Language of document : ECLI:EU:T:2005:222

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

15 de Junho de 2005 (*)

«Marca comunitária – Pedido de marca comunitária figurativa Limoncello della Costiera Amalfitana shaker – Marca nacional nominativa anterior LIMONCHELO – Risco de confusão – Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T‑7/04,

Shaker di L. Laudato & C. Sas, com sede em Vietri sul Mare (Itália), representada por F. Sciaudone, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por M. Capostagno, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI

Limiñana y Botella, SL, com sede em Monforte del Cid (Espanha),

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI de 24 de Outubro de 2003 (processo R 933/2002‑2), relativa a um processo de oposição entre Limiñana y Botella, SL e Shaker di L. Laudato & C. Sas,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, J. Azizi e E. Cremona, juízes,

secretário: B. Pastor, secretário adjunto,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Janeiro de 2004,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Maio de 2004,

após a audiência de 20 de Janeiro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 20 de Outubro de 1996, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), com a redacção em vigor (a seguir «Regulamento n.° 40/94»).

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal figurativo a seguir reproduzido:

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3        Os produtos para os quais foi pedido o registo da marca incluem‑se nas classes 29, 32 e 33, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e alterado (a seguir «acordo de Nice»), que correspondem, relativamente a cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

–        classe 29: «Carne, peixe, aves e caça; extractos de carne; frutos e legumes em conserva, secos e cozidos; geleias, doces, compotas; ovos, leite e lacticínios; óleos e gorduras comestíveis»;

–        classe 32: «Cervejas; águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas; bebidas de fruta e sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas»;

–        classe 33: «Bebidas alcoólicas (com excepção de cervejas)».

4        Por carta de 23 de Novembro de 1999, o IHMI convidou a recorrente a limitar o seu pedido de registo, considerando‑o não registável em parte, por força do artigo 7.°, n.° 1, alínea g), do Regulamento n.° 40/94.

5        Mais especificamente, o IHMI pediu a retirada do pedido de registo de produtos pertencentes às bebidas não alcoólicas da classe 32, porque, em sua opinião, se a indicação «limoncello della costiera amalfitana» fosse utilizada para designar ao mesmo tempo produtos desta classe e produtos da classe 33, que agrupa as bebidas alcoólicas, seria susceptível de induzir o consumidor em erro ao fazer‑lhe crer que a garrafa assim designada continha o licor chamado «limoncello», bem conhecido, não sendo esse o caso. Por outro lado, o IHMI pediu à recorrente que limitasse a lista dos produtos da classe 33 ao «licor de limões proveniente da costa amalfitana», sendo certo que a marca seria enganosa se o licor em questão tivesse uma origem diferente, tendo em conta o facto de Sorrente e a zona limítrofe gozarem de uma reputação ligada ao produto específico e de, portanto, a sua origem ser determinante para a escolha do consumidor.

6        Na sequência desta intervenção do IHMI, a recorrente limitou o seu pedido, no atinente aos produtos da classe 33, ao licor de limões proveniente da costa amalfitana.

7        O pedido de marca comunitária foi publicado no Boletim de marcas comunitárias n.° 30/00 de 17 de Abril de 2000.

8        Em 1 de Junho de 2000, a Limiñana y Botella, SL (a seguir «oponente») deduziu oposição, ao abrigo do artigo 42.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, contra o registo da marca pedida.

9        O fundamento invocado em apoio dessa oposição era o risco de confusão referido no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, entre, por um lado, a marca pedida na medida em que diz respeito aos produtos da classe 33 do acordo de Nice e, por outro, a marca nominativa da oponente, também relativa aos produtos da classe 33, registada em 1996 na Oficina Española de Patentes y Marcas do Ministerio de ciencia y tecnología (instituto espanhol de marcas e patentes), designada:

«LIMONCHELO»

10      Por decisão de 9 de Setembro de 2002, a Divisão de Oposição do IHMI admitiu a referida oposição e, por conseguinte, recusou o registo da marca pedida.

11      A Divisão de Oposição justificou a sua decisão indicando, essencialmente, que existia um risco de confusão no mercado espanhol, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, entre a marca pedida e a marca anterior, dada a identidade dos produtos em causa e a semelhança entre as marcas. No que respeita a este último elemento, a Divisão de Oposição chegou a esta conclusão após uma análise das semelhanças visuais, fonéticas e conceptuais das marcas em causa, de onde resulta, segundo o IHMI, que há semelhanças visuais e fonéticas entre o elemento dominante da marca pedida, constituído pelo termo «limoncello», e a marca anterior.

