Language of document : ECLI:EU:C:2011:496

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

21 de Julho de 2011 ?(1)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Acesso aos documentos das instituições – Regulamento (CE) n.° 1049/2001 – Artigo 4.°, n.os 2, segundo travessão, e 3, segundo parágrafo – Excepções ao direito de acesso no que respeita à protecção dos processos judiciais, das consultas jurídicas e do processo decisório – Controlo das concentrações – Documentos da Comissão elaborados no âmbito de um processo que conduziu à decisão de declarar incompatível com o mercado comum uma operação de concentração – Documentos redigidos após a anulação dessa decisão pelo Tribunal de Primeira Instância»

No processo C‑506/08 P,

que tem por objecto o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (actualmente Tribunal Geral), interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 14 de Novembro de 2008,

Reino da Suécia, representado por K. Petkovska e A. Falk, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiado por:

Reino da Dinamarca, representado por B. Weis Fogh e V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por C. Wissels e J. Langer, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

intervenientes no presente recurso,

sendo as outras partes no processo:

MyTravel Group plc, com sede em Rochdale (Reino Unido),

recorrente em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por X. Lewis, P. Costa de Oliveira e C. O’Reilly, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma e B. Klein, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada por E. Belliard, G. de Bergues e A. Adam, na qualidade de agentes,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por E. Jenkinson e S. Ossowski, na qualidade de agentes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič, M. Safjan e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Outubro de 2010,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 3 de Março de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, o Reino da Suécia pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 9 de Setembro de 2008, MyTravel/Comissão (T‑403/05, Colect., p. II‑2027, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao recurso interposto pela MyTravel Group plc (a seguir «MyTravel») da decisão D(2005) 8461 da Comissão, de 5 de Setembro de 2005 (a seguir «primeira decisão controvertida») e da decisão D(2005) 9763 da Comissão, de 12 de Outubro de 2005 (a seguir «segunda decisão controvertida»), que indeferiram parcialmente o pedido, apresentado pela MyTravel, de acesso a determinados documentos preparatórios da Comissão em matéria de controlo de concentrações (a seguir, conjuntamente, «decisões controvertidas»).

 Quadro jurídico

2        O segundo, o quarto e o décimo primeiro considerando do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), têm a seguinte redacção:

«(2)      Esta abertura permite assegurar uma melhor participação dos cidadãos no processo de decisão e garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático. A abertura contribui para o reforço dos princípios da democracia e do respeito dos direitos fundamentais consagrados no artigo 6.° do Tratado UE e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

[…]

(4)      O presente regulamento destina‑se a permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos e a estabelecer os respectivos princípios gerais e limites, em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 255.° do Tratado CE.

[…]

(11)      Em princípio, todos os documentos das instituições deverão ser acessíveis ao público. No entanto, determinados interesses públicos e privados devem ser protegidos através de excepções. É igualmente necessário que as instituições possam proteger as suas consultas e deliberações internas, se tal for necessário para salvaguardar a sua capacidade de desempenharem as suas funções. Ao avaliar as excepções, as instituições deverão ter em conta os princípios estabelecidos na legislação comunitária relativos à protecção de dados pessoais em todos os domínios de actividade da União.»

3        O artigo 1.° do referido regulamento dispõe:

«O presente regulamento tem por objectivo:

a)      Definir os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (adiante designados ‘instituições’), previsto no artigo 255.° do Tratado CE, de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível;

b)      Estabelecer normas que garantam que o exercício deste direito seja o mais fácil possível; e

c)      Promover boas práticas administrativas em matéria de acesso aos documentos.»

4        Nos termos do artigo 2.°, n.os 1 e 3, do mesmo regulamento:

«1.      Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.

[...]

3.      O presente regulamento é aplicável a todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União Europeia.»

5        O artigo 4.°, n.os 2, 3 e 6, do Regulamento n.° 1049/2001 prevê:

«2.      As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção de:

–        […]

–        processos judiciais e consultas jurídicas,

–        objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria,

excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.      O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

O acesso a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

6.      Quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das excepções, as restantes partes do documento serão divulgadas.»

6        Nos termos do artigo 7.°, n.° 2, do referido regulamento:

«No caso de recusa total ou parcial, o requerente pode dirigir à instituição, no prazo de 15 dias úteis a contar da recepção da resposta da instituição, um pedido confirmativo no sentido de esta rever a sua posição.»

 Antecedentes do litígio

7        Por acórdão de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão (T‑342/99, Colect., p. II‑2585), o Tribunal de Primeira Instância anulou a Decisão 2000/276/CE da Comissão, de 22 de Setembro de 1999, que declara a incompatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum e o Acordo EEE (Processo IV/M.1524 – Airtours/First Choice) (JO 2000, L 93, p. 1, a seguir «decisão Airtours»). Esta decisão dizia respeito à operação de concentração entre o operador turístico britânico Airtours plc, actualmente MyTravel, e o seu concorrente First Choice plc (a seguir «First Choice»).

8        A Comissão criou então um grupo de trabalho que juntou funcionários da Direcção‑Geral (DG) «Concorrência» e do Serviço Jurídico desta instituição, tendo por missão analisar a oportunidade da interposição de um recurso do referido acórdão e apreciar as repercussões que este poderia ter nos procedimentos aplicáveis ao controlo de concentrações ou a outros domínios. Este grupo de trabalho redigiu um relatório (a seguir «relatório») que foi apresentado ao membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência, em 25 de Julho de 2002, ou seja, antes do termo do prazo previsto para a interposição do recurso do mesmo acórdão.

9        Por carta de 23 de Maio de 2005, a MyTravel solicitou à Comissão, nos termos do Regulamento n.° 1049/2001, acesso ao relatório, aos documentos relativos à sua preparação (a seguir «documentos de trabalho») e aos documentos constantes do dossier da operação de concentração em causa, nos quais o relatório se baseou ou que eram citados no mesmo (a seguir «outros documentos internos»).

10      Tendo em conta o número de documentos solicitados, a MyTravel e a Comissão acordaram que esta última trataria separadamente, por um lado, o relatório e os documentos de trabalho e, por outro, os outros documentos internos.

11      Tendo a Comissão recusado inicialmente, pelo menos em parte, o acesso a todos estes documentos por duas cartas de 12 de Julho e 1 de Agosto de 2005, a MyTravel apresentou dois pedidos confirmativos, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001, aos quais a Comissão respondeu adoptando as decisões controvertidas.

12      Pela primeira decisão controvertida, a Comissão recusou, designadamente, transmitir à MyTravel o relatório e os documentos de trabalho, considerando, por um lado, que estes estavam abrangidos por uma, pelo menos, das excepções ao direito de acesso enunciadas no artigo 4.°, n.os 2, segundo e terceiro travessões, e 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, as quais visam, respectivamente, a protecção dos processos judiciais e das consultas jurídicas, dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria e do processo decisório e, por outro, que nenhum interesse público superior justificava a divulgação desses documentos.

13      Pela segunda decisão controvertida, a Comissão recusou igualmente o acesso a uma parte dos outros documentos internos. Considerou, com efeito, que as excepções previstas no artigo 4.°, n.os 2, terceiro travessão, e 3, segundo parágrafo, do referido regulamento, que têm em vista a protecção dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria e do processo decisório se aplicam, designadamente:

–        às notas que o director‑geral da DG «Concorrência» dirigiu ao membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência (a seguir «notas ao comissário»);

–        a cinco notas dirigidas pela DG «Concorrência» a outros serviços da Comissão, incluindo ao Serviço Jurídico, para comunicar e pedir o parecer dos destinatários sobre os projectos de texto (a seguir «notas aos outros serviços»); e

–        às notas de outros serviços da Comissão em resposta às cinco notas atrás referidas da DG «Concorrência», com o fim de expor a análise dos serviços em questão sobre os referidos projectos (a seguir «notas de resposta dos serviços diferentes do Serviço Jurídico»).

