Language of document : ECLI:EU:T:2004:40

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
11 de Fevereiro de 2004 (1)

«Regulamento (CEE) n.° 2200/87 – Ajuda alimentar – Transferência do ónus dos riscos – Retenção nos pagamentos»

No processo T-259/01,

Nutrinveste – Comércio Internacional, SA, com sede em Algés (Portugal), representada por A. Vasconcelos, advogada,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Berscheid e A. Alves Vieira, na qualidade de agentes, assistidos por N. Castro Marques, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto o pedido de condenação da Comissão ao pagamento do montante de 61 226 euros relativo a um fornecimento em matéria de ajuda alimentar,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),



composto por: V. Tiili, presidente, P. Mengozzi e M. Vilaras, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Abril de 2003,

profere o presente



Acórdão




Quadro jurídico

1
Pelo Regulamento (CE) n.º 2608/97 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1997, relativo ao fornecimento de óleo vegetal a título de ajuda alimentar (JO L 351, p. 44), foi aberto um concurso para fornecimento de ajuda alimentar a Angola. O artigo 1.° do referido regulamento dispõe:

«A título da ajuda alimentar comunitária, realiza‑se na Comunidade a mobilização de óleo vegetal, tendo em vista fornecimentos aos beneficiários indicados no anexo, em conformidade com o disposto no Regulamento (CEE) n.° 2200/87 e com as condições constantes do anexo. A atribuição dos fornecimentos é efectuada por via de concurso.

[...]

Considera‑se que o adjudicatário tomou conhecimento da totalidade das condições gerais e especiais aplicáveis e as aceitou. Qualquer outra condição ou reserva contida na sua proposta é considerada como não escrita.»

2
O anexo do Regulamento n.° 2608/97 dispõe, nomeadamente:

«1. Acções n.os (1) 1513/95 (lote A1); 523/96 (lote A2); 524/96 (lote A3); 525/96 (lote A4)

[...]

3. Beneficiário (2): Angola

4. Representante do beneficiário: UTA/ACP/UE, Rua Rainha Jinga, n.° 6, Luanda, Angola [...]

8. Quantidade total (toneladas líquidas): 1 800

9. Número de lotes: 1 em 4 partes (lote A1: 800 toneladas, lote A2: 200 toneladas, lote A3: 500 toneladas; lote A4: 300 toneladas)

[...]

12. Estádio de entrega: entregue no destino (9) (10)

[...]

16. Endereço do armazém e, se for caso disso, porto de desembarque: lotes A1 + A2: Somatrading (off port of Luanda); lote A3: A.M.I. (off port of Lobito); lote A4: Socosul, Lubango (180 km from Namibe)

[...]

18. Data limite para o fornecimento: 22.3.1998 (11)

19. Processo para determinar as despesas de fornecimento: concurso

[...]

Notas:

[...]

(2) O adjudicatário contactará o beneficiário, o mais rapidamente possível, com vista a determinar os documentos de expedição necessários.

[...]

(10) As despesas e imposições portuárias (nomeadamente EP 13, EP 14, EP 15 e EP 17) correm por conta do adjudicatário. Em derrogação do n.° 1, segundo parágrafo, do artigo 15.° do Regulamento (CEE) n.° 2200/87, as despesas e imposições relativas às formalidades aduaneiras de importação são suportadas pelo adjudicatário e consideram‑se incluídas na proposta.

(11) A prova da chegada a um dos locais de destino é determinante para a observância do prazo.»

3
O Regulamento (CEE) n.° 2200/87 da Comissão, de 8 de Julho de 1987, que estabelece as normas gerais de mobilização na Comunidade de produtos a fornecer a título da ajuda alimentar comunitária (JO L 204, p. 1), dispõe, no seu artigo 1.°, n.os 1 e 2:

«1.    Quando, com vista à execução de uma acção comunitária, a título da ajuda alimentar, se decide proceder a uma mobilização dos produtos na Comunidade, são aplicáveis as normas estatuídas no presente regulamento, sem prejuízo das disposições especiais adoptadas, quando necessário, em cada caso pela Comissão. [...]

2.      As normas gerais adoptadas no presente regulamento são aplicáveis em operações a efectuar, quer no estádio entregue porto de embarque, quer no estádio entregue porto de desembarque, quer ainda no estádio entregue destino.»

4
O artigo 7.°, n.° 3, alínea f), terceiro travessão, dispõe:

«[P]ara um fornecimento entregue destino, o proponente apresenta simultaneamente três propostas:

a primeira, para o estádio de entrega acima mencionado, indica de modo distinto e separado as despesas correspondentes ao transporte continental ultramarino propriamente dito, em conformidade com o Anexo II,

a segunda e a terceira, respectivamente para estádios de fornecimento entregue porto de desembarque e entregue porto de embarque, em conformidade com o disposto supra.»

5
O artigo 10.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2200/87 dispõe:

«Após a adjudicação, a Comissão indicará ao adjudicatário a empresa, previamente seleccionada por adjudicação a quem oferecer melhores condições, encarregada dos controlos referidos no artigo 16.°, da emissão do certificado de tomada a cargo nos termos do ponto 2 do artigo 17.° e, de um modo geral, da coordenação do conjunto das operações aferentes ao fornecimento. [...].»

6
O artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2200/87 dispõe:

«O adjudicatário cumpre os seus deveres em conformidade com o disposto no regulamento relativo à abertura do concurso, bem como com observância dos compromissos referidos no presente regulamento, incluindo aqueles que resultam da sua proposta. [...]»

7
Nos termos do artigo 15.° do Regulamento n.° 2200/87:

«São aplicáveis as seguintes regras no caso de fornecimento entregue destino:

[...]

2.      O adjudicatário suportará todos os riscos que a mercadoria pode correr, nomeadamente de perda ou de deterioração, até ao momento de ser efectivamente descarregada e entregue no armazém de destino.

O adjudicatário subscreverá um seguro apropriado, do tipo do previsto no ponto 3, alínea a), do artigo 14.°

[...]

4. O fornecimento deve ser efectuado antes de findo o período fixado no anúncio de concurso.»

8
O artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2200/87 dispõe:

«Em relação a qualquer fornecimento a efectuar nos termos do presente regulamento, a empresa referida no artigo 10.° controlará, antes do início das operações de carregamento no porto de embarque, a observância das normas relativas à quantidade e, se for caso disso, à verificação dos sacos, à qualidade e ao acondicionamento. O controlo é efectuado num momento e em condições que permitam obter todos os resultados de análise e, se for caso disso, de contra peritagem, antes de a mercadoria ser colocada à disposição, no caso previsto no primeiro parágrafo do ponto 2 do artigo 13.° ou antes do início do carregamento no porto de embarque, em todos os casos restantes. [...]