12      Em 7 de Novembro de 2002, a recorrente interpôs recurso no IHMI, ao abrigo dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94, da decisão da Divisão de Oposição.

13      Por decisão de 24 de Outubro de 2003 (a seguir «decisão impugnada»), a Segunda Câmara de Recurso negou provimento ao pedido da recorrente. Em suma, a Câmara de Recurso considerou, após ter indicado que os produtos da marca anterior abrangiam os da marca pedida, que o elemento dominante da marca pedida era o termo «limoncello» e que a marca pedida e a marca anterior eram muito próximas visual e foneticamente, de modo que existia um risco de confusão entre ambas.

 Pedidos das partes

14      A recorrente conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        anular e/ou reformar a decisão impugnada de modo a que a oposição seja rejeitada e o pedido de registo da recorrente validado;

–        condenar o IHMI nas despesas.

15      O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

16      Na audiência, a recorrente precisou que ao pedir que se «anula[sse] e/ou reforma[sse] a decisão impugnada», pretendia, na realidade, tanto a anulação como a reforma da decisão impugnada.

 Questão de direito

17      A recorrente invoca três fundamentos em apoio dos seus pedidos. Considera que, na decisão impugnada, o IHMI, em primeiro lugar, violou o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, em segundo lugar, incorreu em desvio de poder e, em terceiro lugar, violou o dever de fundamentação das suas decisões. O recorrido contesta cada um destes fundamentos.

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

A –  Argumentos das partes

1.     Argumentos da recorrente

a)     Generalidades

18      A recorrente considera que, contrariamente ao que defende o recorrido, não há semelhanças suficientes entre a marca anterior e a sua marca. Consequentemente, não existe risco de confusão entre as marcas que justifique a recusa do registo da sua marca com base no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

19      A recorrente apoia a sua posição na afirmação de que, no presente caso, faltam quer o carácter distintivo da marca anterior quer a semelhança entre as marcas em conflito.

b)     Carácter distintivo da marca anterior

20      A recorrente considera, em suma, que a marca anterior não possuía qualquer carácter distintivo particular e que o produto objecto do presente recurso gozava de uma notoriedade especial. Nenhum destes elementos foi, no entanto, tido em conta pelo IHMI.

21      Em apoio da sua posição, a recorrente invoca o facto de, em linguagem corrente, a palavra «limoncello» designar em Espanha, em Itália e no resto do mundo o licor originário da costa amalfitana preparado com cascas de limões e não, de maneira exclusiva, a bebida produzida pela oponente. A recorrente apresenta a este respeito extractos de sítios na Internet e considera que quer a oponente, nas suas observações de 11 de Abril de 2003, quer o IHMI, na sua carta de 23 de Novembro de 1999, admitiram esta utilização na linguagem corrente.

22      Assim, contrariamente ao que resulta das observações da oponente de 11 de Abril de 2003, o termo «limonchelo» é a simples tradução espanhola do termo «limoncello», que descreve de modo geral o licor preparado com as cascas de limões e álcool. A recorrente remete, a este respeito, para os resultados de buscas efectuadas na Internet com base na palavra «limonchelo» e para a existência de inúmeras marcas semelhantes em Espanha, como reconheceu a oponente.

23      A recorrente conclui que, no caso em apreço, a marca anterior apresenta um carácter distintivo reduzido e, portanto, um risco de confusão pouco elevado, o que obriga o IHMI a apreciar com extremo rigor os elementos susceptíveis de estabelecer a identidade ou a semelhança entre as duas marcas em questão.

c)     Semelhança entre as marcas em causa

24      Quanto à comparação visual, a recorrente considera, essencialmente, que a sua marca apresenta diferenças visuais importantes relativamente à marca anterior. Invoca, em especial, a utilização do italiano, as letras seguintes a «limonc», os termos «della costiera amalfitana» e «shaker», a representação gráfica, as numerosas diferenças tipográficas e as cores utilizadas.