14      No que respeita às cinco notas apresentadas pelo Serviço Jurídico em resposta às cinco notas atrás referidas da DG «Concorrência» (a seguir «notas de resposta do Serviço Jurídico»), a Comissão invocou, para justificar a recusa de acesso, o artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, disposição que se refere à protecção dos processos judiciais e das consultas jurídicas.

15      Por outro lado, a Comissão referiu a situação particular de determinados documentos cujo acesso parcial ou total não foi concedido. Trata‑se, designadamente, do relatório do consultor‑auditor, de uma nota da DG «Concorrência» dirigida ao comité consultivo e de uma nota junta ao processo relativa a uma visita às instalações da First Choice.

16      Por último, a Comissão realçou que a MyTravel não apresentou nenhum argumento susceptível de demonstrar um interesse público superior que justificasse que os documentos que são objecto do pedido de acesso fossem, em todo caso, divulgados.

 Acórdão recorrido

17      A MyTravel interpôs, em 15 de Novembro de 2005, recurso de anulação das decisões controvertidas.

18      Em apoio do seu recurso, a MyTravel invocou uma série de fundamentos que pretendem demonstrar que, com as decisões controvertidas, a Comissão efectuou uma aplicação incorrecta do artigo 4.°, n.os 2, segundo e terceiro travessões, e 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, no que respeita às excepções ao direito de acesso que visam a protecção dos processos judiciais e das consultas jurídicas, das actividades de inspecção, inquérito e auditoria e do processo decisório.

 Quanto à excepção que visa a protecção do processo decisório

19      O Tribunal de Primeira Instância, em primeiro lugar, verificou se, nas decisões controvertidas, a Comissão tinha efectivamente aplicado a excepção relativa à protecção do processo decisório, prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

20      No que se refere ao relatório, após ter observado, nos n.os 42 a 46 do acórdão recorrido, que se tratava de um documento susceptível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação dessa excepção e que esta poderia ser invocada «mesmo após ter sido adoptada a decisão», o Tribunal de Primeira Instância lembrou, no n.° 47 do acórdão, que a Comissão tinha entendido que a divulgação do relatório seria susceptível de prejudicar gravemente o seu processo decisório, dado que poria em questão a liberdade de opinião dos seus autores.

21      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 48 a 53 do mesmo acórdão, que o relatório se inseria no quadro das funções puramente administrativas da Comissão. Ora, o interesse do público em obter a comunicação de um documento a título do princípio da transparência não tem o mesmo peso em relação a um documento de um procedimento administrativo do que no que respeita a um documento relativo a um processo no âmbito do qual a instituição em causa intervém na qualidade de legislador.

22      A divulgação do relatório implicaria, por isso, o risco de expor a opinião, eventualmente crítica, dos funcionários da Comissão e de permitir comparar o conteúdo do relatório com as decisões adoptadas a final. Por outro lado, os autores do relatório poderiam ser levados a autocensurarem‑se e a evitar exprimir opiniões que pusessem em risco o destinatário do referido relatório. Tal poderia prejudicar gravemente a liberdade de decisão da Comissão, cujos membros devem exercer as suas funções em plena independência, no interesse geral da União. Do mesmo modo, a Comissão ficaria privada da opinião livre e completa dos seus agentes e funcionários.

23      No n.° 54 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância salientou igualmente que esse risco de prejuízo grave para o processo decisório era razoavelmente previsível, e não puramente hipotético. Com efeito, seria verosímil que o membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência fosse induzido a não voltar a solicitar a opinião escrita, eventualmente crítica, dos seus colaboradores, se documentos como o que está em questão devessem ser divulgados.

24      Quanto aos documentos de trabalho, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 54 do acórdão recorrido, que, uma vez que o relatório está protegido ao abrigo do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, os documentos que contribuíram para a sua elaboração e que contêm apreciações preparatórias ou conclusões provisórias para uso interno estão igualmente abrangidos por esta excepção.

25      No que respeita aos outros documentos internos, ou seja, às notas ao comissário, às notas aos outros serviços e às notas de resposta dos serviços diferentes do Serviço Jurídico, o Tribunal de Primeira Instância salientou, nos n.os 94 a 100 do acórdão recorrido, que a Comissão afirmou correctamente que a divulgação parcial ou total destes diferentes documentos diminuiria a capacidade dos seus serviços para exprimir os seus pontos de vista e poderia prejudicar gravemente o seu processo decisório no âmbito do controlo de concentrações.

26      Efectivamente, esses documentos preparatórios poderiam revelar as opiniões, as hesitações ou as mudanças de opinião que, no termo do processo decisório em causa, já não constarão das versões finais das decisões em questão. Por outro lado, a divulgação dos referidos documentos significaria que, de futuro, os seus autores tomariam em conta a possibilidade de divulgação a tal ponto que poderiam ser levados a autocensurarem‑se e a deixarem de manifestar uma opinião susceptível de fazer correr um risco ao destinatário do documento em causa.

27      O Tribunal de Primeira Instância considerou igualmente que o risco de prejuízo grave para o processo decisório tinha sido apreciado pela Comissão de maneira individual e concreta, designadamente quando esta considerou que a divulgação dos documentos poderia perturbar a sua apreciação de operações similares susceptíveis de ocorrer entre as partes em causa ou no mesmo sector.

28      Por último, no n.° 100 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que o risco de prejuízo grave para o processo decisório, no caso de divulgação destes documentos, era razoavelmente previsível, e não puramente hipotético. Com efeito, é possível imaginar que esses documentos possam ser utilizados – mesmo quando não retomem necessariamente a posição definitiva da Comissão – para influenciar a posição dos seus serviços, quando do exame de processos semelhantes que envolvam o mesmo sector de actividades ou os mesmos conceitos económicos.

29      No que respeita ao relatório do consultor‑auditor, o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 104 a 106 do acórdão recorrido, que, da mesma forma que em relação aos outros documentos internos, a Comissão podia recusar o acesso ao mesmo, tendo em conta que, visto este relatório conter as opiniões do consultor‑auditor quanto ao mérito e aos aspectos processuais da operação de concentração em causa, a divulgação do mesmo poderia pôr em perigo a sua liberdade de opinião. Isto prejudicaria gravemente o processo decisório da Comissão em matéria de concentrações, na medida em que esta deixaria de se poder basear futuramente em pareceres independentes, livres e completos dos consultores‑auditores.

30      Quanto à nota da DG «Concorrência» dirigida ao comité consultivo, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a sua divulgação prejudicaria gravemente o processo decisório da Comissão, dado que a consulta do comité consultivo faz igualmente parte desse processo em matéria de controlo de concentrações. Ainda que o comité consultivo seja composto por representantes dos Estados‑Membros e, a este título, seja, por isso, distinto da Comissão, o facto de esta ser obrigada a transmitir a esse comité documentos internos, para que ele se possa pronunciar, permite considerar que a referida nota continua a ser um documento interno da Comissão.

31      O Tribunal de Primeira Instância entendeu igualmente que a divulgação da nota junta ao processo relativa a uma visita às instalações da First Choice prejudicaria gravemente o processo decisório da Comissão, tendo em conta que, em certas passagens, este documento reflectia as impressões dos funcionários da DG «Concorrência» durante essa visita.

32      O Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se ainda sobre a questão de saber se, no caso concreto, um interesse público superior, na acepção do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, segundo período, do Regulamento n.° 1049/2001, justificava que os documentos em questão fossem, em todo caso, divulgados. A este respeito, observou, no n.° 61 do acórdão recorrido, que a MyTravel alegou que «a necessidade de compreender o que aconteceu e o que foi feito pela Comissão, assim como a necessidade de garantir uma boa administração da justiça» constituem interesses públicos superiores que justificam a divulgação dos documentos.

