ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
17 de Julho de 1997(1)
[234s«Artigo 177.° Competência do Tribunal de Justiça Legislação nacional que
retoma disposições comunitárias Transposição Directiva 90/434/CEE
Conceito de fusão por permuta de acções Abuso ou evasão fiscal»[s
No processo C-28/95,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do
artigo 177.° do Tratado CE, pelo Gerechtshof te Amsterdam, destinado a obter, no
litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
A. Leur-Bloem
e
Inspecteur der Belastingdienst/Ondernemingen Amsterdam 2,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 2.°, alínea d), e
11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990,
relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e
permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes (JO L 225,
p. 1),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho
de Almeida, J. L. Murray e L. Sevón, presidentes de secção, C. N. Kakouris, P. J.
G. Kapteyn, C. Gulmann, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann
(relator) e H. Ragnemalm, juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação de A. Leur-Bloem, por J. H. W. Lenior, consultor fiscal,
- pelo Inspecteur der Belastingdienst/Ondernemingen Amsterdam 2,
- em representação do Governo neerlandês, por J. G. Lammers, consultor
jurídico substituto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de
agente,
- em representação do Governo alemão, por E. Röder, Ministerialrat no
Ministério Federal da Economia, e B. Kloke, Oberregierungsrat no mesmo
ministério, na qualidade de agentes,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Jan
Drijber, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações do Governo neerlandês, representado por A. Fierstra,
consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade
de agente, e da Comissão, representada por B. Jan Drijber, na audiência de 4 de
Junho de 1996,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de
Setembro de 1996,
profere o presente
Acórdão
- Por decisão de 26 de Janeiro de 1995, que deu entrada no Tribunal de Justiça em
6 de Fevereiro seguinte, o Gerechtshof te Amsterdam submeteu, nos termos do
artigo 177.° do Tratado CE, várias questões prejudiciais sobre a interpretação dos
artigos 2.°, alínea d), e 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 90/434/CEE do Conselho,
de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões,
entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros
diferentes (JO L 225, p. 1, a seguir «directiva»).
- Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe A. Leur-Bloem
ao Inspecteur der Belastingdienst/Ondernemingen Amsterdam 2 (Inspector das
contribuições das empresas de Amsterdão 2, a seguir «inspecteur»).
- A. Leur-Bloem, que é accionista única e directora de duas sociedades privadas de
direito neerlandês, pretende adquirir as acções de uma terceira sociedade privada,
uma holding, devendo o pagamento fazer-se por permuta com as acções das duas
primeiras sociedades. A. Leur-Bloem devia tornar-se, depois da operação, já não
directamente, mas apenas indirectamente, accionista única das duas outras
sociedades.
- A. Leur-Bloem está sujeita à lei neerlandesa de 1964 relativa ao imposto sobre os
rendimentos (a seguir «lei neerlandesa»). O artigo 14.° b, n.° 1, da lei neerlandesa
prevê, aquando de uma operação de fusão por permuta de acções, a não inclusão
na imposição da mais valia sobre participação importante. A aplicação dessa
facilidade implica, de facto, o reporte da imposição.
- O artigo 14.° b, n.° 2, alíneas a) e b), da lei neerlandesa dispõe:
«2. Existe fusão de sociedades quando:
- Uma sociedade estabelecida nos Países Baixos adquire, mediante entrega
das suas próprias acções ou títulos participativos, com eventual pagamento
de uma compensação, algumas acções de outra sociedade estabelecida nos
Países Baixos que lhe permitem exercer mais de metade dos direitos de
voto nesta última sociedade, a fim de reunir de modo duradouro, de um
ponto de vista financeiro e económico, a empresa dessa sociedade e a de
outra numa mesma entidade.
- Uma sociedade estabelecida num Estado-Membro das Comunidades
Europeias adquire, mediante entrega das suas próprias acções ou títulos
participativos, com eventual pagamento de uma compensação, algumas
acções de outra sociedade estabelecida noutro Estado-Membro das
Comunidades Europeias que lhe permitem exercer mais de metade dos
direitos de voto nesta última sociedade, a fim de reunir de modo duradouro,
de um ponto de vista financeiro e económico, a empresa dessa sociedade
e a de outra numa mesma entidade.»