25      Quanto à comparação fonética, a recorrente considera, principalmente, que a Câmara de Recurso concedeu, erradamente, uma importância exclusiva ao termo «limoncello» e considerou os termos «della costiera amalfitana» elementos nominais não dominantes e não essenciais, contrariando assim a jurisprudência e a prática decisória segundo as quais todos os factores relevantes devem ser tidos em conta na apreciação de um risco de confusão no espírito dos consumidores.

26      A recorrente considera também que a comparação das duas marcas demonstra que os únicos elementos fonéticos comuns aos dois sinais são as duas primeiras sílabas «li» e «mon», enquanto as sílabas seguintes «chelo» e «cello» e os termos «della costiera amalfitana» são foneticamente diferentes.

27      Quanto à comparação conceptual, a recorrente considera, por um lado, que o IHMI deveria ter analisado a notoriedade especial que possui a terra de onde provém o produto, ou seja, a costa amalfitana. A recorrente invoca a este respeito o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon (C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.° 29), e sublinha que o IHMI salientou o carácter determinante da origem geográfica do produto para a escolha do consumidor na sua carta de 23 de Novembro de 1999.

28      Os termos «limonchelo» e «limoncello della costiera amalfitana» evocam no consumidor médio imagens indubitavelmente diferentes. Os termos «della costiera amalfitana» reportam‑se a um determinado lugar geográfico bem conhecido dos consumidores espanhóis, pelo que estes últimos não poderiam considerar que o produto em causa é proveniente da mesma empresa e da mesma zona geográfica que o que é fabricado sob a marca LIMONCHELO. Logo, os termos «della costiera amalfitana», juntos ao termo «limoncello», formam, segundo a recorrente, um todo lógico muito diferente da marca anterior.

29      Por outro lado, a recorrente considera que o IHMI deveria ter analisado as condições objectivas em que as marcas se podem confrontar no mercado [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Julho de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser‑Busch (BUDMEN), T‑129/01, Colect., p. II‑2251, n.° 57]. A recorrente sublinha a este respeito que o consumidor espanhol não poderia ser induzido em erro, acreditando que o produto com a marca LIMONCHELO, em cujo rótulo aparecem, além de três limões, o emblema da Distileria Toris, e o produto com o rótulo «limoncello della costiera amalfitana» provêm, na realidade, da mesma empresa.

30      Referindo‑se ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 2003, Phillips‑Van Heusen/IHMI – Pash Textilvertrieb und Einzelhandel (BASS) (T‑292/01, Colect., p. II‑4335, n.° 54), a recorrente considera que a semelhança visual e fonética manifesta pode ser neutralizada quando pelo menos uma das marcas em questão tenha, na perspectiva do público pertinente, um significado claro e preciso. A recorrente afirma que, no caso em apreço, o consumidor médio espanhol perceberá imediatamente que o seu produto é um licor italiano, até mesmo que é o licor italiano típico, preparado com limões da costa amalfitana e produzido em Itália.

31      Portanto, com base nas considerações expostas, a recorrente considera que ainda que exista uma semelhança parcial entre as expressões que compõem as marcas em causa, o reduzido carácter distintivo do termo «limoncello» e da sua tradução espanhola «limonchelo», assim como as numerosas diferenças visuais, fonéticas e conceptuais entre as marcas em causa excluem o risco de confusão do público pertinente. A decisão que recusa o registo da marca da recorrente é, pois, ilegal.

2.     Argumentos do recorrido

32      O recorrido contesta os argumentos da recorrente em apoio dos seus pedidos e considera que a análise comparativa que subjaz à apreciação do risco de confusão efectuada pela Câmara de Recurso e pela Divisão de Oposição é correcta.

33      O recorrido considera que a Câmara de Recurso sublinhou acertadamente que o termo «limoncello» constituía a parte dominante da marca pedida. Este termo é, em sua opinião, o elemento que identifica e caracteriza esta marca aos olhos dos consumidores espanhóis, que representam o público de referência no caso em apreço. Sublinha a este respeito a posição central privilegiada e a dimensão preponderante do termo «limoncello» relativamente aos outros elementos da marca pedida.

34      O recorrido considera assim evidente que o termo «limoncello», que faz parte da marca solicitada, e o termo «limonchelo», proveniente da marca anterior, são susceptíveis de serem percebidas nos planos visual e fonético de maneira quase idêntica pelo consumidor médio espanhol. Os dois termos são compostos de dez letras, sendo nove coincidentes; só diferem as letras «l» e «h», que, uma vez que estão posicionadas no interior de dois vocábulos, têm um impacto limitado quanto à sua capacidade de diferenciação. Em seguida, o recorrido observa que a coincidência quase perfeita entre a pronúncia espanhola da marca anterior LIMONCHELO e a pronúncia correcta do termo italiano «limoncello» implica uma grande analogia no plano fonético.

