Language of document : ECLI:EU:T:1998:176

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

16 de Julho de 1998 (1)

«Produtos cosméticos — Directiva 76/768/CEE — Directiva 95/34/CE — Protectores solares e produtos bronzeadores — Saúde pública — Responsabilidade não contratual da Comunidade»

No processo T-199/96,

Laboratoires pharmaceutiques Bergaderm SA, sociedade de direito francês em liquidação judicial, som sede em Rungis (França),

Jean-Jacques Goupil, residente em Chevreuse (França),

representados por Jean-Pierre Spitzer, advogado em Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Aloyse May, 31, Grand-Rue,

demandantes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Pieter Van Nuffel, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Ami Barav, advogado em Paris e barrister na Inglaterra e no País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandada,

que tem por objecto um pedido, formulado nos termos dos artigos 178.° e 215.°, n.° 1, do Tratado CE, de reparação do prejuízo que os demandantes pretendem ter sofrido aquando de um exame efectuado pela Comissão nos termos da décima oitava Directiva 95/34/CE da Comissão, de 10 de Julho de 1995, que adapta pela décima oitava vez ao progresso os Anexos II, III, VI e VII da Directiva 76/768/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO L 167, p. 19), quanto ao emprego de psoralenos nos protectores solares e produtos bronzeadores,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

constituído por: V. Tiili, presidente, C. P. Briët e A. Potocki, juízes,

secretário: Blanca Pastor, administradora principal,

visto o processo escrito e após a audiência de 14 de Maio de 1998,

profere o presente

Acórdão

     Enquadramento Jurídico

1.
    O artigo 4.° da Directiva 76/768/CEE do Conselho, de 27 de Julho de 1976, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO L 262, p. 169; EE 15 F1 p.206, a seguir «directiva cosméticos»), alterada, nomeadamente, pela Directiva 93/35/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993 (JO L 151, p. 32), dispõe que os Estados-Membros devem proibir a colocação no mercado dos produtos cosméticos que contenham substâncias mencionadas na «lista das substâncias que não podem entrar na composição dos produtos cosméticos» (Anexo II da directiva), bem como dos que contenham substâncias mencionadas na «lista das substâncias que os produtos não podem conter para além das restrições e fora das condições previstas» (Anexo III, primeira parte), além dos limites e fora das condições indicadas.

2.
    O artigo 9.° da directiva cosméticos institui um comité para a adaptação ao progresso técnico das directivas que visam a eliminação dos entraves técnicos às trocas comerciais no sector dos produtos cosméticos (a seguir «comité de adaptação»). A mesma disposição especifica que o comité de adaptação é constituído por representantes dos Estados-Membros e presidido por um representante da Comissão.

3.
    Com a Decisão 78/45/CEE da Comissão, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à instituição de um Comité Científico de Cosmetologia (JO 1978 L 13, p. 24, a seguir «Decisão 78/45»), foi instituído um comité Científico de Cosmetologia (a seguir «comité científico») junto da Comissão. Segundo o artigo 2.° desta decisão, pode ser consultado pela Comissão para dar parecer sobre qualquer problema de carácter científico e técnico no domínio dos produtos cosméticos e, nomeadamente, sobre as substâncias utilizadas na preparação dos produtos cosméticos e as condições de utilização destes. A mesma decisão dispõe que os membros do comité são nomeados pela Comissão «de entre personalidades científicas altamente qualificadas com competência nos domínios referidos no artigo 2.°» (dos produtos cosméticos) (artigo 4.°), que os representantes dos serviços da Comissão interessados tomam parte nas reuniões do comité, que a Comissão pode convidar «personalidades com competência especial relativamente ao assunto em estudo» para participarem igualmente nas reuniões do comité (artigo 8.°, n.os 2 e 3) e que o comité científico pode também criar no seu seio grupos de trabalho, que se reunirão a convocação da Comissão (artigos 7.° e 8.°).

4.
    O n.° 2 do artigo 8.° da directiva cosméticos dispõe que as alterações necessárias para adaptar o Anexo II ao progresso técnico serão efectuadas de acordo com o procedimento previsto no artigo 10.°

5.
    Este é constituído pelas seguintes etapas:

—    o comité é convocado pelo seu presidente;

—    o representante da Comissão submete um projecto de medidas a tomar;

—    o comité de adaptação emite, por maioria qualificada, parecer sobre o projecto, não tomando o presidente parte no voto;

—    se o parecer do comité de adaptação for favorável às medidas projectadas pela Comissão, esta toma-las-á;

—    se o parecer do comité não for favorável às medidas projectadas pela Comissão, ou na ausência de parecer do comité, a Comissão deve submeter, de imediato, uma proposta ao Conselho, que decidirá por maioria qualificada; se, no entanto, expirado um prazo de três meses a contar da proposta ao Conselho, este não tiver decidido, as medidas propostas serão tomadas pela Comissão.

