Language of document : ECLI:EU:T:2004:76

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)
16 de Março de 2004 (1)

«Auxílios de Estado – Transportes públicos regionais por autocarro»

No processo T-157/01,

Danske Busvognmænd, estabelecida em Frederiksberg (Dinamarca), representada por P. Dalskov e N. Symes, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. Støvlbaek e D. Triantafyllou, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

recorrida,

apoiada por

Reino da Dinamarca, representado por J. Molde, na qualidade de agente, assistido por P. Biering e K. Hansen, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão SG (2001) D/287297 da Comissão, de 28 de Março de 2001 (auxílio NN 127/2000), que declara compatível com o mercado comum um auxílio concedido pelas autoridades dinamarquesa à Combus A/S sob a forma de entradas de capital efectuadas no quadro da privatização desta,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção alargada),



composto por: N. J. Forwood, presidente, J. Pirrung, P. Mengozzi, A. W. H. Meij e M. Vilaras, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de Outubro de 2003,

profere o presente



Acórdão




Matéria de facto e tramitação processual

Antecedentes do litígio

1
O mercado dinamarquês dos transportes públicos por autocarro divide‑se em dois sectores: o sector da capital e o do resto do país.

2
No que se refere à exploração dos autocarros no sector da capital, as juntas gerais e os municípios de Copenhaga e de Frederiksberg, representados no Conselho de Desenvolvimento da Capital, têm a obrigação de planificar as linhas, prever o volume de tráfico, o traçado da rede dos autocarros, as frequências horárias, as paragens de autocarro, os tipos de veículos e as tarifas, bem como de velar pela implementação de transportes públicos por meio da organização de concursos.

3
No que se refere à exploração dos transportes por autocarro fora do sector da capital, as tarefas correspondentes são assumidas pelas diferentes juntas gerais ou assembleias municipais, em cada departamento. Na medida em que estes órgãos tenham criado empresas de transportes departamentais e intermunicipais, estas têm a obrigação de velar pela execução do transporte por autocarro de acordo com os planos elaborados. Estas empresas de transportes funcionam como «sociedades de gestão» que cedem, por concurso, a empresas privadas e públicas a execução do transporte por autocarro. Estas últimas empresas ficam obrigadas a garantir o transporte de acordo com o traçado da rede, ainda que nos horários e com as tarifas fixadas pelo departamento.

4
Segundo as regras que regem os concursos, os contratos são atribuídos à «oferta economicamente mais vantajosa», sem que tenha de se ter em conta a natureza privada ou pública do proponente. As receitas que provêm da execução do transporte cabem não às empresas de transporte mas aos departamentos, os quais pagam às empresas uma remuneração sob a forma de um montante bruto por hora de transporte e por autocarro em circulação, acrescido de um suplemento. O montante desta remuneração é determinado no concurso.

5
Na prática, o preço pago pelos passageiros não cobre a totalidade dos encargos. Em 2000, as receitas provenientes da venda dos bilhetes de transporte cobriram 53% do total dos encargos.

6
A actividade relativa aos transportes públicos por autocarro era inicialmente exercida na Dinamarca por, nomeadamente, De Danske Statsbaner (Comboios da Dinamarca, a seguir «DSB»). Por uma Lei de 1995, esta actividade foi transferida para a DSB Busser A/S, que foi constituída em empresa independente mas que continuou a ser inteiramente detida pelo Estado. Por força de uma Lei de 1996, esta sociedade alterou o nome para Combus A/S (a seguir «Combus»). O objectivo da criação desta sociedade anónima foi o de gerir a actividade de transporte numa base comercial e de actuar no mercado em condições de concorrência comparáveis às das sociedades privadas de transporte por autocarro.

7
Aquando da criação da Combus, cerca de 1 600 pessoas estavam empregadas na actividade de transporte por autocarro, das quais cerca de 750 eram agentes contratados e 845 eram funcionários. Estes funcionários conservavam a sua relação laboral com o Estado, colocando‑se simultaneamente à disposição da Combus no quadro de um regime de destacamento que então foi criado de novo. Uma vez que os funcionários trabalhavam para a Combus, esta sociedade estava obrigada a indemnizar o Estado pelos vencimentos e pelas pensões que lhes pagava. Além disso, os funcionários beneficiavam de uma protecção específica para o caso de perda do emprego, que consistia no direito de receberem, durante três anos, um vencimento pela passagem à disponibilidade, a menos que a administração a que pertenciam pudesse encontrar‑lhes um outro lugar de funcionário adequado.

8
O balanço de abertura da nova sociedade anónima revelava, em 1995, uma provisão no montante de 140 milhões de coroas dinamarquesas (DKK), entregue pelo Estado dinamarquês para cobrir o encargo suplementar resultante das pensões e dos vencimentos pela passagem à disponibilidade dos funcionários destacados.

9
Por uma Lei de 1998, o Estado foi autorizado a ceder todas as acções da Combus com vista à sua privatização. Além disso, o Estado foi autorizado a efectuar despesas para proceder a um pagamento único aos cerca de 550 funcionários que trabalhavam para a Combus em 1 de Outubro de 1998 e que aceitaram renunciar ao seu estatuto de funcionário para passarem ao estatuto de agente contratado no âmbito da sociedade. Com efeito, a utilização de funcionários era mais cara do que a de agentes contratados.

10
Foi por esta razão que o Estado celebrou, em Setembro de 1998, com a Federação dos DSB, um acordo relativo às condições da passagem do estatuto de funcionário para o de agente contratado, no que se refere aos funcionários que trabalhavam para a Combus. O acordo consistia, no essencial, em dar aos funcionários a escolha, a partir de 1 de Abril de 1999, entre uma vinculação à Combus na qualidade de agente contratado ou a colocação num outro lugar adequado no âmbito dos Comboios da Dinamarca. Em compensação pela sua renúncia aos direitos decorrentes do estatuto de funcionário, aquando da passagem ao estatuto de agente contratado na Combus, os funcionários em causa exigiram uma remuneração única. O montante total das despesas relativas a esta remuneração única foi avaliado em 100 milhões de DKK. Esta quantia foi paga, em 1998, aos funcionários em causa.

11
Na sequência, o Estado decidiu, em 21 de Maio de 1999, face à situação económica crítica da Combus, aumentar o capital desta sociedade em 300 milhões de DKK.

12
Foi neste contexto que a recorrente, uma federação profissional que agrupa mais de 90% das empresas de transportes públicos regionais por autocarro da Dinamarca, se dirigiu à Comissão, por uma carta datada de 25 de Junho de 1999 e por uma queixa feita em de 11 de Novembro de 1999, para denunciar dois auxílios de Estado concedidos à Combus e a iminência de um possível terceiro auxílio. Fez nomeadamente referência à provisão de 140 milhões de DKK, constituída aquando da criação da Combus, e à quantia de 100 milhões de DKK, paga em 1998, ambas alegadamente destinadas a facilitar a passagem dos empregados públicos da empresa a um estatuto de agente contratado, quando nada garantia que tais quantias não fossem na realidade afectadas à simples exploração da Combus. Além disso, denunciou o pagamento da quantia de 300 milhões de DKK efectuado em 31 de Maio de 1999.

13
Em Novembro de 2000, a Combus foi privatizada pela cessão das suas acções à Arriva Danmark A/S (a seguir «Arriva»), sociedade que faz parte de um grupo britânico cotado na Bolsa de Londres. Por carta de 30 de Novembro de 2000, as autoridades dinamarquesas informaram a Comissão da sua intenção de conceder um novo auxílio, no montante de 171,8 milhões de DKK, à Combus, no quadro da sua cessão à Arriva.

14
O Estado dinamarquês escolheu a Arriva por adjudicação, entre várias empresas interessadas, considerando que a proposta dela era a melhor do ponto de vista económico.

15
Por decisão de 28 de Março de 2001, a Comissão, no termo de um exame preliminar, decidiu não suscitar objecções contra, por um lado, o auxílio concedido a título de compensação pelas futuras perdas da Combus relativas ao período de 2001‑2006 e, por outro, o auxílio pago a título de compensação pelas suas perdas anteriores (a seguir «decisão impugnada»).

Decisão impugnada

16
Na decisão impugnada, a Comissão começa por apresentar o mercado dos transportes públicos por autocarro na Dinamarca, cuja liberalização teve início nos anos 90, o qual se caracteriza pela presença de alguns grandes operadores e de um grande número de pequenos operadores locais, tendo a Combus sido a única empresa a operar em todo o território dinamarquês, onde tinha uma parte de mercado de 33% no ano de 2000.