A empresa acima mencionada emitirá no termo dos controlos um certificado de conformidade em função das análises e verificações efectuadas. [...]

No caso de fornecimento entregue porto de desembarque e entregue destino, o certificado referido no parágrafo anterior apenas constitui um certificado de conformidade provisório. A conformidade é apreciada definitivamente no estádio fixado para o fornecimento, segundo os métodos de análise em vigor na Comunidade.

Para o efeito, a empresa referida no artigo 10.° efectuará neste estádio os controlos previstos no primeiro parágrafo e emitirá, se for caso disso, o certificado definitivo de conformidade. [...]»

9
O artigo 17.° do referido regulamento dispõe:

«Vale como aceitação da mercadoria pelo beneficiário nos termos do ponto 1, ou reconhecimento do fornecimento nos termos do ponto 2, um certificado de tomada a cargo que contenha as indicações mencionadas no Anexo  II, emitido nos termos fixados no presente artigo.

1.      Imediatamente após a mercadoria ter sido posta à disposição no estádio fixado ou acordado para o fornecimento, o adjudicatário solicitará ao beneficiário ou ao seu representante a emissão do certificado de tomada a cargo e entrega a este último o certificado de conformidade referido no artigo 16.°, bem como um certificado de origem e uma factura comercial pró‑forma com indicação do valor da mercadoria e da cessão ao beneficiário a título gratuito.

[...]

2.      Se o beneficiário não passar o certificado de tomada a cargo, a empresa referida no artigo 10.° emitirá ao adjudicatário, a pedido deste último e após entrega do certificado de origem e da factura comercial referidos no ponto 1, um certificado com valor de reconhecimento do fornecimento, quando os controlos efectuados no estádio fixado para este fornecimento permitirem a emissão do certificado de conformidade referido no artigo 16.°

[...]

4.      A quantidade líquida fornecida ao beneficiário é objecto de uma verificação determinante aquando da tomada a cargo. [...]»

10
O artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2200/87, com a redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 790/91 da Comissão, de 27 de Março de 1991 (JO L 81, p. 108), dispõe:

«O montante a pagar ao adjudicatário é, no máximo, o constante da proposta, acrescido, se for caso disso, das despesas referidas no artigo 19.° e diminuído, se for caso disso, das reduções de preço referidas no n.° 2 ou das retenções referidas no ponto 7 do artigo 22.° [...]»

11
O artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2200/87, com a redacção dada pelo Regulamento n.° 790/91, dispõe:

«Salvo em caso de força maior, a garantia de entrega prevista no artigo 12.° é objecto de retenções parciais, efectuadas de modo cumulativo nos seguintes casos, sem prejuízo da aplicação do disposto no ponto 7:

proporcionalmente à percentagem do valor das quantidades não entregues, sem prejuízo das tolerâncias referidas no ponto 4 do artigo 17.°,

           [...]

As retenções mencionadas no primeiro e terceiro travessões não são aplicadas quando os incumprimentos verificados não forem imputados ao adjudicatário e não conduzirem a uma indemnização por parte de uma seguradora.»

12
O artigo 23.° do Regulamento n.° 2200/87 tem a seguinte redacção:

«O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é competente para decidir de qualquer litígio resultante da execução, da não execução ou da interpretação das regras dos fornecimentos efectuados em conformidade com o presente regulamento».


Factos na origem do litígio

13
Por fax de 6 de Janeiro de 1998, respondendo ao anúncio de concurso organizado no âmbito do Regulamento n.° 2608/97, a demandante apresentou à Comissão uma proposta para o fornecimento de 1 800 toneladas de óleo vegetal, divididas em quatro partes de, respectivamente, 800, 200, 500 e 300 toneladas, a entregar em três armazéns diferentes nos portos de Luanda e Lobito e no Lubango (Angola), ao preço, entregue destino, de 937,50 euros por tonelada. A data‑limite para o fornecimento era 22 de Março de 1998.

14
Por fax de 8 de Janeiro de 1998, a Comissão aceitou essa proposta e indicou à demandante que lhe tinha sido adjudicado o contrato de fornecimento (a seguir «contrato»). Recorda‑se no contrato que a entrega era realizada na modalidade de entrega livre no destino, conforme estipulado no ponto 12 do anexo do Regulamento n.° 2608/97. A Comissão informou também que a sociedade Socotec International Inspection (a seguir «Socotec») era designada como empresa de controlo a que se refere o artigo 10.° do Regulamento n.° 2200/87 (a seguir «entidade de controlo»).

15
Em conformidade com o artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2200/87, a Socotec efectuou um controlo na fábrica de origem e emitiu um certificado provisório de conformidade em 6 de Março de 1998. Resulta deste certificado provisório de conformidade que, à data do embarque em Lisboa, a quantidade total de mercadorias era de 1 787 024 kg líquidos, ou seja, 12 976 kg a menos do que a quantidade prevista no contrato, e que a entrega obedecia às exigências contratuais comunitárias, sob reserva de alguns pontos.

16
O transporte processou‑se da seguinte forma: acção n.° 525/96, de 18 contentores compreendendo 26 458 caixas, acção n.° 524/96, de 31 contentores compreendendo 44 790 caixas, acção n.° 523/96, de 12 contentores compreendendo 17 520 caixas, e acção n.° 1513/95, em duas partes de 48 e 2 contentores, compreendendo, respectivamente, 69 917 caixas e 2 987 caixas. Cada caixa continha doze garrafas de litro de óleo vegetal. Os contentores foram entregues nos entrepostos de destino entre 23 de Março e 14 de Maio de 1998.

17
Em 18 de Maio de 1998, a Socor, L.da empresa encarregada pela entidade de controlo, a Socotec, de proceder à supervisão da descarga, elaborou um relatório sobre a entrega dos quatro lotes acima referidos. Do relatório resulta o seguinte:

«De acordo com a guia de remessa o carregamento total foi de 161 672 cartões equivalente a 1 787,024 toneladas peso líquido. A entrega da carga destinava‑se aos armazéns da Somatrading em Luanda, o armazém da Ami no Lobito e a última ao armazém da Socosul no Lubango.

[...]

De seguida tratamos separadamente cada entrega por locais:

Acção n.° 1513/95

‘Mv. Merkur River’ [...]

O navio aportou no terminal SGEP do porto de Luanda a 16 de Março de 1998 e a descarga teve lugar até 19 de Março de 1998.

O navio continha 48 contentores a serem posteriormente entregues no armazém da Somatrading a 6 km de distância do terminal. A liberação dos contentores do porto levou algum tempo [e] o primeiro contentor foi entregue no armazém a 6 de Abril de 1998.

