Language of document : ECLI:EU:T:2020:325

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

8 de julho de 2020 (*)

«FEAGA e FEADER — Despesas excluídas do financiamento — Incumprimento das regras da condicionalidade — Tolerância e clemência em matéria de sanções — Correção financeira fixa — Avaliação do prejuízo financeiro para a União — Proporcionalidade — Confiança legítima»

No processo T‑38/19,

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, P. Barros da Costa, J. Saraiva de Almeida e P. Estêvão, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Rechena e A. Sauka, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.° TFUE e destinado a obter a anulação parcial da Decisão de Execução (UE) 2018/1841 da Comissão, de 16 de novembro de 2018, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2018, L 298, p. 34),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, L. Truchot e M. Sampol Pucurull (relator), juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de março de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        De 19 a 23 de outubro de 2015, a Comissão Europeia realizou um inquérito, com o número XC/2015/012/PT, para verificar se a República Portuguesa tinha aplicado corretamente as regras relativas à  condicionalidade no âmbito do procedimento de apuramento da conformidade previsto no artigo 52.° do Regulamento (UE) n.° 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da política agrícola comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.° 352/78, (CE) n.° 165/94, (CE) n.° 2799/98, (CE) n.° 814/2000, (CE) n.° 1290/2005 e (CE) n.° 485/2008 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 549).

2        Por ofício de 19 de janeiro de 2016, a Comissão comunicou à República Portuguesa as suas conclusões na sequência do inquérito, em conformidade com o artigo 34.°, n.° 2, do seu Regulamento de Execução (UE) n.° 908/2014, de 6 de agosto de 2014, que estabelece as normas de execução do Regulamento n.° 1306/2013 no que diz respeito aos organismos pagadores e outros organismos, gestão financeira, apuramento das contas, controlos, garantias e transparência (JO 2014, L 255, p. 59).

3        Nesse ofício, a Comissão identificou um primeiro grupo de deficiências no sistema português de controlo da condicionalidade, relativo ao «Âmbito de aplicação e qualidade dos controlos in loco» (a seguir «primeiro grupo de deficiências»). A Comissão constatou, em especial, que, entre 2013 e 2015, as autoridades de controlo não tinham procedido a uma verificação completa do cumprimento, por um lado, de um certo número de requisitos legais de gestão (a seguir «RLG») e, por outro, das normas respeitantes às boas condições agrícolas e ambientais das terras relativamente à «[r]otação de culturas».

4        A Comissão identificou um segundo grupo de deficiências, relativo à «Aplicação correta de sanções administrativas e exclusões» (a seguir «segundo grupo de deficiências»). Concluiu, em substância, que o sistema de sanções por violação de certos RLG não tinha imposto um nível adequado de reduções entre 2013 e 2016.

5        Em especial, a Comissão constatou seis situações em que eram toleradas violações dos RLG 7 (identificação e registo de bovinos) e 8 (identificação e registo de animais das espécies ovina e caprina), no sentido de que não eram consideradas casos de incumprimento desses RLG na grelha de análise dos inspetores, em violação do artigo 71.°, n.° 1, do seu Regulamento (CE) n.° 1122/2009, de 30 de novembro de 2009, que estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n.° 73/2009 do Conselho, no que respeita à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo, no âmbito dos regimes de apoio direto aos agricultores previstos no referido regulamento, bem como regras de execução do Regulamento (CE) n.° 1234/2007 do Conselho, no que respeita à condicionalidade no âmbito do regime de apoio previsto para o setor vitivinícola (JO 2009, L 316, p. 65).

6        A Comissão verificou também a existência de deficiências na grelha de análise dos inspetores, que tinham impedido a aplicação da taxa de sanção de 5 % a incumprimentos graves dos RLG 1 e 5 (aves e habitats), 4 (nitratos), 7 (identificação e registo de bovinos), 16 (bem‑estar dos vitelos), 17 (bem‑estar dos suínos) e 18 (bem‑estar dos animais). Nos exemplos mencionados pela Comissão, o incumprimento de um número significativo de elementos de controlo (60 %) num único RLG não tinha resultado na aplicação de uma sanção que excedesse a taxa normal de 3 %. A Comissão remeteu igualmente para as estatísticas de controlo da condicionalidade apresentadas pelas autoridades portuguesas relativamente aos anos de 2013 e 2014, que, em seu entender, confirmavam que o sistema de sanções aplicado em Portugal limitava grandemente a possibilidade de aplicar uma sanção de 5 %. A Comissão qualificou essa deficiência de «clemência». Concluiu que o sistema de avaliação e sancionatório não refletia suficientemente a «gravidade», a «extensão» e a «permanência» dos incumprimentos, tal como previsto, nomeadamente, no artigo 24.° do Regulamento (CE) n.° 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.° 1290/2005, (CE) n.° 247/2006 e (CE) n.° 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.° 1782/2003 (JO 2009, L 30, p. 16).