Factos na origem do litígio

6.
    A sociedade Laboratoires pharmaceutiques Bergaderm opera no mercado dos produtos parafarmacêuticos e cosméticos. As suas actividades consistem sobretudo na fabricação, compra, venda e comércio de protectores e óleos solares, águas de

colónia e perfumes. O senhor Jean-Jacques Goupil é seu presidente do Conselho de Administração.

7.
    O produto Bergasol é um óleo solar que contém, além de óleo vegetal e filtros, essência de bergamota. Entre as moléculas que compõem a essência de bergamota figuram «psoralenos» também designados «furocumarinas». Um deles é o «bergaptène», também conhecido no mundo científico sob o nome de metoxi-5 psoraleno (a seguir «MOP-5»)

8.
    Exposta ao sol, a pele humana sofre reacções que visam adaptá-la à exposição aos raios ultravioletas. Para o efeito, células denominadas melonocitos segregam uma substância filtrante que sobe progressivamente na epiderme, tornando a camada córnea mais espessa, que exteriormente aparece como bronzeamento. O MOP-5, fortemente fotodinamizador, permite a multiplicação destas reacções corporais. Por isso, enquanto ingrediente do Bergasol, a essência de bergamota acelera consideravelmente o processo de bronzeamento.

9.
    Para lá da sua utilização no fabrico do Bergasol, o MOP-5 foi utilizado no tratamento de várias dermatoses, em especial a psoríase.

10.
    Suspeita-se que o MOP-5 quimicamente puro é potencialmente cancerígeno. Por conseguinte, foram realizados vários estudos científicos para verificar se é potencialmente cancerígeno enquanto componente da essência de bergamota utilizada num produto bronzeador.

11.
    Entre estes estudos, os mais favoráveis relativamente ao produto Bergasol são os realizados pelo professor Fitzpatrick, professor em dermatologia na Harvard Medical School (Estados Unidos da América). Este cientista afirma que o Bergasol é o óleo solar mais eficaz e mais seguro jamais produzido, uma vez que multiplica fortemente reacções protectoras do corpo contra os raios ultravioletas e que o risco de efeitos cancerígenos do MOP-5 é insignificante. Em seu entender, o aparecimento de melanomas é mais improvável no caso de aplicação de Bergasol que de óleos solares sem essência de bergamota.

12.
    Outros estudos denunciaram, pelo contrário, os efeitos potencialmente cancerígenos da essência de bergamota enquanto componente de óleo solar. Um deles levou a comissão francesa de segurança dos consumidores a emitir, em Setembro de 1986, parecer negativo sobre a utilização de tais produtos. Pouco depois, em Março de 1987, o Governo Alemão pediu à Comissão que examinasse, no seio do comité de adaptação, a ideia de limitar a um miligrama por quilo (a seguir «mg/kg») a concentração máxima de psoralenos de origem natural nos óleos solares. Na sequência de tal pedido, a Comissão pediu parecer ao comité científico. Este encarregou um dos seus membros, o senhor Fielder, de proceder ao estudo da matéria. No seu termo, concluiu que o MOP-5, na presença de raios ultravioletas, é poderosamente fototóxico e fotomutagénico e por isso potencialmente cancerígeno.

13.
    Em reunião do comité científico de 2 de Outubro de 1990, o relatório do senhor Fielder foi contestado por alguns membros do comité. No entanto, o comité recomendou que um 1 mg/kg fosse a concentração máxima de MOP-5 nos óleos solares.

14.
    Em 24 de Setembro de 1991, o comité científico fez nova reunião para que foram convidados vários peritos não membros. Seu principal objectivo, a discussão dos resultados de um seminário sobre os efeitos dos psoralenos organizado pelos demandantes em Bruxelas, em 3 e 4 de Junho de 1991. No termo do referido seminário, vários cientistas tinham assinado um documento em que declaravam que o risco de efeitos fotomutagénicos e fotocancerígenos do MOP-5 eram insignificantes quando a utilização desta molécula fosse combinada com filtros solares.