17
Quanto à situação da Combus, a Comissão indica que a maior parte dos seus motoristas beneficiaram anteriormente do estatuto de funcionário, o que representava para a Combus um encargo financeiro mais elevado do que se ela tivesse utilizado motoristas com o estatuto de agente contratado. Foi pois requerido aos motoristas da Combus que optassem pelo estatuto de agente contratado. Aos que aceitassem estas novas condições seria concedida uma bonificação pelos DSB.

18
A situação financeira da Combus degradou‑se consideravelmente a partir de 1995, por os contratos por ela obtidos no ano de 1997 se terem revelado fortemente deficitários. Em consequência, o Estado efectuou entradas de capital no montante de 300 milhões de DKK, para permitir à Combus prosseguir a sua exploração, acelerando concomitantemente o processo de cessão desta empresa. Para este efeito, procedeu‑se a um estudo de mercado que permitiu identificar vários adquirentes potenciais. Em Novembro de 2000, o Ministro dos Transportes dinamarquês assinou o contrato de cessão da Combus à Arriva, cuja oferta fora considerada como sendo financeiramente a mais interessante.

19
Na sua apreciação jurídica, a Comissão considera que os 300 milhões de DKK entregues à Combus em 1999 devem ser integralmente considerados um auxílio de Estado, por não corresponderem ao critério do investidor privado que opera em condições normais de uma economia de mercado. O mesmo se passa com a entrada suplementar de capital de 171,8 milhões de DKK concedida à Combus no quadro da sua cessão à Arriva.

20
Segundo a Comissão, o valor actual líquido deste auxílio, ponderado por uma taxa de actualização de 6%, eleva‑se a [Z]  (2) de DKK: [X] de DKK podem ser considerados um auxílio na acepção do artigo 73.° CE, enquanto [Y] de DKK podem ser equiparados a um auxílio de Estado que deve ser apreciado à luz do Regulamento (CEE) n.° 1191/69 do Conselho, de 26 de Junho de 1969, relativo à acção dos Estados‑Membros em matéria de obrigações inerentes à noção de serviço público no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 156, p. 1; EE 08 F1 p. 131), na versão alterada pelo Regulamento (CEE) n.° 1893/91 do Conselho, de 20 de Junho de 1991 (JO L 169, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1191/69»).

21
No que se refere aos [Y] de DKK, destinados a cobrir as perdas futuras imputáveis aos contratos de transporte celebrados pela Combus, a Comissão recorda que, no regime dinamarquês normal das compensações, as colectividades locais celebram, na sequência de concursos, contratos com as empresas de transportes por autocarro, para exploração de determinadas linhas. As colectividades locais pagam à empresa de transportes a quantia convencionada, fixam as tarifas e encaixam as receitas provenientes da venda de bilhetes.

22
A Comissão considera que este modo de proceder está em conformidade com o Regulamento n.° 1191/69, na medida em que o concurso tenha em conta a obrigação de respeitar uma tarifa, a obrigação de exploração e a obrigação de transportar. Os [Y] de DKK são destinados a ser utilizados no decurso do período de 2001‑2006 para cobrir as previsíveis perdas decorrentes dos contratos em que a Arriva se substituiu à Combus. Esta quantia constitui, na realidade, um ajustamento da compensação normal que deve ser paga pelas autoridades dinamarquesas. A Comissão concluiu daqui que esta parte do auxílio é compatível com o Tratado CE.

23
No que se refere aos [X] de DKK, a Comissão averiguou se o artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e as Orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1999, C 288, p. 2, a seguir «orientações») eram aplicáveis, precisando‑se que a actividade referida no caso vertente consiste na continuação da exploração das linhas de transporte a praticar pela Combus até ao termo dos contratos de transporte, para evitar perturbações nos transportes públicos locais. A Comissão considera que todas as condições de existência de um auxílio à reestruturação estão presentes, salvo uma: a viabilidade da Combus não satisfaz estritamente as exigências das orientações, uma vez que depende em parte de outros auxílios de Estado. Segundo a Comissão, esta situação de facto pode tornar inteiramente teórica a análise efectuada em termos de um auxílio à reestruturação.

24
Na medida em que possa existir alguma dúvida, a Comissão é de opinião de que, tendo em conta as circunstâncias excepcionais do processo, esta parte do auxílio pode ser apreciada directamente à luz do artigo 73.° CE. Segundo a Comissão, o auxílio em questão permite cumprir as obrigações contratuais da Combus para com as autoridades competentes e corresponde, portanto, ao reembolso de determinadas prestações inerentes ao conceito de serviço público na acepção do artigo 73.° CE.

25
Aplicando o artigo 86.°, n.° 2, CE por analogia, a Comissão verifica que esta parte do auxílio não afecta o desenvolvimento do comércio numa medida contrária ao interesse da Comunidade. Considera que, no caso vertente, o desenvolvimento das trocas comerciais não será provavelmente afectado de modo significativo, dado que os contratos da Arriva têm uma duração limitada e que, após o seu termo, as autoridades competentes organizarão novos concursos.

26
Em conclusão, a Comissão considera que, por um lado, o pagamento da quantia de [Y] de DKK está em conformidade com o Regulamento n.° 1191/69 e que, por outro, o pagamento da quantia de [X] de DKK pode ser equiparado a um auxílio à reestruturação, compatível com o artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE ou, pelo menos, com o artigo 73.° CE, que é de aplicação directa. A Comissão declarou portanto o auxílio num montante de [Z] de DKK compatível com o Tratado CE.

27
A decisão impugnada foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 5 de Maio de 2001 (JO C 133, p. 21), por meio de um reenvio ao sítio Internet da Comissão.

28
Por carta de 8 de Maio de 2001, a Comissão informou a recorrente de que, na sequência da sua denúncia, as autoridades dinamarquesas notificaram à Comissão as entradas de capital que são objecto da decisão impugnada. Uma cópia desta decisão foi junta à referida carta. Esta foi recebida pela recorrente em 15 de Maio de 2001.

Tramitação processual

29
Por petição que deu entrada em 11 de Julho de 2001 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a recorrente interpôs o presente recurso.

30
Por despacho de 9 de Janeiro de 2002, o presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal admitiu o Reino da Dinamarca a intervir em apoio da posição da Comissão.

31
Em 27 de Março de 2002, o Reino da Dinamarca fez entrega das suas alegações de intervenção.

32
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção alargada) convidou a Comissão e o Reino da Dinamarca a entregarem determinados documentos. Tais documentos foram entregues no prazo fixado.

33
Por articulado de 24 de Fevereiro de 2003, a recorrente apresentou as suas observações sobre as alegações de intervenção do Reino da Dinamarca e sobre os documentos produzidos.

34
Com base no relatório preliminar do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e formular determinadas questões às partes. Estas deram as suas respostas no prazo fixado. Nessa ocasião, a Comissão e o Reino da Dinamarca tomaram posição sobre o articulado da recorrente de 24 de Fevereiro de 2003.

35
Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas oralmente formuladas pelo Tribunal na audiência pública de 21 de Outubro de 2003.


Pedidos das partes

36
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

a título principal, anular a decisão impugnada;

a título subsidiário, anular a decisão impugnada na medida em que autoriza a parte do auxílio de Estado pago à Combus em 31 de Maio de 1999;

condenar a Comissão nas despesas.

37
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso, por improcedente;

condenar a recorrente nas despesas.

38
O Reino da Dinamarca adere à posição da Comissão.


Quanto à admissibilidade e quanto ao âmbito do recurso

39
A Comissão põe em dúvida a legitimidade activa da recorrente. A este respeito, basta recordar que a recorrente, enquanto federação profissional que representa os interesses da maioria das empresas de transportes por autocarro dinamarquesas, se dirigiu à Comissão, em 25 de Junho e 11 de Novembro de 1999, para denunciar a existência dos auxílios de Estado referidos no presente processo, o que fez por aplicação do artigo 2.°, n.° 1, dos seus estatutos, que a encarregam da defesa dos interesses nacionais e internacionais dos seus membros. Por carta de 8 de Maio de 2001, a Comissão respondeu‑lhe: «[n]a sequência da vossa denúncia [...], as entradas de capital efectuadas em 1999 foram notificadas como auxílio de Estado» (As a result of your complaint […] the capital injections made in 1999 were notified as a State aid). A esta carta foi junta uma cópia da decisão impugnada. Além disso, tal decisão foi adoptada pela Comissão no termo de um exame preliminar, isto é, sem abertura do procedimento formal de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.

