Language of document : ECLI:EU:C:2015:532

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 3 de setembro de 2015 (1)

Processo C‑346/14

Comissão Europeia

contra

República da Áustria

«Ação por incumprimento — Violação do artigo 4.°, n.° 3, TUE, em conjugação com o artigo 288.° TFUE — Aplicação incorreta do artigo 4.°, n.os 1 e 7, da Diretiva 2000/60/CE — Política da água da União — Autorização de construção de uma central hidroelétrica junto do rio Schwarze Sulm — Deterioração do estado das águas — Reavaliação do estado — Correção do plano de gestão»





I –    Introdução

1.        A exploração de energias renováveis respeitadoras do clima através da utilização de energia eólica não é a única passível de desencadear um conflito com outros objetivos ambientais, podendo esta situação verificar‑se também com a utilização da energia hidroelétrica (2), como é demonstrado pela Comissão no presente processo relativo a uma pequena central hidroelétrica situada no preservado curso superior do rio Schwarze Sulm, nos Alpes austríacos. Neste âmbito, a Comissão baseia‑se nos efeitos antecipados da proibição de deterioração prevista na Diretiva‑Quadro no domínio da água (a seguir «DQA») (3) e é de opinião de que o projeto não se justifica.

2.        Assume, no entanto, um papel decisivo a circunstância de as autoridades austríacas terem corrigido a avaliação do estado do rio Schwarze Sulm durante a fase pré‑contenciosa, o que leva a que a acusação de deterioração desse estado, invocada pela Comissão, tenha deixado de se verificar e, por conseguinte, também não necessite de ser justificada.

II – Quadro jurídico

3.        Os principais objetivos ambientais da DQA e as eventuais exceções estão consagrados no seu artigo 4.°:

«1.      Ao garantir a operacionalidade dos programas de medidas especificados nos planos de gestão de bacias hidrográficas:

a)       Para as águas de superfície

i)       Os Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para evitar a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície, em aplicação dos n.os 6 e 7 e sem prejuízo do disposto no n.° 8;

ii)       […]»

III – Matéria de facto e tramitação processual

4.        Em 24 de maio de 2007, as autoridades do Land austríaco de Steiermark concederam uma autorização para construção de uma central hidroelétrica no Schwarze Sulm, exigida pela legislação relativa à água.

5.        Nesta decisão, a autoridade classificou de «excelente» o estado ecológico das águas (4). No entanto, foi também observada uma ligeira captação de água potável (31 litros por segundo) acima da zona afetada (5).

6.        Está previsto construir um açude («Tiroler Wehr») para a central hidroelétrica e desviar uma grande parte da água através de tubagens com mais de 10 km de comprimento para um edifício da central hidroelétrica situado 480 metros mais abaixo, reintroduzindo‑a a jusante no rio, após passagem pela turbina. Embora o obstáculo constituído por este açude seja atenuado por um apoio à migração de peixes e até mesmo compensado, no caso de movimentos a montante do rio, a redução do nível da água do rio também dificulta as migrações de peixes. Além disso, são expectáveis perdas de peixes que migram a jusante do rio e são engolidos pelas turbinas (6). Em conclusão, verifica‑se que após a concretização do projeto o estado da água apenas deverá ser classificado de «bom».

7.        Em 2006, a Comissão recebeu uma queixa relativa ao projeto, tendo convidado a República da Áustria, em outubro de 2007, a apresentar observações. Contudo, em 2010, encerrou o processo após as autoridades federais austríacas terem determinado a suspensão da autorização do projeto.

8.        Em março de 2012, o Verfassungsgerichtshof (Tribunal Constitucional austríaco, Áustria) anulou, no entanto, a decisão das autoridades federais, tendo a autorização original retomado os seus efeitos.

9.        Após analisar a matéria de facto, a Comissão concluiu que, ao autorizar o projeto, a República da Áustria não aplicou corretamente a exceção relativa à proibição de deterioração prevista na DQA, apesar de a mesma ser aplicável por analogia no âmbito do efeito antecipado do artigo 4.° da DQA, resultante da conjugação do artigo 4.°, n.° 3, TUE com o artigo 288.° TFUE. Por conseguinte, em 26 de abril de 2013, a Comissão voltou a convidar a República da Áustria a apresentar observações e, em 21 de novembro de 2013, enviou um parecer fundamentado a este Estado‑Membro, impondo um último prazo até 21 de janeiro de 2014 para sanar as irregularidades apontadas.