Os contentores foram transportados para o armazém n.° 2 da Somatrading na Mulemba pela Orey, o transportador encarregue do frete neste projecto. Uma vez entregues no armazém, os contentores só foram abertos, desde que houvesse garantia de que poderiam ser descarregados imediatamente e que parte da carga não ficaria por descarregar durante a noite. O armazém funciona até às 17 h [...] e caso não houvesse garantia de que os contentores seriam descarregados até essa hora, a descarga só se realizaria no dia seguinte.

Na mesma altura estavam simultaneamente a ser descarregados carregamentos de feijão e milho. Os contentores de óleo de girassol seriam descarregados ainda nos trailers e os trailers estavam estacionados directamente em frente das portas de carga do armazém.

A nossa contagem teve lugar à porta do contentor e também verificámos os selos no momento da entrega no armazém e antes da descarga dos contentores

No momento da descarga constatou‑se que quatro contentores tinham sido entregues sem selo ou com o selo violado. Destes quatro contentores em causa do SCMU202425/5 faltaram 219 cartões, do PRSU210852/3 faltaram 1 027 cartões . Os outros dois contentores tinham os selos violados. O contentor CMBU219437/6 tinha o selo partido e preso com arame. Neste contentor faltavam 1 137 cartões. O contentor restante tinha o selo no sítio mas violado e depois da descarga verificou‑se a falta de 42 cartões a menos do que o indicado na lista da carga.

No total faltavam 2 425 cartões nestes quatro contentores. Além disso após a descarga dos outros contentores deste carregamento também revelaram discrepâncias, quer para mais quer para menos em relação à lista da carga (v. quadro anexo).

A entrega terminou a 8 de Maio de 1998 com um total de:

Total de cartões entregues 65 082 cartões

Que incluem:

Cartões danificados 395 cartões

Cartões recuperados 54 cartões

Total de cartões após recuperação 64 741 cartões

Peso total entregue 715,388 toneladas

A quantidade indicada na guia de remessa deste carregamento era 69 917 pelo que se verificou uma falta de 5 176 cartões.

[...]

‘mv. Nouva Europa’ [...]

O navio chegou ao porto de Luanda a 26 de Março de 1998 e começou a ser descarregado no mesmo dia. O navio trazia dois contentores para serem entregues no armazém n.° 2 da Somatrading na Mulemba. Os contentores foram entregues nesse armazém a 14 de Maio de 1998 após as formalidades de desalfandegamento.

Aquando da descarga verificámos que os selos estavam intactos e não tinham sido violados. Após a descarga revelou‑se que tinham sido descarregados dos contentores 2 964 cartões, ou seja menos 23 cartões do que o indicado na guia de remessa. Além disso o relatório indica 15 cartões danificados dos quais se recuperaram 10.

O que dá o seguinte total de entrega tanto do ‘Merkur River’ como do ‘Nuova Europa’.

Total entregue 68 046 cartões

Que inclui:

Danificados 410 cartões

Recuperados 310 cartões

Total entregue após recuperação 67 946 cartões

Peso total entregue 750,803 toneladas

Acção n.° 523/96

‘mv. Fatezh’ [...]

O navio chegou ao porto de Luanda no dia 23 de Março de 1998 transportando um carregamento de doze contentores para entrega no armazém da Somatrading na Mulemba. A entrega no armazém começou a 15 de Abril de 1998 e terminou a 8 de Maio.

Os contentores foram descarregados no dia em que foram abertos e o nosso pessoal estava presente no momento da entrega e abertura. A nossa contagem teve lugar à porta do contentor.

No final a nossa contagem foi a seguinte:

Total de cartões entregues 17 459 cartões

Que incluem:

Cartões danificados 84 cartões

Cartões recuperados 64 cartões

Total de cartões após recuperação 17 439 cartões

Peso total entregue 192,700 toneladas

Embora os contentores estivessem selados havia discrepâncias entre as quantidades [descarregadas] e as indicadas na guia de remessa . No total havia menos 61 cartões que o indicado na documentação [...]

Acção n.° 524/96

‘mv. Orinoco’ [...]

O navio chegou ao porto do Lobito a 14 de Março de 1998 e descarregou um carregamento de 31 contentores para serem entregues no armazém da AMI no Lobito. O armazém situava‑se a aproximadamente um quilómetro da área do porto.

O envio para o armazém começou a 30 de Março de 1998, após o cumprimento das formalidades. Os contentores foram entregues em quantidades diversas entre 30 de Março e 5 de Abril.

Durante a entrega o nosso pessoal realizou a contagem dos contentores à porta dos contentores. Os selos dos contentores foram verificados antes da abertura e verificou‑se que um contentor não tinha selo e outro tinha o selo no sítio mas partido.

Ambos os contentores foram contados e a carga correspondia ao indicado na guia de remessa

Após a conclusão da entrega a nossa contagem revelou o seguinte:

Quantidade total entregue 42 146 cartões

Que inclui:

Danificados 91 cartões

Recuperados 86 cartões

Total entregue após recuperação 42 141 cartões

Peso total entregue 465,658 [toneladas]

Embora os contentores sem selo tivessem a carga completa, havia algumas discrepâncias entre as quantidades contadas nos outros contentores. No total verificou‑se uma falta em comparação com a quantidade indicada na guia de remessa de 2 644 cartões. Considerando que os selos estavam intactos, excepto aqueles que indicamos, pensamos que a falta se deve a falta no carregamento do contentor.

Acção n.° 525/96

‘mv. Orinoco’ [...]

O navio chegou ao porto ao Namibe a 12 de Março de 1998 e acostou no mesmo dia. A descarga começou às 15 h e terminou às [11 h 20 m] do dia seguinte.

O nosso trabalho referia‑se à descarga de 18 contentores a serem posteriormente enviados para o armazém da Socosul no Lubango. O Lubango fica situado 150 km a leste do Namibe e os contentores foram transportados por estrada.

O primeiro contentor foi entregue no Lubango a 23 de Março de 1998 e o último contentor foi entregue a 28 de Março de 1998.

A nossa contagem teve lugar à porta dos contentores que estavam colocados directamente em frente da porta do armazém para facilitar a descarga. Durante este período de tempo ocorreram chuvas intensas pelo que foi necessário parar as descargas.

Dos contentores entregues dois tinham sido soldados como medida de segurança e dois não tinham selo. No total as perdas destes contentores foram 95 cartões.

Dos cartões entregues 34 estavam danificados dos quais foi possível recuperar 20 cartões.

A contagem final da carga revelou o seguinte:

Total entregue 26 317 cartões

Que inclui:

Danificados 34 cartões

Recuperados 20 cartões

Total de cartões após recuperação 26 303 cartões

Peso total entregue 290,648 toneladas.

[...]»