40
Nestas circunstâncias, a recorrente – na sua qualidade de denunciante que, além disso, influenciou o desenrolar do procedimento administrativo decorrido na Comissão e relativamente à qual pelo menos algumas empresas nela filiadas se encontravam em situação concorrencial no que se refere à sociedade beneficiária dos auxílios contestados – beneficia das garantias processuais previstas no artigo 88.°, n.° 2, CE. Ora, o respeito destas garantias só pode ser obtido se a recorrente tiver a possibilidade de contestar a decisão impugnada no tribunal comunitário ao abrigo do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.os 40, 41 e 47, e jurisprudência aí citada). Em consequência, o presente recurso deve ser julgado admissível.

41
No que se refere ao âmbito do presente recurso, há que rejeitar a tese defendida na audiência pelo Governo dinamarquês, segundo a qual o controlo do Tribunal deveria ser reduzido à questão de saber se a Comissão deveria ter aberto o procedimento formal de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE. Com efeito, embora a recorrente acuse a Comissão de não ter aberto este procedimento, ela aduz fundamentos suplementares assentes, nomeadamente, na violação de outros princípios e disposições do direito comunitário. Ora, dado que o presente recurso serve os interesses da recorrente e os dos seus membros que se encontravam numa situação concorrencial relativamente à Combus, é permitido à recorrente invocar qualquer dos fundamentos de ilegalidade enumerados no artigo 230.°, segundo parágrafo, CE, na medida em que visem a anulação total ou parcial da decisão impugnada (v., neste sentido e ainda que tenha sido objecto de recurso, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2002, Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum/Comissão, T‑114/00, Colect., p. II‑5121, n.° 78), sem estar limitada a invocar a violação dos direitos processuais previstos no artigo 82, n.° 2, CE.

42
Daqui resulta que este Tribunal não está, em princípio, limitado quanto ao exame dos fundamentos aduzidos pela recorrente no quadro do presente recurso.


Quanto ao mérito

43
A recorrente aduz dez fundamentos de anulação, dirigidos quer contra a autorização de uma ou de outra das medidas financeiras denunciadas quer contra a decisão impugnada na totalidade. Nas circunstâncias do presente caso, há que examinar as diferentes medidas financeiras adoptadas pelas autoridades dinamarquesas por ordem cronológica, tal como foram autorizadas pela decisão impugnada.

Quanto ao auxílio no montante de 140 milhões de DKK, destinado a cobrir os encargos especiais relacionados com o estatuto de funcionário dos trabalhadores da Combus

44
Há que recordar que a recorrente denunciou, na sua carta de 25 de Junho de 1999 e na sua denúncia de 11 de Novembro do mesmo ano, a provisão de 140 milhões de DKK que se contém no balanço de abertura da Combus, por ser susceptível de constituir um auxílio de Estado ilegal. Em consequência, a Comissão estava, em princípio, obrigada a proceder a uma investigação diligente e imparcial das acusações aduzidas pela recorrente e, no caso de concluir pela inexistência de um auxílio de Estado, a expor à recorrente as razões pelas quais os elementos de facto e de direito invocados não bastavam para demonstrar a existência de um auxílio de Estado, sem no entanto ter de tomar posição sobre elementos manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários (acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.os 62 e 64). Ora, é um facto que nem a decisão impugnada nem a carta de 8 de Maio de 2001 que a transmitiu tomam posição sobre a qualificação jurídica desta provisão de 140 milhões de DKK.

45
Há no entanto que verificar se a acusação relativa à provisão de 140 milhões de DKK foi validamente deduzida na própria petição. Com efeito, por força das disposições conjugadas do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Estas indicações devem ser suficientemente claras e precisas para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, eventualmente sem outras informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça é necessário, para que um fundamento seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que este se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição (v. despacho do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Julho de 2000, RJB Mining/Comissão, T‑110/98, Colect., p. II‑2971, n.° 23, e jurisprudência aí citada; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Abril de 2003, Travelex Global and Financial Services e Interpayment Services/Comissão, T‑195/00, ainda não publicado na Colectânea, n.° 26).

46
Ora, a análise da petição revela que a provisão de cerca de 140 milhões de DKK é mencionada uma única vez, e não sob a forma de acusação mas em termos puramente narrativos. Com efeito, apenas se refere que, aquando da constituição da Combus, foi constituída uma provisão no balanço de abertura destinada a cobrir pelo menos uma parte dos encargos especiais incidentes sobre esta empresa e relativos ao facto de ela dever continuar a empregar funcionários. A problemática dos antigos funcionários da Combus foi abordada apenas sob o aspecto da indemnização, no montante de 100 milhões de DKK, tendo‑se a recorrente limitado a censurar a Comissão por esta não ter examinado tal auxílio e ter limitado o seu exame aos auxílios no montante de 300 milhões e 171,8 milhões de DKK.

47
Mostra‑se, portanto, que a petição não comporta qualquer acusação especificamente dirigida contra a provisão de 140 milhões de DKK. Ora, para declarar um fundamento admissível não basta que documentos juntos à petição a ele façam referência. Com efeito, segundo a jurisprudência acima referida, o fundamento deve resultar do texto da própria petição.

48
A argumentação detalhada que foi desenvolvida pela primeira vez na réplica a propósito de várias fracções da provisão de 140 milhões de DKK pode, no entanto, ser admissível se constituir a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, directa ou indirectamente, na petição inicial e se apresentar um nexo estreito com este (despacho RJB Mining/Comissão, já referido, n.° 24, e jurisprudência aí citada), a saber, no caso vertente, com o fundamento relativo à indemnização de 100 milhões de DKK destinada a financiar o abandono do estatuto de funcionário dos trabalhadores da Combus. A indemnização de 100 milhões de DKK, tal como denunciada na petição, não apresenta, contudo, um nexo estreito com a provisão de 140 milhões de DKK. Com efeito, estas duas medidas financeiras do Estado dinamarquês comportam diferenças fundamentais.

49
A este respeito, é forçoso constatar que a provisão de 140 milhões de DKK constava do balanço de abertura da Combus em 1 de Janeiro de 1995 e se destinava a cobrir os encargos financeiros resultantes do destacamento para a Combus de 845 funcionários que conservavam a sua relação laboral com o Estado, ainda que ficando à disposição da Combus. Uma vez que estes funcionários trabalhavam para a Combus, esta estava obrigada a indemnizar o Estado pelos vencimentos e pelas pensões que lhes pagava. Em contrapartida, a indemnização de 100 milhões de DKK foi, por um lado, concedida em 1998, directamente aos funcionários em causa e não à Combus, e destinava‑se, por outro, a compensar os inconvenientes financeiros que iriam sofrer os empregados que aceitassem abandonar o seu estatuto de funcionário a favor do estatuto de agente contratado.

50
Daqui resulta que o fundamento, suscitado na réplica, contra a provisão de 140 milhões de DKK deve ser qualificado de fundamento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo. Na medida em que este fundamento não assenta em elementos que se tenham revelado durante o processo, na sequência das medidas de organização do processo decididas pelo Tribunal, deve ser declarado inadmissível.

51
Em consequência, a decisão impugnada não pode ser anulada, no quadro do presente processo, com o fundamento de a Comissão se ter abstido de examinar a provisão constituída a favor da Combus, no montante de 140 milhões de DKK. O pedido de anulação da decisão impugnada deve, portanto, ser rejeitado na parte em que diz respeito a esta provisão.

Quanto ao auxílio no montante de 100 milhões de DKK, destinado a financiar o abandono do estatuto de funcionário dos empregados da Combus a favor de um estatuto de agente contratado

52
Na sua petição, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro ao não examinar, na decisão impugnada, o pagamento à Combus da quantia de 100 milhões de DKK, destinada a financiar o abandono do estatuto de funcionário dos seus trabalhadores a favor de um estatuto de agente contratado, e ao não concluir que tal modificação de estatuto implicava um elemento de auxílio de Estado. Segundo a recorrente, a vantagem concedida à Combus deve ser avaliada entre 10 e 15 milhões de DKK por ano.

53
Na réplica, a recorrente acrescenta que o facto de a Combus ter estado sujeita, aquando da sua criação, a obrigações especiais relativamente a funcionários postos à sua disposição pelo Estado foi compensado pelo pagamento da provisão de 140 milhões de DKK atrás referida. Ora, na sequência do pagamento dos 100 milhões de DKK, a Combus ficou exonerada das obrigações para cujo cumprimento havia recebido uma contrapartida. A Combus utilizou, pois, irregularmente 21,3 milhões de DKK, do total de 140 milhões de DKK, para fins diferentes daqueles que estavam previstos. Em razão do montante total de 100 milhões de DKK concedido pelo Estado dinamarquês, a Combus beneficiou de um auxílio indirecto no montante mínimo de 12,7 milhões de DKK.