- Por «empresa», na acepção da lei neerlandesa, deve entender-se, essencialmente,
a actividade económica de uma pessoa colectiva, referindo-se o termo «sociedade»
à personalidade jurídica.
- A. Leur-Bloem solicitou à administração fiscal neerlandesa que considerasse que
a operação em causa era uma «fusão por permuta de acções» na acepção da
legislação neerlandesa, o que lhe permitia beneficiar da isenção do imposto sobre
a mais valia eventualmente realizada na cessão de acções e da possibilidade de
compensar as eventuais perdas no interior da entidade fiscal assim criada.
- O inspecteur, considerando que não havia fusão por permuta de acções na acepção
do artigo 14.° b, n.° 2, alínea a), da lei neerlandesa, indeferiu o pedido.
- A. Leur-Bloem interpôs então recurso dessa decisão no Gerechtshof te Amsterdam.
Efectivamente, considera que, na medida em que a operação visa uma cooperação
mais estreita entre as sociedades, deve ser considerada uma fusão.
- Em contrapartida, o inspecteur sustenta que a operação em causa não tem por
objectivo reunir de modo duradouro, de um ponto de vista financeiro e económico,
a empresa dessas sociedades numa entidade mais importante. Com efeito, tal
entidade já existia, de um ponto de vista financeiro e económico, na medida em
que as duas sociedades já têm o mesmo director e um único accionista.
- O Gerechtshof considerou que, para resolver este litígio, havia que interpretar uma
disposição da lei neerlandesa inserida na altura da transposição da directiva para
direito nacional.
- A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio declarou, em primeiro lugar, que,
segundo os seus considerandos, a directiva tem por objectivo a eliminação das
disposições de ordem fiscal que penalizam designadamente as fusões e as permutas
de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes relativamente às
operações envolvendo sociedades de um único Estado-Membro. Seguidamente,
salientou que os termos do artigo 14.° b, n.° 2, alínea a), por um lado, e alínea b)
por outro, da lei neerlandesa não fazem qualquer distinção entre as fusões que só
dizem respeito a sociedades estabelecidas nos Países Baixos e as relativas às
sociedades estabelecidas em diferentes Estados-Membros da Comunidade.
- Por último, referiu que dos objectivos da directiva, do texto da disposição em causa
da lei neerlandesa, bem como dos trabalhos preparatórios desta última,
nomeadamente da sua exposição dos fundamentos, resulta que o legislador
neerlandês quis tratar do mesmo modo as fusões entre sociedades estabelecidas,
por um lado, unicamente nos Países Baixos e, por outro, em diferentes
Estados-Membros.
- Nos termos do artigo 2.°, alíneas d) e h), da directiva:
«Para efeitos da presente directiva, entende-se por:
...
d) 'Permuta de acções: a operação pela qual uma sociedade adquire uma
participação no capital social de outra sociedade, que tem por efeito
conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta sociedade, mediante a
atribuição aos sócios da outra sociedade, em troca dos seus títulos, de títulos
representativos do capital social da primeira sociedade, e, eventualmente,
de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na
ausência de valor nominal, do valor contabilístico dos títulos entregues em
troca;
...
h) 'Sociedade adquirente: a sociedade que adquire uma participação
mediante permutas de títulos;
..»
O título II da directiva, que abrange os artigos 4.° a 8.°, contém as regras aplicáveis
ao tratamento fiscal das fusões, cisões e permutas de acções. O artigo 8.° prevê,
nomeadamente, que a atribuição, em caso de permuta de acções, de títulos
representativos do capital social da sociedade adquirente a um sócio da sociedade
adquirida, em troca de títulos representativos do capital social desta última, não
deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento ou as mais
valias desse sócio.
O artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da directiva prevê:
«1. Qualquer Estado-Membro poderá recusar aplicar, no todo e em parte, o
disposto nos títulos II, III e IV ou retirar o benefício de tais disposições
sempre que a operação de fusão, de cisão, de entrada de activos ou de
permutas de acções:
a) Tenha como principal objectivo ou como um dos principais objectivos
a fraude ou a evasão fiscais; o facto de uma das operações referidas
no artigo 1.° não ser realizada por razões economicamente válidas,
tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das
sociedades que participam na operação, pode constituir presunção de
que essa operação tem como principal objectivo ou como um dos
principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais.
b) ...»
- Considerando que era necessário interpretar disposições da directiva para decidir
o litígio que lhe foi apresentado, o Gerechtshof te Amsterdam suspendeu a
instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:
«1) Podem ser submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça questões de
interpretação das disposições e do alcance de uma directiva do Conselho
das Comunidades Europeias, mesmo que esta directiva não se aplique
directamente à situação concreta submetida ao órgão jurisdicional de
reenvio, mas quando o legislador nacional pretende tratar esta situação
concreta do mesmo modo que uma situação a que a directiva diz respeito?
2) Em caso de resposta afirmativa à questão formulada no ponto 1:
a) Existe permuta de acções na acepção do artigo 2.°, parte inicial e
alínea d), da Directiva 90/434/CEE do Conselho das Comunidades
Europeias, de 23 de Julho de 1990 (a seguir 'directiva), se a própria
sociedade adquirente, na acepção da alínea h) do mesmo artigo, não
explora uma empresa?
b) O facto de ser a mesma pessoa singular que, antes da permuta, era
o único sócio e o director das sociedades adquiridas e, na sequência
da permuta, se tornará o director e o único sócio da sociedade
adquirente constitui um obstáculo a uma permuta de acções na
referida acepção?
c) Só existe permuta de acções na referida acepção se a sua finalidade
for a de reunir duradouramente, de um ponto de vista financeiro e
económico, numa entidade, a empresa da sociedade adquirente e a
de outra sociedade?
d) Só existe permuta de acções na referida acepção se a sua finalidade
for a de reunir duradouramente, de um ponto de vista financeiro e
económico, numa entidade, as empresas de duas ou mais sociedades
adquiridas?
e) Constitui uma razão económica válida para a permuta de acções, nos
termos do artigo 11.° da Directiva, o facto de a referida permuta se
efectuar para realizar uma compensação fiscal horizontal de perdas
entre as sociedades que formam uma entidade fiscal na acepção do
artigo 15.° da Wet op de vennootschapsbelasting 1969?»
Quanto à primeira questão
- Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio perguntaessencialmente se o Tribunal de Justiça é competente, nos termos do artigo 177.°
do Tratado, para interpretar o direito comunitário quando este não rege
directamente a situação em causa, mas o legislador nacional decidiu, aquando da
transposição para o direito nacional das disposições de uma directiva, aplicar às
situações puramente internas o mesmo tratamento que às que se regem pela
directiva, de modo que alinhou a sua legislação pelo direito comunitário.
- A. Leur-Bloem considera que o Tribunal de Justiça é competente tendo em conta
o objectivo da directiva e o princípio da igualdade de tratamento. Com efeito,
recusar tratar do mesmo modo as fusões internas e as fusões comunitárias
conduziria a criar distorções de concorrência entre grupos de sociedades com as
mesmas estruturas, mas dos quais só um tem natureza comunitária.
- A Comissão, bem como os Governos neerlandês e alemão, considera que o
Tribunal de Justiça não é competente para responder a questões colocadas fora do
âmbito de aplicação da directiva. Era o que se verificava no caso em apreço uma
vez que, nos termos do artigo 1.° da directiva, esta aplica-se às fusões, cisões,
entradas de activos e permutas de acções que digam respeito a sociedades de
Estados-Membros diferentes.
- Por outro lado, a Comissão e o Governo neerlandês fazem referência ao acórdão
de 28 de Março de 1995, Kleinwort Benson (C-346/93, Colect., p. I-615), proferido
no âmbito da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência
judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299,
p. 32; EE 01 F1 p. 186, a seguir «convenção»), no qual o Tribunal de Justiça se
declarou incompetente. A este respeito, alegam que, tendo em conta a semelhança
dos processo, não há que distinguir entre as questões apresentadas no âmbito dessa
convenção e as que o são nos temos do artigo 177.° do Tratado.