18
A Socor, L.da concluiu o seguinte:

«A entrega da carga totalizava 153 829 cartões, 1 699,810 toneladas o que é menos que a entrega prevista de 161 672 cartões. O total em falta totaliza 7 843 cartões ou seja 86,665 toneladas. Além do caso dos contentores sem selo ou com selo violado pensamos que as faltas verificadas se devem a falta no momento da carga. Na abertura dos contentores selados pôde constatar‑se que a carga estava perfeitamente acondicionada. Foram tiradas fotografias no momento da abertura que mostram claramente o acondicionamento. Estas fotografias foram tiradas pelos operadores do armazém. A descarga dos contentores foi realizada por pessoal ao serviço dos operadores do armazém e a distancia entre a porta dos contentores e a porta do armazém era de aproximadamente cinco metros. Os cartões foram retirados à mão do contentor para o armazém e empilhados. Os danos verificados referem‑se essencialmente a danos nas garrafas plásticas que por isso vertiam. Essas fugas pareciam piores do que eram após a abertura dos cartões o que permitiu uma boa separação e recuperação. Cartas de protesto foram emitidas para o transportador contratado ‘Orey Angola’ relativamente às perdas. A entrega nos armazéns foi lento mesmo tendo em conta os atrasos da alfândega angolana. Houve congestionamentos nos armazéns de Luanda e Lubango devido à chuva e à recepção simultânea de outras cargas o que causou alguns atrasos na devolução dos contentores A entrega ocorreu num período de 53 dias entre a chegada do primeiro contentor ao armazém no Lubango a 23 de Março até à entrega do último contentor em Luanda a 14 de Maio de 1998.»

19
Segundo o certificado definitivo de conformidade emitido pela Socotec em 23 de Junho de 1998, de acordo com o artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2200/87, a tonelagem total líquida aceite foi de 1 697 552,899 kg , ou seja, 102 447 kg a menos que a quantidade prevista no contrato, e a data da última entrega foi em 14 de Maio de 1998.

20
Em 29 de Junho de 1998, a demandante apresentou à Comissão uma factura do montante de 1 591 455,84 euros relativa aos 1 697 552,899 kg de óleo vegetal efectivamente entregues. A Comissão pagou esta factura, aplicando uma penalidade de 7 916,91 euros respeitante às quantidades de mercadoria não entregues, em conformidade com o disposto no artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2200/87.

21
Além disso, a companhia de seguros com a qual a demandante tinha subscrito um contrato de seguro em conformidade com o artigo 15.° do Regulamento n.° 2200/87 tinha pago à demandante, a título de indemnização, o montante de 6 116 746 escudos portugueses (cerca de 30 510 euros), correspondentes ao preço de cerca de 32 544 kg de mercadoria.


Tramitação processual e pedidos das partes

22
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Outubro de 2001, a demandante propôs a presente acção.

23
A fase escrita do processo terminou em 5 de Março de 2002, não tendo a demandante apresentado réplica dentro do prazo fixado.

24
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal, convidou as partes a apresentarem determinados documentos e colocou‑lhes questões por escrito. As partes responderam a estes pedidos.

25
Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 9 de Abril de 2003.

26
A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne: condenar a Comissão a pagar‑lhe o montante de 61 226 euros, a saber, 53 310 euros que correspondem à parte não paga do preço da mercadoria, que foi carregada, como consta do certificado provisório de conformidade, e que não foi reembolsada pelo seguro, e 7 916 euros correspondentes à penalidade aplicada.

27
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar a acção improcedente;

condenar a demandante nas despesas.

28
Na audiência, a demandante alterou, sem para isso dar explicações, o pedido de pagamento, para que a Comissão pague apenas o preço de 44 496  kg de mercadoria (ou seja, aproximadamente, 41 715 euros) que, segunda afirma, correspondem à quantidade que a Comissão considerou estar em falta, quer dizer, relativamente à qual se verificava uma inexecução da entrega como se previa no contrato e que não foi objecto de reembolso pela sua seguradora. No que respeita à penalidade, a demandante alterou o seu pedido inicial de reembolso da totalidade da penalidade imposta pela Comissão, afirmando que admitia que a Comissão tinha o direito de impor uma penalidade relativamente aos 12 976 kg de mercadoria que, segundo o certificado de conformidade provisório, faltavam na data de embarque .


Questão de direito

29
A demandante suscita essencialmente três fundamentos em apoio do seu pedido. O primeiro divide‑se em duas partes: a primeira parte assenta em que a Comissão não tem razão ao recusar o pagamento da mercadoria não entregue, sem ter demonstrado a responsabilidade da demandante relativamente à quantidade de mercadoria que faltava. A segunda parte pretende demonstrar que, em qualquer caso, o representante da Comissão cometeu erros. O segundo fundamento assenta em que a Comissão não teve razão ao impor uma penalidade relativamente à mercadoria não entregue. O terceiro fundamento baseia‑se na violação do princípio da proporcionalidade na repartição dos riscos corridos pela mercadoria

Quanto ao primeiro fundamento, assente, por um lado, na alegação de que a Comissão não teve razão ao recusar o pagamento da mercadoria não entregue e, por outro, na alegação de que o representante contratual da Comissão cometeu erros

Argumentos das partes

30
Em primeiro lugar, a demandante considera que cumpriu integralmente a sua obrigação de entrega de óleo, dado que, no momento da carga da mercadoria, não foi detectada qualquer falha da sua parte, exceptuada a falta de 12 976 kg, e que as restantes faltas de mercadoria, verificadas nos entrepostos de destino, foram detectadas em lotes nos quais alguns contentores tinham sido violados. Considera que a explicação mais plausível é que a falta de 5 176 caixas no lote n.° 1513/95 e de 2 644 caixas no lote n.° 524/96 se deve à abertura dos contentores por terceiros não identificados.

31
A demandante afirma que nem os atrasos nas entregas nem a falta das caixas lhe são imputáveis. Argumenta que, nos termos do certificado provisório de conformidade, não foi verificada qualquer falha no momento do embarque, exceptuada a falta de 12 976 kg de mercadoria. Acrescenta que o desembaraço aduaneiro da mercadoria era difícil e lento em razão da situação prevalecente em Angola, onde as instituições e os serviços funcionam de forma muito deficiente.

32
Em segundo lugar, a demandante considera que a Comissão tem uma responsabilidade contratual pelo facto de a Socor, L.da, que foi incumbida pelo transportador contratado pela demandante e pela Socotec, entidade de controlo, de supervisionar a descarga, só tardiamente ter comunicado ao transportador a existência das falhas em questão. Além disso, a Socor, L.da não pôde confirmar quais as caixas que saíram de cada contentor e, por conseguinte, em que contentores faltavam as caixas, e se os contentores tinham sido violados. Este erro tornou difícil ou mesmo impossível o apuramento dos factos e das responsabilidades quanto às quantidades de mercadorias em falta, de forma que a seguradora da demandante apenas cobriu as perdas respeitantes aos contentores violados. Finalmente, segundo a demandante, a Socotec admitiu em 1999 que as contagens dos cartões foram efectuadas à entrada dos entrepostos e não na abertura dos contentores e que vários entrepostos tinham mais que uma via de acesso, o que podia conduzir a erros. Considera que a Comissão é responsável pelos erros e omissões da entidade de controlo.