7        Por ofício de 5 de abril de 2016, a República Portuguesa contestou as conclusões da Comissão.

8        Em 28 de junho de 2016, foi realizada uma reunião bilateral entre a Comissão e a República Portuguesa, em conformidade com o disposto no artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento de Execução n.° 908/2014. Por ofício de 22 de agosto de 2016, a Comissão enviou à República Portuguesa a ata dessa reunião.

9        Por ofício de 28 de setembro de 2016, a República Portuguesa formulou observações.

10      Em 3 de abril de 2017, a Comissão comunicou as suas conclusões à República Portuguesa, em conformidade com o disposto no artigo 34.°, n.° 3, terceiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.° 908/2014.

11      Discordando das conclusões da Comissão, a República Portuguesa enviou, por ofício de 22 de maio de 2017, um pedido fundamentado de conciliação ao Secretariado do Órgão de Conciliação, com base no artigo 40.°, n.° 1, do Regulamento de Execução n.° 908/2014.

12      Por ofício de 1 de agosto de 2017, a Comissão pronunciou‑se sobre o pedido de conciliação. As autoridades portuguesas responderam por ofício de 11 de setembro de 2017.

13      Em 2 de outubro de 2017, o Órgão de Conciliação comunicou o seu relatório.

14      Com base numa sugestão do Órgão de Conciliação, a República Portuguesa comunicou, por ofício de 17 de outubro de 2017, os cálculos para a aplicação de uma correção financeira pontual para o ano de 2016 (exercício financeiro de 2017).

15      Na sequência dessa comunicação, a Comissão enviou um ofício à República Portuguesa, em 9 de fevereiro de 2018, com uma nova proposta de correção financeira.

16      Por ofício de 26 de março de 2018, a República Portuguesa enviou observações e informações complementares.

17      Por ofício de 23 de agosto de 2018, a Comissão comunicou à República Portuguesa a sua posição final.

18      As razões para as correções financeiras efetuadas pela Comissão foram resumidas no relatório de síntese de 23 de outubro de 2018 (a seguir «relatório de síntese»).

19      No que se refere ao primeiro grupo de deficiências, a Comissão confirmou a existência de deficiências no [â]mbito de aplicação e na qualidade dos controlos in loco relativos aos RLG 2 (águas subterrâneas), 7, 8, 9 (erradicação de certas encefalopatias espongiformes transmissíveis), 11 (legislação alimentar), 16, 17 e 18 e também às normas relativas às boas condições agrícolas e ambientais das terras relativamente à «[r]otação de culturas».

20      No que se refere ao segundo grupo de deficiências, relativo às sanções, a Comissão confirmou a existência de tolerâncias admitidas em caso de incumprimento dos RLG 7 e 8, entre 2013 e 2015, e de um sistema de sanções clemente no que respeita aos RLG 1, 4, 5, 16 e 17, entre 2013 e 2016.

21      Quanto à determinação do montante da correção financeira, a Comissão aceitou, no relatório de síntese, os cálculos das autoridades portuguesas relativos a uma parte das correções.

22      Por um lado, a Comissão aceitou o cálculo do risco correspondente às tolerâncias constatadas nos anos de 2013 e 2014, estimado pelas autoridades portuguesas em 23 405,16 euros para 2013, e 167 943,17 euros para 2014.

23      Por outro lado, a Comissão aceitou o cálculo do risco correspondente à clemência do sistema de sanções constatada em 2016. Segundo esse cálculo, tal risco ascendia a 152 766,08 euros.