- A Comissão considera que, em conformidade com esse acórdão, o Tribunal de
Justiça só é competente quando a regulamentação nacional remete directa e
incondicionalmente para o direito comunitário. Ora, não era isso o que se
verificava no processo principal.
- O Governo neerlandês sublinha que o acórdão que o Tribunal de Justiça seria
levado a proferir não vincularia os órgão jurisdicionais nacionais, na acepção do
acórdão Kleinwort Benson, já referido, dado que a interpretação solicitada deve
apenas permitir ao órgão jurisdicional de reenvio aplicar o direito nacional. Refere
igualmente que a referência ao direito comunitário, constante do preâmbulo da lei
neerlandesa, não é vinculativa, antes podendo apenas constituir um elemento para
a interpretação dessa lei.
- O Governo alemão alega que, como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de
8 de Novembro de 1990, Gmurzynska-Bscher (C-231/89, Colect., p. I-4003), este
último não tem que decidir a título prejudicial quando, como no caso em apreço
no processo principal, é manifesto que a disposição de direito comunitário
submetida à interpretação do Tribunal de Justiça não pode ser aplicada.
- Nos termos do artigo 177.° do Tratado, o Tribunal é competente para decidir, a
título prejudicial, sobre a interpretação deste Tratado, bem como dos actos
adoptados pelas instituições da Comunidade.
- Segundo a jurisprudência constante, o processo previsto no artigo 177.° do Tratado
é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos
jurisdicionais nacionais. Daqui decorre que compete apenas aos órgãos
jurisdicionais nacionais a quem o litígio é submetido e que devem assumir a
responsabilidade da decisão judicial a proferir apreciar, face às particularidades de
cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para estar em condições
de proferir o seu julgamento, como a pertinência das questões que colocam ao
Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdãos de 18 de Outubro de 1990,
Dzodzi, C-297/88 e C-197/89, Colect. p. I-3763, n.os 33 e 34, e de 8 de Novembro
de 1990, Gmurzynska-Bscher, já referido, n.os 18 e 19).
- Por consequência, desde que as questões suscitadas pelos órgãos jurisdicionais
nacionais se refiram à interpretação de uma disposição do direito comunitário, o
Tribunal, em princípio, é obrigado a decidir (v. acórdãos Dzodzi e
Gmurzynska-Bscher, já referidos, respectivamente n.os 35 e 20). Com efeito, não
resulta nem dos termos do artigo 177.° nem do objecto do processo instituído por
esse artigo que os autores do Tratado tenham entendido excluir da competência
do Tribunal de Justiça os reenvios prejudiciais que se referem a uma disposição
comunitária no caso particular em que o direito nacional de um Estado-Membro
remete para o conteúdo dessa disposição para determinar as regras aplicáveis a
uma situação puramente interna desse Estado (v. acórdãos Dzodzi e
Gmurzynska-Bscher, já referidos, respectivamente n.os 36 e 25).
- Com efeito, o indeferimento de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional
nacional só é possível se se revelar que o processo do artigo 177.° do Tratado foi
desviado do seu objectivo e visa, na realidade, conduzir o Tribunal de Justiça a
decidir através de um litígio inventado, ou na hipótese de ser manifesto que a
disposição de direito comunitário submetida à interpretação do Tribunal de Justiça
não pode aplicar-se, nem directa nem indirectamente, às circunstância do caso
concreto (v., neste sentido, acórdãos Dzodzi e Gmurzynska-Bscher, já referidos,
respectivamente n.os 40 e 23).