33
Na audiência, a demandante precisou a sua argumentação, sustentando que o facto de a Comissão ter considerado que ela não entregara 44 496 kg de mercadoria, sem o provar, conduziu à recusa de pagamento por parte da seguradora. A demandante sublinha que a situação de inexecução do contrato deve distinguir‑se dos riscos corridos pela mercadoria, tais como os furtos.

34
A Comissão considera que a acção carece de suporte jurídico, visto que, neste caso, o contrato de entrega foi celebrado segundo a modalidade de entrega «livre no destino». Argumenta que, segundo o disposto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2200/87, a demandante suportava todos os riscos que a mercadoria pudesse correr até ao momento de ser efectivamente descarregada e entregue no armazém de destino. Além disso, segundo as condições do contrato, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 3, do mesmo regulamento e com o anexo do Regulamento n.° 2608/97, pressupunha‑se que todas as despesas estavam incluídas na proposta de fornecimento. A este propósito, a Comissão sublinha que a demandante apresentou na sua proposta preços diferentes em função dos diferentes locais de entrega.

35
A Comissão acrescenta que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2200/87 obriga expressamente o adjudicatário a subscrever um contrato de seguro cuja cobertura está descrita no artigo 14.°, n.° 3, alínea a), do mesmo regulamento.

36
No que respeita à conformidade da mercadoria entregue, a Comissão recorda que, na fábrica de origem, já se havia detectado uma falta de 12 976 kg de óleo vegetal. Além disso, nas entregas «livre no destino», o certificado definitivo de conformidade só é emitido no momento fixado para o fornecimento. Ora, no caso vertente, este certificado definitivo demonstra, segundo a Comissão, que a quantidade entregue no destino foi apenas de 1 697 552,899 kg, ou seja, 102 447,101 kg a menos do que as 1 800 toneladas previstas no contrato. Segundo a Comissão, faltavam, portanto, 8 089 caixas, 5 138 das quais correspondiam a contentores cujos selos estavam intactos.

37
A Comissão sublinha que o transporte, o desembarque e o desembaraço aduaneiro da mercadoria eram contratualmente da responsabilidade da demandante. Contesta também que a designação de uma entidade de controlo, nos termos dos artigos 10.° e 16.° do Regulamento n.° 2200/87, possa transferir para esta as responsabilidades que impendem sobre o adjudicatário.

38
No que respeita à sua alegada responsabilidade, acrescenta que não é de modo nenhum responsável pelo alegado atraso na transmissão das informações relativas ao sinistro à companhia de seguros da demandante. A este propósito, sublinha que também não é responsável pelos erros que o transportador contratado pela demandante alegadamente cometeu. Além disso, a Comissão observa que a demandante estava representada no local de destino pelo transportador, que tinha sido informado dos valores definitivos de toda a operação nos cinco dias subsequentes à entrega do último contentor.

Apreciação do Tribunal

39
Deve recordar‑se a título liminar que, segundo o contrato, a demandante devia fornecer 1 800 toneladas líquidas de óleo vegetal em Angola. É pacífico entre as partes que a demandante entregou 1 697 553 kg de óleo vegetal. Por conseguinte, não foram entregues 102 447 kg de óleo vegetal. Também é pacífico que a Comissão pagou o preço acordado no contrato em relação à mercadoria entregue, ou seja, o montante de 1 583 539 euros, do qual já foi deduzida a penalidade de 7 916 euros respeitante à quantidade não entregue.

40
Além disso, também está assente que, dos 102 447 kg que faltavam na entrega, 12 976 kg já estavam em falta no momento do carrregamento. Relativamente a esta quantidade de 12 976 kg, a demandante não reclama qualquer pagamento. Com efeito, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, a demandante precisou que o seu pedido de pagamento correspondia ao valor de 89 424 kg de mercadoria ao preço de 0,9375 euro por quilo, ou seja, 83 820 euros. Deste montante, a demandante deduziu, por um lado, o montante de 30 510 euros reembolsados pela sua seguradora e, por outro, acrescentou a penalidade de 7 916 euros. Por conseguinte, pediu que a Comissão seja condenada no pagamento de um montante de 61 226 euros.

41
Ora, a este respeito, deve recordar‑se que (v. n.° 28, supra), na audiência, a demandante alterou, sem para isso dar explicações, o pedido de pagamento, para que a Comissão pague apenas o preço de 44 496 kg de mercadoria (ou seja, aproximadamente, 41 715 euros) que, segundo afirma, correspondem à quantidade que a Comissão considerou estar em falta, quer dizer, relativamente à qual se verificava uma inexecução da entrega como se previa no contrato, e que não foi objecto de reembolso pela sua seguradora. No que respeita à penalidade, a demandante alterou o seu pedido inicial de reembolso da totalidade da penalidade imposta pela Comissão, afirmando que admitia que a Comissão tinha o direito de impor uma penalidade relativamente aos 12 976 kg de mercadoria que, segundo o certificado de conformidade provisório, faltavam no momento do embarque.

42
A argumentação da demandante no contexto do primeiro fundamento divide‑se essencialmente em duas partes. Em primeiro lugar, a demandante considera que cumpriu integralmente a sua obrigação de entrega de óleo, excepto no que respeita aos 12 976 kg em falta no momento do embarque da mercadoria. Considera que a Comissão deve pagar o preço de 44 496 kg de mercadoria. A este propósito, entende que não pode assumir o ónus dos riscos relativamente a esta quantidade de mercadoria pelo simples facto de a mesma ter desaparecido, conforme o relatório de 18 de Março de 1998 da Socor, L.da, dos contentores cujos selos não haviam sido violados.

43
Subsidiariamente, a demandante entende que a Comissão deve, em qualquer caso, indemnizá‑la relativamente ao preço de 44 496 kg de mercadoria, com base na responsabilidade contratual, pelo facto de a entidade de controlo, Socor, L.da, incumbida pela Comissão de supervisionar a descarga, ter considerado erradamente e sem o fundamentar que uma parte da mercadoria em falta correspondia aos contentores cujos selos estavam intactos e, desta forma, esta quantidade ter sido considerada não entregue. Este erro tornou difícil ou mesmo impossível o apuramento dos factos e das responsabilidades, de forma que a seguradora da demandante se recusou a indemnizar no que respeita a parte da mercadoria em falta e apenas cobriu a respeitante aos contentores violados.