33      O Tribunal de Primeira Instância considerou, no essencial, nos n.os 61 a 67 e 118 do acórdão recorrido, que esses argumentos não permitiam caracterizar suficientemente o interesse público superior exigido pelo Regulamento n.° 1049/2001 nem verificar que, depois de ponderado este alegado interesse público superior com o interesse em preservar a confidencialidade dos documentos em relação ao público ao abrigo das excepções ao direito de acesso, a Comissão deveria ter concluído que, não obstante, estes documentos deviam ser divulgados. Por outro lado, o Tribunal realçou igualmente que o interesse privado da MyTravel em dispor dos documentos em causa, para melhor fazer valer os seus argumentos no âmbito da acção de indemnização que propôs para ser indemnizada pelo prejuízo que alegadamente sofreu devido à gestão e à apreciação, feitas pela Comissão, da operação que foi objecto da decisão Airtours, não pode, enquanto interesse puramente privado, ser relevante para efeitos da ponderação dos interesses públicos.

34      O Tribunal de Primeira Instância concluiu, por isso, que a Comissão não cometeu nenhum erro de apreciação, ao considerar que a divulgação dos documentos acima referidos prejudicaria gravemente o seu processo decisório e que não havia um interesse superior susceptível de justificar, não obstante esse prejuízo, a divulgação dos mesmos.

 Quanto à excepção relativa à protecção das consultas jurídicas

35      Em segundo lugar, O Tribunal de Primeira Instância verificou se a Comissão, na segunda decisão controvertida, aplicou correctamente às notas de resposta do Serviço Jurídico a excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

36      A este respeito, considerou nos n.os 124 a 126 do acórdão recorrido, que a divulgação destas notas poderia transmitir ao público informações sobre o estado das discussões internas entre a DG «Concorrência» e o Serviço Jurídico quanto à legalidade da apreciação relativa à compatibilidade com o mercado comum da operação que foi objecto da decisão Airtours. Nestas condições, o risco de prejuízo para a protecção das consultas jurídicas não é puramente hipotético, uma vez que a divulgação desses pareceres poderia colocar a Comissão na situação delicada de o seu Serviço Jurídico ser obrigado a defender nos órgãos jurisdicionais da União uma posição diferente da que tinha defendido internamente. Ora, este risco é susceptível de afectar consideravelmente a liberdade de opinião do Serviço Jurídico e a possibilidade de este defender eficazmente perante estes órgãos jurisdicionais, em pé de igualdade com os outros representantes das diferentes partes no processo judicial, a posição definitiva da Comissão.

37      Pelas razões evocadas no que respeita à aplicação da excepção que tem em vista a protecção do processo decisório, recordadas no n.os 32 e 33 do presente acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 129 do acórdão recorrido, que nenhum interesse público superior, na acepção do artigo 4.°, n.° 2, último membro da frase, do Regulamento n.° 1049/2001, justificava a divulgação das referidas notas.

 Quanto às conclusões do acórdão recorrido

38      No que se refere à primeira decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 80 e 81 do acórdão recorrido, deu provimento ao recurso da MyTravel apenas no que respeita à parte dessa decisão que recusa o acesso a um dos documentos de trabalho, concretamente, o documento de trabalho n.° 15, com o único fundamento da excepção relativa à protecção das actividades de inspecção, inquérito e auditoria, referida no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001. Esta parte do acórdão recorrido não é objecto do presente recurso.

39      No restante, o Tribunal de Primeira Instância considerou, por um lado, no n.° 79 do acórdão recorrido, que, com a primeira decisão controvertida, a Comissão não cometeu nenhum erro de apreciação, ao recusar, com base no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do referido regulamento, o acesso a todos os restantes documentos cuja comunicação lhe tinha sido solicitada.

40      Por outro lado, no n.° 130 do acórdão recorrido, concluiu que, com a segunda decisão controvertida, a Comissão também não cometeu nenhum erro de apreciação, ao invocar o artigo 4.°, n.os 3, segundo parágrafo, ou 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 para recusar a divulgação dos diferentes documentos internos ou dos pareceres jurídicos em relação aos quais estas excepções tinham sido invocadas pela Comissão.

41      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que, por motivos de economia processual, já não havia que analisar as restantes alegações da MyTravel formuladas contra as decisões controvertidas.

42      Em especial, no que se refere à primeira decisão controvertida, Tribunal de Primeira Instância não analisou as alegações relativas às restantes excepções que a Comissão invocou para recusar a divulgação de uma ou outra parte do relatório ou dos documentos de trabalho, isto é, as excepções previstas no artigo 4.°, n.° 2, segundo e terceiro travessões, do Regulamento n.° 1049/2001, relativas, respectivamente, à protecção dos processos judiciais e das consultas jurídicas bem como dos objectivos das actividades de inspecção, inquérito e auditoria.

43      Quanto à segunda decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância absteve‑se igualmente de analisar as alegações referentes à excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inspecção, inquérito e auditoria, em conjugação com a excepção que visa a protecção do processo decisório, invocada pela Comissão para recusar a divulgação de outros documentos internos.

44      Tendo em conta estas considerações e após ter anulado parcialmente a primeira decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido, negou provimento ao recurso quanto ao restante.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

45      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 2009, foi admitida a intervenção do Reino da Dinamarca, do Reino dos Países Baixos e da República da Finlândia, em apoio dos pedidos do Reino da Suécia, e admitida a intervenção da República Federal da Alemanha, da República Francesa e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, em apoio dos pedidos da Comissão.

46      O Reino da Suécia e o Reino dos Países Baixos concluem pedido que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido;

–        anular a primeira decisão controvertida, em conformidade com os pedidos formulados pela MyTravel no Tribunal de Primeira Instância, na medida em que recusa o acesso ao relatório e aos outros documentos de trabalho da Comissão;

–        anular a segunda decisão controvertida, nos termos dos pedidos formulados pela MyTravel no Tribunal de Primeira Instância, na medida em que recusa o acesso aos outros documentos internos da Comissão; e

–        condenar a Comissão nas despesas relativas ao presente recurso.

47      O Reino da Dinamarca e a República da Finlândia concluem pedindo a anulação do n.° 2 do dispositivo do acórdão recorrido e das duas decisões controvertidas.

48      A Comissão, a República Federal da Alemanha, a República Francesa e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte concluem pedindo que seja negado provimento ao recurso e que o Reino da Suécia seja condenado nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

49      No seu recurso, o Reino da Suécia invoca no essencial três fundamentos, assentes na violação, respectivamente, do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, do n.° 2, segundo travessão, do mesmo artigo e da parte final dos n.os 2 e 3, segundo parágrafo, do referido artigo 4.°

 Quanto ao primeiro fundamento, assente na violação do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001

 Argumentos das partes

50      No seu primeiro fundamento, o Reino da Suécia, apoiado pelo Reino da Dinamarca, pelo Reino dos Países Baixos e pela República da Finlândia, afirma que o Tribunal de Primeira Instância interpretou incorrectamente a excepção relativa à protecção do processo decisório, na medida em que considerou que a Comissão podia, sem efectuar nenhuma apreciação concreta e individual dos documentos em causa, declarar que a divulgação destes prejudicaria gravemente o processo decisório desta instituição.

51      A título preliminar, o Governo sueco lembra desde logo que, nos termos do n.° 66 do acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Suécia/Comissão (C‑64/05 P, Colect., p. I‑11389), toda e qualquer excepção ao princípio da transparência deve ser interpretada em sentido estrito e a sua aplicação requer uma análise do conteúdo do documento em concreto. Além disso, o princípio da transparência aplica‑se a toda e qualquer actividade no interior da União, sem que haja que distinguir consoante a natureza administrativa ou legislativa do procedimento a que se refere o documento em causa no pedido de acesso. Por último, a presunção a favor da divulgação é mais forte quando se trata, como no caso presente, de um processo encerrado. Com efeito, como afirma igualmente o Reino da Dinamarca, as instituições devem ter em conta a cronologia de um processo.

