublinharei adiante na minha exposição, a resposta à primeira questão prejudicial depende, em meu entender, da forma como o ato legislativo da União que refere as normas ISO pretende utilizar essas normas.

30.      Existem diversos elementos que, nesta sede, me parecem pertinentes. O presente processo levar‑me‑á a abordar três. Em primeiro lugar, serão as normas em causa necessárias para conhecer os «requisitos essenciais» do ato legislativo que se lhes refere ou são de ordem técnica e acessória relativamente a esses requisitos? Em segundo lugar, é objetivo dessas normas impor obrigações às empresas cujos produtos ou atividades integram o âmbito das referidas normas? Em terceiro lugar, no caso de essas normas serem de ordem técnica e acessória e não pretenderem impor obrigações às referidas empresas, daí decorrendo (como explicarei na secção B das presentes conclusões) que não devem ser objeto de publicação no Jornal Oficial nos termos do artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE, o facto de as instituições da União não preverem condições de acesso mais favoráveis do que as já previstas para a ISO dificulta desproporcionadamente a possibilidade de o público delas tomar conhecimento e, nessa medida, põe em causa os princípios gerais subjacentes a esta última disposição (secção C)?

31.      Acrescento que este último elemento me parece de menor importância, dado ser claro que as normas ISO referidas num ato legislativo se assemelham a uma forma de codificação de conhecimentos técnicos por e para os profissionais (19). Em contrapartida, quanto mais próxima a norma estiver de um domínio em que os cidadãos podem procurar exercer os direitos que lhe são conferidos numa sociedade democrática (por exemplo, como no caso em apreço, no domínio da saúde e da proteção dos consumidores), mais o referido elemento deve ser tido em conta e mais importará suscitar a questão de saber se o conteúdo da norma deve ser de livre acesso ao público.

B.      Quanto à publicação ao abrigo do artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE (primeira parte da primeira questão)

32.      Recordo que o artigo 297.o, n.o 1, TFUE exige, nos termos do seu terceiro parágrafo, que os atos legislativos sejam publicados no Jornal Oficial.

33.      No presente caso, em meu entender, devem ser examinadas duas hipóteses. Ou as próprias normas ISO em causa podem ser consideradas «atos legislativos» e, se assim for, é claro que, por força dessa disposição, se impõe a publicação integral do seu conteúdo (secção 1); ou não se pode considerar que essas normas correspondem a essa definição, e haverá então que apurar se a publicação do seu conteúdo é, apesar de tudo, necessária, ao abrigo da referida disposição, porquanto são «elementos» de um ato legislativo (isto é, da Diretiva 2014/40) (secção 2).

1.      As normas ISO em causa não constituem, por si só, «atos legislativos»

34.      O conceito de «atos legislativos» encontra‑se definido no artigo 289.o, n.o 3, TFUE no sentido de englobar os «atos jurídicos adotados por processo legislativo». O Tribunal de Justiça declarou que, de acordo com essa disposição, um ato jurídico só pode ser qualificado como «ato legislativo» da União se for adotado com base numa disposição dos Tratados que se refira expressamente ao processo legislativo ordinário a que se refere o artigo 289.o, n.o 1, e o artigo 294 TFUE ou ao processo legislativo especial a que se refere o artigo 289.o, n.o 2, TFUE (20).

35.      No presente caso, todas as partes e intervenientes no presente processo, com exceção dos recorrentes no processo principal, consideram que as normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 não podem ser consideradas, em si mesmas, «atos legislativos».

36.      Compartilho, sem qualquer dificuldade, desse entendimento.

37.      Com efeito, é evidente que essas normas — que, conforme a Comissão justamente recordou, foram elaboradas por um organismo privado, a ISO (21) — não foram objeto de um processo legislativo ordinário ou especial próprio, ou seja, de um processo que tinha especificamente por objeto a sua adoção pelo legislador da União, com base numa disposição dos Tratados.

38.      A circunstância de as referidas normas, após terem sido adotadas pela ISO, terem sido escolhidas pelo legislador da União, no decurso do processo legislativo que levou à adoção da Diretiva 2014/40, para medir o nível das emissões dos cigarros com filtro e verificar que estão abaixo dos limites fixados no artigo 3.o, n.o 1, dessa diretiva, também não permite, do meu ponto de vista, concluir que foram «adotadas», em si, como «atos legislativos» através desse processo. Com efeito, este apenas tinha por objeto a adoção da referida diretiva.

39.      Atentos estes elementos, e como das mencionadas disposições do Tratado FUE resulta claramente que os autores do Tratado adotaram uma abordagem formal (22), por força da qual os «atos legislativos» só são assim qualificados se tiverem sido adotados de acordo com o processo legislativo ordinário ou segundo um processo legislativo especial, parece‑me claro que as normas ISO em causa não podem ser qualificadas nessa categoria de atos (23).

2.      As normas ISO em causa são «elementos» de um ato legislativo cuja publicação integral no Jornal Oficial não é, todavia, necessária

40.      Da subsecção anterior decorre que, no contexto do presente processo, só a Diretiva 2014/40, que foi publicada no Jornal Oficial, corresponde à definição de «ato legislativo», na aceção do artigo 289.o, n.o 3, TFUE. Para utilizar a expressão usada pelo Governo neerlandês, as normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, dessa diretiva são, na melhor das hipóteses, «elementos» desse ato legislativo.

41.      Deverão esses elementos, por força do disposto no artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE, ser integralmente publicados no Jornal Oficial? Em minha opinião, não.

42.      A este propósito, observo que a advogada‑geral E. Sharpston, nas Conclusões que apresentou no processo Heinrich (24), em que estava em causa um anexo de um regulamento (25) que não tinha sido publicado no Jornal Oficial, referiu que a não publicação desse anexo equivalia à «publicação do esqueleto [do ato] sem a substância» e era, portanto, uma «publicação deficiente e inadequada» que não cumpria o disposto no artigo 297.o, n.o 2, TFUE (relativo à publicação de atos não legislativos adotados sob a forma de regulamentos, de diretivas e de decisões).

43.      Subscrevo esta análise, que me parece poder ser transposta para o regime da publicação dos atos legislativos previsto no artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE. Segundo entendo, esta última disposição ficaria desprovida de todo o seu sentido se só a formalização da adoção de tal ato, e não a integralidade da sua «substância», tivesse de ser publicada no Jornal Oficial.