15.
    Os peritos convidados para a reunião deram a conhecer as suas pesquisas experimentais com óleos solares contendo essência de bergamota com a concentração de MOP-5 entre 15 e 20 mg/kg.

16.
    O professor Combre, chefe do serviço de Fisiologia e decano da Faculdade de Farmácia da Universidade de Nantes (França), concluiu:

«é manifesto que são os raios ultravioletas que desencadeiam as lesões e a presença de 'bergaptène‘ em doses importantes associado a filtros e antioxidantes não aumenta a produção de papilomas; pelo contrário, verifica-se uma diminuição importante destes papilomas».

17.
    O Dr. Cohen, médico no Toxicology Advisory Services em Sutton (Reino Unido), afirmou:

«in my view there is no reason to believe that especialy in skin types I and II sunscreens without 5 MOP are any safer than those with 5 MOP» («em meu entender, não há razão para crer que, nomeadamente no caso de peles do tipo I e II, os protectores solares sem MOP-5 são mais seguros que os que o contêm).»

18.
    Quanto ao professor Fitzpatrick, exprimiu o seguinte opinião:

«... I Would say ... that it is a safe and, I think, an effective way of converting the high risk skin cancer population of skin types I and II so that they are more resistant to the development of suninduced skin cancers like phototypes III and IV and therefore giving an equality to those individuals in developing new defenses (...)» [«(...) diria (...) que se trata de um meio seguro e, creio, eficaz para tornar as pessoas com uma pele do tipo I ou II, com um elevado risco de cancro da pele, mais resistentes ao aparecimento de cancros da pele devidos ao sol, em igualdade com as que têm uma pele dos fototipos III e IV, e que isto permite,

consequentemente, dar a essas pessoas as mesmas hipóteses em termos do desenvolvimento de novas defesas (...)»].

19.
    Em nova reunião, realizada em 4 de Novembro de 1991, o comité científico confirmou o seu parecer no sentido de ser limitada a 1 mg/kg a concentração máxima de MOP-5 nos óleos solares.

20.
    O comité de adaptação reuniu-se uma primeira vez em 17 de Dezembro de 1991 a respeito dos psoralenos enquanto componentes de produtos cosméticos, nomeadamente de óleos solares. Nesta altura, não conseguiu chegar a qualquer conclusão. Decidiu por isso fazer nova reunião em 11 de Junho de 1992. Atento esta nova reunião, a Comissão pediu ao comité de adaptação que tomasse posição sobre duas propostas alternativas, a saber, a limitação da concentração de psoralenos nos produtos solares a 60 mg/kg e ou a 1 mg/kg. Na reunião de 1 de Junho de 1992, metade dos membros do comité pronunciou-se a favor da primeira proposta e a outra metade, da segunda.

21.
    Em 2 de Junho de 1992, o comité científico emitiu um «parecer complementar» em que confirmou o seu parecer de 4 de Novembro de 1991.

22.
    Os debates sobre a essência de bergamota enquanto componente de produtos solares prosseguiram durante 1993. No decurso deste ano, o Dr. Autier, médico encarregado de um estudo por conta da associação belga contra o cancro, apresentou um relatório em cujos termos a utilização de produtos solares contendo bergamota é um factor de risco de melanoma maligno da pele. Esta conclusão foi de seguida contestada pelo Dr. Sancho-Garnier, director do Institut nacional de la recherche médical (Bélgica), e pelo Conseil supérieur d'higiène publique (França), sustentando que «os produtos da gama Bergasol são aceitáveis no plano da saúde pública, na sua fórmula actual, em virtude da associação de essências naturais que contêm psoralenos a filtros solares e a excipientes adaptados».

23.
    Em 24 de Junho de 1994, o comité científico confirmou, uma vez mais, o seu parecer.

24.
    Em 28 de Abril de 1995, o comité de adaptação recomendou a limitação da concentração máxima de prosalenos nos produtos solares a 1 mg/kg. Todas as delegações no seio do comité votaram a favor do referido parecer, à excepção da delegação francesa e da delegação finlandesa, que não estava presente.

