Language of document : ECLI:EU:T:2022:276

Processo T718/20

Wizz Air Hungary Légiközlekedési Zrt. (Wizz Air Hungary Zrt.)

contra

Comissão Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção Alargada) de 4 de maio de 2022

«Auxílios de Estado — Transporte aéreo — Medida de apoio concedida pela Roménia — Auxílio de emergência concedido à TAROM — Decisão de não levantar objeções — Recurso de anulação — Qualidade de interessado — Salvaguarda dos direitos processuais — Admissibilidade — Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade — Medida que tem por objeto impedir dificuldades sociais ou colmatar uma falha de mercado — Princípio do auxílio único — Impacto de um auxílio anterior concedido antes da adesão da Roménia à União — Dificuldades sérias — Dever de fundamentação»

1.      Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Decisão da Comissão que declara a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno, sem dar início ao procedimento formal de investigação — Recurso dos interessados na aceção do artigo 108.°, n.° 2, TFUE — Recurso destinado a salvaguardar os direitos processuais dos interessados — Admissibilidade

[Artigos 108.°, n.° 2, e 263.°, 4.° parágrafo, TFUE; Regulamento n.° 2015/1589 do Conselho, artigos 1.°, alínea h), 4.°, n.° 3, e 6.°, n.° 1]

(cf. n.os 19‑28)

2.      Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno — Auxílios de emergência a uma empresa em dificuldade — Apreciação à luz do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade — Critérios — Prossecução de um objetivo de interesse comum — Medida que tem por objeto evitar dificuldades sociais ou colmatar uma falha de mercado — Ónus da prova a cargo do EstadoMembro em causa — Alcance

[Artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE; Comunicação da Comissão 2014/C 249/01, pontos 43 e 44]

(cf. n.os 34, 35, 38‑41)

3.      Auxílios concedidos pelos Estados — Projetos de auxílios — Análise pela Comissão — Fase preliminar e fase contraditória — Compatibilidade de um auxílio com o mercado interno — Dificuldades de apreciação — Obrigação que incumbe à Comissão de abrir o procedimento contraditório — Dificuldades sérias — Conceito — Caráter objetivo — Ónus da prova — Circunstâncias que permitem comprovar a existência de tais dificuldades — Obrigação que incumbe à Comissão de procurar, por sua própria iniciativa e na falta de qualquer indício nesse sentido, informações potencialmente relevantes não levadas ao seu conhecimento — Inexistência

(Artigo 108.°, n.os 2 e 3, TFUE; Regulamento n.° 2015/1589 do Conselho, artigo 4.°, n.os 3 e 4)

(cf. n.os 42‑44, 56, 57, 65, 70)

4.      Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno — Auxílios de emergência a uma empresa em dificuldade — Apreciação à luz do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade — Critérios — Prossecução de um objetivo de interesse comum — Medida que tem por objeto impedir dificuldades sociais ou colmatar uma falha de mercado — Auxílio concedido a uma companhia aérea que assegura uma conectividade regional — Auxílio que prossegue um objetivo de interesse comum

[Artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE; Comunicação da Comissão 2014/C 249/01, pontos 43 e 44]

(cf. n.os 48‑53, 74)

5.      Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno — Auxílios de emergência a uma empresa em dificuldade — Apreciação à luz do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade — Critérios — Auxílio único — Observância de um prazo de dez anos desde a concessão de um auxílio de emergência ou à reestruturação anterior, desde o termo do período de reestruturação anterior ou desde que o plano de reestruturação anterior deixou de ser executado — Auxílio à reestruturação anterior concedido mais de dez anos antes da concessão do novo auxílio mas aplicado nos dez anos anteriores a este último — Prazo de dez anos desde a concessão do auxílio anterior respeitado

[Artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE; Comunicação da Comissão 2014/C 249/01, pontos 70 e 71]

(cf. n.os 79‑92)

6.      Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno — Auxilios de emergência a uma empresa em dificuldade — Apreciação à luz do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade — Critérios — Auxílio único — Observância de um prazo de dez anos desde a concessão de um auxílio de emergência ou à reestruturação anterior, desde o termo do período de reestruturação anterior ou desde que o plano de reestruturação anterior deixou de ser executado — Período de reestruturação anterior — Conceito distinto de período de execução do auxílio à reestruturação anterior

[Artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE; Comunicação da Comissão 2014/C 249/01, pontos 70 e 71]

(cf. n.os 93‑99)

7.      Auxílios concedidos pelos Estados — Proibição — Derrogações — Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado interno — Auxílios de emergência a uma empresa em dificuldade — Apreciação à luz do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade — Critérios — Auxílio único — Observância de um prazo de dez anos desde a concessão de um auxílio de emergência ou à reestruturação anterior, desde o termo do período de reestruturação anterior ou desde que o plano de reestruturação anterior deixou de ser executado — Execução do plano de reestruturação anterior — Conceito distinto da execução do auxílio à reestruturação anterior

[Artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE; Comunicação da Comissão 2014/C 249/01, pontos 70 e 71]

(cf. n.os 100‑106)

8.      Auxílios concedidos pelos Estados — Decisão da Comissão de não levantar objeções relativamente a uma medida nacional — Dever de fundamentação — Alcance

[Artigos 107.°, n.° 3, alínea c), e 296.° TFUE]

(cf. n.os 118‑124)

Resumo

O Tribunal Geral confirma a decisão da Comissão que aprova o auxílio de emergência de 36 660 000 euros concedido pela Roménia à companhia aérea TAROM. Este auxílio é compatível com o mercado interno, uma vez que tem por objetivo evitar as dificuldades sociais que uma interrupção dos serviços prestados pela TAROM poderia acarretar para a conectividade de regiões romenas.

Em 19 de fevereiro de 2020, a Roménia notificou a Comissão de um plano de auxílio de emergência a conceder à TAROM, uma companhia aérea romena que exerce atividade, essencialmente, no domínio do transporte nacional e internacional de passageiros, de carga e de correio. A medida notificada era constituída por um empréstimo destinado ao financiamento das necessidades de liquidez da TAROM no montante de cerca de 36 660 000 euros, reembolsável no prazo de seis meses, com possibilidade de reembolso parcial antecipado.

Sem dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE, a Comissão declarou, por Decisão de 24 de fevereiro de 2020 (1), a compatibilidade da medida de auxílio estatal notificada com o mercado interno nos termos do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade (2).

A companhia aérea Wizz Air Hungary Zrt. (a seguir «recorrente») interpôs recurso de anulação desta decisão, ao qual a Décima Secção Alargada do Tribunal Geral nega provimento. No seu acórdão, a jurisdição fornece precisões sobre a apreciação da compatibilidade dos auxílios de emergência e à reestruturação com o mercado interno à luz da condição, prevista nas orientações, segundo a qual estes auxílios devem contribuir para um objetivo de interesse comum. O Tribunal analisa igualmente, de modo inédito, a condição de auxílio único dos auxílios de emergência e à reestruturação de empresas em dificuldade, prevista por essas mesmas orientações.

Apreciação do Tribunal Geral

Em primeiro lugar, o Tribunal julga improcedentes os fundamentos de anulação relativos a um erro de direito supostamente cometido pela Comissão ao decidir não dar início ao procedimento formal de investigação, não obstante as dúvidas que deveria ter tido na análise preliminar da compatibilidade do auxílio notificado com o mercado interno.

A este respeito, a recorrente sustentava, nomeadamente, que a declaração da compatibilidade do auxílio notificado com o mercado interno era contrária a duas das condições previstas pelas orientações para que um auxílio de emergência concedido a uma empresa em dificuldade possa ser declarado compatível com o mercado interno, concretamente (1) a condição relativa à contribuição da medida de auxílio para um objetivo de interesse comum, e (2) a condição de auxílio único dos auxílios de emergência e à reestruturação. Segundo a recorrente, o incumprimento das referidas condições é revelador das dúvidas que deveriam ter levado a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação.

Antes de mais, o Tribunal recorda que, quando um auxílio notificado suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, a Comissão está obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação.

Em seguida, no que se refere à primeira condição aplicável aos auxílios de emergência e à reestruturação cuja violação era invocada, a saber, a condição relativa à prossecução de um objetivo de interesse comum, o Tribunal salienta que resulta do ponto 43 das orientações que, para ser declarada compatível com o mercado interno ao abrigo das orientações, o auxílio notificado deve prosseguir um objetivo de interesse comum, na medida em que tem por objeto evitar dificuldades sociais ou colmatar uma falha de mercado. Isto é confirmado pelo ponto 44 das referidas orientações, segundo o qual os Estados‑Membros devem demonstrar que a falha do beneficiário seria suscetível de acarretar dificuldades sociais graves ou uma falha de mercado grave, nomeadamente mostrando que existe um risco de interrupção de um serviço importante, difícil de reproduzir e de ser facilmente assumido por um concorrente, em substituição do beneficiário.

Segundo o Tribunal, decorre dos referidos pontos das orientações que, embora o Estado‑Membro em causa deva demonstrar que o auxílio tem por objeto evitar dificuldades sociais ou colmatar uma falha do mercado, o mesmo não está obrigado a demonstrar que, na falta da medida de auxílio, certas consequências negativas se produziriam necessariamente, mas somente que são suscetíveis de se produzir.

No que se refere à questão de saber se a Comissão deveria ter tido dúvidas quanto à existência de um risco de que, na falta da medida de auxílio, tais dificuldades sociais ou falha de mercado ocorreriam ou de que a referida medida visa impedir ou colmatar a sua ocorrência, o Tribunal constata que, tendo em conta o mau estado das infraestruturas rodoviária e ferroviária na Roménia, a Comissão podia considerar que a conectividade regional assegurada através das ligações aéreas internas e a conectividade internacional operadas pela TAROM constituíam um serviço importante, cuja interrupção era suscetível de provocar dificuldades sociais graves ou de constituir uma falha do mercado, na aceção do ponto 44, alínea b), das orientações.