44
No que respeita à primeira parte do primeiro fundamento, há que recordar que o artigo 1.° do Regulamento n.° 2608/97 dispõe:

«A título da ajuda alimentar comunitária, realiza‑se na Comunidade, a mobilização de óleo vegetal, tendo em vista fornecimentos aos beneficiários indicados no anexo, em conformidade com o disposto no Regulamento (CEE) n.° 2200/87 e com as condições constantes do anexo. A atribuição dos fornecimentos é efectuada por via de concurso.[...] Considera‑se que o adjudicatário tomou conhecimento da totalidade das condições gerais e especiais aplicáveis e as aceitou. Qualquer outra condição ou reserva contida na sua proposta é considerada como não escrita.»

45
Deve reconhecer‑se que resulta destas disposições que a operação de fornecimento em questão estava sujeita ao respeito pela demandante de um certo número de estipulações contratuais, entre as quais figuram as disposições dos Regulamentos n.° 2200/87 e n.° 2608/97.

46
Entre estas estipulações contratuais figura a condição de que a demandante entregará 1 800 toneladas líquidas de óleo vegetal na modalidade de entrega «livre no destino». Os termos utilizados pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2200/87 indicam claramente, numa situação de entrega «livre no destino» como no caso vertente, o momento exacto em que se transfere o ónus dos riscos das mercadorias do fornecedor para o beneficiário. Esta disposição prevê que «[o] adjudicatário suportará todos os riscos que a mercadoria pode correr, nomeadamente de perda ou de deterioração, até ao momento de ser efectivamente descarregada e entregue no armazém de destino».

47
O artigo 15.° do Regulamento n.° 2200/87 associa, pois, a transferência dos riscos que correm as mercadorias do adjudicatário para o beneficiário à colocação efectiva das mesmas à disposição, após a descarga, no interior do armazém do local de destino. Este ónus dos riscos cobre todas as perdas e deteriorações da mercadoria que possam ocorrer. Por isso, no que respeita à relação contratual entre a Comissão e a demandante, não é pertinente conhecer as razões pelas quais ocorreram as eventuais perdas de mercadorias se as mesmas ocorreram antes da colocação efectiva da mercadoria à disposição no armazém do local de destino, tal como foi acima definida.

48
No caso vertente, apesar das questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal, a demandante não pôde indicar em que momento preciso ocorreram as perdas de mercadorias. Em resposta a uma questão escrita do Tribunal, limitou‑se a indicar que, na sua opinião, a mercadoria em falta desapareceu ou no decurso do lapso de tempo entre a chegada dos contentores à proximidade dos entrepostos de destino e a respectiva descarga ou durante as operações de descarga.

49
Ora, incumbe à demandante demonstrar que as afirmações contidas no certificado definitivo de conformidade não são correctas. No caso vertente, nada prova que sejam erradas as conclusões do relatório de 18 de Maio de 1998 da Socor, L.da, no qual se baseia o certificado definitivo de conformidade, segundo as quais as caixas em falta não foram embarcadas ou desapareceram antes da colocação efectiva da mercadoria à disposição, no armazém do lugar de destino, tal como acima definida. Ora, nas duas hipóteses, a demandante era responsável pela inexecução parcial do fornecimento.

50
Com efeito, contrariamente ao que a demandante afirmou na audiência, há que reconhecer que as circunstâncias deste caso são diferentes das que estiveram na origem do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Setembro de 2001, Lecureur/Comissão (T‑26/00, Colect., p. II‑2623). Neste acórdão, o Tribunal não acolheu a interpretação segundo a qual a transferência do ónus dos riscos da mercadoria do fornecedor para o beneficiário está necessariamente ligada à emissão do certificado definitivo de conformidade, de modo que este é o único meio de prova do fornecimento. O Tribunal considerou que tal interpretação poderia, nas circunstâncias do caso então em apreciação, comprometer a execução de boa fé das obrigações contratuais em causa, subordinando o momento da transferência do ónus dos riscos à boa vontade da entidade de controlo mandatada pela Comissão e mantendo a cargo do fornecedor os riscos corridos pela mercadoria, quando dela já deixou de ter controlo (n.os 63 e 64). Naquele processo, resultava das declarações da entidade de controlo, reproduzidas na declaração definitiva de conformidade, que os furtos em litígio tinham sido cometidos, em todo o caso, após o fornecimento das mercadorias ao beneficiário (n.° 67).

51
No caso vertente, a demandante não conseguiu demonstrar que as perdas ocorreram após o fornecimento das mercadorias ao beneficiário, ou seja, num momento em que o ónus dos riscos da mercadoria já tivesse sido transferido para este último. Por consequência, tais perdas não podem ser imputadas à Comissão, sendo antes da responsabilidade da demandante, de acordo com o artigo 15.° do Regulamento n.° 2200/87.

52
Esta conclusão não é infirmada pela argumentação da demandante que pretende demonstrar que as condições da entrega foram difíceis.

53
Com efeito, resulta do relatório de 18 de Maio de 1998 da Socor, L.da que os contentores foram entregues no exterior dos diversos entrepostos em diversas quantidades entre 23 de Março de 1998 (o primeiro contentor do lote n.° 525/96) e 14 de Maio de 1998 (os últimos contentores do lote n.° 1513/95). Resulta também deste relatório que as operações de descarga foram efectuadas em vários dias ou mesmo em várias semanas. Estes elementos resultam, por outro lado, da resposta escrita da demandante à questão colocada pelo Tribunal, em particular do seu anexo I, elaborado pelo transportador e indicando o número de dias durante os quais alguns dos contentores ficaram nos entrepostos sem serem descarregados. Daí se conclui que uma parte dos contentores foi armazenada diante dos armazéns no lugar de destino e que as operações de entrega, a saber, a abertura dos contentores e o transporte das caixas de mercadoria para o interior dos armazéns, não foram efectuadas imediatamente após a respectiva chegada à proximidade dos entrepostos de destino. Nada nos autos indica que os contentores foram vigiados durante o período em que ficaram no exterior dos armazéns antes de serem abertos e entregues no interior dos mesmos.

54
Ora, dado que os contentores foram depositados no exterior dos armazéns do beneficiário, a demandante ou o transportador que a representava deviam ter providenciado para que a mercadoria fosse vigiada até ao momento em que o beneficiário tomasse conta dela. Antes dessa data, a demandante continuava a ter o controlo da mercadoria através do seu representante.