35      Indica ainda que está plenamente consciente do significado do termo «limoncello» em italiano, mas que, no caso em apreço, esta circunstância não põe em causa o carácter distintivo intrínseco deste termo aos olhos do público espanhol. Não existem, actualmente, elementos seguros que permitam pensar que o consumidor médio espanhol atribui à palavra «limoncello» um valor semântico preciso e definido.

36      Logo, o recorrido contesta o argumento da recorrente segundo o qual o termo «limonchelo» é a versão espanhola do vocábulo italiano «limoncello», que é reconhecido no mundo inteiro, designadamente em Espanha, como um termo genérico que define um certo tipo de licor. Segundo o recorrido, não existe qualquer elemento objectivo para apoiar as teses da parte contrária. Indica, além disso, que, nos termos do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94, não é da competência do IHMI substituir‑se às partes na procura de provas que demonstrem que o termo «limoncello» era ou ter‑se‑ia tornado, nas suas acepções ortográficas possíveis (v. por exemplo «limonchelo»), um termo genérico na percepção que dele tem o público espanhol. A este respeito, o recorrido observa que a documentação fornecida pela recorrente, que consistia em extractos de sítios na Internet, em nenhum caso se refere ao público espanhol e que a carta de 23 de Novembro de 1999 se baseia em elementos de facto e de direito diferentes dos atinentes à análise do risco de confusão entre as marcas.

37      O recorrido considera que, no caso em apreço, a marca anterior é dotada de um carácter distintivo suficiente, uma vez que está registada a nível nacional. Consequentemente, afirma que deve limitar‑se a declará‑la merecedora, enquanto tal, de protecção face a uma marca posterior que reproduz o seu elemento distintivo e dominante.

38      O recorrido invoca ainda as analogias significativas do presente processo com o processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2002, Matratzen Concord/IHMI – Hukla Germany (MATRATZEN) (T‑6/01, Colect., p. II‑4335).

39      Segundo o recorrido, o Tribunal terá sublinhado, neste último processo, a importância da apreciação do risco de confusão tendo em conta o público pertinente e, mais especificamente, a percepção das marcas em conflito que o consumidor de referência terá a partir dos seus próprios conhecimentos linguísticos de base. De onde resulta que, ainda que um termo tenha um significado próprio numa língua que, contudo, não é a língua de base do consumidor de referência e não subsista o elemento que permita demonstrar que o referido consumidor atribui o referido significado ao termo em causa, este poderá, certamente, aparecer como a parte dominante, do ponto de vista distintivo, da marca de que faz parte.

40      Com base no exposto, o recorrido considera que a decisão impugnada é acertada. Em sua opinião, ao apoiar‑se no princípio da interdependência entre os sinais e os produtos na apreciação do risco de confusão, a Câmara de Recurso podia legitimamente considerar que, como os produtos em conflito eram idênticos (o que não é contestado pela recorrente), os elementos de semelhança identificados entre as marcas (e observáveis, designadamente, na quase coincidência dos termos «limonchelo» e «limoncello») podiam acarretar um risco de confusão no mercado espanhol. A Câmara de Recurso confirmou assim justificadamente a decisão que julgou procedente a oposição, devido à existência de um risco de confusão referido no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1.     Considerações liminares

41      Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado quando, devido à sua identidade ou semelhança com uma marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida.

42      Por outro lado, nos termos do artigo 8.°, n.° 2, alínea a), ii), do Regulamento n.° 40/94, são consideradas marcas anteriores as marcas registadas num Estado‑Membro, cuja data de depósito seja anterior à do pedido de marca comunitária.

43      De acordo com a jurisprudência consolidada constitui risco de confusão o risco de que o público possa crer que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas ligadas economicamente [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Laboratorios RTB/IHMI – Giorgio Beverly Hills (GIORGIO BEVERLLY HILLS), T‑162/01, Colect., p. II‑2821, n.° 30, e a jurisprudência aí referida].