Neste contexto, o Tribunal precisa, além disso, que, embora, na análise da existência e da legalidade de um auxílio de Estado, possa ser necessário que a Comissão vá, sendo caso disso, além da simples análise dos elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento, não se pode deduzir que lhe incumbe procurar, por sua própria iniciativa e na falta de qualquer indício nesse sentido, todas as informações que possam apresentar uma ligação com o processo que lhe é submetido, ainda que tais informações sejam do domínio público.

À luz destas indicações, o Tribunal, ao apreciar os diferentes argumentos apresentados pela recorrente, conclui que estes não são suscetíveis de pôr em causa a análise da Comissão que confirma a importância da TAROM para a conectividade de regiões romenas, bem como o impacto muito significativo que teria uma insolvência desta empresa nessas regiões. Daqui resulta que a Comissão pôde, sem quaisquer dúvidas, concluir, unicamente nesta base, que a medida de auxílio notificado cumpria as exigências previstas nos pontos 43 e 44 das orientações.

Por último, quanto à segunda condição aplicável aos auxílios de emergência e à reestruturação cuja violação era invocada pela recorrente, a saber, a do auxílio único, o Tribunal recorda que, segundo o ponto 70 das orientações, tais auxílios só devem ser concedidos às empresas em dificuldade para uma única operação de reestruturação. Neste contexto, o ponto 71 das orientações prevê, nomeadamente, que, quando uma empresa já tenha beneficiado de um auxílio de emergência ou à reestruturação, a Comissão só autorizará a concessão de novos auxílios se tiverem decorrido pelo menos dez anos (1) desde a concessão do auxílio anterior (2) desde o termo do período de reestruturação anterior ou (3) desde que o plano de reestruturação anterior deixou de ser executado.

A este respeito, o Tribunal observa que, embora a TAROM tenha beneficiado até 2019 da execução de um auxílio à reestruturação sob a forma de empréstimo e de várias garantias relativas a outros empréstimos por ela subscritos, o facto é que esse auxílio tinha sido concedido entre 1997 e 2003 e que as garantias de empréstimos tinham sido todas acionadas imediatamente após a sua concessão. Não sendo a transferência efetiva dos recursos decisiva para determinar a data da concessão do auxílio, a primeira hipótese prevista no ponto 71 das orientações, a saber, o decurso de pelo menos dez anos desde a data da concessão do auxílio à reestruturação anterior, estava, por conseguinte, demonstrada.

Quanto à segunda e terceira hipóteses previstas no ponto 71 das orientações, a saber, o decurso de, pelo menos, dez anos desde o termo do período de reestruturação anterior ou desde que o plano de reestruturação anterior deixou de ser executado, o Tribunal salienta que o conceito de «período de reestruturação» se refere ao período durante o qual são tomadas as medidas de reestruturação, que é, em princípio, distinto daquele durante o qual é executada uma medida de auxílio estatal que acompanha essas medidas. Ora, em violação do ónus da prova que lhe incumbe a este respeito, a recorrente não apresentou nenhum elemento de prova ou indício de que o período de reestruturação anterior tinha terminado menos de dez anos antes da concessão da medida de auxílio notificada.

No que respeita ao conceito de «plano de reestruturação», o Tribunal precisa, além disso, que o facto de um auxílio à reestruturação estar ligado a um plano de reestruturação não significa que esse auxílio, enquanto tal, seja parte integrante do referido plano de reestruturação, constituindo a existência deste último, pelo contrário, uma condição essencial para que tal auxílio possa ser considerado compatível com o mercado interno. Assim, o Tribunal também não acolhe o argumento da recorrente de que o facto de o auxílio à reestruturação concedido à TAROM entre 1997 e 2003 ter sido executado até 2019 significa que o plano de reestruturação, que estava ligado a esse auxílio, durou igualmente até 2019.

Tendo em conta o que precede, o Tribunal julga igualmente improcedentes as alegações da recorrente relativas ao facto de a Comissão ter supostamente cometido um erro de direito ao decidir não dar início ao procedimento formal de investigação apesar das dúvidas que deveria ter tido na análise preliminar da condição de auxílio único dos auxílios de emergência e à reestruturação.

Em segundo lugar, o Tribunal julga improcedente o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação que incumbe à Comissão e, por conseguinte, nega provimento ao recurso na totalidade.


1      Decisão C (2020) 1160 final da Comissão, de 24 de fevereiro de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56244 (2020/N) — Roménia — Auxílio de emergência concedido à TAROM (JO 2020, C 310, p. 3).


2      Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade (JO 2014, C 249, p. 1, a seguir «orientações»).