24      Quanto às restantes deficiências, a Comissão constatou a falta de dados fiáveis fornecidos pelas autoridades portuguesas. Nestas circunstâncias, propôs a aplicação de uma correção fixa com base nos critérios estabelecidos, por um lado, no artigo 12.°, n.° 6, do seu Regulamento Delegado (UE) n.° 907/2014, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento n.° 1306/2013 no que se refere aos organismos pagadores e outros organismos, à gestão financeira, ao apuramento das contas, às garantias e à utilização do euro (JO 2014, L 255, p. 18), e, por outro, nas Orientações para o cálculo das correções financeiras no âmbito dos procedimentos relativos à conformidade e ao apuramento financeiro das contas, conforme figuram na sua Comunicação C(2015) 3675 final, de 8 de junho de 2015 (a seguir «Orientações de 2015»).

25      No âmbito da avaliação da correção fixa, a Comissão propôs a aplicação de uma taxa de correção de 5 % ao montante correspondente ao risco para os fundos, definido, em conformidade com as Orientações de 2015, como equivalendo a 10 % dos pagamentos diretos totais aos beneficiários das ajudas sujeitas às regras da condicionalidade em causa nos anos de 2013 a 2015 (exercícios financeiros de 2014 a 2016).

26      A Comissão constatou que essa correção fixa se destinava à mesma população que a em causa nas tolerâncias de controlo aplicadas no âmbito dos RLG 7 e 8 nos anos de 2013 e 2014. Nestas condições, o cálculo do risco proposto pelas autoridades portuguesas para estas tolerâncias e aceite pela Comissão durante o processo foi «absorvido» pela correção fixa.

27      Com base nestes elementos, a Comissão excluiu do financiamento da União Europeia, por razões de condicionalidade, o montante total de 8 703 417,29 euros. Este montante inclui a correção fixa calculada para os anos de 2013 a 2015 (exercícios financeiros de 2014 a 2016) e a correção pontual, com base nos cálculos das autoridades portuguesas, para o ano de 2016 (exercício financeiro de 2017).

28      Esse montante foi reproduzido na Decisão de Execução (UE) 2018/1841 da Comissão, de 16 de novembro de 2018, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2018, L 298, p. 34; a seguir «decisão impugnada»). Para a avaliação do montante não considerado, a Comissão remeteu, na decisão impugnada, para o relatório de síntese.

 Tramitação processual

29      Por petição entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de janeiro de 2019, a República Portuguesa interpôs o presente recurso.

30      Em 2 de abril de 2019, a Comissão entregou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral.

31      A República Portuguesa não apresentou réplica no prazo que lhe foi fixado em aplicação do artigo 83.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

32      Por ofício entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de junho de 2019, a República Portuguesa requereu a realização de uma audiência, com base no artigo 106.° do Regulamento de Processo.

33      Por decisão de 16 de outubro de 2019, o presidente do Tribunal Geral, em aplicação do artigo 27.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, reatribuiu o processo a um novo juiz‑relator, agregado à Sétima Secção.

34      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sétima Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.° do Regulamento de Processo, colocou, por escrito, questões às partes, convidando‑as a responder antes da audiência. As partes atenderam ao solicitado, no prazo fixado.

35      Na audiência de 5 de março de 2020, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas formuladas pelo Tribunal Geral.

36      A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada, na parte em que excluiu do financiamento da União o montante de 8 703 417,29 euros, relativo a despesas por si declaradas por razões de condicionalidade, nos exercícios financeiros de 2014 a 2016;

–        condenar a Comissão nas despesas.

37      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Portuguesa nas despesas.

 Questão de direito

38      Na petição, a República Portuguesa invocou, em substância, três fundamentos de recurso. No primeiro fundamento, contesta as deficiências do sistema de sanções identificadas pela Comissão. No segundo fundamento, contesta a tomada em consideração, no cálculo do risco para os fundos, das ajudas recebidas pelo universo dos beneficiários a quem se aplicavam as regras da condicionalidade em causa e não apenas pelos que faziam parte das amostras de controlo. No terceiro fundamento, invocado a título subsidiário, denuncia a imprecisão técnica das Orientações de 2015 que levou à fixação incorreta de uma taxa de sanção de 10 % no contexto do cálculo do risco para os fundos.

39      No seu pedido de realização de audiência de 17 de junho de 2019, a República Portuguesa sublinha que, na decisão impugnada, a Comissão não mencionou determinados cálculos que aquela havia efetuado no contexto da determinação do risco para os fundos.