54
A este respeito, há que recordar que a recorrente convidara a Comissão, na sua carta de 25 de Junho de 1999 e na sua denúncia de 11 de Novembro de 1999, a examinar a compatibilidade do pagamento da quantia de 100 milhões de DKK com as disposições do artigo 87.° CE. Nestas circunstâncias, a Comissão estava, em princípio, obrigada a proceder a um exame diligente e imparcial deste convite e, se considerasse que o pagamento desta quantia não constituía um auxílio de Estado, a expor à recorrente as razões pelas quais os elementos de direito e de facto invocados não eram suficientes para demonstrar a existência de um auxílio de Estado, sem no entanto ter de tomar posição sobre elementos manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários (v. n.° 44, supra).

55
No que se refere a saber se, na decisão impugnada, a Comissão se pronunciou suficientemente sobre a questão suscitada pela recorrente, há que constatar que a apreciação jurídica da Comissão (v. ponto 3 da decisão impugnada) apenas incide sobre os auxílios que se elevaram a, respectivamente, 300 milhões e 171,8 milhões de DKK, sem fazer referência ao auxílio no montante de 100 milhões de DKK. A problemática da mudança de estatuto dos empregados da Combus só é mencionada no ponto 2.2 da decisão impugnada (sob os títulos «apresentação da questão» e «Combus A/S»), no qual a Comissão se limita a indicar que aos empregados da Combus que tinham aceitado as novas condições fora concedida uma bonificação.

56
O Tribunal considera que esta última indicação, colocada no contexto da decisão impugnada, deve ser interpretada no sentido de que, na opinião da Comissão, os beneficiários do pagamento em causa eram apenas os empregados da Combus que tinham optado pelo estatuto de agente contratado, e que este pagamento não constituía um auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, a favor da Combus.

57
Ora, esta conclusão era manifestamente correcta, dado que a medida em questão se destinava a substituir o estatuto privilegiado e dispendioso dos funcionários que trabalhavam para a Combus por um estatuto de agente contratado comparável aos dos empregados de outras empresas de transportes por autocarro que estavam em concorrência com a Combus. Tratava‑se, portanto, de libertar a Combus de uma desvantagem estrutural relativamente aos seus concorrentes privados. Ora, o artigo 87.°, n.° 1, CE tem por único objecto impedir vantagens que favoreçam certas empresas, uma vez que o conceito de auxílio abrange apenas intervenções que aliviam os encargos que normalmente agravam o orçamento de uma empresa e que devem ser considerados uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 357, n.° 26; de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, Colect., p. I‑877, n.os 12 e 13, e de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, ainda não publicado na Colectânea, n.° 84, e jurisprudência aí citada). Além disso, o Estado dinamarquês teria podido, em vez de pagar a quantia de 100 milhões de DKK directamente aos funcionários que trabalhavam para a Combus, obter o mesmo resultado através da readmissão dos referidos funcionários na Administração Pública, sem pagamento de uma bonificação específica, o que teria permitido à Combus empregar imediatamente agentes contratados sujeitos a um estatuto de direito privado.

58
Tendo em conta a natureza manifesta desta qualificação jurídica, a Comissão não estava obrigada a fazer incluir na decisão impugnada uma fundamentação específica sobre a questão do pagamento da quantia de 100 milhões de DKK. De qualquer modo, a recorrente não comprovou validamente, na sua petição, que o pagamento desta quantia devia ser considerado um auxílio de Estado ilegal concedido à Combus.

59
No que respeita à acusação assente numa utilização irregular, pela Combus, de 21,3 milhões de DKK, que lhe teria proporcionado um auxílio de 12,7 milhões de DKK no mínimo, basta recordar que foi pela primeira vez feita na réplica e que se destina a relacionar a utilização de 100 milhões de DKK com a provisão de 140 milhões de DKK. Em consequência, a apresentação desta acusação deve ser considerada tardia, face ao artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, e a acusação deve ser julgada inadmissível (v. n.° 50, supra).

60
Daqui resulta que a decisão impugnada não pode ser anulada no quadro do presente processo pelo motivo de a Comissão se ter abstido de considerar que o pagamento da indemnização de 100 milhões de DKK implicava um elemento de auxílio de Estado a favor da Combus. O pedido de anulação da decisão impugnada deve, portanto, ser rejeitado, na parte em que diz respeito ao pagamento desta indemnização.

Quanto ao auxílio no montante de [Y] de DKK, destinado a cobrir as perdas futuras da Combus

61
A recorrente aduz vários fundamentos contra o auxílio no montante de [Y] de DKK, destinado a cobrir as perdas futuras da Combus, dos quais consta um fundamento assente na aplicação errada do Regulamento n.° 1191/69.

Argumentos das partes

62
A recorrente sustenta que a Combus executava não um serviço público mas missões de transporte com base em contratos de direito civil. Nenhuma obrigação de serviço público na acepção do Regulamento n.° 1191/69 estava imposta à Combus. As obrigações de serviço público correspondentes recaíam sobre as autoridades públicas encarregadas do transporte, que podiam seguidamente fazê‑las repercutir sobre qualquer empresa. O preço pago por estas autoridades à Combus, pelas prestações que esta garante, resulta dos contratos celebrados. Este preço deveria normalmente garantir receitas suficientes para a empresa.

63
A este respeito, a recorrente precisa que o transporte efectuado pelas empresas de autocarros não é financiado pelos bilhetes pagos pelos passageiros pelo transporte. As quantias pagas por estes entram nos cofres das autoridades públicas encarregadas do transporte e não nos das empresas de autocarros. A empresa de autocarros tem um único co‑contraente: a autoridade pública encarregada do transporte. Não há pois uma obrigação tarifária na acepção do Regulamento n.° 1191/69, uma vez que a empresa de autocarros se limita a arrecadar o preço dos bilhetes e entregá‑lo à autoridade pública encarregada do transporte. Além disso, o contrato de transporte é celebrado não entre o passageiro e a empresa de autocarros mas entre o passageiro e esta autoridade. Em consequência, o Estado dinamarquês paga subvenções não às empresas de autocarros mas às autoridades públicas encarregadas do transporte e, portanto, aos passageiros.

64
As autoridades dinamarquesas decidiram que o preço pago pelos utentes dos transportes públicos não tem de representar o custo real deles, pelo que uma parte das despesas das empresas de autocarros é financiada pelos contribuintes dinamarqueses. Neste ponto, não há qualquer diferença relativamente aos casos em que uma autoridade pública adquire um bem ou um serviço em condições de mercado.

65
A recorrente acrescenta que não estava de modo algum em questão que o Governo dinamarquês garantisse o equilíbrio financeiro da Combus no período de 2001‑2006, a título de compensação das despesas inerentes a uma obrigação de serviço público. O governo concedeu o auxílio de 300 milhões de DKK sobretudo com o fim de evitar uma paralisia dos transportes públicos por autocarro, em detrimento dos passageiros, das autoridades públicas encarregadas dos transportes e dos empregados da Combus e com o fim de cobrir os contratos deficitários da empresa. A este respeito, a recorrente recorda que a Combus seguiu uma política de crescimento aberrante, nomeadamente participando em grande número de concursos com propostas de preços demasiado baixas e procedendo à aquisição de outras empresas.

66
Segundo a recorrente, o auxílio de Estado concedido em Abril de 2001, no montante de 171,8 milhões de DKK, também não tinha por objectivo cobrir as perdas futuras atinentes aos contratos da Combus relativos ao período de 2001‑2006. Com efeito, as provisões constituídas nas contas anuais da Combus quanto aos contratos deficitários de 1999 até ao seu termo teriam sido suficientes. Assim, quando fechou as contas relativas ao ano de 2000, a nova direcção nomeada pela Arriva após a aquisição da Combus não considerou necessário constituir outras provisões.

67
A Comissão responde que o financiamento público da Combus no montante de [Y] de DKK está coberto pelo Regulamento n.° 1191/69. Com efeito, a Combus garante um serviço de transportes que abarca obrigações de serviço público financiadas pelas compensações convencionadas. Isto não significa que a Combus seja o único operador ao qual este regulamento se aplica. A tese da recorrente de que o regulamento se aplica apenas às entidades públicas responsáveis pela organização dos serviços públicos de transporte e não às próprias empresas de autocarros assenta numa interpretação errada do regulamento. Este destina‑se a facilitar o financiamento das empresas de autocarros pela concessão de compensações correspondentes à obrigação de serviço público delas. A existência de organismos intermediários entre o Estado e a Combus não priva a Combus da sua qualidade de concessionária de um serviço público.