25.
    Em 10 de Julho de 1995, a Comissão elaborou a décima oitava Directiva 95/34/CE da Comissão, que adapta ao progresso técnico os Anexos II, III, VI e VII da Directiva 76/768 (JO L 167, p. 19, a seguir «directiva de adaptação»). Esta directiva determina que os Estados-Membros devem, nomeadamente, tomar as medidas necessárias para que, a partir de 1 de Julho de 1996, nem os fabricantes, nem os importadores estabelecidos na Comunidade coloquem no mercado cremes solares e produtos bronzeadores que contenham psoralenos em quantidade igual

ou superior a 1 mg/kg e para que, a partir de 1 de Julho de 1997, estes produtos não possam ser vendidos ou cedidos ao consumidor final.

26.
    No decurso do processo administrativo que conduziu à aprovação da directiva de adaptação, os demandantes apresentaram regularmente observações de sua iniciativa, remetendo à Comissão e aos membros do comité científico cartas e documentos com dados e pareceres científicos sobre o Bergasol. Além disso, o senhor Goupil foi ouvido, em 5 de Novembro de 1990, numa reunião do grupo de trabalho «produtos cosméticos». Este grupo de trabalho reuniu-se várias vezes a respeito do Bergasol entre 1990 e 1995, por vezes com base em observações escritas ou verbais da autoria da sociedade demandante. Numa reunião realizada em 16 de Fevereiro de 1995, o grupo de trabalho apoiou, por unanimidade, com excepção do representante francês, a proposta de limitar a 1 mg/kg a concentração de psoralenos nos produtos solares.

27.
    Por sentença do tribunal de commerce de Créteil de 6 de Julho de 1995, foi instaurado um processo judicial de recuperação quanto à sociedade demandante. Em 10 de Outubro de 1995, foi declarada a sua liquidação judicial.

Tramitação processual e conclusões das partes

28.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 4 de Dezembro de 1996, os demandantes propuseram a presente acção.

29.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu proceder à fase oral. No âmbito da tramitação processual, as partes foram convidadas a responder por escrito a determinadas questões antes da audiência e a apresentar certos documentos.

30.
    O Tribunal ouviu as respectivas alegações e respostas às perguntas orais por ele formuladas na audiência pública de 14 de Maio de 1998.

31.
    Os demandantes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

—    Condenar a Comissão a pagar uma indemnização por danos, no montante de 152 867 090 FF, à sociedade Laboratoires Pharmaceutiques Bergaderm e de 161 309 995,33 FF, ao senhor Jean-Jacques Goupil;

—    condenar a demandada nas despesas.

32.
    A demandada conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar a acção improcedente;

—    condenar os demandantes nas despesas.

Quanto ao mérito

Argumentação das partes

Natureza da directiva de adaptação

33.
    Considerando que a actuação da Comissão pode qualificar-se como «violação suficientemente caracterizada» do direito comunitário no sentido da jurisprudência do Tribunal em matéria de responsabilidade extracontratual decorrente de actos normativos, os demandantes afirmam, a título liminar, que a directiva de adaptação deve ser considerada um acto administrativo e não um acto normativo uma vez que tem por objectivo unicamente o emprego de psoralenos nos produtos solares e respeita exclusivamente ao produto Bergasol. Invocam, a este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de que os actos normativos respeitam necessariamente a uma categoria de pessoas (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 1990, AERPO e o./Comissão, C-119/88, Colect., p. I-2189, n.° 17). Sustentam que qualquer violação do direito comunitário cometida pela Comissão na preparação ou na aprovação da directiva de adaptação constitui uma falta passível de sanção no quadro da presente acção.

34.
    Segundo a demandada, a directiva de adaptação tem âmbito normativo e genérico, pelo que terá que ser feita a prova de violação suficientemente caracterizada do direito comunitário pela Comissão para que haja responsabilidade da Comunidade.

Primeiro fundamento, vícios processuais

35.
    Os demandantes sustentam que, na matéria abrangida pela directiva cosméticos, a Comissão não dispõe do seu amplo poder de apreciação habitual, uma vez que tem de consultar peritos e pode decidir, ela própria, medidas de adaptação mediante parecer favorável do comité de adaptação. É o que resulta, nomeadamente, das normas processuais constantes do artigo 10.° da directiva cosméticos.

36.
    No caso em apreço, a Comissão não respeitou aquelas regras uma vez que, em vez de recorrer ao Conselho após ter recebido o parecer negativo do comité de adaptação de 1 de Junho de 1992 quanto à sua proposta de limitar a concentração máxima de psoralenos nos produtos solares, submeteu esta proposta ao comité de adaptação alguns anos mais tarde. Ao agir desta forma, violou igualmente a norma processual non bis in idem.