10.      Durante esta fase pré‑contenciosa, as autoridades de Steiermark alteraram a autorização por decisão de 4 de setembro de 2013. Além de alterações dos requisitos, que não assumem relevo no presente processo, constata‑se na referida decisão que o estado do rio Schwarze Sulm não é «excelente» mas apenas «bom», devido à captação de água potável na zona situada mais acima da obra projetada. Consequentemente, o projeto não implica a degradação da classificação do estado da água, sendo de excluir uma deterioração.

11.      Na medida em que as respostas prestadas pela República da Áustria não satisfizeram a Comissão, esta intentou a presente ação pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        Declarar que a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.° 3, TFUE, conjugado com o artigo 288.° TFUE, porquanto não aplicou corretamente o disposto no artigo 4.°, n.° 1, conjugado com o artigo 4.°, n.° 7, da Diretiva 2000/60/CE à autorização de construção de uma central hidroelétrica no Schwarze Sulm;

–        Condenar a República da Áustria nas despesas.

12.      A República da Áustria pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        Julgar improcedente a presente ação da Comissão e

–        Condenar a Comissão nas despesas.

13.      As partes apresentaram observações escritas, tendo o Tribunal de Justiça concluído não ser necessário proceder à realização de audiência.

IV – Apreciação jurídica

A –    Quanto à admissibilidade da ação

14.      A República da Áustria considera a ação inadmissível. Por um lado, a Comissão não designou, de forma suficientemente precisa, as obrigações cujo incumprimento alega (v., a este respeito, o ponto 2). Por outro lado, a República da Áustria entende que a função da Comissão, enquanto guardiã dos Tratados, não abrange a fiscalização das autoridades austríacas na aplicação individual e concreta do direito da União (v., a este respeito, o ponto 3).

15.      Porém, antes de mais, importa determinar o objeto da ação (v., a este respeito, o ponto 1).

1.      Quanto ao objeto da ação

16.      O objeto da ação carece de precisão, na medida em que apesar de a central hidroelétrica ter sido autorizada em 24 de maio de 2007, essa autorização foi alterada pela decisão de 4 de setembro de 2013, ou seja, antes do parecer fundamentado e do termo do prazo fixado neste parecer, que ocorreu em 21 de janeiro de 2014.

17.      Na réplica, a Comissão alega que a reclassificação do Schwarze Sulm de «excelente» para «bom», efetuada nesta decisão, não foi incluída no petitum, continuando a mesma a basear‑se num estado «excelente».

18.      Entendo esta argumentação no sentido de que a Comissão não requer que se declare que a reclassificação do Schwarze Sulm constitui uma violação do direito da União, mas se opõe, no entanto, a título incidental, a esta reclassificação e, por conseguinte, à autorização sob forma da decisão de 4 de setembro de 2013.

19.      Na medida em que a referida decisão não foi objeto do convite à apresentação de observações nos termos do artigo 258.° TFUE, suscita‑se a questão de saber se a mesma — bem como a decisão de 24 de maio de 2007 por ela alterada — pode ser objeto da presente ação.

20.      Recorde‑se que o objeto de uma ação, nos termos do artigo 258.° TFUE, é limitado pela fase pré‑contenciosa prevista nesta disposição. Por conseguinte, a ação não pode basear‑se em acusações diferentes das que foram apresentadas na fase pré‑contenciosa. Isto porque a fase pré‑contenciosa do processo tem por objeto dar ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de, por um lado, dar cumprimento às suas obrigações decorrentes do direito da União e, por outro, apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão (7).

21.      Este objetivo da fase pré‑contenciosa permite que a Comissão tenha em consideração as medidas adotadas pelo Estado‑Membro durante esta fase. Caso contrário, esta não poderia reagir a uma medida de um Estado‑Membro destinada ao cumprimento das suas obrigações.

22.      Sem a realização de uma nova fase pré‑contenciosa, a Comissão não pode basear outras acusações neste tipo de medidas novas (8), mas continua a ser admissível manter as acusações originais, desde que as medidas contestadas se mantenham no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (9).