68
A Comissão precisa que uma missão de interesse económico geral (serviço público) pode ser confiada a uma empresa tanto por via unilateral como por via contratual (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1997, Comissão/França, C‑159/94, Colect., p. I‑5815, n.os 65 e segs.), o que é confirmado pelo Regulamento n.° 1191/69, que contém toda uma secção (secção V) relativa aos contratos de fornecimento de serviços públicos. O artigo 1.°, n.° 4, deste regulamento determina, a propósito desta secção, que os Estados‑Membros podem celebrar contratos expressamente qualificados de contratos de fornecimento de serviços públicos para «garantir a existência de serviços de transportes suficientes».

69
No que se refere à decisão impugnada, a Comissão e o Governo dinamarquês recordam que ela declara, com razão, que são as autoridades dinamarquesas que determinam, aos níveis departamental e municipal, as linhas, os horários e as tarifas praticadas pelas empresas de autocarros e, nomeadamente, as linhas que estas empresas devem explorar para garantir serviços de transportes suficientes. A finalidade dos concursos organizados para este efeito é a de obter as prestações necessárias ao melhor preço e de encontrar o operador que precise de um auxílio financeiro mais reduzido. No caso vertente, o financiamento da Combus veio pois acrescer ao proposto pela Combus em resposta aos concursos.

70
A regulamentação dinamarquesa pertinente, que data do ano de 1995, impõe às autoridades regionais uma obrigação de serviço público que consiste em elaborar, através das empresas de transportes departamentais e intermunicipais, planos relativos ao volume e à previsão do tráfego, bem como a fixar as tarifas e o sistema de venda dos títulos de transporte. Estas empresas de transportes podem escolher entre efectuar elas próprias o transporte – o que nunca foi o caso – ou confiar esta tarefa a empresas de autocarros como a Combus. A obrigação de serviço público que incumbe à Combus decorre, pois, dos contratos que esta sociedade celebrou com os poderes públicos e com as empresas de transportes.

71
Na medida em que a recorrente equipara as autoridades públicas a transportadores que «subcontratam» as suas obrigações às empresas de autocarros, a Comissão sublinha que a responsabilidade das autoridades públicas pela organização dos transportes depende da organização interna de cada Estado, ao passo que a execução efectiva da actividade de transporte por empresas que englobam meios de transporte e de pessoal é uma coisa diferente. Ora, a responsabilidade das autoridades públicas na execução dos serviços de transportes é de natureza diferente da das empresas que executam efectivamente os transportes. De qualquer modo, mesmo que haja uma «subcontratação» dos serviços de transportes, isso não implica que os subcontratantes não tenham obrigações de serviço público a cumprir.

72
A Comissão conclui que é em razão das compensações concedidas pelas autoridades públicas a operadores como a Combus, incontestavelmente superiores às receitas produzidas pela venda de bilhetes, que se trata de obrigações de serviço público e, portanto, de obrigações que as empresas de autocarros não assumiriam na mesma medida se considerassem o seu próprio interesse comercial. As prestações de serviço público distinguem‑se, assim, das actividades puramente comerciais.

Apreciação do Tribunal

73
Há que recordar que a Comissão considera, na decisão impugnada (ponto 3.7), que o pagamento da quantia de [Y] de DKK constituía uma compensação pelas perdas futuras ligadas às obrigações de serviço público no período de 2001‑2006 e dava, portanto, satisfação ao Regulamento n.° 1191/69. A Comissão considera, nomeadamente, que o regime contratual dinamarquês está em conformidade com o regulamento, na medida em que o concurso organizado pelas colectividades locais «tem simultaneamente em consideração factores, custos e receitas da obrigação tarifária, da obrigação de explorar e da obrigação de transportar, na acepção dos artigos 10.° a 13.° do regulamento». Segundo ela, este regime «dá ainda satisfação às prescrições do artigo 14.° do Regulamento [n.° 1191/69] relativas aos contratos de fornecimento de serviços públicos». O pagamento da quantia de [Y] de DKK constitui, de facto, «um ajustamento da compensação normal que a Dinamarca deve pagar». O auxílio dá ainda satisfação às prescrições do Regulamento n.° 1191/69 «na medida em que tem em conta a amplitude das restrições económicas ligadas às obrigações de serviço público» [v. ponto 3.2 da decisão impugnada]. A Comissão conclui daqui que o auxílio concedido para a exploração das linhas de autocarros da Combus durante o período de 2001‑2006 é compatível com o Tratado CE.

74
Esta posição da Comissão não resiste a análise.

75
Com efeito, há que começar por observar que o artigo 2.° do Regulamento n.° 1191/69 define, no seu n.° 1, as «obrigações de serviço público» como «obrigações que a empresa de transportes, se considerasse os seus próprios interesses comerciais, não assumiria ou não teria assumido na mesma medida ou nas mesmas condições», e precisa, no seu n.° 2, que as obrigações de serviço público, na acepção do n.° 1, compreendem «a obrigação de explorar, a obrigação de transportar e a obrigação tarifária». Neste contexto, os artigos 10.° e 11.°, constantes da secção IV deste regulamento, prevêem «métodos comuns de compensação» no caso de uma obrigação de explorar ou de transportar e no caso de uma obrigação tarifária.

76
É forçoso realçar que o regime dinamarquês de transportes públicos por autocarro e, nomeadamente, o papel que a Combus teve na implementação desse regime não estão cobertos pelas referidas disposições do Regulamento n.° 1191/69.

77
Com efeito, a redacção do artigo 1.° do Regulamento n.° 1191/69 introduz uma distinção nítida entre as «obrigações inerentes à noção de serviço público» que as autoridades competentes deverão eliminar (n.° 3) e os «serviços de transportes» que essas autoridades podem garantir através de «contratos de fornecimento de serviços públicos» (n.° 4), precisando que as mesmas autoridades podem «todavia […] manter ou impor as obrigações de serviço público a que se refere o artigo 2.°» (n.° 5). É unicamente neste último caso que há que aplicar os métodos comuns de compensação previstos, designadamente, na secção IV do Regulamento n.° 1191/69, isto é, nos seus artigos 10.° a 13.° A este respeito, se a versão alemã do artigo 1.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1191/69 autoriza as autoridades competentes a celebrar contratos relativos a serviços de transporte «com base em obrigações de serviço público», trata‑se de um erro de redacção manifesto, contrário ao novo regime contratual, pois que tal menção não figura em qualquer das outras versões linguísticas.

78
Quanto ao artigo 14.° do Regulamento n.° 1191/69, ele define o «contrato de fornecimento de serviço público» como um contrato celebrado com o objectivo fornecer ao público serviços de transportes suficientes, devendo tal contrato prever, para além da sua duração, todos os detalhes do serviço de transportes, incluindo «[o] preço das prestações […] que pode constituir um complemento das receitas tarifárias ou incluir as receitas, bem como as regras das relações financeiras entre as partes» [artigo 14.°, n.° 1, e n.° 2, alínea b)]. Este regime puramente contratual não prevê, portanto, nem uma compensação pelo cumprimento de uma missão imposta nem a obrigação de serviço público na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 1191/69.

79
O artigo 14.°, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1191/69 precisa a este respeito que, se uma empresa tem a intenção de pôr termo a um serviço de transportes não abrangido pelo regime de contrato «ou» da obrigação de serviço público, as autoridades competentes podem impor a manutenção do serviço em questão, caso em que os encargos decorrentes dessa obrigação serão «compensados segundo os métodos comuns enunciados nas secções II, III e IV». Daqui resulta necessariamente que as relações contratuais estabelecidas na sequência de um processo de concurso entre a empresa de transportes e a autoridade competente comportam, por força do artigo 14.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1191/69, um regime de financiamento específico que não deixa nenhum lugar a compensações segundo os métodos enunciados nas secções II, III e IV deste regulamento.

80
No caso vertente, as obrigações de explorar, de transportar e de receber as tarifas fixadas não foram unilateralmente impostas à Combus e esta não estava obrigada a efectuar as missões de transporte em condições não rentáveis, contrárias ao seu interesse comercial. Pelo contrário, a Combus assumiu voluntariamente estas obrigações após ter ganho concursos que não previam qualquer subvenção estatal e nos quais ela era livre, em função dos seus interesses económicos, de participar ou não. As prestações de transporte fornecidas pela Combus foram remuneradas pelo preço que ela própria propusera nas propostas que apresentara nos concursos e que retomara nos contratos celebrados na sequência destes. Não pode, pois, concluir‑se que a Combus teve de suportar obrigações de serviço público na acepção do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1191/69.