44.      Como adiante explicarei, não me parece, todavia, que a referida disposição obrigue à publicação no Jornal Oficial quando, como no presente caso, os «elementos» referidos numa ou mais disposições do ato legislativo são normas ISO que correspondem a simples especificações técnicas e acessórias relativamente aos «requisitos essenciais» desse ato (primeiro critério) e não pretendem impor obrigações às empresas a cujos produtos ou atividades se aplicam as referidas normas (segundo critério).

a)      As normas ISO em causa são de ordem técnica e acessória relativamente aos «requisitos essenciais» constantes do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 (primeiro critério)

45.      Por «requisitos essenciais» entendo as regras que, num ato legislativo da União cujo objeto é definir as condições prévias para a entrada em circulação de produtos no mercado interno (como, no presente caso, os cigarros com filtro), se relacionam precisamente com essas condições e, assim, refletem a essência da escolha política efetuada pelo legislador para efeitos da concretização dos seus objetivos (26).

46.      Face a esta definição, considero que a questão de saber se as normas ISO referidas nesse ato legislativo devem, ou não, ser publicadas no Jornal Oficial depende do nexo que possuem com esses «requisitos essenciais» e da forma como se relacionam assim com a «substância» do ato. Mais exatamente, há, em minha opinião, que distinguir a situação em que essas normas são técnicas e acessórias relativamente a esses requisitos essenciais daquela em que essas normas são necessárias para apreender o seu alcance ou conteúdo.

47.      Nesta sede, verifico, em primeiro lugar, que as normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 visam detalhar, no plano técnico, o método com base no qual se medem as emissões de alcatrão, de nicotina e de monóxido de carbono dos cigarros com filtro.

48.      Em segundo lugar, da articulação entre essa disposição e o artigo 3.o, n.o 1, dessa mesma diretiva decorre que, enquanto essas normas apenas dizem respeito ao método de medição utilizado para verificar se são respeitados os níveis máximos de emissões fixados nesta última disposição, esses níveis refletem a essência da escolha política efetuada pelo legislador da União com vista a concretizar os seus objetivos de proteção dos consumidores e, designadamente, de proteção da saúde (27). A isto acresce o facto, por um lado, de os cigarros com filtro a que se refere a Diretiva 2014/40 não poderem ser colocados no mercado se os referidos níveis forem ultrapassados (ou seja, esses mesmos níveis são um requisito prévio à colocação no mercado desses produtos) e, por outro, de esses níveis, expressamente quantificados no artigo 3.o, n.o 1, dessa diretiva (28), poderem ser conhecidos de qualquer cidadão da União independentemente dessas normas.

49.      Desses elementos infiro que, no contexto da aplicação da Diretiva 2014/40, não são as normas ISO em causa, mas os níveis máximos de emissão constantes do artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva, que devem, em meu entender, ser considerados «requisitos essenciais». Além disso, as normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, dessa mesma diretiva são acessórias relativamente a tais requisitos.

50.      Explicarei em seguida que esta conclusão é corroborada pelo facto de essas mesmas normas não imporem obrigações aos fabricantes e importadores de cigarros com filtro (segundo critério).

b)      As normas ISO em causa não impõem obrigações às empresas a cujos produtos se aplicam essas normas (segundo critério)

51.      No que respeita ao segundo critério, é importante recordar que a(s) «norma[s]» em sentido amplo se define(m), na União, como «especificaç[ões] técnica[s], aprovada[s] por um organismo de normalização reconhecido […] cuja observância não é obrigatória» (29). Por conseguinte, geralmente não se destinam a impor obrigações às empresas a cujos produtos se aplicam essas normas.

52.      Isto posto, reconheço que, atenta a secção anterior, as normas ISO, caso fossem utilizadas pelo legislador da União para criar obrigações a essas empresas, deveriam, em princípio, ser incluídas na categoria dos «requisitos essenciais» (30) e, portanto, ser publicadas no Jornal Oficial (31). Com efeito, a sua observância seria um requisito prévio à entrada em circulação no mercado interno dos produtos em causa (32).

53.      No presente caso, considero que as normas ISO elencadas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 não pretendem impor obrigações aos fabricantes e importadores de cigarros com filtro.

54.      É verdade que, ao adotar esta última disposição, o legislador da União não parece ter considerado a hipótese (33) de as emissões de cigarros com filtro poderem ser medidas com base num método diferente do definido nas normas ISO em causa, pelos laboratórios encarregados de, em conformidade com o disposto no artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva, controlar essas emissões.

55.      Contudo, e ao mesmo tempo que reconheço esse caráter vinculativo para os laboratórios de controlo (34), considero que a única verdadeira obrigação que, no presente caso, pesa sobre os fabricantes e importadores de cigarros com filtro é a de as referidas emissões respeitarem os níveis máximos de emissão previstos no artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva. Não são esses mesmos importadores e fabricantes que são obrigados a aplicar o método de medição definido nas normas ISO elencadas no artigo 4.o, n.o 1, dessa mesma diretiva.

56.      Além disso, como é sempre apenas por referência a esses níveis máximos de emissão que a conformidade desses produtos deve ser verificada, parece‑me ser possível, a esses importadores e fabricantes, assegurarem‑se, mesmo sem conhecer o conteúdo das normas ISO em causa, de que esses limites são respeitados e, portanto, introduzir no mercado produtos conformes a esses requisitos essenciais.

57.      Atento o que precede, considero que essas normas não se destinam a impor obrigações aos fabricantes e importadores de cigarros com filtro, o que confirma o seu caráter técnico e acessório relativamente aos «requisitos essenciais» que, por seu lado, se encontram definidos no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, e sobre eles impendem.

c)      Conclusão intercalar

58.      A análise dos dois critérios identificados no n.o 44 das presentes conclusões leva‑me a concluir que as normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 escapam à regra da publicação prescrita no artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE. Com efeito, relativamente aos níveis máximos de emissão previstos no artigo 3.o, n.o 1, dessa diretiva e que são «requisitos essenciais» desse ato, essas normas são elementos técnicos e acessórios que, em meu entender, não devem ser publicados no Jornal Oficial.

59.      Acrescento que, desde que cumpram esses dois critérios, me parece que as referidas normas são utilizadas pelo legislador da União de uma forma que afinal se aproxima da prevista para as normas harmonizadas adotadas com base nas diretivas «nova abordagem» (35), relativamente às quais o legislador considerou bastar a publicação das referências a essas normas no Jornal Oficial.

60.      A esse propósito, esclareço que, no Acórdão James Elliott Construction (36), que dizia respeito a uma norma harmonizada desse tipo (37), o Tribunal de Justiça referiu, após ter sublinhado que os efeitos jurídicos dessa norma dependiam da publicação prévia das suas referências no Jornal Oficial, ser competente para, a título prejudicial, interpretar o seu conteúdo. Não atribuiu qualquer importância à circunstância de o conteúdo das normas harmonizadas não ter sido integralmente publicado no Jornal Oficial.