- Em aplicação desta jurisprudência, o Tribunal de Justiça várias vezes se declarou
competente para decidir pedidos prejudiciais relativos a disposições comunitárias
em situações em que os factos no processo principal se situam fora do âmbito de
aplicação do direito comunitário mas em que as referidas disposições desse direito
se tornaram aplicáveis ou pelo direito nacional, ou em virtude de simples
disposições contratuais (v., no que diz respeito à aplicação do direito comunitário
pelo direito nacional, acórdãos Dzodzi e Gmurzynska-Bscher, já referidos; de 26
de Setembro de 1985, Thomasdünger, 166/84, Colect., p. 3001; de 24 de Janeiro de
1991, Tomatis e Fulchiron, C-384/89, Colect., p. I-127, e, no que diz respeito à
aplicação do direito comunitário pelas disposições contratuais, acórdãos de 25 de
Junho de 1992, Federconsorzi, C-88/91, Colect., p. I-4035, e de 12 de Novembro
de 1992, Fournier, C-73/89, Colect., p. I-5621, a seguir «jurisprudência Dzodzi»).
Com efeito, nesses acórdão, as disposições quer nacionais quer contratuais que
retomam as disposições comunitárias não tinham, manifestamente, limitado a
aplicação destas últimas.
- Em contrapartida, o Tribunal de Justiça, no acórdão de 28 de Março de 1995,
Kleinwort Benson (C-346/93, Colect., p. I-615), declarou-se incompetente para
decidir um pedido prejudicial sobre a Convenção relativa à competência judiciária
e à execução de decisões em matéria civil e comercial de 27 de Setembro de 1968
(JO 1972, L 299, p. 32, a seguir «convenção»).
- Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça sublinhou que, diferentemente da
jurisprudência Dzodzi, as normas da convenção submetidas à interpretação do
Tribunal de Justiça não tinham sido tornadas aplicáveis enquanto tais pelo direito
do Estado contratante em causa. Com efeito, o Tribunal de Justiça salientou, no
n.° 16 desse acórdão, que a lei nacional limitava-se a tomar a convenção como
modelo, reproduzindo parcialmente os seus termos. Além disso, declarou, no n.° 18,
que a lei previa expressamente a possibilidade de as autoridades do Estado
contratante em causa aprovarem modificações «destinadas a criar divergências»
entre as suas disposições e as disposições correspondentes da convenção. Além
disso, a lei estabelecia ainda uma distinção expressa entre as disposições aplicáveis
às situações comunitárias e as aplicáveis às situações internas. No primeiro caso,
aquando da interpretação das disposições pertinentes da lei, os órgãos jurisdicionais
nacionais eram obrigados a seguir a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa
à convenção, ao passo que, no segundo, só deviam ter em conta essa
jurisprudência, podendo não a aplicar.
- Ora, não é isto o que se verifica no caso em apreço.
- O tribunal nacional considera que a interpretação do conceito «fusão por permutas
de acções», tomado no seu contexto comunitário, é necessária para a solução do
litígio que lhe foi submetido, que esse conceito figura na directiva, que foi
retomado na lei nacional que a transpôs e que passou a abranger situações
similares puramente internas.
- Com efeito, quando a legislação nacional se adequa para as soluções que dá a
situações puramente internas às escolhidas em direito comunitário a fim,
nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos
nacionais ou, como no caso em apreço no processo principal, de eventuais
distorções de concorrência, existe um interesse comunitário manifesto em que, para
evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se
foram buscar ao direito comunitário sejam interpretadas de forma uniforme,
quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (v., neste sentido,
acórdão Dzodzi, já referido, n.° 37).
- Todavia, importa especificar que, numa tal situação, e no âmbito da repartição das
funções jurisdicionais entre os órgão jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça
prevista pelo artigo 177.°, compete apenas ao órgão jurisdicional nacional apreciar
o alcance exacto dessa remissão para o direito comunitário, sendo o Tribunal de
Justiça apenas competente para analisar as disposições deste direito (acórdãos
Dzodzi e Federconsorzi, já referidos, respectivamente n.os 41 e 42, e 10). Com
efeito, a tomada em consideração dos limites que o legislador nacional estabeleceu
para aplicação do direito comunitário a situações meramente internas releva do
direito interno e, por conseguinte, é da competência exclusiva dos órgãos
jurisdicionais do Estado-Membro (acórdãos Dzodzi, já referido, n.° 42, e de 12 de
Novembro de 1992, Fournier, C-73/89, Colect., p. I-5621, n.° 23).