37.
    Violou ainda o direito de defesa dos demandantes ao não transmitir aos membros do comité de adaptação as informações científicas que os demandantes apresentaram aos membros do comité científico. Por via desta violação do princípio do contraditório o comité não pôde tomar uma posição objectiva.

38.
    A demandada lembra que a directiva de adaptação foi aprovada mediante parecer favorável do comité científico e do comité de adaptação. Refere que, na sua reunião de 1 de Junho de 1992, o comité de adaptação não deu qualquer parecer.

39.
    Considera que o processo de elaboração de normas não deve ter necessáriamente carácter contraditório. De qualquer modo, os demandantes foram ouvidos pelo grupo de trabalho e os membros do comité científico e do comité de adaptação receberam as informações por eles fornecidas.

Segundo fundamento, erro manifesto de apreciação e violação do princípio da proporcionalidade.

40.
    Os demandantes sustentam que a Comissão não quis ter em conta a evidente distinção entre o MOP-5 enquanto substância quimicamente pura, por um lado, e o MOP-5 enquanto componente de um produto solar, por outro. Consequentemente, chegou automaticamente a conclusões desproporcionadas sobre o Bergasol e tomou uma medida sem ter obtido a prova científica da sua necessidade para proteger a saúde do consumidor. Em substância, impôs aos demandantes o ónus da prova da inocuidade do MOP-5, portanto do Bergasol, para poder tomar uma medida sem a fundamentar cientificamente.

41.
    A alimentação normal dá facilmente ao organismo, num único dia, até dez vezes mais MOP-5 que o que lhe pode advir num dia do Bergasol. Numerosos produtos alimentares, tais como a toranja, o limão verde, a laranja amarga, o figo, o funcho, o aipo e a salsa, contêm concentrações consideráveis de MOP-5. Isto demonstra que o MOP-5, potencialmente perigoso no estado quimicamente puro, não é prejudicial para a saúde como componente de essências naturais. A este respeito, os demandantes citam a versão original do Anexo II da directiva cosméticos que, ao proibir a utilização de furocumarinas, entre elas o trioxisaleno e o metoxi-8-psoraleno, salvo teores anormais nas essências naturais utilizadas, faz precisamente a distinção entre os psoralenos no estado quimicamente puro, por um lado, e enquanto componentes de essências naturais, por outro.

42.
    Os demandantes concluem que a limitação a 1 mg/kg da concentração de MOP-5 nos produtos solares é desproporcionada relativamente ao objectivo pretensamente visado pela Comissão, a saber, a protecção da saúde do consumidor.

43.
    A demandada lembra que a directiva cosméticos tem por objectivo essencial a protecção da saúde pública. Em seu entender, a adaptação da directiva era proporcionada a este objectivo tendo em conta, primeiramente, estudos inquietantes sobre o carácter fotomutagénico e fotocancerígeno dos psoralenos, nomeadamente enquanto componentes de produtos solares em combinação com filtros protectores, e, em segundo lugar, pareceres desfavoráveis do comité científico e do comité de adaptação sobre os produtos solares contendo essência de bergamota. Nestas circunstâncias, tornou-se claro que não era possível afastar

os riscos para o consumidor. Por isso, a limitação da concentração de MOP-5 a 1 mg/kg foi uma medida adequada.

44.
    A demandada acrescenta que o MOP-5 enquanto componente de produtos solares não pode ser comparado ao MOP-5 enquanto componente de frutos e legumes. No primeiro caso, os efeitos do MOP-5 são intensificados pela exposição do consumidor ao sol, o que não é o caso no consumo dos frutos e legumes que contêm MOP-5.

Terceiro fundamento, desvio de poder

45.
    Segundo os demandantes, a Comissão nada mais fez que ajudar os concorrentes da sociedade demandante a excluí-la do mercado. Logo ao deferir o pedido do Governo Alemão de 27 de Março de 1987, a Comissão fez conscientemente, ou pelo menos com uma cegueira indesculpável, o jogo dos concorrentes alemães.

46.
    Também, ao tomar uma medida sem ter obtido a prova da sua necessidade, cometeu desvio de poder.

47.
    A demandada contesta ter agido no interesse dos concorrentes da sociedadedemandante. O único objectivo prosseguido foi o de defender a saúde pública.