55
Com efeito, o ónus dos riscos não pode ser transferido do adjudicatário para outra pessoa. Como resulta do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2200/87, «os direitos e deveres decorrentes da adjudicação não são transmissíveis». Por isso, o facto de o transporte da mercadoria ter sido feito por uma empresa diferente da demandante não altera de modo nenhum a responsabilidade desta última quanto à obrigação de entregar a quantidade acordada por contrato no local determinado pelo Regulamento n.° 2608/97.

56
A este propósito, é irrelevante conhecer as razões do atraso nas operações de descarga e colocação à disposição efectiva da mercadoria no interior dos armazéns no local de destino dado que a demandante tinha o controlo da mercadoria e, por conseguinte, devia organizar a vigilância da mesma no decurso destas operações.

57
Com efeito, o artigo 17.° do Regulamento n.° 2200/87 precisa que «[v]ale como aceitação da mercadoria pelo beneficiário nos termos do ponto 1, ou reconhecimento do fornecimento nos termos do ponto 2, um certificado de tomada a cargo que contenha as indicações mencionadas no Anexo III, emitido nos termos fixados no presente artigo». Nos termos do n.° 1 do artigo 17.° do Regulamento n.° 2200/87, imediatamente após a mercadoria ter sido posta à disposição no estádio fixado ou acordado para o fornecimento, o adjudicatário solicitará ao beneficiário ou ao seu representante a emissão do certificado de tomada a cargo. O n.° 2 do mesmo artigo prevê que, se o beneficiário não passar o certificado de tomada a cargo, a empresa referida no artigo 10.º deste regulamento emitirá ao adjudicatário, a pedido deste último e após entrega do certificado de origem e da factura comercial referidos no n.° 1, um certificado com valor de reconhecimento do fornecimento, quando os controlos efectuados no estádio fixado para este fornecimento permitirem a emissão do certificado de conformidade referido no artigo 16.º do mesmo regulamento. Quando se trata de um fornecimento entregue porto de desembarque e entregue destino, o certificado é emitido, ainda, mediante apresentação do certificado de conformidade passado antes do embarque, bem como, consoante o caso, dos documentos referidos no n.° 6 do artigo 14.°

58
No caso vertente, o certificado definitivo de conformidade, datado de 23 de Junho de 1998, contém também o certificado que vale como reconhecimento de fornecimento, pelo qual a Socotec certificou que o beneficiário tinha tomado a seu cargo a mercadoria em 14 de Maio de 1998, data do último fornecimento nos entrepostos de destino. Neste mesmo certificado, declara‑se que a tonelagem total aceite era de 1 697 552,899 kg. Por consequência, foi certificado que a entrega não foi completa, faltando 102 447 kg de óleo vegetal no momento em que o beneficiário tomou a mercadoria a seu cargo.

59
Se a demandante entendia que tinha efectuado a descarga e entrega efectiva de certas quantidades de mercadoria nos armazéns do lugar de destino antes de 14 de Maio de 1998, data da última entrega, ela ou o seu representante poderia, nos termos do artigo 17.° do Regulamento n.° 2200/87, pedir o certificado de tomada a cargo ou o certificado que valia como reconhecimento de fornecimento, imediatamente após a colocação da mercadoria à disposição do beneficiário, no que respeita a parte da mercadoria que considerou efectivamente entregue. Ora, a demandante nem sequer alegou ter feito tal pedido.

60
Nestas condições, não pode deixar de reconhecer‑se que a demandante não provou que o ónus dos riscos da mercadoria foi transferido para o beneficiário antes de 14 de Maio de 1998, data do último fornecimento de mercadoria nos entrepostos do lugar de destino, nem que as perdas de mercadoria ocorreram após essa data.

61
Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

62
No que respeita à segunda parte do presente fundamento, que pretende seja declarada a responsabilidade contratual da Comissão, na qual a demandante afirma que a sua companhia de seguros não lhe reembolsou o sinistro total porque, de acordo com o certificado definitivo de conformidade emitido pela entidade de controlo, faltavam 44 496 kg de mercadoria em virtude duma inexecução que lhe era imputável, há que observar, antes de mais, que a demandante não demonstrou que esta afirmação era errada. Com efeito, nas conclusões do relatório da Socor, L.da de 18 de Maio de 1998, no qual cada uma das entregas foi analisada por navio, afirma‑se o seguinte:

«Além do caso dos contentores sem selo ou com o selo violado, pensamos que as faltas verificadas se devem a falta no momento da carga. Na abertura dos contentores selados, pôde constatar‑se que a carga estava perfeitamente acondicionada. Foram tiradas fotografias no momento da abertura que mostram claramente o acondicionamento. Estas fotografias foram tiradas pelos operadores do armazém A descarga dos contentores foi realizada por pessoal ao serviço dos operadores do armazém e a distância entre a porta dos contentores e a porta do armazém era de aproximadamente cinco metros. Os cartões foram retirados à mão do contentor para o armazém e empilhados.»

63
Como resulta das respostas da demandante às questões colocadas na audiência pelo Tribunal, ela não sabe em que momento preciso ocorreram as perdas de mercadorias. Apenas argumenta que, segundo o certificado provisório de conformidade, se devia considerar que foram embarcados 1 787 024 kg de mercadoria. Ora, dado que o certificado provisório de conformidade foi elaborado na fábrica de partida, esta certificação não prova que as conclusões do relatório da Socor, L.da de 18 de Maio de 1998 sejam erradas.

64
Em segundo lugar, no que respeita à argumentação da demandante de que a Socor, L.da não pôde confirmar quais as caixas que saíram de cada contentor e, por conseguinte, em que contentores faltavam as caixas, ou se alguns contentores tinham sido violados, deve observar‑se que a demandante foi representada pelo transportador, contratado por ela própria, no lugar de destino. Se a organização da descarga da mercadoria nos entrepostos de destino não era correcta, era da responsabilidade do transportador, como representante da demandante, agir de modo a evitar eventuais erros no cálculo e na descarga das várias caixas provenientes dos diferentes contentores. Esta obrigação decorre dos termos do artigo 15.° do Regulamento n.° 2200/87, que prevê que o adjudicatário suportará todos os riscos que a mercadoria pode correr, nomeadamente de perda ou de deterioração, até ao momento de ser efectivamente descarregada e entregue no armazém de destino. Com efeito, dado que os riscos em que corre a mercadoria continuam a cargo da demandante até ao momento em que a mercadoria é efectivamente descarregada e entregue no armazém no destino, a demandante ou o seu representante têm também a responsabilidade de velar pela boa execução da descarga. Esta conclusão impõe‑se também para responder aos argumentos da demandante expostos na audiência, segundo os quais é possível que os selos que foram considerados intactos tivessem sido falsificados durante o transporte da mercadoria.