- Resulta do conjunto das considerações precedentes que há que responder à
primeira questão que o Tribunal de Justiça é competente, nos termos do artigo
177.° do Tratado, para interpretar o direito comunitário quando este não rege
directamente a situação em causa, mas o legislador nacional decidiu, aquando da
transposição para o direito nacional das disposições de uma directiva, aplicar às
situações puramente internas o mesmo tratamento que às que se regem pela
directiva, de modo que alinhou a sua legislação interna pelo direito comunitário.
Quanto à segunda questão
Quanto à segunda questão alíneas a) a d)
- O órgão jurisdicional de reenvio coloca a segunda questão alíneas a) a d), na
perspectiva do artigo 2.°, alínea d), da directiva, que define as fusões por permuta
de acções. No entanto, resulta da sua redacção que esta questão, na realidade,
respeita à condição «de reunir de modo duradouro, de um ponto de vista
económico e financeiro, numa entidade, as empresas de duas... sociedades», que
não figura no artigo 2.°, alínea d), da directiva, mas que foi acrescentada pelo
legislador neerlandês, aquando da transposição, à definição resultante da directiva.
Resulta dos autos no processo principal que essa condição foi aditada a fim de
afastar, como o permite o artigo 11.° da directiva, da concessão dos benefícios
fiscais que a directiva prevê as operações que tenham como principal objectivo a
fraude ou a evasão fiscais. A segunda questão alíneas a) a d) deve assim ser
examinada na perspectiva não apenas do artigo 2.°, alínea d), da directiva, mas
igualmente do seu artigo 11.°, que concede aos Estados-Membros, nomeadamente
nesse caso, uma reserva de competência.
- Deve-se salientar, em primeiro lugar, que resulta do artigo 2.°, alínea d), bem como
da economia geral da directiva, que o regime fiscal comum que institui, o qual
inclui diferentes benefícios fiscais, se aplica indistintamente a todas as operações
de fusão, de cisão, de entradas de activos e de permuta de acções,
independentemente dos seus fundamentos, quer sejam financeiros, económicos ou
puramente fiscais.
- Por conseguinte, o facto de a própria sociedade adquirente, na acepção do artigo
2.°, alínea h), da directiva, não explorar uma empresa ou de uma mesma pessoa
singular, que era a accionista única e directora das sociedades adquiridas, se tornar
a única accionista e directora da sociedade adquirida não impede que a operaçãoseja qualificada de permuta de acções na acepção do artigo 2.°, alínea d) da
directiva. Do mesmo modo, a reunião duradoura, de um ponto de vista financeiro
e económico, numa entidade, da empresa de duas sociedades não é necessária para
que a operação seja qualificada de permuta de acções na acepção dessa disposição.
- Em segundo lugar, há que salientar que o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), autoriza os
Estados-Membros a não aplicar, no todo ou em parte, as disposições da directiva,
incluindo os benefícios fiscais sobre que incide o litígio no processo principal, ou
a dela beneficiar quando a operação de fusão, de cisão, de entrada de activos ou
de permuta de acções tenha, nomeadamente, como principal objectivo ou como um
dos seus principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais.
- O artigo 11.°, n.° 1, alínea a), precisa que, no âmbito dessa reserva de competência,
o Estado-Membro pode prever uma presunção de fraude ou de evasão fiscais no
caso de «uma das operações referidas... não ser realizada por razões económicas
válidas, tais como a reestruturação ou a racionalização das actividades das
sociedades que participam na operação».
- Assim, resulta dos artigos 2.°, alíneas d) e h), bem como do artigo 11.°, n.° 1, alínea
a), que os Estados-Membros devem conceder os benefícios fiscais previstos pela
directiva às operações de permuta de acções referidas no artigo 2.°, alínea d),
excepto se essas operações tiverem como principal objectivo ou como um dos
principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais. A este respeito, os
Estados-Membros podem prever que o facto de essas operações não terem sido
realizadas por razões económicas válidas constitui uma presunção de fraude ou de
evasão fiscais.