44      Segundo esta mesma jurisprudência, o risco de confusão deve ser apreciado globalmente, de acordo com a percepção que o público pertinente tem dos sinais e dos produtos ou serviços em causa, atentos todos os factores relevantes do caso, nomeadamente a interdependência entre a semelhança dos sinais e dos produtos ou serviços designados (v. acórdão GIORGIO BEVERLY HILLS, n.° 43, supra, n.os 31 a 33, e a jurisprudência aí referida).

45      No caso em apreço, a marca anterior é uma marca nominativa registada e protegida em Espanha. Por outro lado, os produtos em causa são produtos destinados ao consumo corrente. Portanto, importa ter em conta, para fins de apreciação do risco de confusão neste caso, o ponto de vista do público pertinente constituído pelos consumidores médios espanhóis.

46      Estando definido o público pertinente, há que analisar as comparações entre, por um lado, os produtos em causa e, por outro, os sinais em conflito.

2.     Comparação dos produtos

47      Quanto à comparação dos produtos em causa, importa observar que a Câmara de Recurso considerou que os produtos abrangidos pela marca anterior incluíam os produtos abrangidos pela marca pedida, sem que isso seja contestado pelas partes. É pois forçoso concluir pela existência de identidade entre os referidos produtos.

3.     Comparação dos sinais

a)     Considerações liminares

48      No que respeita à comparação entre as marcas em causa, importa sublinhar antes de mais que, no caso em apreço, a marca pedida é uma marca complexa, composta de elementos nominais e figurativos, enquanto a marca anterior é uma marca puramente nominativa.

49      Em seguida, o Tribunal recorda que, tratando‑se de sinais em conflito, resulta da jurisprudência que a apreciação global do risco de confusão deve, em matéria de semelhança visual, fonética ou conceptual das marcas em causa, basear‑se na impressão de conjunto produzida por estas, atendendo, em especial, aos seus elementos distintivos e dominantes (v. acórdão BASS, n.° 30, supra, n.° 47, e a jurisprudência aí referida).

50      Por conseguinte, deve entender‑se que uma marca complexa só pode ser considerada semelhante a outra marca, idêntica ou semelhante a uma das componentes da marca complexa, se essa componente constituir o elemento dominante na impressão de conjunto produzida pela marca complexa. É o que acontece quando tal componente é susceptível de, por si só, dominar a imagem da referida marca que o público pertinente retém na memória, de tal forma que todas as outras componentes são negligenciáveis na impressão de conjunto por ela produzida (acórdão MATRATZEN, n.° 38, supra, n.° 33, confirmado em sede de recurso pelo despacho do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2004, Matratzen Concord/IHMI, C‑3/03 P, ainda não publicado na Colectânea).

51      Importa precisar que esta interpretação não equivale a ter em consideração apenas uma componente da marca complexa e a compará‑la com outra marca. Pelo contrário, essa comparação deve ser levada a cabo mediante o exame das marcas em causa, cada uma delas considerada no seu conjunto. Todavia, tal não exclui que a impressão de conjunto produzida na memória do público pertinente por uma marca complexa possa, em determinadas circunstâncias, ser dominada por uma ou várias das suas componentes (acórdão MATRATZEN, n.° 38, supra, n.° 34).

52      Quanto à apreciação do carácter dominante de uma ou de várias componentes determinadas de uma marca complexa, há que ter em conta, designadamente, as qualidades intrínsecas de cada uma delas e compará‑las com as das outras componentes. Além disso, e a título acessório, pode ser tida em conta a posição relativa das diferentes componentes na configuração da marca complexa (acórdão MATRATZEN, n.° 38, supra, n.° 35).

53      Concretamente, isso implica que a Câmara de Recurso devia examinar que componente da marca pedida é susceptível de, pelas suas características visuais, fonéticas ou conceptuais, e por si só, dar a imagem da referida marca que o público pertinente retém na memória, de tal forma que todas as outras componentes se afigurem despiciendas a este respeito. Como indicado nos n.os 51 e 52, supra, esse exame pode levar a dever considerar dominantes várias componentes.