81
As obrigações recíprocas da Combus e da autoridade competente estavam integralmente determinadas pelos contratos para esse efeito celebrados. Assim, a Combus tinha direito ao pagamento do preço contratual que ela própria indicara na sua proposta, em contrapartida do qual estava obrigada, pelo período de duração desses contratos, a fornecer as prestações de exploração, de transporte e de recebimento das tarifas fixadas pela autoridade competente, e ainda de entregar a esta última as receitas provenientes da venda dos bilhetes. Em especial, a Combus não devia suportar qualquer risco tarifário pelo facto de o preço contratual não ser afectado por eventuais alterações do número dos passageiros ou das receitas provenientes da venda dos bilhetes. No quadro deste regime contratual, a Combus não devia, portanto, ter recebido uma compensação para além da remuneração convencionada.

82
Contrariamente ao que sustenta a Comissão, não foi portanto em razão das «compensações» concedidas pelas autoridades públicas, superiores às receitas decorrentes da venda dos bilhetes, que a Combus realmente assumiu obrigações de serviço público. Com efeito, a Combus apenas obteve a remuneração financeira prevista nos contratos de transporte que ela voluntariamente celebrou com as autoridades competentes após ter ganho os concursos.

83
A decisão impugnada está pois inquinada de erro, na medida em que considera o pagamento da quantia de [Y] de DKK uma compensação por obrigações de serviço público na acepção dos artigos 2.° e 10.° a 13.° do Regulamento n.° 1191/69.

84
De qualquer modo, mesmo que se pudesse considerar que a Combus, no exercício das suas missões de transporte, estava sujeita a obrigações de serviço público – por tais missões revestirem, do ponto de vista dos utilizadores, «um interesse económico geral que apresenta características específicas em relação ao que revestem outras actividades económicas» (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1998, Corsica Ferries France, C‑266/96, Colect., p. I‑3949, n.° 45) –, o pagamento da quantia de [Y] de DKK autorizado pela decisão impugnada não estaria em conformidade com as disposições pertinentes do Regulamento n.° 1191/69.

85
A este respeito, há que recordar que o Regulamento n.° 1191/69 autoriza as autoridades competentes nacionais a adoptarem, no domínio dos transportes rodoviários, todas as medidas abrangidas por este regulamento, incluindo as medidas de financiamento necessárias para esse efeito, e que o seu artigo 17.°, n.° 2, as dispensa mesmo do dever de notificação prévia previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE. O Regulamento n.° 1191/69 introduz, pois, uma derrogação sectorial à proibição dos auxílios de Estado, cujo princípio é consagrado no artigo 87.°, n.° 1, CE, e não deixa à Comissão qualquer margem de apreciação quanto à autorização dos auxílios abrangidos por essa derrogação. Daqui resulta que este regulamento instaura um regime de autorização particularmente favorável que exige, em consequência, uma interpretação restritiva (v., por analogia, acórdão Comissão/França, já referido, n.° 53, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 1999, Freistaat Sachsen e o./Comissão, T‑132/96 e T‑142/96, Colect., p. II‑3663, n.° 132, relativos aos artigos 86.°, n.° 2, e 87.ᄚ, n.° 2, CE).

86
Este regime de autorização particularmente favorável deve, pois, ser limitado aos auxílios que são directa e exclusivamente necessários ao cumprimento do serviço público de transportes enquanto tal, com exclusão das subvenções destinadas a cobrir os défices causados à empresa de transportes por autocarro por circunstâncias alheias à sua missão de transporte, tais como as consequências de uma má gestão financeira geral que não seja inerente ao sector dos transportes. O financiamento público destes últimos défices não especificamente sectoriais só pode ser autorizado por aplicação das disposições gerais do artigo 87.°, n.os 2 e 3, CE.

87
Ora, deve entender‑se que as perdas acumuladas pela Combus não foram directa e exclusivamente ocasionadas pelo serviço de transportes enquanto tal, antes resultando essencialmente da gestão geral da empresa, nomeadamente da apresentação de propostas de preço demasiado baixas com o fim de ganhar os concursos.

88
Há que acrescentar que os contratos que a Combus celebrou com as autoridades competentes na sequência dos concursos previam já uma remuneração – indicada pela própria Combus nas suas propostas – que era, em princípio, suficiente para o fornecimento do serviço de transportes, sem que ela tivesse de receber uma compensação estatal. Por força do regime contratual instaurado pelo Regulamento n.° 1893/91, que modificou as disposições do Regulamento n.° 1191/69, havia pois que fazer referência a estes contratos, únicos elementos de conexão válidos, para determinar os pagamentos susceptíveis de serem autorizados como financiamento do serviço de transportes por autocarro. Para este efeito, o artigo 14.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1191/69 prevê explicitamente a possibilidade de introduzir nos referidos contratos cláusulas adicionais e modificações «nomeadamente para atender a modificações imprevisíveis».

89
Ora, a decisão impugnada, longe de fazer referência a tais modificações imprevisíveis no caso da Combus e de analisar as perdas causadas pelos contratos de transporte individuais, refere‑se à situação financeira global da Combus (v. o quadro 7 que consta do ponto 3.1 da decisão impugnada) e enumera vários montantes repartidos entre os anos de 1998 a 2008 (auxílios de Estado, anulação de dívidas, encargos de reestruturação, investimentos, etc.) para concluir (v. ponto 3.1 da decisão impugnada, in fine) que «o saldo, isto é [Y] de DKK (valor de 2001), é equiparado a um auxílio de Estado que há que apreciar de acordo com o Regulamento n.° 1191/69». Esta abordagem global e forfetária da Comissão é incompatível com o regime contratual, orientado para os contratos de transporte individuais, instaurado pelo artigo 14.° do referido regulamento.

90
No presente Tribunal, a Comissão invocou o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão (T‑106/95, Colect., p. II‑229, n.° 178), que admitiu a compensação dos custos suplementares provocados pelo cumprimento da missão especial que incumbe à empresa responsável pela gestão de um serviço de interesse económico geral, quando a concessão do auxílio se mostra necessária para que a empresa possa garantir as suas obrigações de serviço público em condições de equilíbrio económico. Segundo a Comissão, o auxílio aqui em causa permitiu precisamente à Combus assumir, em condições de equilíbrio económico, as obrigações de serviço público que lhe incumbiam quanto a cada uma das linhas de autocarro.

91
Esta jurisprudência não pode, no entanto, ser aplicada ao caso vertente. Com efeito, a empresa em causa no acórdão FFSA e o./Comissão, já referido, que era La Poste, executara tarefas de serviço público relativas a um sector reservado que, enquanto tal, não estava exposto à concorrência: La Poste estava obrigada a fornecer um serviço postal universal em todo o território nacional, a tarifas uniformes e em condições de qualidade similares, independentemente das situações particulares e do grau de rentabilidade económica de cada operação individual. Para este fim, La Poste tivera de se dotar de infra‑estruturas cujos custos não eram cobertos pelas tarifas, o que explicava as compensações estatais que lhe haviam sido pagas.

92
No caso vertente, em contrapartida, todas as actividades de transporte exercidas pela Combus e por todas as demais empresas de transportes por autocarro que actuavam no mercado dinamarquês dos transportes públicos rodoviários estavam abertas à concorrência; não se tratava de um sector reservado a uma única empresa cujos custos específicos resultantes do cumprimento de um serviço público devessem ser compensados a fim de eliminar a desvantagem financeira que gravava a empresa relativamente a empresas que lhe faziam concorrência noutros sectores. Todas as empresas de transportes activas neste mercado se encontravam numa mesma situação: eram livres de participar nos concursos e de propor às autoridades de transporte o preço contratual que correspondia ao seu interesse económico, estando simultaneamente obrigadas a respeitar os seus compromissos contratuais após a celebração de um contrato de transporte.

93
Esta análise não é contraditada pelo facto de a Combus dever efectivamente cumprir os contratos que a ligavam às autoridades competentes. Trata‑se de uma obrigação inerente a qualquer contrato bilateral que não pode, por si só, justificar uma compensação na forma do auxílio em causa no presente processo. Mesmo que cada contrato de que a Combus era titular implicasse a execução de um serviço público e que a Combus fosse a única empresa chamada a efectuar esse serviço nas linhas que lhe haviam sido atribuídas, não pode esquecer‑se que a Combus já tinha beneficiado, no plano contratual, da aplicação do Regulamento n.° 1191/69 à remuneração prevista nos seus contratos de serviço público.