- Todavia, para verificar se a operação em causa tem esse objectivo, as autoridades
nacionais competentes não podem limitar-se a aplicar critérios gerais
pré-determinados, mas devem proceder, caso a caso, a uma análise global da
operação. Segundo uma jurisprudência constante, essa análise deve poder ser
objecto de uma fiscalização jurisdicional (v., neste sentido, acórdão de 31 de Março
de 1993, Kraus, C-19/92, Colect., p. I-1663, n.° 40).
- Essa análise pode eventualmente incluir os elementos mencionados pelo órgão
jurisdicional de reenvio na segunda questão alíneas a) a d). Todavia, nenhum
desses elementos pode ser considerado, em si mesmo, decisivo. Com efeito, uma
fusão ou uma reestruturação feita sob a forma de uma permuta de acções que
implica uma sociedade holding novamente criada, que não possui assim qualquer
empresa, pode ser considerada como tendo sido efectuada por razões
economicamente válidas. Do mesmo modo, tais fundamentos podem tornar
necessária a reestruturação jurídica das sociedades que formam já uma entidade
de um ponto de vista económico e financeiro. Também não se pode excluir, mesmo
que isso possa constituir um indício de fraude ou de evasão fiscais, que uma fusão
por permuta de acções que se destina a criar uma estrutura determinada por um
período limitado, e não de modo duradouro, possa ter sido efectuada por razões
economicamente válidas.
- Na falta de disposições comunitárias mais específicas relativas à aplicação da
presunção prevista no artigo 11.°, n.° 1, alínea a), compete aos Estados-Membros
determinar, respeitando o princípio da proporcionalidade, as modalidades
necessárias para efeitos da aplicação dessa disposição.
- No entanto, a instituição de uma regra de carácter geral que exclui
automaticamente certas categorias de operações do benefício fiscal, na base de
critérios como os mencionados na segunda questão alíneas a) a d), quer haja ou
não efectivamente evasão ou fraudes fiscais, ultrapassaria aquilo que é necessário
para evitar essa fraude ou essa evasão fiscais e prejudicaria o objectivo prosseguido
pela directiva. Também seria essa a situação se a uma regra desse tipo se aditasse
uma simples possibilidade de derrogação deixada à discrição da autoridade
administrativa.
- Essa interpretação está em conformidade com os objectivos quer da directiva quer
do seu artigo 11.° Com efeito, segundo o seu primeiro considerando, o objectivo
prosseguido pela directiva é o de instaurar regras fiscais neutras relativamente à
concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do
mercado comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição
concorrencial no plano internacional. Este mesmo considerando prevê também que
as fusões, as cisões, as entradas de activos e as permutas de acções entre
sociedades de Estados-Membros diferentes não devem ser entravadas por
restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais
dos Estados-Membros. É apenas quando a operação em causa tenha por objectivo
a fraude ou a evasão fiscais que, nos termos do artigo 11.° bem como do último
considerando da directiva, os Estados-Membros podem recusar a aplicação desta
última.
Quanto à segunda questão alínea e)
- Através da segunda questão alínea e), o órgão jurisdicional nacional pergunta se
uma compensação fiscal horizontal de perdas entre as sociedades que participam
na operação constitui uma razão económica válida na acepção do artigo 11.° da
directiva.
- Resulta da letra e dos objectivos do artigo 11.°, bem como dos da directiva, que o
conceito de razões económicas válidas vai além da simples procura de um benefício
puramente fiscal. Assim, uma operação de fusão por permuta de acções que
apenas visasse atingir esse objectivo não podia constituir uma razão económica
válida na acepção desse artigo.
- Assim, há que responder à segunda questão que:
- O artigo 2.°, alínea d), da directiva não exige que a própria sociedade
adquirente, na acepção do artigo 2.°, alínea h), dessa directiva, explore uma
empresa, nem que haja uma reunião duradoura, de um ponto de visto
financeiro e económico, numa mesma entidade, da empresa de duas
sociedades. Do mesmo modo, a circunstância de uma mesma pessoa
singular que era a única accionista e directora das sociedades adquiridas se
tornar na única accionista e directora da sociedade adquirente não impede
que a operação em causa possa ser qualificada de fusão por permuta de
acções.