40      A título preliminar, deve recordar‑se que quando a Comissão recusa que certas despesas sejam suportadas pelos fundos devido à violação das disposições do direito da União imputáveis a um Estado‑Membro, não lhe cabe provar de modo exaustivo a insuficiência dos controlos efetuados pelas administrações nacionais ou a irregularidade dos números por estas transmitidos, mas apresentar um elemento de prova da dúvida séria e razoável que tem quanto a esses controlos ou a esses números. Este aligeiramento da exigência da prova por parte da Comissão explica‑se pelo facto de o Estado‑Membro estar mais bem colocado para recolher e verificar os dados necessários ao apuramento das contas dos fundos, incumbindo‑lhe, consequentemente, apresentar a prova mais detalhada e completa da veracidade dos seus controlos ou dos seus números e, sendo caso disso, da inexatidão das afirmações da Comissão (v. Acórdão de 11 de janeiro de 2001, Grécia/Comissão, C‑247/98, EU:C:2001:4, n.os 8 e 9 e jurisprudência referida).

41      Assim, o Tribunal Geral deve verificar se o Estado‑Membro em causa demonstrou a inexatidão das apreciações da Comissão ou a inexistência de um risco de perda ou de irregularidade para os fundos com base na aplicação de um sistema de controlo fiável e eficaz (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2007, Grécia/Comissão, T‑243/05, EU:T:2007:270, n.° 58 e jurisprudência referida).

 Quanto à alegação apresentada pela República Portuguesa no seu pedido de realização de audiência

42      No seu pedido de realização de audiência, a República Portuguesa recorda que, durante o processo na Comissão, calculou o risco para os fundos relacionado com as deficiências relativas à alegada tolerância e que esse cálculo foi aceite pela Comissão para os anos de 2013 a 2015. A República Portuguesa coloca a questão de saber por que razão tal avaliação não aparece na decisão impugnada. Segundo a República Portuguesa, a Comissão alterou o seu entendimento sobre o que expôs nos ofícios de 3 de abril e 1 de agosto de 2017.

43      Essa alegação da República Portuguesa foi apresentada, pela primeira vez, no pedido de realização de audiência e não constitui uma ampliação de um dos fundamentos apresentados na petição. Com efeito, esses fundamentos prendem‑se com outros aspetos da decisão impugnada. Além disso, esta alegação não resulta de nenhum elemento de direito ou de facto surgido durante o processo no Tribunal Geral. Por conseguinte, deve ser julgada inadmissível, em conformidade com o disposto no artigo 84.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

44      Em todo o caso, a alegação apresentada pela República Portuguesa não pode ser acolhida em face dos documentos dos autos. Resulta dos ofícios de 3 de abril e 1 de agosto de 2017, é certo, que a Comissão aceitou os cálculos apresentados pelas autoridades portuguesas correspondentes ao risco para os fundos associado às tolerâncias constatadas entre 2013 e 2015. Contudo, a Comissão também indicou que estes cálculos deviam ser «absorvidos» pela correção fixa, na medida em que esta correção dizia respeito à mesma população de beneficiários. Daqui resulta, ao contrário do que sustenta a República Portuguesa, que a Comissão não alterou o seu entendimento quando não aplicou, na decisão impugnada, uma correção pontual para os anos de 2013 a 2015, baseada nos cálculos das autoridades portuguesas.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo às deficiências do sistema de sanções identificadas pela Comissão

45      No âmbito do primeiro fundamento, a República Portuguesa contesta as conclusões da Comissão sobre as deficiências do sistema de sanções. A este título, invoca a violação do artigo 24.° do Regulamento n.° 73/2009, do artigo 54.º, n.° 1, alínea c), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1122/2009 e do artigo 71.° deste último regulamento.

46      Em especial, quanto à «tolerância» identificada pela Comissão a respeito das sanções aplicáveis em caso de incumprimento dos RLG 7 e 8, a República Portuguesa recorda que, em conformidade com o disposto no artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 73/2009 e no artigo 54.°, n.° 1, alínea c), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1122/2009, os Estados‑Membros podem decidir não aplicar qualquer redução — nos casos de incumprimento menor — e, além disso, podem prever uma margem de tolerância que permita suspender a atuação contra o incumprimento.