94
Além disso, não ficou comprovado, na decisão impugnada, que só um plano de reestruturação económica da Combus era susceptível de garantir o funcionamento do regime concorrencial que prevalecia no mercado dinamarquês dos transportes públicos por autocarro. A Comissão e o Governo dinamarquês limitam‑se a afirmar que a falência da Combus teria implicado um risco importante de perturbação do serviço de transportes que esta empresa assegurava, uma vez que a retoma das actividades da Combus pelos concorrentes não se poderia fazer de um dia para o outro. Contrariamente a estas presunções e informações vagas, a recorrente indicou na sua petição, sem ser contraditada pela Comissão e pelo Governo dinamarquês, que o mercado dinamarquês de transportes por autocarro é capaz de se adaptar rapidamente aos pedidos das autoridades em matéria de transportes e que, em caso de liquidação de uma empresa adjudicatária, se pode facilmente recorrer a outras empresas até à organização de um novo concurso. Em consequência, outros operadores teriam podido garantir a execução dos contratos de transporte que incumbiam à Combus, no caso de liquidação desta.

95
Há que acrescentar que o regime dinamarquês de concursos prevê a renovação quinquenal de cada contrato de serviço público por linha de autocarro (v. ponto 2.1 da decisão impugnada). Uma vez que a renovação dos titulares de contratos é inerente a este regime, de modo algum se pode pretender que a retoma das actividades da Combus por outras empresas de autocarros, antes do termo quinquenal dos contratos da Combus, tivesse podido transtornar a execução do serviço de transportes nas linhas em causa.

96
Dado que a Comissão e o Governo dinamarquês invocam uma derrogação ao princípio da proibição de auxílios de Estado, deveriam ter comprovado que todas as condições de aplicação desta derrogação estavam reunidas. Ora, não expuseram de modo circunstanciado as razões pelas quais, em caso de falência da Combus, a efectuação do serviço de transportes nas linhas servidas por esta empresa deixaria de ser possível em condições economicamente aceitáveis (v., por analogia, acórdão Comissão/França, já referido, n.° 101).

97
Em resposta a uma questão do Tribunal, a Comissão sustentou ainda que o pagamento da quantia de [Y] de DKK preenchia as condições estipuladas no n.° 95 do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, e não podia, portanto, ser considerado um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

98
A este respeito, basta constatar que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o pagamento dos [Y] de DKK não preenche todas as condições enunciadas no referido acórdão. Com efeito, como foi exposto nos n.os 75 a 83, supra, a Combus não foi efectivamente encarregada da execução de obrigações de serviço público, como é exigido no n.° 89 do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido. De qualquer modo, não resulta da decisão impugnada, e em especial da apresentação do quadro 7 e do cálculo da quantia de [Y] de DKK (v. ponto 3.1 da decisão impugnada, in fine), que os elementos com base nos quais foi calculada a compensação em litígio tenham sido previamente estabelecidos de modo objectivo e transparente, como é exigido nos n.os 90 e 91 do referido acórdão.

99
Resulta do que precede que o fundamento assente numa aplicação errónea do Regulamento n.° 1191/69 deve ser acolhido. Em consequência, há que anular a decisão impugnada na medida em que autorizou o pagamento de uma quantia de [Y] de DKK com base nesse regulamento, sem que seja necessária pronúncia sobre os demais fundamentos aduzidos sobre este ponto

Quanto ao auxílio no montante de [X] de DKK, destinado a cobrir as perdas passadas acumuladas pela Combus

Quanto ao fundamento assente na errada aplicação do artigo 73.° CE

100
Como a recorrente fez notar, com razão, os Estados‑Membros já não estão autorizados a invocar directamente o benefício do artigo 73.° CE para além dos casos referidos no direito comunitário derivado. Com efeito, quando o Regulamento n.° 1191/69 não é aplicável e o pagamento dos [X] de DKK cai sob a alçada do artigo 87.°, n.° 1, CE, é o Regulamento n.° 1107/70 do Conselho, de 4 de Junho de 1970, relativo aos auxílios concedidos no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 130, p. 1; EE 08 F1 p. 164), que enuncia, de maneira exaustiva, as condições em que as autoridades dos Estados‑Membros podem conceder auxílios ao abrigo do artigo 73.° CE (acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, n.os 107 e 108).

101
Em consequência, há que acolher o fundamento aduzido contra a decisão impugnada na medida em que esta autoriza o pagamento dos [X] de DKK com base no artigo 73.° CE.

Quanto aos fundamentos assentes na violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e na errada aplicação das orientações

    Argumentos das partes

102
A recorrente sustenta que o auxílio concedido à Combus, no montante de [X] de DKK, não está coberto pelo artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE nem pelas orientações, na medida em que em caso algum pode ser considerado um auxílio à reestruturação. A este respeito, sublinha a ausência de um plano de reestruturação e alega que a própria Dinamarca nunca considerou que os primeiros auxílios pagos fossem susceptíveis de relevar do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE, mas concluiu que eles não se englobavam no âmbito do artigo 87.°, n.° 1, CE. Por esta razão, nenhum plano de reestruturação foi apresentado.

103
A recorrente afirma que a Combus tinha uma política de crescimento agressiva, celebrando contratos com prejuízo. Esta política esteve na origem dos seus exercícios deficitários, nomeadamente em 1998, 1999 e 2000. Os auxílios concedidos à Combus tiveram por objectivo único cobrir estas perdas e garantir a sobrevivência de uma empresa detida pelo Estado. Só podem, portanto, ser qualificados de auxílios de emergência ou ao funcionamento. Ora, o artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE não autoriza os auxílios ao funcionamento. Quanto às disposições relativas aos auxílios de emergência, não foram consideradas pertinentes na decisão impugnada. Em consequência, nenhuma base legal permite autorizá‑los.

104
Segundo a Comissão, a argumentação da recorrente é inoperante. Com efeito, a decisão impugnada fundou‑se a título principal no artigo 73.° CE, no que respeita ao auxílio relativo às perdas do passado. Assenta na ideia de que este auxílio é uma compensação para o cumprimento de uma missão de serviço público em matéria de transportes.

105
A Comissão precisa que foram tomadas medidas de racionalização com base num plano de reestruturação que previa, nomeadamente, a aquisição de novos autocarros, o despedimento de uma parte do pessoal, a venda de determinados activos e a realização de determinadas economias. A apresentação destas medidas levou a Comissão a averiguar se o financiamento público podia ser autorizado enquanto auxílio à reestruturação. Todavia, teve em consideração o facto de um auxílio à reestruturação dever tornar a empresa beneficiária capaz de gerar lucros, de modo a deixar de ser tributária de subvenções públicas. Ora, o transporte regional por autocarro é uma actividade exercida em condições não rentáveis, uma vez que necessita da concessão de subvenções públicas.

106
Não pode no entanto excluir‑se que o auxílio em causa contribua para o desenvolvimento do sector abrangido, na acepção do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE. Com efeito, as medidas tomadas pelas autoridades dinamarquesas, nomeadamente a adjudicação por concurso, contribuem para o reforço da concorrência, na medida em que oferecem a vários operadores privados a possibilidade de nele participar. O alinhamento da Combus, antiga empresa pública, pelos seus concorrentes privados inscreve‑se nesta óptica, tanto mais que a Combus devia realizar economias, reduzir o pessoal e renovar o seu parque de autocarros, a fim de melhor cumprir as suas tarefas. Na opinião da Comissão, esta racionalização da antiga empresa pública contribui para a melhoria das condições de concorrência no mercado em causa, uma vez que um recuo do sector público contribui, em regra, para promover o comércio livre.

107
A Comissão considera mesmo que a decisão impugnada pode entender‑se no sentido de evocar uma reestruturação «sui generis», levando à viabilidade, também «sui generis», de uma empresa encarregada de uma missão de serviço público. Com efeito, se se admitir que a reestruturação de uma empresa de serviço público apenas visa a sua racionalização intrínseca – que se torna viável, em si, se se fizer abstracção das obrigações de serviço público –, os auxílios concedidos para cobrir as perdas do passado podem ser qualificados de auxílios à reestruturação, mesmo que a Combus deva ainda receber subvenções para o cumprimento das suas obrigações de serviço público.