52      Segundo o Reino da Suécia e os três Estados‑Membros que intervêm em seu apoio, a jurisprudência, em especial o acórdão de 1 de Julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, Colect., p. I‑4723), exige que, quando uma instituição recusa o acesso a um documento, invocando uma das excepções previstas pelo Regulamento n.° 1049/2001, essa instituição deve, designadamente, analisar se a divulgação desse documento prejudica concretamente o interesse protegido pela excepção em causa. No caso concreto, mesmo que a Comissão, em determinada medida, tenha procedido a uma apreciação da confidencialidade dos documentos solicitados, esta apreciação não terá sido, contudo, tão completa como requer o regulamento em causa, dado que esta instituição baseou a aplicação das excepções num raciocínio abstracto relativo à liberdade de opinião dos funcionários e na livre comunicação interna, e não no conteúdo dos documentos que foram objecto do pedido de acesso.

53      Mais especificamente, no que respeita ao relatório, o Reino da Suécia afirma desde logo que, mesmo sem ter conhecimento do seu conteúdo, é razoável supor que o mesmo contém não apenas informações confidenciais mas também partes que não constituem elementos sensíveis, como, por exemplo, a referência à decisão Airtours e ao acórdão Airtours/Comissão, já referido, ou ainda declarações gerais, que podem e devem ser divulgadas, designadamente em aplicação do artigo n.° 4, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001, disposição que prevê a possibilidade de acesso parcial.

54      Além disso, o Reino da Suécia critica o Tribunal de Primeira Instância por ter subscrito o argumento da Comissão de que os funcionários não manifestariam livremente os seus pontos de vista se houvesse uma possibilidade de os seus escritos serem publicados. Com efeito, a questão de saber se pode ser aplicada uma das excepções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001 deve ser decidida partindo do conteúdo do relatório, e não por meio de um raciocínio genérico relativo à liberdade de opinião dos autores do mesmo e ao eventual receio das consequências da publicação. A República da Finlândia acrescenta a este respeito que, uma vez que o artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001 impõe a existência de um risco de prejuízo grave para o processo decisório, a exigência relativa ao ónus da prova que incumbe à instituição é particularmente elevada.

55      Por último, quanto ao risco de a divulgação das opiniões dos funcionários poder incentivá‑los a autocensurarem‑se, o Reino da Suécia lembra que os funcionários são obrigados a cumprir as obrigações que decorrem da sua função, de modo objectivo e imparcial e no respeito do seu dever de lealdade para com a União. O facto de o público ter o direito de controlo das actividades das instituições não pode constituir uma razão aceitável para o não cumprimento dessas obrigações. Em todo caso, os funcionários das instituições devem ter consciência deste direito de controlo, sem poderem esperar legitimamente que a protecção da confidencialidade dos documentos detidos pela Comissão vá além do que prevê o Regulamento n.° 1049/2001.

56      No que se refere aos documentos de trabalho, o Reino da Suécia afirma que o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância segundo o qual o acesso a estes documentos podia ser recusado uma vez que o próprio relatório estava protegido pela excepção visada no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 é demasiado genérico e alarga indevidamente o âmbito de aplicação da excepção em causa.

57      Quanto às notas ao comissário, às notas aos outros serviços e às notas de resposta dos serviços diferentes do Serviço Jurídico, o Reino da Suécia considera que o Tribunal de Primeira Instância seguiu igualmente um raciocínio genérico e hipotético, ao basear‑se no receio de impedir a livre comunicação entre os diferentes serviços da Comissão.

58      Relativamente ao relatório do consultor‑auditor, o referido Estado‑Membro afirma que o artigo 16.°, n.° 3, da Decisão 2001/462/CE, CECA da Comissão, de 23 de Maio de 2001, relativa às funções do auditor em determinados processos de concorrência (JO L 162, p. 21), exige que este relatório seja publicado ao mesmo tempo que a decisão da Comissão no processo relativamente ao qual foi elaborado o relatório. Consequentemente, é mesmo duvidoso que o referido relatório seja abrangido pelo conceito de «pareceres para uso interno» na acepção do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001. É certo que, no caso vertente, o processo foi encerrado em 1999, ou seja, antes da adopção da referida decisão. Contudo, mesmo se à luz do regime aplicável em 1999 o relatório era susceptível de beneficiar da excepção relativa ao referido conceito, seria ainda necessário provar a exigência efectiva de confidencialidade.

59      No que respeita à nota da DG «Concorrência» dirigida ao comité consultivo, o Reino da Suécia contesta que se possa enquadrar no processo decisório da Comissão em matéria de controlo de concentrações, tendo em conta que este comité é independente da Comissão, pelo que a excepção em causa nem sequer é aplicável. Por outro lado, o artigo 19.°, n.° 7, do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1), prevê, relativamente ao parecer do comité consultivo, regras de publicação análogas às que regem o relatório do consultor‑auditor. De igual modo, nos termos do artigo 19.°, n.° 7, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1990, L 257, p. 13), o comité consultivo podia recomendar à Comissão a publicação do seu parecer. Nestas condições, segundo o referido Estado‑Membro, antes de poder qualificar de sensível uma nota dirigida ao comité consultivo a respeito da sua missão, era necessária uma análise aprofundada do conteúdo dessa nota.

60      Por último, o Reino da Suécia alega que as circunstâncias em que foi redigida a nota junta ao processo relativa a uma visita às instalações da First Choice não se inferem claramente do acórdão recorrido. Embora, como a MyTravel afirma, esta nota diga respeito às observações verbais da First Choice, nem sequer é seguro que contenha efectivamente um parecer para uso interno, na acepção do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001. Seria, por isso, necessário clarificar qual o conteúdo da referida nota, a fim de determinar se a excepção prevista nesta disposição lhe é aplicável.

61      A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pelo Reino Unido, responde que o recurso do Reino da Suécia carece de qualquer fundamento, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não subentendeu de modo algum que era inútil uma análise documento a documento.

62      As referidas partes realçam, desde logo, que o Reino da Suécia não contestou a afirmação do Tribunal de Primeira Instância, contida no n.° 49 do acórdão recorrido, de que o interesse do público em obter a comunicação de um documento não tem o mesmo peso quando se trata de um documento de um procedimento administrativo que vise, por exemplo, o direito da concorrência do que quando está em causa um documento relativo a um processo legislativo. Ora, a diferença de tratamento entre estes documentos justifica‑se designadamente tendo em conta a fiscalização da legalidade que é exercida sobre os actos administrativos.

63      Acresce que o Reino Unido afirma que a abordagem preconizada pelo Reino da Suécia é susceptível de entravar a realização do objectivo do legislador da União, de preservar um «espaço de reflexão» interno na instituição, como resulta dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 1049/2001.

64      A República Federal da Alemanha sublinha a este respeito que os interesses protegidos pelo Regulamento n.° 1049/2001 diferem dos interesses das partes num procedimento administrativo. Com efeito, a protecção destes últimos é assegurada por actos específicos, como o Regulamento (CE) n.° 802/2004 da Comissão, de 7 de Abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.° 139/2004 (JO L 133, p. 1), aplicável no presente caso. Por outro lado, no n.° 22 do despacho de 29 de Janeiro de 2009, Donnici/Parlamento (C‑9/08), o Tribunal de Justiça já precisou que a intenção de utilizar documentos internos no âmbito de um processo judicial individual contra uma instituição da União, conforme declarou a MyTravel, é indício de um interesse puramente particular.

65      Além disso, a Comissão e os Estados‑Membros que intervêm em seu apoio afirmam que, nas decisões controvertidas, a Comissão analisou de modo concreto cada um dos documentos aos quais o acesso tinha sido solicitado, o que, aliás, é confirmado pelo facto de ter aceitado comunicar alguns deles à MyTravel. A República Federal da Alemanha acrescenta a este respeito que a relação entre o grau de importância da fundamentação da recusa e o caso concreto depende directamente da situação específica em causa. No que se refere aos processos em matéria de concorrência, as divergências de opinião surgidas entre os serviços ao longo de um procedimento administrativo, que são concretizadas em pareceres internos do Serviço Jurídico ou de outros serviços da Comissão, não deixariam de ser exploradas. A Comissão correria então o risco de, em procedimentos administrativos ou judiciais futuros, ver invocados contra si pareceres internos anteriores divergentes.