61.      Observo, a este propósito, que o Tribunal de Justiça não deixa de pôr em causa, mesmo em sede prejudicial, as premissas relativas à interpretação do direito da União que lhe parecem duvidosas (38). Ora, no presente caso não o fez, embora a inobservância dos exigências de publicação aplicáveis afetasse diretamente a possibilidade de essa norma produzir efeitos jurídicos (39).

62.      Atento o conjunto destas considerações, entendo que se deve responder à primeira parte da primeira questão prejudicial que a não publicação do conteúdo integral das normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 no Jornal Oficial não viola o artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE.

C.      Quanto aos princípios gerais subjacentes ao artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE (segunda parte da primeira questão)

63.      Através da segunda parte da sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as condições de acesso ao conteúdo das normas ISO em causa são conformes ao princípio da transparência que, entre outros, subjaz ao artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE.

64.      A minha análise dessa problemática será organizada da seguinte forma. Numa primeira parte, especificarei o que se deve entender pelo princípio da transparência a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere na sua questão. Explicarei que, em meu entender, esse órgão jurisdicional se refere, na realidade, ao princípio do livre acesso ao conteúdo da lei, cuja importância já recordei no n.o 25 das presentes conclusões. Numa segunda parte, indicarei que a questão que, nesta fase, importa esclarecer é a de saber se as instituições da União devem definir condições de acesso mais favoráveis do que as previstas pela ISO (que obriga ao pagamento de uma taxa a quem pretenda aceder ao conteúdo das normas que elabora), ou seja, proceder de forma que essas normas sejam direta e gratuitamente colocadas à disposição de todos. Sublinho que a resposta a esta questão depende de saber se as condições de acesso ao conteúdo dessas normas, por um lado, se justificam e, por outro, não dificultam desproporcionadamente a possibilidade de o público as conhecer.

1.      Quanto à pertinência do princípio da transparência

65.      O conceito de «transparência» não se encontra textualmente refletido nas disposições dos Tratados. Os autores dos Tratados optaram pelas expressões «forma […] aberta», no artigo 1.o, segundo parágrafo, TUE, que faz referência às decisões tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos, e «princípio da abertura», no artigo 15.o, n.o 1, TFUE, que prevê que, «[a] fim de promover a boa governação e assegurar a participação da sociedade civil», a atuação das instituições, órgãos e organismos da União se pauta pelo maior respeito possível do referido princípio.

66.      O Tribunal de Justiça interpretou o princípio da abertura no sentido de que se encontra enunciado de forma genérica nas referidas disposições e encontrou concretização, nomeadamente, no «direito de acesso» aos documentos consagrado no artigo 15.o, n.o 3, TFUE, no artigo 42.o da Carta e no Regulamento n.o 1049/2001 (40).

67.      A transparência está associada ao direito de acesso aos documentos pelo considerando 2 desse regulamento (41). Segundo entendo, esse direito não está subjacente, mas acresce à obrigação de publicação já prevista no artigo 297.o TFUE, ao exigir que as instituições tornem acessíveis ao público categorias de documentos que não integram o âmbito desta última disposição (42).

68.      Neste contexto, parece‑me, portanto, que a transparência remete mais para a possibilidade de os cidadãos controlarem todas as informações que constituíram o fundamento de um ato legislativo (43), do que para a possibilidade de aceder ao conteúdo do próprio ato legislativo e dos «elementos» desse ato, que está no cerne da problemática em causa no presente processo.

69.      Atento o que precede, parece‑me que, através da segunda parte da sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, na realidade, interrogar o Tribunal de Justiça não sobre o princípio da transparência, mas sobre o princípio do livre acesso ao conteúdo da lei. Em minha opinião, é certo que esse princípio — efetivamente não consignado por escrito nos textos dos Tratados ou na Carta, mas que se impõe como um fundamento do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE — subjaz ao artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE. Com efeito, que expressão mais forte e mais concreta desse princípio se poderia encontrar do que a obrigação de publicar o conteúdo da lei?

70.      Em meu entender, quando essa disposição não obriga à publicação no Jornal Oficial dos elementos referidos em disposições de um ato legislativo (como, no presente caso, as normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40), esse mesmo princípio impõe que as instituições da União garantam um acesso tão amplo quanto possível de todos os cidadãos a esses elementos. Assim, qualquer restrição à possibilidade de os cidadãos tomarem livremente conhecimento desses elementos deve, por um lado, ser justificada e, por outro, não dificultar desproporcionadamente essa possibilidade.

71.      Conforme referi no n.o 26 das presentes conclusões, o princípio do livre acesso ao conteúdo da lei tem uma dupla razão de ser. Por um lado, é corolário do princípio da segurança jurídica que exige que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar nas situações e nas relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União (44). Por outro lado, ao garantir um livre acesso dos cidadãos ao conteúdo da lei, ou seja, ao conjunto dos diplomas adotados pelos poderes públicos que regulam a vida em sociedade, permite‑lhes exercer os seus direitos democráticos. Ninguém poderia contestar a lei e tentar fazê‑la evoluir se não a pudesse conhecer.

72.      O presente processo abrange essa segunda dimensão do princípio do livre acesso ao conteúdo da lei. Com efeito, integra‑se precisamente num contexto em que entidades que tiveram claramente conhecimento do conteúdo das normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 se opõem ao método definido nessas normas para efeitos da obtenção da retirada de produtos que consideram não conformes, e tentam, em definitivo, pôr em causa a escolha do legislador da União de se basear nessas normas.

73.      Explicarei, na subsecção seguinte, as razões que me levam a considerar que, no caso vertente, as condições de acesso ao conteúdo das normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, ou seja, o facto de as instituições da União não preverem para o público em sentido amplo condições de acesso mais favoráveis do que as definidas pela ISO, se justificam e não dificultam desproporcionadamente a possibilidade de o referido público delas ter conhecimento.

2.      As condições de acesso ao conteúdo das normas ISO em causa não são contrárias ao princípio do livre acesso ao conteúdo da lei

a)      Quanto à justificação

74.      No presente caso, o acesso ao conteúdo das normas ISO em causa contra pagamento justifica‑se pelo facto de estas terem sido elaboradas por uma organização privada (a ISO) cujo financiamento provém, designadamente, da venda das normas que elabora. O bom funcionamento dessa organização assenta na possibilidade de obter um retorno sobre o investimento, atento o facto, designadamente, de as referidas normas, pela sua complexidade e tecnicidade, implicarem uma importante mobilização de recursos pessoais e materiais da ISO. Além disso, como essa organização reivindica direitos de autor sobre as normas que adota, o facto de ficarem direta e gratuitamente acessíveis equivaleria a contornar a existência desses direitos.