47      No que respeita à alegada «clemência» ou «indulgência» nas sanções aplicáveis em caso de incumprimento dos RLG 1, 4, 5, 16 e 17, a República Portuguesa alega, em substância, que a regulamentação da União não prevê a obrigatoriedade do enquadramento da maioria das penalizações aplicadas no escalão de 3 %. Com efeito, o artigo 71.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1122/2009 prevê uma sanção à taxa de 3 % (base de partida indicativa), com a possibilidade de reduzir a percentagem para 1 % ou de aumentá‑la para 5 %.

48      A República Portuguesa alega ainda que, em resposta aos exemplos mencionados pela Comissão no ofício de 19 de janeiro de 2016, já provou, durante o processo administrativo, a existência de casos em que, apesar de o número de elementos não conformes com determinados RLG representar menos de 50 % do número total de elementos de controlo, tinha sido aplicada uma taxa de sanção de 5 %. Assim, a gravidade, a extensão e a permanência dos incumprimentos foram adequadamente avaliadas.

49      Na audiência, a República Portuguesa explicou que não avaliava a gravidade dos casos de incumprimento apenas com base no número de elementos em situação de incumprimento relativamente ao número total de elementos exigidos. Com efeito, a importância de cada elemento era ponderada no âmbito da análise dos inspetores, o que explicava a razão de, em certos casos, o incumprimento de menos de metade dos elementos ter conduzido à aplicação de uma sanção de 5 %. Os exemplos apresentados pelas autoridades portuguesas durante o processo administrativo dão disso testemunho. A República Portuguesa observou que este método de avaliação ponderada tinha sido explicado em pormenor à Comissão, no seu ofício de 22 de maio de 2017. A República Portuguesa precisou que essa ponderação teve igualmente em conta o teto máximo final de 5 % da penalização por negligência previsto no artigo 71.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1122/2009.

50      A Comissão contesta os argumentos da República Portuguesa.

51      Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral durante a audiência, a Comissão acrescentou que o primeiro fundamento era inoperante pois o primeiro grupo de deficiências identificado na decisão impugnada, não contestado pela República Portuguesa, justifica, por si só, a imposição da correção financeira sob contestação no âmbito do presente recurso. Assim, mesmo que o primeiro fundamento fosse acolhido, a decisão impugnada não seria anulada. Em resposta à mesma questão do Tribunal Geral, a República Portuguesa declarou na audiência que contestava todas as deficiências verificadas pela Comissão.

52      A este respeito, deve concluir‑se que, no presente recurso, a República Portuguesa só contestou o segundo grupo de deficiências identificado pela Comissão, relativo às sanções. Todavia, nem em resposta à medida de organização do processo do Tribunal Geral nem durante a audiência, a Comissão apresentou elementos que permitissem demonstrar que o nível de correção aplicado podia ser justificado apenas com base no primeiro grupo de deficiências.

53      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral irá analisar o mérito do primeiro fundamento.

54      No que respeita, em primeiro lugar, à «tolerância» identificada pela Comissão no âmbito dos controlos instituídos pelos RLG 7 e 8, deve notar‑se que a República Portuguesa se limita a recordar, de um modo geral, a possibilidade de os Estados, em situações devidamente justificadas, não aplicarem reduções nos casos de incumprimento menores. Todavia, a República Portuguesa não contesta que as seis situações identificadas pela Comissão no relatório de síntese constituíam violações dos RLG 7 e 8, mas não foram consideradas na grelha de análise dos inspetores como casos de incumprimento. Estas violações não foram, portanto, reportadas nem registadas pelas autoridades de controlo. Nestas circunstâncias, a Comissão considerou, com razão, que a gravidade, a extensão e, em especial, a permanência desse tipo de violações não podiam ser avaliadas nos termos do artigo 24.°, n.° 1, do Regulamento n.° 73/2009.

55      No que respeita, em segundo lugar, à constatação de «clemência» no contexto das violações dos RLG 1, 4, 5, 16 e 17, deve salientar‑se que, contrariamente ao que a República Portuguesa alega, a Comissão nunca afirmou, durante o processo administrativo, que a maioria das sanções aplicadas deveria ser igual a 3 %.

56      Com efeito, a Comissão verificou, neste caso, a existência de deficiências na grelha de avaliação, que continha limitações nas opções à disposição dos inspetores. Nos exemplos considerados pela Comissão, estas deficiências tinham conduzido à aplicação de uma sanção de 3 % nos casos em que mais de 60 % dos elementos de controlo de um único RLG não foram cumpridos.