54      No entanto, se a marca pedida for uma marca complexa com carácter visual, a apreciação da sua impressão de conjunto, assim como a determinação de um eventual elemento dominante, deve intervir com base numa análise visual. Por conseguinte, nessa hipótese, apenas na medida em que um eventual elemento dominante desta comportasse aspectos semânticos não visuais é que haveria de proceder, sendo esse o caso, à comparação entre este elemento, por um lado, e a marca anterior, por outro, tendo também em conta os outros aspectos semânticos, como por exemplo os aspectos fonéticos ou os conceitos abstractos pertinentes.

b)     Componente dominante

 i) Descrição das componentes da marca pedida a partir da apreensão visual da mesma

55      O Tribunal observa que as componentes da marca pedida são o termo «limoncello» inscrito em letras brancas e em grandes caracteres, os termos «della costiera amalfitana» inscritos em letras amarelas e em caracteres mais pequenos, o termo «shaker», em caracteres azuis mais pequenos num enquadramento com fundo branco cuja letra «k» representa um copo e, por fim, a representação figurativa de um grande prato redondo cujo centro é branco e a borda decorada, por um lado, com desenhos representando limões amarelos num fundo escuro e, por outro, com uma barra descontínua turquesa e branca. O conjunto destas componentes da marca está situado num fundo azul‑escuro.

 ii) Dominância do prato redondo decorado com limões na marca pedida

56      Quanto à componente figurativa da marca pedida representando um prato redondo decorado com limões, importa observar que, além da representação realista de um prato, se caracteriza por contrastes de cores, pelo seu considerável tamanho e por desenhos realistas de limões na borda, sendo que o conjunto dá a esta representação um atractivo visual muito especial.

57      Este prato redondo decorado com limões dispõe, pelas suas qualidades intrínsecas, de um carácter distintivo forte relativamente às outras componentes da marca pedida e em especial ao termo «limoncello». Goza, assim, de proeminência face aos outros elementos da marca pedida.

58      Acessoriamente, importa observar que, apesar da sua posição ligeiramente descentrada, a representação figurativa do prato se situa nos dois terços inferiores da marca pedida e cobre o essencial dessa parte, enquanto o termo «limoncello» apenas abrange uma grande parte do terço superior da marca pedida.

59      De onde resulta que a representação do prato redondo decorado com limões deve ser considerada a componente claramente dominante da marca pedida.

 iii) Ponderação dos outros elementos da marca pedida

–       Termo «limoncello»

60      No caso em apreço, o ponto de vista da Câmara de Recurso, que considerou, no n.° 20 da decisão impugnada, que o termo «limoncello» era o elemento dominante da marca pedida, devido essencialmente aos seus grandes caracteres e à sua posição proeminente, considerando depois, no n.° 21 da decisão impugnada, que as marcas em causa eram visual e foneticamente quase idênticas, não pode ser partilhado.

61      No que respeita ao termo «limoncello», o Tribunal observa que embora sendo verdade que este termo é apresentado em caracteres tipográficos maiores do que as outras componentes nominativas da marca pedida, tem ainda assim um efeito visual nitidamente menos evidente do que o prato redondo decorado com limões. O termo «limoncello» é, aliás, mais pequeno que a componente figurativa que constitui o prato redondo decorado com limões.

62      Só por isto e sem que seja necessário analisar as características fonéticas ou conceptuais deste termo, importa declarar que o termo «limoncello» não é a componente dominante da marca pedida.

–       Termos «della costiera amalfitana»

63      No que respeita aos termos «della costiera amalfitana», há que observar, a partir de uma percepção visual, que este elemento está inscrito em caracteres mais pequenos que o termo «limoncello» e é descritivo da origem geográfica do produto em causa. Além disso, estes termos são de tamanho nitidamente inferior e de cores menos contrastantes do que a representação figurativa do prato redondo decorado com limões. O Tribunal considera que, sem que seja necessário analisar as suas características fonéticas ou conceptuais, esta componente não pode ser considerada um elemento dominante da marca pedida, tendo em conta, em especial, o seu tamanho reduzido.

–       Termo «shaker»

64      No que respeita ao termo «shaker», afigura‑se, a partir de uma análise visual, que, apesar do fundo branco e do elemento figurativo incluído sob a forma de copo na letra «k» deste termo, este último assim como o seu elemento figurativo são de dimensão reduzida relativamente ao prato decorado com limões e ao termo «limoncello» incluído na marca em questão. Além disso, não goza do mesmo contraste de cores da representação do prato decorado com limões. Consequentemente, o Tribunal considera que, sem que seja necessário analisar as suas características fonéticas ou conceptuais, este termo não pode ser considerado um elemento dominante da marca pedida.

c)     Apreciação global do risco de confusão

65      Há que observar que a representação figurativa de um prato redondo decorado com limões é a componente dominante da marca pedida, e que não tem qualquer ponto em comum com a marca anterior, que é uma marca puramente nominativa.