23.      À primeira vista, a decisão de 4 de setembro de 2013 não afeta a objeção da Comissão à decisão de 24 de maio de 2007. A Comissão critica, no essencial, a justificação da central hidroelétrica que, na primeira decisão supra referida, não foi redigida de forma substancialmente diferente.

24.      No entanto, face à reclassificação do estado das águas para «bom», deixa de se verificar a deterioração do Schwarze Sulm alegada pela Comissão (10), a qual carecia de justificação. Por conseguinte, a Comissão põe igualmente em causa a referida reclassificação.

25.      A ação não visa, assim, uma medida que, apesar de ter sido posteriormente alterada, se mantém no essencial. Pelo contrário, a decisão de 4 de setembro de 2013 altera a decisão de 24 maio de 2007 contestada pela Comissão, num ponto decisivo para a apreciação da ação.

26.      Não foi, no entanto, necessário voltar a realizar a fase pré‑contenciosa desde o início, na medida em que a decisão de 4 de setembro de 2013 foi adotada pela República da Áustria com pleno conhecimento da fase pré‑contenciosa em curso. Por conseguinte, não se pode considerar que os seus direitos de defesa tenham sido afetados. Esta medida visa antes privar de fundamento as acusações da Comissão. Trata‑se, em última análise, de um fundamento de defesa no processo em curso, que não pode, enquanto tal, gerar a obrigação de voltar a realizar integralmente a fase pré‑contenciosa. Caso contrário, os Estados‑Membros poder‑se‑iam opor a uma ação por incumprimento através da adoção deste tipo de medidas (11).

27.      A admissibilidade da ação devia ser objeto de uma apreciação diferente, caso a Comissão tivesse requerido que se declarasse que a decisão de 4 de setembro de 2013 viola o direito da União. Tal representaria uma ampliação ilícita do objeto do litígio em relação à fase pré‑contenciosa. Conforme é esclarecido na réplica, o pedido não deve, no entanto, ser interpretado desta forma.

2.      Quanto à precisão da ação

28.      A primeira objeção da Áustria diz respeito ao facto de nos termos do artigo 120.°, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a petição dever conter o objeto do litígio e uma exposição sumária dos fundamentos do pedido. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Daqui resulta que os elementos essenciais de facto e de direito em que se funda uma ação devem decorrer, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição e que os pedidos desta última devem ser formulados de forma inequívoca a fim de o Tribunal de Justiça não correr o risco de decidir ultra petita ou de se abster de decidir quanto a uma acusação (12).

29.      A Comissão violou estas exigências ao não ter definido com precisão qual das obrigações previstas no artigo 4.°, n.° 3, TUE, em conjugação com o artigo 288.° TFUE, foi desrespeitada. Além disso, segundo a República da Áustria, também não fundamentou em que medida o artigo 4.°, n.° 1 conjugado com o artigo 4.°, n.° 7, da DQA são, enquanto disposições da diretiva, efetivamente aplicáveis.

30.      No entanto, este argumento não pode ser acolhido, uma vez que nos n.os 25 e 26 da petição, a Comissão remete no seu pedido para o acórdão relativo ao rio Aqueloos, no qual se concluiu que já antes da aplicabilidade do artigo 4.° da DQA, os Estados‑Membros estavam, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, TUE, em conjugação com o artigo 288.° TFUE, impedidos de comprometer seriamente os objetivos do referido artigo 4.° (13). Consequentemente, a República da Áustria não voltou a referir esta objeção na tréplica.

3.      Quanto ao âmbito do poder de fiscalização da Comissão

31.      No que se refere à aplicação individual e concreta do direito da União, a República da Áustria não contesta o facto de a Comissão estar habilitada a fiscalizar a aplicação do direito da União no que respeita a casos específicos e a submetê‑la ao Tribunal de Justiça no âmbito da ação por incumprimento (14). A República da Áustria opõe‑se antes ao facto de a Comissão fiscalizar uma ponderação dos interesses em presença efetuada pelas autoridades nacionais competentes.

32.      No entanto, este argumento deve ser afastado, desde logo devido ao facto de as questões de saber em que medida as disposições controvertidas do direito da União permitem às autoridades nacionais competentes uma margem de manobra para proceder a uma ponderação e se esta margem foi eventualmente ultrapassada, não dizerem respeito à admissibilidade de uma ação no âmbito de um processo por incumprimento, mas sim ao mérito da ação.