66      Por último, a Comissão considera que o argumento do Reino da Suécia segundo o qual um funcionário é obrigado a cumprir as funções que lhe são confiadas com imparcialidade e objectividade carece de relevância no presente caso.

67      Quanto aos diferentes documentos em causa, a Comissão considera que são injustificados os argumentos do Reino da Suécia segundo os quais, sem mesmo ter tomado conhecimento do relatório, é razoável pensar que o mesmo contém partes que não apresentam carácter sensível, que seriam, por isso, susceptíveis de ser objecto de divulgação parcial. Em todo caso, não é concebível o acesso parcial quando nenhuma das partes de um documento é dissociável das restantes.

68      No que respeita aos documentos de trabalho, a Comissão afirma que recusou o acesso aos mesmos, após uma análise concreta de cada um deles. Com efeito, estes documentos foram redigidos para preparar o relatório e são literalmente reproduzidos neste com frequência. Consequentemente, não podiam ser divulgados pelas mesmas razões que as invocadas em relação ao próprio relatório.

69      Quanto ao relatório do consultor‑auditor, a Comissão afirma que, durante um inquérito em matéria de concentrações, o consultor‑auditor elabora dois relatórios, ou seja, um relatório intercalar, meramente interno, e um relatório final, que é destinado a publicação, nos termos do artigo 16.°, n.° 3, da Decisão 2001/462. Ora, o relatório em questão no presente processo é um relatório intercalar, dirigido ao membro da Comissão responsável pelas questões da concorrência. O Tribunal de Primeira Instância enunciou, nos n.os 104 a 106 do acórdão recorrido, as razões pelas quais este relatório não devia ser divulgado. Em todo caso, a Comissão esclarece que o regime anterior à referida decisão, aplicável ratione temporis ao presente caso, não previa nenhuma publicação do relatório do consultor‑auditor.

70      Quanto à nota interna da DG «Concorrência», dirigida ao comité consultivo, a Comissão e o Reino Unido consideram que a circunstância de o parecer do referido comité ser público não é relevante no presente caso. Com efeito, a nota em questão, na qual essa direcção‑geral resume o seu projecto de decisão, tem um teor totalmente diferente do desta última e deve ser considerada, por esse facto, um documento interno.

71      A Comissão observa, por último, que a nota junta ao processo relativa a uma visita às instalações da First Choice reflectia as impressões dos funcionários da DG «Concorrência» durante a visita. Ora, dar mais detalhes sobre o conteúdo deste documento equivaleria a privar a excepção em questão do seu efeito útil.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

72      A título liminar, é de lembrar que, em conformidade com o seu primeiro considerando, o Regulamento n.° 1049/2001 se inscreve na vontade expressa no artigo 1.°, segundo parágrafo, do Tratado UE, introduzido pelo Tratado de Amesterdão, de assinalar uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos. Como recorda o segundo considerando do referido regulamento, o direito de acesso do público aos documentos das instituições está associado ao carácter democrático destas últimas (acórdãos Suécia e Turco/Conselho, já referido, n.° 34, e de 21 de Setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 68).

73      Para este efeito, o Regulamento n.° 1049/2001 tem por objectivo, como indicado no seu quarto considerando e no artigo 1.°, permitir um direito de acesso o mais amplo possível do público aos documentos das instituições (acórdãos Suécia e Turco/Conselho, já referido, n.° 33; de 29 de Junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 51; e Suécia e o./API e Comissão, já referido, n.° 69).

74      É certo que este direito não deixa de estar sujeito a determinados limites baseados em razões de interesse público ou privado. Mais especificamente, e em conformidade com o seu décimo primeiro considerando, o referido regulamento prevê, no seu artigo 4.°, um regime de excepções que autoriza as instituições a recusar o acesso a um documento, no caso de a divulgação do mesmo poder prejudicar um dos interesses protegidos por este artigo (v., neste sentido, acórdãos de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho, C‑266/05 P, Colect., p. I‑1233, n.° 62, e Suécia e o./API e Comissão, já referido, n.os 70 e 71).

75      Não obstante, uma vez que estas excepções derrogam o princípio do acesso o mais amplo possível do público aos documentos, devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita (acórdãos, já referidos, Sison/Conselho, n.° 63, Suécia e Turco/Conselho, n.° 36, e Suécia e o./API e Comissão, n.° 73).

76      Assim, quando a instituição em causa decide recusar o acesso a um documento cuja comunicação lhe tinha sido solicitada, incumbe‑lhe, em princípio, explicar as razões pelas quais o acesso a esse documento poderia prejudicar concreta e efectivamente o interesse protegido por uma excepção prevista no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, que essa instituição invoca (acórdãos Suécia e o./API e Comissão, já referido, n.° 72 e jurisprudência referida). Por outro lado, o risco desse prejuízo deve ser razoavelmente previsível e não meramente hipotético (acórdão Suécia e Turco/Conselho, já referido, n.° 43).

77      Quanto à excepção que se destina a proteger o processo decisório, prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001, há que analisar se, como alegam o Reino da Dinamarca e o Reino da Suécia, a circunstância de os documentos visados por esta disposição respeitarem a um procedimento administrativo que já foi encerrado é relevante para a aplicação concreta da excepção em causa. Efectivamente, ao contrário dos factos em causa no processo que deu lugar ao acórdão Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, já referido (n.° 18), mencionado pelo Reino da Suécia na audiência, e conforme resulta do n.° 9 do presente acórdão, a MyTravel apresentou o seu pedido de acesso aos documentos relativos ao processo que levou à decisão Airtours, em 23 de Maio de 2005, ou seja, num momento em que esta decisão, que tem a data de 22 de Setembro de 1999, não só já tinha sido adoptada mas igualmente anulada pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Airtours/Comissão, já referido, em relação ao qual tinha terminado o prazo de recurso.

78      A este respeito, é de sublinhar que o artigo 4.°, n.° 3, faz uma distinção clara, precisamente, em função da circunstância de um processo estar encerrado ou não. Assim, por um lado, nos termos do primeiro parágrafo desta disposição, enquadra‑se no âmbito de aplicação da excepção que visa a protecção do processo decisório qualquer documento elaborado por uma instituição para o seu uso interno ou por ela recebido, relacionado com a matéria sobre a qual a instituição não tenha ainda decidido. Por outro lado, o segundo parágrafo da mesma disposição prevê que, após ter sido tomada a decisão, a excepção em causa abrange unicamente os documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa.

79      Por conseguinte, é apenas em relação a uma parte dos documentos para uso interno, ou seja, os que contêm pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, que o segundo parágrafo do referido n.° 3 permite a recusa, mesmo após a decisão ter sido adoptada, quando a sua divulgação possa prejudicar gravemente o processo decisório dessa instituição.

80      Daqui resulta que o legislador da União considerou que, uma vez adoptada a decisão, as exigências de protecção do processo decisório apresentam menor relevância, pelo que a divulgação de todo e qualquer documento para além dos mencionados no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 nunca poderá prejudicar o referido processo e a recusa da divulgação desse documento não pode ser autorizada, mesmo quando a divulgação do mesmo pudesse prejudicar gravemente esse processo se tivesse tido lugar antes da adopção da decisão em causa.

81      Na verdade, como o Tribunal de Primeira Instância salientou, no essencial, no n.° 45 do acórdão recorrido, a simples possibilidade de invocar a excepção em questão para recusar o acesso a documentos que contêm pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, de modo nenhum é afectada pela circunstância de a decisão ter sido adoptada. Contudo, tal não significa que a apreciação que a instituição em causa tem de levar a cabo para determinar se a divulgação de um destes documentos pode ou não prejudicar gravemente o seu processo decisório não deva ter em conta a circunstância de o procedimento administrativo ao qual esses documentos se referem ter sido encerrado.