65
Finalmente, a afirmação da demandante de que a sua seguradora recusara o reembolso do preço da mercadoria em falta em virtude da comunicação tardia pela Socor, L.da ao transportador da existência de falhas não tem fundamento. Resulta dos faxes anexos ao relatório da Socor, L.da de 18 de Maio de 1998 que o transportador foi informado das perdas de mercadorias. Este facto deduz‑se também dum fax datado de 22 de Maio de 1998 pelo qual o transportador respondeu aos referidos faxes. Além disso, a Socotec confirmou por fax que enviou à Comissão em 19 de Fevereiro de 1999 que o transportador e a demandante foram informados, em 14 e em 19 de Maio de 1998, respectivamente, das perdas de mercadoria.

66
Resulta do exposto que a segunda parte do primeiro fundamento também não pode ser acolhida e que o primeiro fundamento deve julgar‑se improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, baseado no facto de a Comissão ter imposto sem razão uma penalidade relativamente à mercadoria não entregue

Argumentos das partes

67
A demandante pede, pelas mesmas razões invocadas no contexto do primeiro fundamento, a redução da penalidade que lhe foi imposta pela Comissão, nos termos do artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2200/87. Considera que não se justifica que lhe seja imposta uma penalidade relativamente à mercadoria não entregue, dado que não era responsável desta falta, excepto no que respeita à quantidade de 12 976 kg que já estavam em falta no momento do embarque da mercadoria, como consta do certificado provisório de conformidade.

68
A Comissão refuta este pedido pelas razões expostas no primeiro fundamento.

Apreciação do Tribunal

69
Deve precisar‑se liminarmente que resulta dum documento da Comissão, fornecido no âmbito das medidas de organização do processo, que a penalidade foi calculada em conformidade com o artigo 22.°, n.° 3, primeiro travessão, do Regulamento n.° 2200/87, ou seja, foi fixada proporcionalmente às quantidades de mercadoria não entregues, a saber, 102 447 kg.

70
A este propósito, deve recordar‑se que o artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2200/87 prevê que «as retenções mencionadas no primeiro e terceiro travessões não são aplicadas quando os incumprimentos verificados não forem imputados ao adjudicatário e não conduzirem a uma indemnização por parte de uma seguradora».

71
No caso vertente, está assente que foram entregues 102 447 kg de mercadorias a menos do que estava previsto no contrato. No que respeita à quantidade de 12 976 kg que já estavam em falta à saída da fábrica de origem, segundo o certificado provisório de conformidade, a demandante renunciou ao seu pedido. No que respeita à quantidade de mercadorias que se perdeu antes da sua entrega efectiva nos entrepostos de destino, a demandante não está em condições de explicar estas perdas. Dado que sobre a demandante impendia o ónus dos riscos da mercadoria no momento em que se perderam, devia ter demonstrado que estas perdas não lhe eram imputáveis, o que não fez.

72
Nestas condições, o pedido da demandante que visa a redução da penalidade imposta nos termos do artigo 22.°, n.° 3, primeiro travessão, do Regulamento n.° 2200/87 também não pode ser acolhido.

73
Daí se conclui que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, que se baseia na violação do princípio da proporcionalidade na repartição dos riscos da mercadoria

Argumentos das partes

74
A demandante considera que, embora nos termos do Regulamento n.° 2608/97 e em conformidade com o artigo 15.° do Regulamento n.° 2200/87 os riscos da mercadoria sejam da sua responsabilidade até ao lugar de destino, de forma que a Comissão é legalmente estranha a qualquer vicissitude que a carga possa ter sofrido, a aplicação no caso vertente do artigo 15.° do Regulamento n.° 2200/87 viola o princípio da proporcionalidade, ao não respeitar os princípios gerais de direito reconhecidos pela grande maioria dos Estados‑Membros e nos usos do comércio internacional em matéria de repartição dos riscos da mercadoria.

75
Segundo a demandante, a Comissão agiu abusivamente e de má fé ao escolher a cláusula de entrega «livre no destino», tratando‑se dum fornecimento destinado a um país africano em guerra, no qual é difícil fazer funcionar as regras e os mecanismos do comércio internacional. Por conseguinte, a Comissão fez suportar à demandante um risco excessivo, uma vez que tanto os mecanismos previstos para garantir que a entrega se efectivaria como os mecanismos gerais que permitem aos fornecedores contrabalançar o ónus dos riscos que lhes é imposto funcionaram, no caso vertente, de modo extremamente deficiente.

76
Quanto à proporcionalidade do ónus dos riscos, a Comissão alega que se pressupõe que a demandante operou conscientemente no comércio internacional com conhecimento da situação em Angola. Acrescenta que o caso vertente não é um caso de força maior.

Apreciação do Tribunal

77
Deve reconhecer‑se que a argumentação da demandante, baseada na interpretação de que a transferência do ónus dos riscos do fornecedor para o beneficiário não se aplica no caso vertente em razão das condições excepcionais do país de entrega, não pode ser acolhida.

78
Com efeito, como afirma com razão a Comissão, a demandante é uma empresa que se pressupõe ter operado com conhecimento da situação em Angola no momento em que apresentou a sua proposta. Além disso, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2200/87 obriga expressamente o adjudicatário a subscrever um contrato de seguro adequado, cuja cobertura está descrita no artigo 14.°, n.° 3, alínea a), do mesmo regulamento. Nos termos deste artigo, o adjudicatário subscreverá uma apólice de seguro marítimo ou invocará uma apólice geral. Esta apólice, subscrita no mínimo pelo montante da proposta, cobrirá todos os riscos inerentes ao transporte e, se for caso disso, ao transbordo e à descarga, incluindo todos os casos de não entrega, as perdas e os riscos considerados excepcionais, livre de avarias particulares.

79
Pelas mesmas razões, não há qualquer violação do princípio da proporcionalidade no que respeita à repartição dos riscos no contrato. Como resulta da apreciação dos factos deste caso, a demandante estava consciente de todas as condições de adjudicação quando apresentou a sua proposta. Não resulta dos autos qualquer elemento excepcional.

80
Além disso, por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2200/87 e do anexo do Regulamento n.° 2608/97, todas as despesas se consideravam incluídas no preço da proposta. A este propósito, resulta da proposta da demandante que a mesma apresentou preços diferentes em função dos lugares de entrega. Por isso, o preço de entrega livre no destino era mais elevado, incluindo, portanto, por definição, despesas como o seguro, que se destina precisamente a cobrir as perdas sofridas em circunstâncias como as do caso vertente.

81
Nestas condições, deve também julgar‑se improcedente o terceiro fundamento.

82
Conclui‑se do exposto que a acção deve ser julgada improcedente na totalidade.


Quanto às despesas

83
Por força do disposto no artigo 87.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)
A acção é julgada improcedente.

2)
A demandante é condenada nas despesas.

Tiili

Mengozzi

Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Fevereiro de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1
Língua do processo: português.