75.      É igualmente importante, para os membros da ISO (ou seja, para os organismos de normalização nacionais), poder vender essas normas, pois cabe‑lhes uma parte dos lucros realizados com essas vendas (45).

76.      Dados estes elementos, é evidente que a gratuitidade das normas, que resultaria de uma eventual obrigação, para as instituições da União, de prever um acesso direto do público às mesmas, teria a consequência de diminuir (46) os investimentos desses organismos de normalização na investigação e desenvolvimento de normas.

77.      Ora, a este respeito, é, em minha opinião, inegável que as normas ISO ocupam um importante lugar na paisagem normativa da União, porquanto, designadamente, inúmeras normas europeias são elaboradas com base nelas (47), e o Comité Europeu de Normalização (CEN) e a ISO celebraram um acordo (48) de cooperação técnica que atribuiu, no essencial, às normas ISO prioridade sobre as normas europeias (49). A utilização das normas internacionais e, em especial, das normas ISO, impõe‑se igualmente por força do Acordo sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio (OTC) (50), no qual são partes todos os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde se inclui a União.

78.      A isto acresce o facto de, mais genericamente, a normalização ser apreendida pelo legislador como um instrumento estratégico (51) que permite apoiar a legislação e as políticas da União (52).

79.      Com efeito, embora as normas fossem tradicionalmente apresentadas como uma forma de codificação dos conhecimentos por e para profissionais (53), são essenciais para o desenvolvimento do mercado interno. São também reconhecidas como sendo de importância crescente para o comércio internacional (54). Para além dos seus consideráveis benefícios económicos (designadamente em matéria de competitividade das empresas (55) e de facilitação das trocas comerciais (56)), são omnipresentes na vida quotidiana (57), bem como em inúmeros domínios de política pública (58).

80.      Atentas estas considerações, entendo que o facto de as instituições da União não preverem condições de acesso ao conteúdo das normas ISO mais favoráveis do que as definidas pela ISO (e por alguns organismos de normalização nacionais) se justifica pela necessidade de essa organização e esses organismos financiarem a elaboração das respetivas normas e atividades, por um lado, e pela importância dessas normas para a legislação da União, por outro. Resta‑me ainda examinar se o encargo que essas tarifas representam para os cidadãos consubstanciam uma interferência desproporcionada na possibilidade de esses cidadãos conhecerem esse conteúdo.

b)      Quanto à inexistência de um obstáculo desproporcionado à possibilidade de o público aceder ao conteúdo das normas ISO em causa

81.      A este respeito, recordo, antes de mais, que qualquer cidadão da União pode aceder ao conteúdo das normas elaboradas pela ISO. O único obstáculo a esse acesso é de ordem pecuniária, já que essa organização só disponibiliza esse conteúdo contra o pagamento dos direitos de acesso que impõe.

82.      Em seguida, parecem‑me dever ser particularmente referidos os seguintes elementos.

83.      Em primeiro lugar, o encargo que onera o cidadão deve ser ponderado com o interesse do legislador da União em dispor de um sistema de normalização eficiente e produtivo que não apenas proporcione uma plataforma flexível e transparente, mas seja também financeiramente viável (59).

84.      Esclareço, a este respeito, que o facto de as normas serem elaboradas por entidades privadas (como a ISO) tem vantagens nas quais o legislador da União decidiu basear a sua técnica legislativa, ao fazer referência a essas normas em regulamentos e diretivas. Entre essas vantagens figuram o seu elevado grau de especialização, a sua capacidade de rápida adaptação a novos desafios técnicos e a flexibilidade dos seus procedimentos que permite, nomeadamente, a participação de intervenientes privados (60).

85.      Em segundo lugar, esse ónus deve igualmente ser ponderado com o interesse dos profissionais em que o legislador da União não renuncie à utilização dessas normas devido à sua natureza remunerada. Quanto a este aspeto, a Comissão sublinhou que, na medida em que é habitual os intervenientes no mercado relevante estarem representados nos organismos de normalização (61), também é do seu interesse que a legislação da União utilize normas elaboradas por essas entidades privadas e não seja ela própria a definir essas especificações técnicas.

86.      O interesse dos profissionais parece‑me, no entanto, ser de menor importância num caso como o em causa no processo principal, pois as normas em causa abrangem domínios, mais concretamente os da saúde e da proteção dos consumidores, em que, como sublinhei no n.o 31 das presentes conclusões, os cidadãos são ainda mais propensos a invocar os seus direitos. Nesse caso, as instituições da União devem, muito especialmente, em minha opinião, assegurar‑se de que os cidadãos dispõem de um acesso tão amplo quanto possível ao conteúdo dessas normas.

87.      Em terceiro lugar e a esse respeito, acrescento que, embora do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1025/2012 decorra, nomeadamente, que o legislador da União não previu que o acesso às normas (em sentido amplo) fosse oficiosamente gratuito, não deixa de ser verdade que os organismos nacionais de normalização estão sujeitos, ao abrigo dessa disposição, à obrigação de incentivar e facilitar esse acesso às pequenas e médias empresas (PME) (62). A referida disposição já reflete, assim, por si só, a procura de um equilíbrio justo entre a preocupação de tornar esse acesso tão fácil quanto possível e o reconhecimento de que a natureza remunerada das normas é uma componente fundamental do sistema de normalização da União.

88.      Embora estas obrigações não tenham sido expressamente alargadas de forma a facilitar o acesso do público, no sentido amplo do termo, parece‑me que, na prática, pode ser esse o caso (63). Mais concretamente, o facto de o teor das normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 só ser acessível na ISO contra pagamento não significa que seja impossível conhecê‑lo, a título gratuito, através de outros meios.

89.      A este propósito, o Parlamento e a VSK observam, corretamente, que, no presente caso, o organismo neerlandês de normalização permite consultar gratuitamente o conteúdo das normas ISO em causa (64). Outros organismos nacionais de normalização preveem igualmente essa possibilidade (65).

90.      Em quarto e último lugar, as quantias a pagar pelos cidadãos da União (66) que pretendam aceder ao conteúdo dessas normas e que o requerem junto da ISO ou de organismos nacionais de normalização não me parecem, de qualquer modo, excessivas (67).