82      Com efeito, as razões invocadas por uma instituição e que podem justificar a recusa de acesso a um documento desse tipo, cuja comunicação tenha sido requerida antes do encerramento do procedimento administrativo, podem não ser suficientes para a recusa de divulgação do mesmo documento após a adopção da decisão, se esta instituição não esclarecer as razões específicas pelas quais considera que o encerramento do processo não exclui que a recusa do acesso continue a ser justificada atendendo ao risco de prejuízo grave para o seu processo decisório (v., por analogia com o artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, acórdão Suécia e o./API e Comissão, já referido, n.os 132 a 134).

83      É à luz destes princípios que há que analisar o primeiro fundamento invocado pelo Reino da Suécia em apoio do seu recurso.

84      Para este efeito, há que verificar se o Tribunal de Primeira Instância aplicou correctamente o artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 em relação a cada um dos documentos cujo acesso foi recusado à MyTravel pelas decisões controvertidas, com fundamento nesta disposição.

85      No que respeita ao relatório, há que analisar se o Tribunal de Primeira instância concluiu correctamente, no n.° 55 do acórdão recorrido, que a divulgação da totalidade do acórdão prejudicaria gravemente o processo decisório da Comissão.

86      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou desde logo, no n.° 49 do acórdão recorrido, que o interesse do público em obter a comunicação de um documento ao abrigo do princípio da transparência não tem o mesmo peso no que respeita a um documento de um procedimento administrativo que visa a aplicação das regras que regem o controlo das concentrações ou o direito da concorrência em geral do que no que respeita a um documento relativo a um processo no quadro do qual a instituição comunitária intervém na qualidade de legislador. Além disso, nos n.os 50 a 52 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, nessas circunstâncias, a divulgação ao público de um documento como o relatório impediria a Comissão de dispor de uma opinião livre e completa dos seus próprios serviços, dado que essa divulgação conduziria os autores do documento a autocensurarem‑se. Por último, a obrigação de divulgar esses documentos incitaria o membro da Comissão responsável pela concorrência a não solicitar a opinião escrita, eventualmente crítica, dos seus colaboradores sobre questões da sua competência ou da da Comissão, o que prejudicaria consideravelmente a eficácia do processo decisório interno da Comissão.

87      Ora, é de referir, em primeiro lugar, que, na verdade, como o Tribunal de Justiça já esclareceu, a actividade administrativa da Comissão não exige um acesso aos documentos tão alargado como o relativo à actividade legislativa de uma instituição da União (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, n.° 60, e Suécia e o./API e Comissão, n.° 77).

88      Contudo, tal não significa de modo algum, como correctamente afirmam o Reino da Suécia, o Reino dos Países Baixos e a República da Finlândia, que essa actividade escape ao âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1049/2001. Com efeito, basta recordar a este respeito que o artigo 2.°, n.° 3, deste regulamento precisa que o mesmo se aplica a todos os documentos detidos por uma instituição, ou seja, por ela elaborados ou recebidos e que se achem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União.

89      Em segundo lugar, as restantes considerações mencionadas no n.° 86 do presente acórdão e consideradas pelo Tribunal de Primeira Instância como suficientes para justificar a recusa, pela Comissão, do pedido de acesso da MyTravel não são de maneira nenhuma apoiadas em elementos circunstanciados, tendo em conta o carácter concreto do relatório, que permitam compreender as razões pelas quais a divulgação deste seria susceptível de prejudicar gravemente o processo decisório da Comissão, apesar de o processo a que esse documento se refere já ter sido encerrado. Por outras palavras, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter exigido à Comissão que indicasse, em conformidade com os princípios enunciados, designadamente, nos n.os 81 e 82 do presente acórdão, as razões específicas pelas quais esta instituição considerava que o encerramento do procedimento administrativo não excluía que a recusa de acesso ao relatório continuasse a ser justificada atento o risco de prejuízo grave para o referido processo decisório.

90      Daqui resulta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão podia, nessas circunstâncias, recusar o acesso à totalidade do relatório.

91      Quanto aos outros documentos, há que analisar previamente os argumentos invocados pelo Reino da Suécia para contestar que o relatório do consultor‑auditor, a nota da DG «Concorrência» dirigida ao comité consultivo e a nota junta ao processo relativa a uma visita às instalações da First Choice possam ser considerados, contrariamente à apreciação do Tribunal de Primeira Instância contida, respectivamente, nos n.os 105, 111 e 116 do acórdão recorrido, como documentos que contêm pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, na acepção do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

92      Ora, no que respeita, desde logo, ao relatório do consultor‑auditor, é forçoso concluir que, mesmo que o Reino da Suécia tenha dúvidas quanto à possibilidade de aplicar a excepção em causa a este relatório, que está sujeito à regulamentação prevista pela Decisão 2001/462, ele próprio reconhece que, à luz do regime concretamente aplicável em 1999 ao relatório do consultor‑auditor, cuja comunicação tinha sido requerida pela MyTravel, o mesmo é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo.

93      No que respeita, em seguida, à nota da DG «Concorrência» dirigida ao comité consultivo, é evidente que, contrariamente ao que afirma o Reino da Suécia, a circunstância de um documento ser susceptível de ser publicado não exclui, enquanto tal, que esse mesmo documento possa ser abrangido pela excepção em causa. Com efeito, resulta da redacção do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 que este se aplica a todo e qualquer documento que contenha pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa. Ora, como referiu o Tribunal de Primeira Instância no n.° 111 do acórdão recorrido, sem ser contrariado neste ponto pelo Reino da Suécia nem pelos Estados‑Membros que intervieram em apoio deste, o que permite considerar que o documento em causa é um documento interno da Comissão para efeitos de aplicação da referida disposição é precisamente o facto de a Comissão ser obrigada a transmitir a este comité consultivo documentos internos nos termos do artigo 19.° do Regulamento n.° 4064/89, a fim de este se poder pronunciar em conformidade com o processo que exige a sua intervenção.

94      Por último, quanto à nota junta ao processo relativa a uma visita às instalações da First Choice, é de referir que o Reino da Suécia não afirma que o Tribunal de Primeira Instância tenha desvirtuado os factos quando, no n.° 116 do acórdão recorrido, declarou que este documento continha deliberações internas da DG «Concorrência» relativas ao inquérito, na medida em que, em relação a certas partes, este documento reflectia as impressões dos funcionários desta direcção‑geral durante a visita, e não, como afirmou a MyTravel em primeira instância, observações verbais da First Choice. Nestas condições, a apreciação dos factos efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância não pode ser posta em causa em sede de recurso.

95      Daqui resulta que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito, ao considerar que o relatório do consultor‑auditor, a nota da DG «Concorrência» dirigida ao comité consultivo e a nota junta ao processo relativa a uma visita às instalações da First Choice constituíam documentos que continham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na Comissão, na acepção do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

96      Contudo, o Reino da Suécia afirma que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, quando concluiu, no essencial, nos n.os 59, 94, 104, 111 e 115 do acórdão recorrido, que a divulgação dos três documentos mencionados no n.° 91 do presente acórdão e, por um lado, dos documentos de trabalho e, por outro, das notas ao comissário, das notas aos outros serviços e das notas de resposta dos serviços diferentes do Serviço Jurídico prejudicaria gravemente o processo decisório da Comissão.

97      Ora, há desde logo que observar que, no que respeita ao relatório do consultor‑auditor, à nota da DG «Concorrência» dirigida ao comité consultivo e à nota junta ao processo relativa a uma visita às instalações da First Choice, o Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, nos n.os 106, 111 e 116 do acórdão recorrido, baseou a legalidade do indeferimento pela Comissão do pedido de divulgação apresentado pela MyTravel, unicamente, em considerações que se prendem com a incidência que essa divulgação poderia ter na liberdade de opinião do consultor‑auditor, com a natureza de documento interno dos documentos em causa e com a circunstância de estes reflectirem as impressões dos funcionários da Comissão.