- O artigo 11.° da directiva deve ser interpretado no sentido de que, para
verificar se a operação em causa tem como principal objectivo ou como um
dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais, as autoridades
nacionais competentes devem proceder, em cada caso, à apreciação global
da referida operação. Essa apreciação deve poder ser objecto de
fiscalização jurisdicional. Em conformidade com o artigo 11.°, n.° 1, alínea
a), da directiva, os Estados-Membros podem prever que o facto da
operação em causa não ter sido efectuada por razões económicas válidas
constitui uma presunção de fraude ou de evasão fiscais. Compete-lhe
determinar os procedimentos internos necessários para esse fim, respeitando
o princípio da proporcionalidade. No entanto, a instituição de uma regra de
alcance geral que exclui automaticamente certas categorias de operações do
benefício fiscal, com base em critérios como os mencionados na segunda
resposta alínea a), quer haja ou não efectivamente evasão ou fraude fiscais,
ultrapassaria aquilo que é necessário para evitar essa fraude ou essa evasão
fiscais e prejudicaria o objectivo prosseguido pela directiva.
- O conceito de razão económica válida, na acepção do artigo 11.° da
directiva, deve ser interpretado como indo além da procura de um benefício
puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas.
Quanto às despesas
- As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês e alemão, bem como pela
Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal,
não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal,
a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete
a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Gerechtshof te Amsterdam,
por decisão de 26 de Janeiro de 1995, declara:
- O Tribunal de Justiça é competente, nos termos do artigo 177.° do Tratado,
para interpretar o direito comunitário quando este não rege directamente
a situação em causa, mas o legislador nacional decidiu, aquando da
transposição para o direito nacional das disposições de uma directiva,
aplicar às situações puramente internas o mesmo tratamento que às que
se regem pela directiva, de modo que alinhou a sua legislação interna pelo
direito comunitário.
- a) O artigo 2.°, alínea d), da Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23
de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões,
cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de
Estados-Membros diferentes, não exige que a sociedade adquirente,
na acepção do artigo 2.°, alínea h), dessa directiva, explore uma
empresa, nem que haja uma reunião duradoura, de um ponto de visto
financeiro e económico, numa mesma entidade, da empresa de duas
sociedades. Do mesmo modo, a circunstância de uma mesma pessoa
singular que era a única accionista e directora das sociedades
adquiridas se tornar na única accionista e directora da sociedade
adquirente não impede que a operação em causa possa ser qualificada
de fusão por permuta de acções.
b) O artigo 11.° da Directiva 90/343 deve ser interpretado no sentido de
que, para verificar se a operação em causa tem como principal
objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão
fiscais, as autoridades nacionais competentes devem proceder, em
cada caso, à apreciação global da referida operação. Essa apreciação
deve poder ser objecto de fiscalização jurisdicional. Em conformidade
com o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da directiva, os Estados-Membros
podem prever que o facto da operação em causa não ter sido
efectuada por razões económicas válidas constitui uma presunção de
fraude ou de evasão fiscais. Compete-lhe determinar os
procedimentos internos necessários para esse fim, respeitando o
princípio da proporcionalidade. No entanto, a instituição de uma
regra de alcance geral que exclui automaticamente certas categorias
de operações do benefício fiscal, com base em critérios como os
mencionados na segunda resposta alínea a), quer haja ou não
efectivamente evasão ou fraude fiscais, ultrapassaria aquilo que é
necessário para evitar essa fraude ou essa evasão fiscais e
prejudicaria o objectivo prosseguido pela Directiva 90/434.
c) O conceito de razão económica válida, na acepção do artigo 11.° da
Directiva 90/434, deve ser interpretado como indo além da procura de
um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das
perdas.
Rodríguez IglesiasMancini
Moitinho de Almeida
Murray Sevón Kakouris Kapteyn GulmannEdward
Puissochet
Hirsch Jann Ragnemalm
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Julho de 1997.
O secretário
O presidente
R. Grass
G. C. Rodríguez Iglesias
1: Língua do processo: neerlandês.