B –    Mérito da ação

33.      As partes divergem, principalmente, quanto à questão de saber se a autorização da central hidroelétrica se justifica nos termos dos princípios consagrados no artigo 4.°, n.° 7, da DQA. À luz da decisão austríaca de alteração de 4 de setembro de 2013 importa, contudo, analisar se se verifica uma deterioração que carece de justificação.

1.      Quanto às disposições aplicáveis

34.      Na medida em que o presente processo diz respeito a uma decisão de 2007, alterada em 2013, são de considerar duas disposições diferentes a nível formal, designadamente o artigo 4.° da DQA e o efeito antecipado desta disposição.

35.      Nos termos do artigo 4.° da DQA, as obrigações apenas são diretamente aplicáveis desde 22 de dezembro de 2009, data do termo do prazo concedido aos Estados‑Membros para publicação dos planos de gestão de bacia hidrográfica, nos termos do artigo 13.°, n.° 6, da DQA (15). Por conseguinte, em 2007, a aprovação da central hidroelétrica ainda não estava sujeita a esta disposição, mas sim ao efeito antecipado do artigo 4.°, aplicável à data. Nesta conformidade, os Estados‑Membros tinham de se abster de adotar medidas suscetíveis de comprometer seriamente a obtenção do resultado prescrito pelo artigo 4.° da DQA (16).

36.      Em contrapartida, o artigo 4.° da DQA era indiscutivelmente aplicável em 2013, ano em que foi adotada a segunda decisão. Esta decisão deve, por conseguinte, ser apreciada nos termos do artigo 4.° O efeito antecipado do artigo 4.° da DQA só continuaria a ser pertinente se a decisão de 2013 não afetasse a decisão de 2007.

37.      A questão de saber em que medida o projeto afeta o estado do Schwarze Sulm constitui o objeto da decisão adotada em 2013. Logo, esta está sujeita à proibição de deterioração prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), i), da DQA.

38.      Recentemente, o Tribunal de Justiça esclareceu — de forma algo surpreendente (17) — que há deterioração do estado de uma massa de águas de superfície a partir do momento em que o estado de, pelo menos, um dos elementos de qualidade, na aceção do anexo V desta diretiva, se degradar uma classe, mesmo que essa degradação não se traduza numa degradação da classificação da massa de águas de superfície no seu conjunto. No entanto, se o elemento de qualidade em causa, na aceção deste anexo, já se encontrar na classe mais baixa, qualquer degradação deste elemento constitui uma «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície (18).

39.      Os referidos elementos de qualidade e as respetivas classes relativas ao estado estão definidos normativamente no anexo V, n.° 1.2 da DQA e no que respeita às três classes superiores — excelente, bom e razoável — foram fixados entre os Estados‑Membros, quanto à sua comparabilidade, através de um processo de «intercalibração» (19). O anexo V, n.° 1.2.1 refere, designadamente, em relação aos rios, quatro elementos de qualidade, designadamente, o estado do fitoplâncton, dos macrófitos e fitobentos, da fauna bentónica invertebrada e da fauna piscícola, bem como ainda três elementos hidromorfológicos, designadamente, as necessidades em água, a continuidade do rio e a sua morfologia, e, por último, três elementos de qualidade físico‑químicos, designadamente, as condições gerais e a concentração de poluentes sintéticos e não sintéticos específicos.

2.      Quanto à aplicação da proibição de deterioração

40.      Ao aplicar a proibição de deterioração assim interpretada, a Comissão estava obrigada a demonstrar a existência de um prejuízo causado pelo projeto ao Schwarze Sulm, que deteriore, em pelo menos uma classe, um dos elementos de qualidade das suas águas.

41.      Seria, porventura, relativamente fácil demonstrar que o projeto conduz, de acordo com os critérios do Tribunal de Justiça, a uma deterioração na aceção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), i), da DQA, por exemplo, no que respeita aos elementos de qualidade biológicos (20). No entanto, a Comissão não alega uma deterioração deste tipo e a República da Áustria não teve a oportunidade de se defender de uma argumentação neste sentido. Por conseguinte, essa deterioração não constitui o objeto do presente processo.

42.      A Comissão alega antes que o projeto iria deteriorar a avaliação geral da água de «excelente» para «bom». Uma deterioração deste tipo pressupõe que, pelo menos, um elemento de qualidade recue uma classe e abrange, assim, uma deterioração na aceção da interpretação do Tribunal de Justiça.