Apreciação do Tribunal

Quanto às condições de uma eventual responsabilidade da Comunidade

48.
    A responsabilidade da Comunidade, por força do disposto no artigo 215.°, n.° 2, do Tratado e dos princípios gerais para que este remete, supõe a reunião de um conjunto de condições quanto à ilegalidade do comportamento de que a instituição é acusada, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1993, Italsolar/Comissão, C-257/90, Colect., p. I-9, n.° 33, e du Tribunal de Primeira Instância de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T-336/94, Colect., p. II-1343, n.° 30). Em matéria de responsabilidade por actos de natureza normativa, o comportamento de que a Comunidade é acusada deve constituir violação de uma norma superior de direito que proteja os particulares (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Dezembro de 1997, Quiller e Heusmann/Conselho e Comissão, T-195/94 e T-202/94, Colect., p. II-2247, n.° 49).

49.
    A presente acção tem por objectivo a indemnização de um prejuízo relacionado com actuações da Comissão ligadas à preparação e à aprovação de uma directiva de adaptação da directiva cosméticos.

50.
    Diz manifestamente respeito a actos de carácter normativo. Efectivamente, a directiva é um acto comunitário de âmbito geral e a possibilidade de determinar o número ou mesmo a identidade das pessoas a que se aplica não põe em causa

a sua natureza normativa (Despacho do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho, C-10/95 P, Colect., p. I-4149, n.° 30). A directiva de adaptação visa, de forma geral e abstracta, todos os empresários dos Estados-Membros que, no termo dos prazos fixados para a sua transposição para a ordem de jurídica interna, exerçam actividade no sector abrangido.

51.
    Há, assim, que verificar se a demandada não respeitou uma norma superior de direito que protege os particulares.

Quanto ao primeiro fundamento, vícios processuais

52.
    Contrariamente ao que sugerem os demandantes, o comité de adaptação, na sua reunião de 1 de Junho de 1992, não proferiu parecer negativo sobre a proposta da Comissão de limitar a concentração máxima de psoralenos nos produtos solares. Resulta, nomeadamente, da acta da referida reunião que os pareceres das delegações dos Estados-Membros divergiam entre, por um lado, a proposta de limitar a concentração máxima de MOP-5 a 1 mg/kg e, por outro, a proposição alternativa de limitar a concentração máxima de MOP-5 a 60 mg/kg. Resulta igualmente da mesma acta que a Comissão, nestas circunstâncias, decidiu retirar a sua proposta de medidas a tomar.

53.
    Tal situação não releva nem do artigo 10.°, n.° 3, alínea a), da directiva cosméticos, segundo o qual «a Comissão adoptará as medidas projectadas quando estas estiverem em conformidade com o parecer do comité», nem da alínea b) do n.° 3 do mesmo artigo, segundo o qual «quando as medidas projectadas não estiverem em conformidade com o parecer do comité, ou na falta de parecer, a Comissão submeterá sem tardar ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar. (...)».

54.
    Efectivamente, no caso em apreço, não existem «medidas projectadas», tendo em conta que a Comissão retirou, na própria reunião do comité de adaptação, a sua proposta de medidas.

55.
    Esta última iniciativa não pode ser criticada no caso em apreço na medida em que a Comissão deve dispor, nos processos que respeitam à saúde pública, que são simultaneamente delicados e controversos, de uma margem de apreciação e do prazo necessários para submeter a novo exame as questões científicas que determinem a sua decisão (v., a este respeito, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Fevereiro de 1998, Pharos/Comissão, T-105/96, Colect., p. II-285, n.os 65 e 68).

56.
    Por conseguinte, sem necessidade de decidir a questão de saber se o artigo 10.° da directiva cosméticos contém normas superiores de direito que protegem os particulares, há que concluir que a Comissão não violou esta disposição.

57.
    Os demandantes invocam ainda uma violação do princípio do contraditório.

58.
    A este respeito há que lembrar que o princípio do contraditório é um princípio fundamental do direito comunitário aplicável a qualquer processo administrativo instaurado relativamente a uma determinada pessoa e susceptível de levar a um acto lesivo dos seus interesses (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1994, Lisrestal/Comissão, T-450/93, Colect., p. II-1177, n.° 42), mas não se impõe nos processos legislativos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Atlanta e o./Comunidade, T-521/93, Colect., p. II-1707, n.° 70).