91.      À luz do conjunto das considerações que precedem, sou de opinião que o princípio do livre acesso ao conteúdo da lei não exige nem que se garanta, de forma absoluta, um acesso direto e gratuito às normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, nem que estas sejam publicadas no Jornal Oficial. As condições de acesso a essas normas não dificultam desproporcionadamente a possibilidade de o público as conhecer e traduzem um equilíbrio justo entre, por um lado, as exigências desse princípio e, por outro, os diferentes interesses em jogo.

92.      Acrescento, para terminar, que a política da consulta gratuita posta em prática pelo organismo neerlandês de normalização (da qual decorre que os recorrentes no processo principal, admitindo que o tenham requerido, puderam conhecer gratuitamente o conteúdo dessas mesmas normas) (68) me parece louvável em todos os aspetos (69), especialmente porque não elimina a possibilidade de os organismos nacionais de normalização venderem as normas ISO a qualquer pessoa que as deseje descarregar ou obter uma cópia. Em minha opinião, essa política devia ser alargada o mais possível, ou encorajada pelo legislador da União, através de uma decisão formal, destinada a completar as garantias instituídas pelo artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1025/2012.

V.      Conclusão

93.      Atento o conjunto das observações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial apresentada pelo Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão, Países Baixos) nos seguintes termos:

As condições de acesso às normas ISO referidas no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no que respeita ao fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco e produtos afins e que revoga a Diretiva 2001/37/CE, não violam nem o artigo 297.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE, nem o princípio do livre acesso ao conteúdo da lei subjacente a essa disposição.


1      Língua original: francês.


2      Ou seja, as normas aprovadas pela International Organization for Standardization (ISO) (Organização Internacional de Normalização). Esta organização não governamental, cuja sede é em Genebra (Suíça), é constituída por uma rede de organismos nacionais de normalização, na qual todos os Estados‑Membros se fazem representar (à razão de um organismo por Estado‑Membro). A ISO é uma entidade privada cujos fundos têm origem nas quotizações e contribuições dos seus membros, na venda das suas publicações, na venda dos seus serviços e nos eventuais contributos de doadores (v. artigo 21.1 dos Estatutos da ISO, disponíveis no seguinte endereço Internet: https://www.iso.org/fr/publication/PUB100322.html).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no que respeita ao fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco e produtos afins e que revoga a Diretiva 2001/37/CE (JO 2014, L 127, p. 1).


4      Resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio também interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber, no essencial, se a não publicação das normas ISO em causa está em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 216/2013 do Conselho, de 7 de março de 2013, relativo à publicação eletrónica do Jornal Oficial da União Europeia (JO 2013, L 69, p. 1). Sublinho, desde já, que esse regulamento não me parece pertinente para efeitos do presente reenvio prejudicial. Com efeito, o referido regulamento não contém indicações que se destinem a esclarecer quais os documentos que devem ser publicados no Jornal Oficial.


5      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).


6      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à normalização europeia, que altera as Diretivas 89/686/CEE e 93/15/CEE do Conselho e as Diretivas 94/9/CE, 94/25/CE, 95/16/CE, 97/23/CE, 98/34/CE, 2004/22/CE, 2007/23/CE, 2009/23/CE e 2009/105/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Decisão 87/95/CEE do Conselho e a Decisão n.o 1673/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2012, L 316, p. 12).


7      Resulta da decisão de reenvio que o pedido de medidas coercivas, de acordo com o direito neerlandês aplicável, se fundava no artigo 14.o da Tabaks‑ en rookwarenwet (Lei relativa aos produtos do tabaco e aos produtos para fumar). Esta disposição confere à NVWA o poder de decretar uma injunção administrativa contra os fabricantes, importadores e distribuidores de produtos do tabaco quando estes não respeitarem o disposto no artigo 17.o a, n.os 1 e 2, desse mesmo diploma, ou seja, quando não adotarem as medidas necessárias para que os seus produtos fiquem em conformidade com as normas aplicáveis ou para, eventualmente, os retirar do mercado.


8      Segundo os recorrentes no processo principal, o método a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40 baseia‑se na utilização de uma máquina de fumo em que as microperfurações do filtro dos cigarros não ficam obstruídas. Essas microperfurações permitem que o ar puro seja aspirado através do filtro e, portanto, diminuir o teor em alcatrão, nicotina e monóxido de carbono do fumo inalado. Inversamente, um fumador cujos dedos e lábios obstruam parcialmente esse filtro inalará um fumo em que essas substâncias estarão mais concentradas.


9      A Stichting alega que se deveria aplicar o método de medição «Canada Intense». Esse método permite, em seu entender, uma maior aproximação às condições reais da utilização dos cigarros com filtro, pois prevê a obstrução das microperfurações existentes no filtro. Sublinho, para todos os efeitos úteis, que o referido método está atualmente a ser avaliado pela ISO (v., a este respeito, https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:tr:19478:‑2:ed‑1:v1:fr).


10      Mais concretamente, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade do referido método com o artigo 114.o, n.o 3, TFUE, relativo à aproximação das legislações em matéria de saúde, bem como com a Convenção‑Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controlo do Tabaco (assinada em Genebra, em 21 de maio de 2003, e em que a União e os seus Estados‑Membros são partes) e com os artigos 24.o e 35.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), relativos, respetivamente, aos direitos da criança e à proteção da saúde.


11      Como as presentes conclusões se debruçam apenas sobre certos aspetos específicos do presente processo, só a questão pertinente é aqui reproduzida. O conjunto das questões prejudiciais pode ser consultado na Internet e no Jornal Oficial (JO 2020, C 222, p. 17).


12      Recordo que o princípio do Estado de direito está consagrado no artigo 2.o TUE.


13      Acrescento que o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a este propósito, considerou que quando «a lei prevê» uma ingerência num direito fundamental, isso pressupõe que a lei (que engloba simultaneamente o direito escrito e não escrito) seja suficientemente acessível: o cidadão deve poder dispor de informações bastantes, nas circunstâncias do caso, sobre as normas jurídicas aplicáveis a um determinado caso. Além disso, o mesmo Tribunal referiu que só se pode considerar «lei» uma norma formulada com uma precisão que baste para permitir ao cidadão regular a sua conduta; ao rodear‑se, se necessário, de aconselhamento especializado, deve estar em condições de prever razoavelmente, nas circunstâncias da causa, as consequências passíveis de decorrer de determinado ato (v. TEDH, 26 de abril de 1979, Sunday Times c. Reino Unido, CE:ECHR:1979:0426JUD000653874, § 49).