66      Não há, assim, risco de confusão entre as marcas em questão. O carácter dominante da representação figurativa de um prato redondo decorado com limões relativamente aos outros elementos da marca pedida impede qualquer risco de confusão baseado na existência de semelhanças visuais, fonéticas ou conceptuais dos termos «limonchelo» e «limoncello» que figuram nas marcas em causa.

67      No quadro de uma apreciação global do risco de confusão, importa realçar que o consumidor médio raramente tem a possibilidade de proceder a uma comparação directa entre as diferentes marcas, devendo confiar na imagem não perfeita que conservou na memória (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.° 26). O facto de o consumidor médio memorizar apenas uma imagem imperfeita da marca confere uma importância maior ao elemento predominante da marca em causa [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2002, Oberhauser/IHMI − Petit Liberto (Fifties), T‑104/01, Colect., p. II‑4359, n.° 47]. Assim, o elemento dominante da marca pedida, constituído pelo prato redondo decorado com limões, tem uma importância maior na análise do sinal no seu conjunto, uma vez que o consumidor que observa um rótulo de uma bebida com grande teor alcoólico tem em consideração e fixa o elemento predominante do sinal que lhe permite, no caso de uma aquisição posterior, repetir a experiência.

68      A predominância da componente figurativa constituída por um prato redondo decorado com limões na marca pedida torna irrelevante, no caso em apreço, a apreciação dos elementos distintivos da marca anterior, para efeitos de aplicação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Efectivamente, se a importância do carácter distintivo de uma marca nominativa anterior é susceptível de influenciar a apreciação do risco de confusão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C‑251/95, Colect., p. I‑6191, n.° 24), este critério implica que exista, pelo menos, um certo risco de confusão entre a marca anterior e a marca pedida. Ora, resulta da apreciação de conjunto do risco de confusão entre as marcas em causa que a proeminência, na marca pedida, de um prato redondo decorado com limões amarelos impede qualquer risco de confusão com a marca anterior. Consequentemente, não há que decidir quanto ao carácter distintivo da marca anterior [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2002, Vedial/IHMI – France Distribution (HUBERT), T‑110/01, Colect., p. II‑5275, n.os 64 e 65, confirmado em sede de recurso por acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2004, Vedial/IHMI, C‑106/03 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54; de 22 de Outubro de 2003, Éditions Albert René/IHMI – Trucco (Starix), T‑311/01, Colect., p. II‑4625, n.° 61, e de 30 de Junho de 2004, M+M/IHMI – Mediametrie (M+M EUROdATA), T‑317/01, ainda não publicado na Colectânea, n.os 74 e 75].

69      Perante o exposto, há que declarar que, apesar da identidade dos produtos em causa, o grau de semelhança entre as marcas em questão não é suficientemente elevado para se poder considerar que o público de referência espanhol possa crer que os produtos em causa provêm da mesma empresa ou, sendo esse o caso, de empresas ligadas economicamente. Portanto, contrariamente ao que o IHMI considerou na decisão impugnada, não existe risco de confusão nos termos do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

70      Assim, há que acolher o primeiro fundamento da recorrente.

II –  Quanto ao segundo e terceiro fundamentos, relativos, respectivamente, ao desvio de poder e à falta de fundamentação

71      Uma vez que o primeiro fundamento deve ser acolhido, não há que examinar os outros fundamentos da recorrente.

72      Portanto, importa, nos termos do artigo 63.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, anular a decisão impugnada e reformá‑la no sentido de ser dada procedência ao recurso interposto pela recorrente na Câmara de Recurso e, consequentemente, a oposição ser rejeitada.

 Quanto às despesas

73      Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrido sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      A decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 24 de Outubro de 2003 (processo R 933/2002‑2) é anulada e reformada no sentido de ser dada procedência ao recurso interposto pela recorrente na Câmara de Recurso e, consequentemente, a oposição ser rejeitada.

2)      O IHMI é condenado nas despesas.

Jaeger

Azizi

Cremona

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Junho de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      M. Jaeger


* Língua do processo: italiano.