59.
    A título excepcional e em virtude de disposições expressas (v., nomeadamente, o Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping da parte de países não membros da Comunidade Europeia, JO 1996, L 56, p. 1), determinados direitos da defesa devem ser garantidos na elaboração de um acto normativo. No entanto, a directiva cosméticos não contém tais disposições.

60.
    De qualquer modo, resulta dos factos que os demandantes expuseram amplamente o seu ponto de vista aos membros do comité científico e à Comissão e que tiveram oportunidade de o apresentar oralmente ao grupo ad hoc de peritos (v. n.° 26 supra)

61.
    De tudo o que antecede resulta que o primeiro fundamento deve ser desatendido.

Quanto ao segundo fundamento, erro manifesto de apreciação e violação do princípio da proporcionalidade

62.
    Contrariamente ao afirmado pelos demandantes, a Comissão avaliou os potenciais efeitos dos MOP-5 em relação com os componentes mais tradicionais dos produtos solares, entre os quais, nomeadamente, os filtros solares. É o que resulta, por exemplo, do primeiro considerando da directiva de adaptação, formulado nos termos seguintes:

«Considerando que as furocumarinas são reconhecidamente substâncias fotomutagénicas e fotocancerígenas; que os estudos e os dados científicos, técnicos e epidemiológicos disponíveis não permitiram ao comité científico de cosmetologia concluir que a associação entre os filtros protectores e as furocumarinas garantia a inocuidade dos protectores solares e dos bronzeadores que contêm furocumarinas para além de uma concentração mínima (...)».

63.
    Aliás, nenhum elemento do processo permite concluir que a Comissão não se deu conta da questão científica em causa, a saber, a extensão do risco ligado à utilização de um óleo solar constituído parcealmente de essência de bergamota.

64.
    Deve recordar-se que a protecção da saúde pública é um dos objectivos da directiva cosméticos e que a Comissão, por si, não está em condições de fazer apreciações científicas que devam servir tal objectivo (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 1994, Angelopharm, C-212/91, Colect., p. I-171, n.os 32 e 38). O comité científico tem exactamente por função auxiliar as autoridades comunitárias nas questões científicas e técnicas para lhes permitir determinar, com todo o conhecimento de causa, as medidas de adaptação necessárias (mesmo acórdão, n.° 34).

65.
    À luz destes elementos, não pode censurar-se à Comissão ter consultado, no caso em apreço, o comité científico e seguido o seu parecer, formulado com base numa multitude de reuniões, de visitas e de estudos de peritos.

66.
    A propósito, quando subsistam incertezas sobre a existência ou a amplitude dos riscos para a saúde dos consumidores, as instituições podem tomar medidas de protecção sem terem de esperar que a realidade e a gravidade de tais riscos estejam plenamente demonstrados (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, National Farmer's Union e o., C-157/96, ainda não publicado na Colectânea, n.° 63).

67.
    Atentos os elementos que precedem, a actuação da Comissão e a medida tomada por ela não podem ser consideradas viciadas de erro manifesto de apreciação ou desproporcionadas.

68.
    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser igualmente desatendido.

Quanto ao terceiro fundamento, desvio de poder

69.
    Segundo jurisprudência constante, um acto de uma instituição comunitária será viciado de desvio de poder se for praticado com o objectivo exclusivo, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 1997, Itália/Comissão, C-285/94, Colect., p. I-3519, n.° 52). No entanto, apenas se pode concluir haver desvio de poder com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1998, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94, T-232/94, T-233/94 e T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 168).

70.
    No caso em apreço, as demandantes não demonstraram a existência de tais indícios em apoio do seu fundamento. Em especial, não demonstraram que, ao longo do processo legislativo em causa, a Comissão tenha querido servir um objectivo diverso do de defender a saúde pública.

71.
    Donde resulta que o terceiro fundamento também não pode ser atendido.

72.
    De tudo o que antecede resulta que a acção deve ser julgada improcedente, sem necessidade de verificar se a demandante provou a existência de prejuízo ou de nexo de causalidade entre a actuação sob censura a Comissão e aquele prejuízo.

Quanto às despesas

73.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte que sucumbir será condenada nas despesas se tal for requerido. Tendo os demandantes sucumbido nos seus pedidos, devem ser condenados nas despesas, conforme pedido pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),

declara e decide:

1.
    A acção é julgada improcedente.

2.
    Os demandantes são condenados nas despesas.

Tiili
Briët
                    Potocki

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Julho de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: francês.