14      V., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 46).


15      Acrescento que outros regulamentos e diretivas utilizam normas ISO de forma similar ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2014/40, ou seja, só contendo uma referência a essas normas. V., por exemplo, Regulamento (UE) n.o 576/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, relativo à circulação sem caráter comercial de animais de companhia e que revoga o Regulamento (CE) n.o 998/2003 (JO 2013, L 78, p. 1), cujo anexo II, sob a epígrafe «Requisitos técnicos para os transpondeurs», faz referência às normas ISO 11784 e 11785. V. também, sempre a título exemplificativo, Diretiva 2014/90/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativa aos equipamentos marítimos e que revoga a Diretiva 96/98/CE do Conselho (JO 2014, L 257, p. 146), cujo anexo III, sob a epígrafe «Requisitos a cumprir pelos organismos de avaliação da conformidade para se tornarem organismos notificados», menciona as normas ISO/IEC 17065:2012 e 17025:2005.


16      De acordo com essas exigências, só a referência às normas harmonizadas, e não o seu conteúdo integral, deve ser publicada no Jornal Oficial.


17      Na União, as normas designam‑se nacionais, internacionais, europeias ou harmonizadas consoante tenham sido adotadas por um organismo nacional ou internacional de normalização, por uma organização europeia de normalização ou com base num pedido apresentado pela Comissão tendo em vista a aplicação da legislação da União em matéria de harmonização [v. artigo 2.o, n.o 1, alíneas a), b), c) e d), do Regulamento n.o 1025/2002].


18      Remeto, a este respeito, para a nota 2 das presentes conclusões.


19      V. Brunet, A., «Le paradoxe de la normalisation: une activité d’intérêt général mise en œuvre par les parties intéressées», La normalisation en France et dans l’Union européenne: une activité privée au service de l’intérêt général?,Presses universitaires d’Aix‑Marseille, Aix‑en‑Provence, 2012, p. 51.


20      V. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 62).


21      Contrariamente às normas harmonizadas que são fruto da colaboração entre os organismos de normalização europeus, os Estados‑Membros e a Comissão, pois são elaboradas por organismos privados mandatados pela Comissão (mandato esse conferido ao abrigo de uma diretiva), as instituições da União são alheias ao processo de elaboração das normas ISO.


22      Para utilizar a expressão usada pelo advogado‑geral Y. Bot nas Conclusões que apresentou nos processos Eslováquia/Conselho e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:618, n.o 63).


23      No que respeita à questão de saber se a publicação integral das normas ISO em causa no Jornal Oficial podia ser expressamente exigida por outras disposições do direito da União, observo, para todos os efeitos, que o artigo 13.o do Regulamento n.o 1049/2001 prevê a publicação de outros documentos para além dos «atos legislativos» e dos «atos não legislativos» referidos no artigo 297.o TFUE. As normas técnicas referidas nas diretivas ou regulamentos não podem, porém, ser incluídas em nenhuma das categorias de documentos abrangidos por essa disposição.


24      C‑345/06, EU:C:2008:212, n.o 67.


25      Concretamente, o Regulamento (CE) n.o 622/2003 da Comissão, de 4 de abril de 2003, relativo ao estabelecimento de medidas de aplicação das normas de base comuns sobre a segurança da aviação (JO 2003, L 89, p. 9).


26      Retirei este conceito do «Guide relatif à la mise en place des directives élaborées sur la base des dispositions de la nouvelle approche et de l’approche globale» da Comissão, publicado em 2000 (que diz respeito, mais precisamente, às normas harmonizadas adotadas ao abrigo dessa nova perspetiva), e no qual os «requisitos essenciais» foram descritos como todas as disposições necessárias para se alcançar o objetivo de uma diretiva e que condicionam a colocação no mercado de um produto.


27      V., designadamente, considerando 59 da Diretiva 2014/40: «é necessário assegurar que as obrigações impostas aos fabricantes, importadores e distribuidores de produtos do tabaco e produtos afins […] garant[am] um elevado nível de proteção da saúde e dos consumidores […]».


28      V. n.o 11 das presentes conclusões.


29      V. artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1025/2012 (o sublinhado é meu).


30      A este propósito, observo que, num contexto mais amplo que o do presente processo, o Tribunal de Justiça reconheceu que a publicação no Jornal Oficial dos atos emanados dos poderes públicos da União e dos seus elementos é obrigatória quando, designadamente, visam impor obrigações aos particulares. Mais concretamente, no seu Acórdão de 10 de março de 2009, Heinrich (C‑345/06, EU:C:2009:140, n.o 61), considerou, no essencial, que a publicação do anexo que não tinha sido publicado no Jornal Oficial era, de todo o modo, necessária, pois as medidas de adaptação que previa visavam impor obrigações aos particulares. Também considerou, num outro acórdão (concretamente, no Acórdão de 12 de maio de 2011, Polska Telefonia Cyfrowa, C‑410/09, EU:C:2011:294, n.o 34), que as orientações da Comissão cuja adoção estava prevista ao abrigo de uma das disposições de uma diretiva devem ser publicadas no Jornal Oficial quando contenham «obrigaç[ões] susceptíve[is] de ser imposta[s], direta ou indiretamente, a particulares».


31      Sublinho, para todos os efeitos, que alguns Estados‑Membros (isto é, mais concretamente, a República Francesa, a Hungria, o Reino dos Países Baixos e a República da Eslováquia) preveem que as normas técnicas, quando de aplicação obrigatória, devem ser livre e gratuitamente acessíveis. A este propósito, aliás, o Conseil d’État (França) declarou que «no respeito do objetivo de valor constitucional da acessibilidade à regra jurídica, […] as normas cuja aplicação é obrigatória devem poder ser consultadas gratuitamente» (Conseil d’État, Sexta Secção, 28 de julho de 2017, n.o 402752, ECLI:FR:CECHS:2017:402752.20170728). Isto posto, o acesso a essas normas revela‑se, na prática, bem restrito. A este propósito, a Associação francesa de normalização (AFNOR) refere que, a pedido da ISO, a consulta gratuita foi suspensa em relação a todas as normas adotadas por essa organização.


32      Esclareço que a questão de saber se as normas ISO em causa são utilizadas de forma coerciva é objeto, mais especificamente, da segunda, e não da primeira, questão prejudicial. Assim sendo, parece‑me útil, no contexto da resposta à primeira questão, prestar desde já alguns esclarecimentos no que respeita a este aspeto do presente reenvio prejudicial.


33      A menos que, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2014/40, a Comissão adote atos delegados para adaptar os métodos de medição dessas substâncias.


34      Nessa medida, associo‑me à Comissão, que alega que as normas em causa devem ser utilizadas para determinar se os cigarros com filtro colocados no mercado respeitam esses níveis máximos de emissão.