108
A Comissão reitera, no entanto, a sua tese de que os argumentos aduzidos pela recorrente neste contexto são, de qualquer modo, de uma pertinência reduzida, uma vez que a decisão impugnada não foi definitivamente fundada no artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE. Na mesma ordem de ideias, a Comissão considera destituídos de pertinência os argumentos aduzidos pela recorrente para tentar demonstrar que o auxílio em causa constituía um auxílio ao funcionamento. Dado que não se trata de um auxílio à reestruturação no sentido restrito do termo, não é necessário que tivesse havido previamente um plano de reestruturação.

109
Embora admitindo que as orientações exigem uma ligação com um plano de reestruturação, a Comissão sustenta que as diferentes medidas de racionalização tomadas pelas autoridades dinamarquesas – consistentes na reforma do estatuto do pessoal, que fazia parte do plano de privatização a contar de 1998, e na própria privatização, que ocorreu em 2000 – prosseguiram um mesmo objectivo: a transição da Combus para uma exploração comercial. Estas medidas foram tomadas num único e mesmo quadro, compreendendo várias iniciativas financeiras e operacionais. O facto de o plano de privatização só ter sido levado a termo em 2000 não exclui que ele possa ser considerado um plano preconcebido nas suas grandes linhas. Este plano foi entretanto finalizado, com o auxílio de um investidor privado, que foi a Arriva.

110
Na sua tréplica, a Comissão acrescenta que as autoridades dinamarquesas lhe apresentaram um plano comercial («business plan») para a Combus, no qual relacionaram a sua intervenção de reestruturação com a privatização da Combus. O conceito de processo de racionalização já existia no momento em que a modificação do estatuto do pessoal foi decidida. Neste contexto, a Comissão refere‑se aos trabalhos preparatórios de duas leis sujeitas ao Parlamento dinamarquês em 1995 e 1998. Segundo a Comissão, não é necessário que um tal plano de reestruturação seja finalizado com antecedência, bastando que os auxílios a apreciar decorram da aplicação deste plano, o que se verificou no caso presente.

    Apreciação do Tribunal

111
Há que recordar que, na decisão impugnada, a Comissão, após ter constatado a reunião das condições de existência de um auxílio à reestruturação, observa (ponto 3.4.7 da decisão impugnada) que «a viabilidade da Combus deve todavia ser ainda apreciada, na medida em que a sociedade deixará de ser uma pessoa colectiva autónoma [após a sua cessão à Arriva] e que esta viabilidade depende também do auxílio concedido a título do Regulamento n.° 1191/69. Esta situação de facto pode tornar inteiramente teórica a análise que foi feita». A Comissão conclui daqui (ponto 3.7 da decisão impugnada) que o pagamento da quantia de [X] de DKK «pode eventualmente ser considerado compatível com o artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE ou, pelo menos, com o artigo 73.° CE, […] pode ser assimilado a um auxílio à reestruturação destinado a reduzir o endividamento ligado às perdas anteriores e a contribuir para a realização do plano de reestruturação e constitui, de qualquer modo, uma compensação pelas perdas na acepção do artigo 73.° CE, que é de aplicação directa».

112
Nas suas peças processuais, a Comissão tentou explicar este raciocínio impreciso e ambíguo precisando que, na decisão impugnada, começou por abordar o aspecto «auxílio à reestruturação» e, em segundo lugar, completou, por segurança, a sua análise referindo‑se às disposições relativas às actividades de serviço público. Os fundamentos da recorrente dirigidos contra a autorização de um «auxílio à reestruturação» foram qualificados pela Comissão de inoperantes, por motivo de a decisão impugnada se fundar no artigo 73.° CE, enquanto base jurídica principal. As considerações relativas à «reestruturação» não foram determinantes, uma vez que a Combus não era verdadeiramente viável.

113
Ao mesmo tempo, a Comissão parece ter modificado a sua análise sobre a viabilidade da Combus, considerando que se poderia falar de uma reestruturação «sui generis» levando a uma viabilidade «sui generis». Admitindo que a reestruturação de uma empresa encarregada da execução de um serviço público visa apenas a racionalização intrínseca dela, o auxílio concedido para cobrir as perdas do passado pode ser qualificado como auxílio à reestruturação, se bem que a Combus deva ainda receber compensações pelo cumprimento das suas obrigações de serviço público.

114
Face a esta tomada de posição da Comissão, há que declarar que a decisão impugnada não pode ser interpretada no sentido de que o colégio dos membros da Comissão concedeu uma autorização clara, incondicional e definitiva do pagamento da quantia de [X] de DKK, baseada no artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e nas orientações. A argumentação da Comissão deve, pelo contrário, ser entendida como a expressão de uma dúvida séria sobre a viabilidade da Combus na acepção da disposição mencionada e das orientações, dúvida que a Comissão não se sentia todavia obrigada a esclarecer uma vez que o artigo 73.° CE lhe parecia constituir uma base jurídica suficiente para a autorização do auxílio em questão. Ora, uma vez que esta última disposição não podia ser invocada para este efeito (v. n.os 100 e 101, supra), o pagamento dos [X] de DKK deixa de ter uma autorização válida na decisão impugnada.

115
Mesmo que se considerasse – contrariamente ao que resulta do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, Colect., p. II‑2405, n.os 116 e 117) – que a decisão impugnada pode ser validamente completada pelo novo conceito de viabilidade que os agentes da Comissão desenvolveram perante este Tribunal, a questão da viabilidade da Combus não ficaria resolvida. Com efeito, a Comissão declarou expressamente, em resposta a uma questão do Tribunal, que a apreciação da rentabilidade da Combus devia ter em conta o facto de uma parte do auxílio constituir «a compensação de obrigações de serviço público do âmbito do Regulamento n.° 1191/69», acrescentando que, «sem esta compensação, a empresa não seria rentável». Ora, como foi exposto nos n.os 75 a 99, supra, a Combus não foi encarregada da execução de obrigações de serviço público e, de qualquer modo, o pagamento da quantia de [Y] de DKK autorizada a título do Regulamento n.° 1191/69 não preenche as condições previstas neste regulamento. Em consequência, a viabilidade da Combus não pode em caso algum ser considerada adquirida.

116
Deste modo, há que acolher os fundamentos aduzidos contra a decisão impugnada na medida em que ela autoriza o pagamento dos [X] de DKK com base no artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e nas orientações, sem que seja necessário examinar se as demais condições de existência de um auxílio à reestruturação estão reunidas, nomeadamente a relativa à existência de um plano de reestruturação em conformidade com as exigências das orientações.

117
Resulta do que precede que a autorização de pagamento dos [X] de DKK deve ser anulada na totalidade, sem que seja necessária pronúncia sobre os demais fundamentos aduzidos sobre este ponto.


Quanto às despesas

118
Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes. No caso vertente, tendo a Comissão sido vencida no essencial, será feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo que ela suporte todas as despesas, com excepção das efectuadas pelo Reino da Dinamarca, que suportará as suas próprias despesas nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)

decide:

1)
A decisão SG (2001) D/287297 da Comissão, de 28 de Março de 2001 (auxílio NN 127/2000), é anulada na medida em que declara compatível com o mercado comum os auxílios concedidos pelas autoridades dinamarquesa à Combus A/S sob a forma de entradas de capital no montante de [Y] de DKK e de [X] de DKK.

2)
Quanto ao mais, é negado provimento ao recurso.

3)
A Comissão suportará as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela recorrente.

4)
O Reino da Dinamarca suportará as suas próprias despesas.

Forwood

Pirrung

Mengozzi

Meij

Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Março de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Pirrung

Índice

Matéria de facto e tramitação processual

    Antecedentes do litígio

    Decisão impugnada

    Tramitação processual

Pedidos das partes

Quanto à admissibilidade e quanto ao âmbito do recurso

Quanto ao mérito

    Quanto ao auxílio no montante de 140 milhões de DKK, destinado a cobrir os encargos especiais relacionados com o estatuto de funcionário dos trabalhadores da Combus

    Quanto ao auxílio no montante de 100 milhões de DKK, destinado a financiar o abandono do estatuto de funcionário dos empregados da Combus a favor de um estatuto de agente contratado

    Quanto ao auxílio no montante de [Y] de DKK, destinado a cobrir as perdas futuras da Combus

        Argumentos das partes

        Apreciação do Tribunal

    Quanto ao auxílio no montante de [X] de DKK, destinado a cobrir as perdas passadas acumuladas pela Combus

        Quanto ao fundamento assente na errada aplicação do artigo 73.° CE

        Quanto aos fundamentos assentes na violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e na errada aplicação das orientações

            – Argumentos das partes

            – Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas



1
Língua do processo: dinamarquês.


2
. – Dados confidenciais ocultados.