98      Ora, é forçoso concluir que, ao contrário das exigências recordadas nos n.os 81 e 82 do presente acórdão, o Tribunal de Primeira Instância não verificou de modo nenhum se a Comissão tinha apresentado razões específicas pelas quais essas considerações permitiam concluir que a divulgação destes últimos documentos prejudicaria gravemente o processo decisório desta instituição, apesar de o procedimento administrativo a que estes documentos se referiam estar terminado.

99      Além disso, no que respeita aos documentos de trabalho, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 59 do acórdão recorrido, considerou que estes tinham permitido a elaboração do relatório e continham apreciações preparatórias ou conclusões provisórias para uso interno e que eram, por isso, abrangidos pela excepção em causa.

100    É de observar a este respeito que, tendo em conta que, como foi decidido no n.° 89 do presente acórdão, as considerações que levaram o Tribunal de Primeira Instância a concluir que o acesso ao relatório podia ser recusado não eram suficientes, o Tribunal também não podia considerar, apenas com base na circunstância de esses documentos de trabalho terem permitido a elaboração do relatório, que a divulgação destes prejudicaria gravemente o processo decisório da Comissão e que, por isso, esses documentos não deviam ser divulgados.

101    Por último, quanto às notas ao comissário, às notas aos outros serviços e às notas de resposta dos serviços diferentes do Serviço Jurídico, o Tribunal de Primeira Instância considerou, em contrapartida, nos n.os 98 e 99 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha explicado que a recusa da divulgação destes documentos era justificada mesmo após a adopção da segunda decisão controvertida, dado que essa divulgação poderia perturbar a sua apreciação de operações semelhantes, susceptíveis de ocorrer entre as partes em causa ou no mesmo sector, ou ainda de «processos relativos ao conceito de posição dominante colectiva». Além disso, a Comissão referiu‑se também especificamente ao processo EMI/Time Warner, a respeito do qual indeferiu um pedido de acesso ao abrigo do Regulamento n.° 1049/2001, relativo à comunicação de acusações, para proteger as deliberações dos seus serviços no processo BMG/Sony, que se referia ao mesmo sector de actividades.

102    Contudo, há que concluir que, como referiu, no essencial, a advogada‑geral nos n.os 78 a 84 das suas conclusões, esses argumentos não são minimamente fundamentados. Em primeiro lugar, a Comissão não apresentou, como é exigido pela jurisprudência mencionada no n.° 76 do presente acórdão, nenhum elemento que permita considerar que o acesso aos referidos documentos teria uma incidência concreta noutros procedimentos administrativos específicos. Acresce que, mesmo pressupondo que a Comissão, num processo isolado, tivesse correctamente indeferido um pedido de acesso à comunicação de acusações, para proteger as deliberações dos seus serviços noutro processo que se referia ao mesmo sector de actividades, tal não demonstra de modo algum que toda e qualquer recusa de acesso a documentos com fundamento na excepção em questão se justifique enquanto tal.

103    À luz do que antecede, há que considerar procedente o primeiro fundamento invocado pelo Reino da Suécia em apoio do seu recurso.

 Quanto ao segundo fundamento, assente na violação do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001

 Argumentos das partes

104    Com o seu segundo fundamento, o Reino da Suécia, apoiado pelo Reino da Dinamarca, pelo Reino dos Países Baixos e pela República da Finlândia, afirma que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, ao considerar, ignorando a jurisprudência resultante do acórdão Suécia e Turco/Conselho, já referido, que a Comissão tinha correctamente recusado o acesso às notas de resposta do Serviço Jurídico, com fundamento na excepção que visa a protecção das consultas jurídicas, sem ter previamente procedido a uma análise do conteúdo destas notas.

105    Com efeito, a circunstância de a legalidade de uma decisão poder ser posta em causa pela divulgação de um documento não constitui uma razão que justifique que este documento não seja divulgado. Em contrapartida, é precisamente a ausência de informação que é susceptível de dar lugar a dúvidas sobre a legitimidade do processo decisório no interior das instituições. Ora, este risco será evitado se, na sua decisão, a Comissão indicar claramente os fundamentos que a levaram a optar por uma solução relativamente à qual o Serviço Jurídico tinha emitido um parecer desfavorável. Por outro lado, a afirmação de que, no caso de divulgação, o Serviço Jurídico seria levado, no futuro, a mostrar contenção e prudência, carece de fundamento. Por último, o argumento de que seria difícil para este último defender um ponto de vista diferente do seu perante o órgão jurisdicional da União é demasiado genérico para demonstrar a existência de um risco de prejuízo para o interesse protegido pela referida disposição.

106    A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pelo Reino Unido, considera que o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância está em conformidade com a jurisprudência que resulta do acórdão Suécia e Turco/Conselho, já referido.

107    Com efeito, o documento em causa no processo que deu lugar ao referido acórdão respeitava a um processo legislativo, enquanto, no presente caso, as notas de resposta do Serviço Jurídico se referem a um processo de natureza administrativa. Ora, o Tribunal de Primeira Instância esclareceu detalhadamente, nos n.os 123 a 127 do acórdão recorrido, que o risco de prejudicar a protecção das consultas jurídicas que a divulgação destas notas implica é concreto e está ligado à circunstância de que, se o colégio dos comissários não seguir os pareceres do Serviço Jurídico e adoptar uma decisão diferente da preconizada por este, a divulgação destes pareceres fragilizaria o benefício que a Comissão pode retirar desses mesmos pareceres.

108    A República Federal da Alemanha acrescenta que o Tribunal de Justiça já decidiu, no n.° 18 do despacho Donnici/Parlamento, já referido, que, no contexto de um processo judicial, o princípio do processo equitativo será violado se, por exemplo, o Serviço Jurídico se vir constrangido, no caso de divergência entre o parecer que emitiu e a decisão adoptada a final, a ter de defender num processo uma posição oposta à que ele próprio exprimiu no passado.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

109    Para responder ao segundo fundamento do recurso, há que recordar desde logo que, conforme foi precisado nos n.os 87 e 88 do presente acórdão e ao contrário do que parece sugerir, designadamente, a Comissão, a actividade administrativa das instituições de modo nenhum escapa ao âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1049/2001.

110    Por outro lado, é igualmente de referir que, como foi recordado no n.° 76 do presente acórdão, quando a instituição em causa decide recusar o acesso a um documento cuja comunicação lhe foi requerida, incumbe‑lhe, em princípio, explicar de que modo o acesso a esse documento poderia, concreta e efectivamente, prejudicar o interesse protegido por uma excepção prevista no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, que essa instituição invoca.

111    No que respeita, no presente processo, à excepção relativa à protecção das consultas jurídicas, prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do referido regulamento, há que verificar, como requerem o Reino da Suécia e os outros Estados‑Membros que intervêm em seu apoio, se as considerações que o Tribunal de Primeira Instância teve em conta eram efectivamente suficientes para concluir que a Comissão recusou correctamente o acesso às notas de resposta do Serviço Jurídico.

112    Para este efeito, há que recordar que o Tribunal de Primeira Instância considerou, em primeiro lugar, no n.° 124 do acórdão recorrido, que a divulgação das referidas notas poderia transmitir ao público informações sobre o estado das discussões internas entre a DG «Concorrência» e o Serviço Jurídico quanto à legalidade da apreciação relativa à compatibilidade com o mercado comum da operação que levou à decisão Airtours, o que, como tal, poderia pôr em causa as decisões susceptíveis de vir a ser adoptadas em relação às mesmas partes ou no mesmo sector. Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 125 do referido acórdão, considerou que o facto de deferir um pedido de divulgação das notas em causa seria susceptível de, no futuro, levar o Serviço Jurídico a mostrar contenção e prudência na redacção de tais notas, a fim de não afectar a capacidade de decisão da Comissão nas matérias em que esta intervém na qualidade de administração. Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 126 do mesmo acórdão, referiu que a divulgação destas notas poderia colocar a Comissão na situação delicada de o seu Serviço Jurídico ser obrigado a defender perante o Tribunal de Primeira Instância uma posição diferente daquela que tinha defendido internamente no âmbito do seu papel de consultor dos serviços responsáveis pelo processo ao longo do procedimento administrativo.