35      Ou seja, as diretivas que foram adotadas com base na resolução do Conselho, de 7 de maio de 1985, relativa a uma nova abordagem em matéria de harmonização técnica e de normalização (JO 1985, C 136, p. 1) (o que não é o caso da Diretiva 2014/40). As normas elaboradas com base nessa «nova abordagem» têm em comum não serem vinculativas para as empresas a cujos produtos essas normas se aplicam (ficando, em contrapartida, assente que a sua observância por essas empresas está na origem de uma presunção de conformidade com os requisitos essenciais que lhes são aplicáveis). Além disso, as referidas normas apenas visam precisar, sob a forma de especificações técnicas, «requisitos essenciais» cujo âmbito pode ser apreendido independentemente destes através da leitura da Diretiva aplicável.


36      Acórdão de 27 de outubro de 2016 (C‑613/14, a seguir «Acórdão James Elliott Construction», EU:C:2016:821).


37      Dado que essa norma foi adotada com base numa diretiva «nova abordagem» [concretamente, a Diretiva 89/106/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no que respeita aos produtos de construção (JO 1989, L 40, p. 12)]. Remeto, a este respeito, para a nota 35 das presentes conclusões.


38      V., por exemplo, em matéria de propriedade intelectual, Acórdão de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW (C‑469/17, EU:C:2019:623, n.os 16 a 26).


39      À luz do Acórdão James Elliott Construction, não vejo porque é que haveria necessidade de aplicar outras exigências de publicação às normas ISO em causa. É verdade que as normas harmonizadas que, à semelhança da que está em causa no Acórdão James Elliott Construction, foram adotadas com base na «nova abordagem» têm essa particularidade de serem elaboradas posteriormente à adoção das diretivas para as quais devem contribuir pela especificação dos requisitos essenciais e de, portanto, nenhuma referência a essas normas figurar no corpo do texto dessas diretivas. Porém, duvido que essa diferença possa implicar que as normas ISO a que um ato legislativo faça diretamente referência afetem mais a sua «substância», e que o seu conteúdo deva ser integralmente publicado no Jornal Oficial. Se assim fosse, então a questão da publicação de uma norma técnica no Jornal Oficial ficaria dependente da questão de saber se a norma já existe no momento da adoção do ato legislativo, porquanto haveria exigências de publicação diferentes consoante este último faça diretamente referência a uma norma já elaborada por um organismo privado ou se limite a prever a sua elaboração por esse organismo. Trata‑se, segundo creio, de uma distinção que não pode ser qualificada de «artificial» e que já não tem qualquer relação com os critérios substanciais que pus em evidência nos n.os 43 e 44 das presentes conclusões e que, na minha perspetiva, são os únicos pertinentes.


40      V. Acórdãos de 28 de junho de 2012, Comissão/Agrofert Holding (C‑477/10 P, EU:C:2012:394, n.o 53), e de 21 de janeiro de 2021, Leino‑Sandberg/Parlamento (C‑761/18 P, EU:C:2021:52, n.o 37 e jurisprudência referida).


41      De acordo com o considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001, a transparência permite assegurar uma melhor participação dos cidadãos no processo de decisão e uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os referidos cidadãos.


42      Por exemplo, aplica‑se aos «documentos elaborados ou recebidos no âmbito de procedimentos tendo em vista a aprovação de atos juridicamente vinculativos nos, ou para os, Estados‑Membros» (v. artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001). A este propósito, observo aliás que, em minha opinião, seria sempre possível recorrer a esta disposição para determinar que o conteúdo das normas ISO em causa devia ser diretamente colocado à disposição enquanto documentos «recebidos no âmbito de procedimentos tendo em vista a aprovação de atos juridicamente vinculativos nos, ou para os, Estados‑Membros» (o sublinhado é meu), pois pressuponho que o legislador obteve cópia desses documentos no contexto do procedimento que levou à adoção da Diretiva 2014/40. Assim sendo, verifico que o artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 prevê diversas exceções ao acesso aos documentos das instituições e que, ao abrigo do seu n.o 2, as instituições recusarão, nomeadamente, o acesso aos documentos cuja divulgação possa prejudicar a proteção de interesses comerciais, incluindo a propriedade intelectual. Como a ISO invoca direitos de autor sobre essas normas, a sua divulgação poderia, pois, em teoria, ser recusada ao abrigo desta última disposição, exceto se um interesse público justificar o contrário.


43      V., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 46).


44      V. Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 100 e jurisprudência referida).


45      V., a este respeito, Barrios Villarreal, A., International Standardization and the Agreement on Technical Barriers to Trade, Cambridge University Press, Cambridge, 2018, pp. 25 e 45. Segundo este autor, cerca de 70 % dos lucros realizados cabiam assim aos organismos de normalização nacionais membros da ISO e apenas os 30 % restantes eram entregues à ISO a título de taxas.


46      V., a este respeito, Van Cleynenbreugel, P., e Demoulin, I., «La normalisation européenne après l’arrêt James Elliott Construction du 27 octobre 2016: la Cour de justice de l’Union européenne a‑t‑elle élargi ses compétences d’interprétation?», Revue de la Faculté de droit de l’Université de Liège, vol. 2, 2017, p. 325.


47      V., designadamente, a este respeito, Medzmariashvili, M., Regulating European Standardisation through Law: The Interplay between Harmonised European Standards and EU Law, thèse, Université de Lund, Lund, 2019, pp. 59 a 61. Outros autores sublinham o facto de a normalização e a certificação realizadas sob a égide da ISO estarem constantemente a expandir o seu potencial face ao desenvolvimento da globalização do comércio [v., designadamente, Penneau A., «Standardisation et certification: les enjeux européens», La Standardisation internationale privée, aspects juridiques, Larcier, Bruxelas, 2014, p. 120].


48      Acordo de cooperação técnica ente a ISO e o CEN (Acordo de Viena), assinado em 1991, e disponível em versão eletrónica no seguinte endereço Internet: https://isotc.iso.org/livelink/livelink/fetch/2000/2122/4230450/4230458/Agreement_on_Technical_Cooperation_between_ISO_and_CEN_%28Vienna_Agreement%29.pdf?nodeid=4230688&vernum=‑2


49      V. Comunicação da Comissão ao Parlamento, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu, «Uma visão estratégica para a normalização europeia: reforçar e acelerar o crescimento sustentável da economia europeia até 2020», de 1 de junho de 2011 [COM(2011) 311 final], disponível em versão eletrónica no seguinte endereço Internet: https://eur‑lex.europa.eu/legal‑content/PT/TXT/?uri=celex%3A52011DC0311


50      Agreement on Technical Barriers to Trade of the World Trade Organization (WTO). Este acordo está disponível em versão eletrónica no seguinte endereço internet: https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/17‑tbt.pdf. Mais concretamente, o artigo 2.4 desse acordo prevê: «Where […] relevant international standards exist […], Members shall use them, or the relevant parts of them, as a basis for their technical regulations except when such international standards […] would be an ineffective or inappropriate means for the fulfilment of the legitimate objectives pursued, for instance because of fundamental climatic or geographical factors or fundamental technological problems.» V., igualmente, a este respeito, Mattli, W., e Büthe, T., «Setting International Standards: Technological Rationality or Primacy of Power», World Politics, vol. 56, n.o 1, 2003, p. 2.