43.      Esta argumentação da Comissão está em contradição com a decisão das autoridades de Steiermark de 4 de setembro de 2013. Esta refere que, na zona em causa, o Schwarze Sulm apenas se encontrava num estado «bom», ao contrário da avaliação original. Neste sentido, o projeto de construção da central hidroelétrica não pode deteriorar o estado do Schwarze Sulm de «excelente» para «bom».

44.      Assim sendo, a ação só poderá ser procedente, caso a Comissão refute a reavaliação do estado do Schwarze Sulm efetuada pela decisão de 4 de setembro de 2013.

45.      As objeções da Comissão baseiam‑se no facto de a reavaliação divergir das informações constantes do plano de gestão. A avaliação da parte afetada do Schwarze Sulm não podia ter sido alterada ad hoc no âmbito da apreciação do projeto de construção da central hidroelétrica. Pelo contrário, o plano de gestão aplicável devia ter sido adaptado. Neste contexto, a Comissão alega ainda que a reavaliação se baseou em critérios novos e que o público não teve a oportunidade de participar de forma satisfatória. A Comissão não põe, no entanto, em causa o conteúdo da reavaliação.

46.      Nos termos do artigo 4.° da DQA, ao garantir a operacionalidade dos programas de medidas especificados nos planos de gestão de bacias hidrográficas para as águas de superfície e para as águas subterrâneas, os Estados‑Membros aplicarão as medidas de conservação adequadas (21). Isto significa que também no que respeita à aplicação da proibição de deterioração se deve, em regra, decidir com base em informações documentadas no plano de gestão.

47.      Estas informações incluem o estado das águas de superfície afetadas, uma vez que nos termos do anexo VII, ponto A.4, da DQA, as informações do plano de gestão devem abranger uma apresentação, sob a forma de mapa, dos resultados dos programas de monitorização realizados nos termos do artigo 8.° e do anexo V, para o estado da água.

48.      A Comissão retira desta situação, que uma reavaliação do estado das águas só é admissível no âmbito de uma atualização do plano de gestão, que deve ser realizada de seis em seis anos.

49.      É de concordar com este argumento desde que uma reavaliação se baseie em critérios novos, na medida em que esses critérios devem aplicar‑se a todas as águas abrangidas pelo plano, de forma a garantir uma gestão coerente.

50.      É verdade que a Comissão alega que reavaliação em causa se baseia nesses critérios novos: o regulamento austríaco relativo aos objetivos de qualidade «Ökologie Oberflächengewässer» (Ecologia águas de superfície) de 2010 (22), que contém novos critérios de avaliação face ao primeiro plano de gestão de 2009. No entanto, este argumento não pode ser acolhido. Com efeito, o plano de gestão austríaco já se baseava neste regulamento (23).

51.      Além disso, as informações relativas à captação de água potável a montante do Schwarze Sulm (24) já eram conhecidas à data da autorização de 2007 (25).

52.      De facto, a decisão adotada em 2013 visa, assim, começar a aplicar corretamente os critérios de avaliação que vigoram para o plano de gestão. Trata‑se, por conseguinte, da correção de um erro no plano de gestão, cuja exatidão a Comissão não contesta no presente processo.

53.      Uma correção de erros desse tipo deve ser possível, em princípio, pois como já dizia Confúcio: 過而不改是谓過矣 (26).

54.      Seria de difícil compreensão que se exigisse a adoção de uma decisão baseada em informações comprovadamente erradas, apenas porque estas informações fazem parte do plano de gestão. Caso contrário, podiam não só manter‑se obstáculos injustificados aos projetos, mas também, como a República da Áustria corretamente apontou, colocar em perigo os objetivos de segurança da diretiva, quando a posteriori se demonstrem factos que exijam medidas de proteção mais rígidas.

55.      Por conseguinte, não se deve ter em conta, no presente caso, a avaliação do estado do Schwarze Sulm que figura no plano de gestão, mas sim o seu estado efetivo, o qual não foi, em substância, posto em causa. A degradação da classificação de «excelente» para «bom» invocada pela Comissão não é portanto possível.