113    Ora, tratando‑se, desde logo, do receio de que a divulgação de um parecer do Serviço Jurídico da Comissão relativo a um projecto de decisão seja susceptível de induzir uma dúvida quanto à legalidade da decisão definitiva, é de referir que, como afirmou correctamente o Reino da Suécia, é precisamente a transparência a este respeito que, ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, contribui para conferir às instituições uma maior legitimidade aos olhos dos cidadãos da União e para aumentar a confiança dos mesmos. De facto, é sobretudo a falta de informação e de debate que é susceptível de fazer nascer dúvidas no espírito dos cidadãos, não só quanto à legalidade de um acto isolado mas também quanto à legitimidade de todo o processo decisório (acórdão Suécia e Turco/Conselho, já referido, n.° 59).

114    Por outro lado, o risco de nascerem dúvidas no espírito dos cidadãos da União quanto à legalidade de um acto adoptado por uma instituição pelo facto de o Serviço Jurídico desta instituição ter emitido um parecer desfavorável sobre esse acto não se concretizaria, na maioria das vezes, se a fundamentação desse acto fosse reforçada de modo a pôr em evidência as razões pelas quais esse parecer desfavorável não foi seguido (acórdão Suécia e Turco/Conselho, já referido, n.° 60).

115    No que respeita, em seguida, ao argumento de que o Serviço Jurídico mostraria contenção e prudência, basta observar que o Tribunal de Primeira Instância, sem sequer verificar se esse argumento era apoiado por elementos concretos e circunstanciados, se baseou apenas em considerações gerais e abstractas.

116    Por outro lado, quanto ao argumento de que o Serviço Jurídico poderia ser constrangido a defender perante os órgãos jurisdicionais da União a legalidade de uma decisão a respeito da qual tinha emitido um parecer negativo, é de referir que, como afirma o Reino da Suécia, um argumento de ordem tão genérica não pode justificar uma excepção à transparência prevista pelo Regulamento n.° 1049/2001 (acórdão Suécia e Turco/Conselho, já referido, n.° 65).

117    Com efeito, no caso em apreço, como foi recordado no n.° 77 do presente acórdão, o pedido de acesso da MyTravel foi apresentado depois de a decisão Airtours ter sido anulada pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Airtours/Comissão, já referido, e de o prazo para recurso deste acórdão ter terminado. Nestas circunstâncias, como refere, no essencial, a advogada‑geral no n.° 96 das conclusões, o Serviço Jurídico não se poderia encontrar numa situação como a referida no número anterior, uma vez que já não seria previsível nenhum recurso relativo à legalidade desta decisão para os órgãos jurisdicionais da União.

118    Por último, no que respeita ao argumento suscitado pela República da Alemanha com base no despacho Donnici/Parlamento, já referido, basta referir que os factos que deram lugar a este despacho são diferentes dos do presente processo. Com efeito, por um lado, o referido despacho não respeitava a um pedido de acesso na acepção do Regulamento n.° 1049/2001, mas a um pedido de que fosse junto ao processo no Tribunal de Justiça um parecer do Serviço Jurídico do Parlamento. Por outro lado, esse pedido tinha sido apresentado no âmbito de um litígio pendente que tinha precisamente por objecto a validade da decisão do Parlamento a que esse parecer se referia. Consequentemente, o referido despacho não é pertinente para basear a legalidade da recusa de acesso em questão à luz do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

119    Em face do que antecede, procede igualmente o segundo fundamento invocado pelo Reino da Suécia em apoio do seu recurso.

 Quanto ao terceiro fundamento, assente na violação do artigo 4.°, n.os 2, in fine, e 3, segundo parágrafo, in fine, do Regulamento n.° 1049/2001

120    Com o seu terceiro fundamento, o Reino da Suécia critica o Tribunal de Primeira Instância por ter apreciado incorrectamente a existência, no presente processo, de um interesse público superior que justificava a divulgação dos documentos, mesmo que essa divulgação pudesse prejudicar os interesses protegidos, respectivamente, nos termos do artigo 4.°, n.os 2, segundo travessão, e 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

121    Ora, tendo em conta que o primeiro e segundo fundamentos invocados pelo Reino da Suécia em apoio do presente recurso foram julgados procedentes pelo Tribunal de Justiça, não há que analisar o terceiro fundamento.

 Quanto ao recurso e à remessa do processo ao Tribunal Geral

122    Nos termos do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral para julgamento.

123    No presente processo, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre os fundamentos invocados em apoio do recurso, baseados na violação, por um lado, do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, dirigido contra as duas decisões controvertidas e, por outro, do n.° 2, segundo travessão, do mesmo artigo, dirigido contra a segunda decisão controvertida.

124    A este respeito, basta referir que, pelos motivos enunciados no n.os 89, 98, 100 e 102 do presente acórdão, a Comissão, nas decisões controvertidas, não aplicou correctamente a excepção que visa a protecção do processo decisório desta instituição. Do mesmo modo, tendo em conta os fundamentos expostos nos n.os 113 a 117 do presente acórdão, a Comissão aplicou igualmente de maneira incorrecta a excepção que visa a protecção das consultas jurídicas.

125    Daqui resulta que, por um lado, as decisões controvertidas devem ser anuladas na medida em que se baseiam no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001 e que, por outro, a segunda decisão controvertida deve ser também anulada na medida em que se baseia no n.° 2, segundo travessão, do referido artigo.

126    Em contrapartida, o Tribunal de Justiça não está em condições de decidir sobre os fundamentos invocados pela MyTravel em apoio do seu recurso, referidos no n.° 42 do presente acórdão, dirigidos contra a primeira decisão controvertida e baseados na violação do artigo 4.°, n.° 2, segundo e terceiro travessões, do Regulamento n.° 1049/2001, nem sobre os fundamentos, referidos no n.° 43 deste acórdão, dirigidos contra a segunda decisão controvertida e referentes à excepção relativa à protecção dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria, em conjugação com a excepção relativa à protecção do processo decisório.

127    Com efeito, conforme foi sublinhado nos referidos n.os 42 e 43 e como resulta dos n.os 79 e 130 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não analisou estes fundamentos.

128    Consequentemente, há que remeter o processo ao Tribunal Geral, para que este decida sobre os fundamentos do recurso interposto pela MyTravel sobre os quais não se pronunciou.

 Quanto às despesas

129    Dado que o processo é remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas referentes ao presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      É anulado o n.° 2 do dispositivo do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 9 de Setembro de 2008, MyTravel/Comissão (T‑403/05).

2)      A decisão D(2005) 8461 da Comissão, de 5 de Setembro de 2005, que indeferiu o pedido apresentado pela MyTravel Group plc, de acesso a determinados documentos preparatórios da Comissão em matéria de controlo de concentrações, é anulada na medida em que se baseia no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.

3)      A decisão D(2005) 9763 da Comissão, de 12 de Outubro de 2005, que indeferiu parcialmente o pedido apresentado pela MyTravel Group plc, de acesso a determinados documentos preparatórios da Comissão em matéria de controlo de concentrações, é anulada na medida em que se baseia no artigo 4.°, n.os 2, segundo travessão, e 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001.

4)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia, para que este decida sobre os fundamentos do recurso interposto pela MyTravel Group plc sobre os quais não se pronunciou.

5)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


1* Língua do processo: inglês.