51      V. considerando 9 do Regulamento n.o 1025/2012.


52      V. considerando 25 do Regulamento n.o 1025/2012. No que respeita, mais especificamente, às normas internacionais, observo que o Conselho insistiu na necessidade de promover, na União, o recurso a essas normas [v., a este respeito, Resolução do Conselho de 28 de outubro de 1999 relativa ao papel da normalização na Europa (JO 2000, C 141, p. 1)].


53      V. Brunet, A., «Le paradoxe de la normalisation: une activité d’intérêt général mise en œuvre par les parties intéressées», op. cit., p. 51.


54      V. considerando 6 do Regulamento n.o 1025/2012. V., igualmente, Medzmariashvili, M., op. cit., p. 18.


55      V. considerando 20 do Regulamento n.o 1025/2012.


56      Segundo a Comissão, as normas induzem, nomeadamente, reduções de custos essencialmente resultantes «de economias de escala, [da] possibilidade de antecipar requisitos técnicos, [da] diminuição dos custos de transação e [da] possibilidade de aceder a componentes normalizados» [v. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu, «Uma visão estratégica para a normalização europeia: reforçar e acelerar o crescimento sustentável da economia europeia até 2020», de 1 de junho de 2011, COM(2011) 311 final, p. 6].


57      «Standards are ubiquitous in our daily life. We encounter hundreds of standards as we go about our day […]. As such, it is difficult to imagine what the world would look like without standards; nothing would fit, and life would be fraught with danger» [Medzmariashvili, M., op. cit., p. 53].


58      V. considerandos 19 e 22 do Regulamento n.o 1025/2012, dos quais resulta que as normas podem ajudar «a dar resposta aos grandes desafios societais», como as alterações climáticas, a utilização sustentável dos recursos, a inovação, o envelhecimento da população, a integração das pessoas portadoras de deficiência, a proteção dos consumidores, bem como a segurança dos trabalhadores e as condições de trabalho, ou ainda o bem‑estar dos cidadãos.


59      V. considerando 9 do Regulamento n.o 1025/2012.


60      V. Medzmariashvili, M., op. cit., p. 21.


61      De acordo com o sítio web da ISO, as normas que elabora «reposent sur les connaissances des experts dans leur domaine de prédilection […] — qu’il s’agisse des fabricants, des distributeurs, des acheteurs, des utilisateurs, des associations professionnelles, des consommateurs ou des organismes de réglementation [baseiam‑se nos conhecimentos de peritos na sua área de eleição […] — quer se trate de fabricantes, de distribuidores, de compradores, de utilizadores, de associações profissionais, de consumidores ou de organismos de regulamentação]» (fonte: https://www.iso.org/fr/standards.html).


62      Designadamente, disponibilizando gratuitamente, no seu sítio web, sínteses das normas, aplicando tarifas especiais ao fornecimento de normas ou propondo coletâneas de normas a preços reduzido [v. artigo 6.o, n.o 1, alíneas e) e f), desse Regulamento].


63      É isso, de resto, que os organismos nacionais de normalização são incitados a fazer. A este propósito, sublinho que, no seu Livro Verde da Comissão sobre o Desenvolvimento da Normalização Europeia: Ações para uma Integração Tecnológica mais Rápida na Europa, de 8 de outubro de 1990 [COM(1990) 456 final, p. 51 (JO 1991, C 20, p. 1)], a Comissão insistiu no facto de as especificações técnicas incluídas nas normas deverem, em princípio, ser acessíveis ao público.


64      Esse organismo é o Nederlands Normalisatie Instituut (NEN). Importa notar que, conforme, de resto, o Parlamento corretamente refere, as normas ISO em causa foram transpostas para normas NEN‑ISO (ou seja, mais concretamente, as normas NEN‑ISO 4387, 10315, 8454 e 8243) e podem ser consultadas direta e gratuitamente na sede do NEN. Resulta da página Internet desse organismo (acessível no seguinte endereço: https://www.nen.nl/en/contact‑en) o seguinte: «If you do not want to purchase a standard, but just want to examine a specific standard, you can do so at NEN in Delft. You can examine all the standards there, but you cannot store them or copy any contents of the standards.»


65      Nas suas observações, a VSK sublinha, a título exemplificativo, que as normas ISO em causa são acessíveis gratuitamente, por marcação, nos organismos de normalização alemão e irlandês [respetivamente, o Deutsches Institut für Normung (DIN) e a National Standards Authority of Ireland (NSAI)].


66      Segundo o sítio web da ISSO, os preços fixados são os seguintes: 118 francos suíços (CHF) para a norma ISSO 4387 e 58 CHF para as normas ISSO 10315, 8454 e 8243.


67      Não excluo que, em outros casos, os preços das normas possam, sobretudo quando haja necessidade de somar um grande número, constituir um obstáculo para os intervenientes da sociedade civil [v., a este respeito, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu, «Uma visão estratégica para a normalização europeia: reforçar e acelerar o crescimento sustentável da economia europeia até 2020», COM(2011) 311 final].


68      Conforme indiquei no n.o 72 das presentes conclusões, é evidente que os recorrentes no processo principal tiveram acesso a esse conteúdo (embora no decurso do presente processo não tenha ficado esclarecido por qual meio).


69      Segundo compreendo, esta abordagem assenta no facto de, para compensar a gratuitidade desse acesso, o Governo neerlandês pagar uma compensação ao NEN, a fim de garantir a viabilidade financeira desse organismo. Acrescento que, pelo menos no que respeita às normas europeias (ou seja, as adotadas por organismos europeus de normalização), o legislador da União enunciou claramente que um dos seus objetivos é garantir um acesso equitativo e transparente às normas europeias a todos os intervenientes no mercado da União, especialmente nos casos em que a sua aplicação permite respeitar a legislação da União em causa (v. considerando 43 do Regulamento n.o 1025/2012).