56.      A Comissão também não pode pôr em causa esta constatação, através da alegação de uma adaptação incorreta do plano de gestão e da crítica à falta de participação do público. Isto porque, independentemente da questão de saber se estas objeções formais e processuais se justificam, as mesmas não podem levar a reconhecer, no presente processo, um estado «excelente» do Schwarze Sulm quando o mesmo é apenas «bom», segundo as informações apresentadas ao Tribunal de Justiça.

57.      No entanto, caso não se possa concluir pela existência da deterioração alegada pela Comissão, não se afigura necessário justificá‑la. A crítica da Comissão a esta justificação também não pode, portanto, proceder.

58.      Por conseguinte, a ação deve ser julgada improcedente.

V –    Quanto às despesas

59.      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la na totalidade das despesas.

VI – Conclusão

60.      Pelo exposto, proponho que o Tribunal de Justiça decida do seguinte modo:

1)       A ação é julgada improcedente.

2)       A Comissão é condenada nas despesas.


1 —      Língua original: alemão.


2 —      V., a este respeito, as minhas conclusões no processo Comissão/Bulgária (C‑141/14), hoje apresentadas.


3 —      Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (JO L 327, p. 1), na redação que lhe foi dada pela Diretiva 2013/39/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de agosto de 2013, que altera as Diretivas 2000/60/CE e 2008/105/CE no que respeita às substâncias prioritárias no domínio da política da água (JO L 226, p. 1).


4 —      Anexo à contestação, pp. 41 e 46.


5 —      Anexo à contestação, pp. 46 e 47.


6 —      Anexo à contestação, p. 48.


7 —      V., designadamente, acórdãos Comissão/Bélgica (C‑221/03, EU:C:2005:573, n.os 36 e 38); Comissão/Chipre (C‑340/10, EU:C:2012:143, n.° 21); e Comissão/Alemanha (C‑211/13, EU:C:2014:2148, n.° 22).


8 —      Acórdão Comissão/Bélgica (C‑221/03, EU:C:2005:573, n.° 41).


9 —      V., neste sentido, acórdão Comissão/Bélgica (C‑221/03, EU:C:2005:573, n.os 39 e 40).


10 —      V., a este respeito, os n.os 40 a 44, infra.


11 —      V., neste sentido, acórdãos Comissão/Áustria (C‑203/03, EU:C:2005:76, n.° 30), e Comissão/Bélgica (C‑221/03, EU:C:2005:573, n.° 40).


12 —      Acórdãos Comissão/Finlândia (C‑195/04, EU:C:2007:248, n.° 22) e Reino Unido/Conselho (C‑209/13, EU:C:2014:283, n.° 30).


13 —      Acórdão Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o. (C‑43/10, EU:C:2012:560, em particular os n.os 57 a 67).


14 —      V., por exemplo, acórdãos Comissão/Alemanha (C‑431/92, EU:C:1995:260, n.os 19 e segs.); Comissão/Alemanha (C‑20/01 e C‑28/01, EU:C:2003:220, n.° 30); e Comissão/Grécia (C‑394/02, EU:C:2005:336, n.° 16).


15 —      Acórdão Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o. (C‑43/10, EU:C:2012:560, n.os 51 a 56).


16 —      Acórdão Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o. (C‑43/10, EU:C:2012:560, n.° 60).


17 —      V., em especial, o n.° 100 das conclusões convincentes do advogado‑geral Jääskinen no processo Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2014:2324).


18 —      Acórdão Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.° 69).


19 —      V. acórdão Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.os 57 e 58).


20 —      V. p. 182 do anexo à contestação.


21 —      Acórdão Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o. (C‑43/10, EU:C:2012:560, n.os 51 e 52).


22 —      Regulamento do Ministro Federal da Agricultura e Silvicultura, Ambiente e Gestão da Água relativo à definição do estado ecológico das águas de superfície (Bundesgesetzblatt 2010, Parte II, n.° 99, de 29 de março de 2010).


23 —      Plano Hidrológico Nacional 2009 — NGP 2009 (http://www.bmlfuw.gv.at/dms/lmat/wasser/wasser‑oesterreich/plan_gewaesser_ngp/nationaler_gewaesserbewirtschaftungsplan‑nlp/ngp/NGP_Textdokument_30_03_2010.pdf, p. 100).


24 —      Anexo A‑10 à petição, p. 144.


25 —      Anexo A‑14 à petição, p. 7.


26 —      Analectos 15, 29, mutatis mutandis: Cometer um erro e nada mudar, este é o verdadeiro erro.