57      Como a Comissão salientou na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, estes exemplos eram suficientemente representativos, uma vez que incidiam sobre cinco RLG em diferentes áreas, nomeadamente os RLG 1 e 5 (aves e habitats), 4 (nitratos), 16 (bem‑estar dos vitelos) e 17 (bem‑estar dos suínos), num total de dezoito.

58      Quanto ao sistema de ponderação de elementos explicado pela República Portuguesa na audiência, importa salientar, à semelhança da Comissão, que a gravidade de certos casos de incumprimento, penalizados, no entanto, com uma taxa de 3 %, demonstrava que essa ponderação não garantia um nível de sanção em conformidade com o artigo 24.°, n.° 1, do Regulamento n.° 73/2009. Como indicou a Comissão nos seus ofícios de 19 de janeiro de 2016 e de 1 de agosto de 2017, o incumprimento de 9 dos 10 elementos de controlo do RLG 4 não tinha conduzido à aplicação de uma sanção de 5 %. Do mesmo modo, aos agricultores que não cumpriam nenhum dos critérios dos RLG 16 e 17 foram impostas apenas sanções de 3 %.

59      Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à tomada em consideração, para efeitos do cálculo do risco para os fundos, das ajudas recebidas pelo universo dos beneficiários a quem se aplicavam as regras da condicionalidade em causa

60      No âmbito do segundo fundamento, articulado em torno de duas partes, a República Portuguesa alega que a tomada em consideração, pela Comissão, para efeitos do cálculo do risco para os fundos, das ajudas recebidas pelo universo dos beneficiários sujeitos às regras da condicionalidade em causa dá origem a várias violações.

61      De acordo com a primeira parte deste fundamento, essa tomada em consideração viola, em primeiro lugar, o artigo 52.° do Regulamento n.° 1306/2013; em segundo lugar, o documento de trabalho DS/2010/29 REV, relativo à condicionalidade, que visa clarificar os resultados dos controlos baseados numa amostra aleatória ou numa amostra de risco que devem ser tidos em consideração na determinação do número de controlos (a seguir «documento de trabalho DS/2010/29 REV»); em terceiro lugar, o capítulo 4 das Orientações de 2015; em quarto lugar, o artigo 50.° do Regulamento n.° 1122/2009; e, em quinto lugar, o princípio da confiança legítima.

62      De acordo com a segunda parte, essa tomada em consideração viola o princípio da proporcionalidade.

63      Uma vez que ambas as partes incidem sobre o mesmo aspeto da decisão impugnada, devem ser agrupadas e analisadas em conjunto.

64      A República Portuguesa alega que, como resulta das Orientações de 2015, as regras da condicionalidade não constituem regras de elegibilidade para a concessão de ajudas, mas um conjunto de obrigações impostas aos beneficiários, cujo incumprimento é penalizado. Desta forma, o risco para os fundos não é avaliado, em princípio, com base no risco resultante de despesas inelegíveis, mas sim com base no risco de prejuízo financeiro resultante apenas da não aplicação de sanções. Assim, a correção financeira não pode ser aplicada, no caso em apreço, à totalidade dos beneficiários com ajudas sujeitas a condicionalidade, mas unicamente à percentagem de beneficiários controlados, uma vez que apenas a estes são aplicáveis sanções. Em conformidade com o artigo 50.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1122/2009, a taxa mínima de controlo pelas autoridades de controlo competentes é de 1 % dos agricultores que apresentaram pedidos de ajuda.

65      A República Portuguesa sublinha que o incumprimento dos requisitos em matéria de condicionalidade por um agricultor, detetado num controlo, dá origem a sanções individuais. Destas sanções não é feita nenhuma extrapolação para além da amostra controlada. Ao contrário do que a Comissão afirma, este sistema é válido tanto para os sistemas de controlo perfeitos dos Estados como para os sistemas de controlo deficientes.

66      Quanto a estes últimos, segundo a República Portuguesa, poder‑se‑ia aceitar que, em conformidade com o disposto no artigo 50.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1122/2009, a amostra de controlo fosse afetada por uma taxa de incremento resultante desses controlos considerados menos adequados, o que impulsionaria a amostra para além de 1 %. Tal teria de ocorrer nos termos do previsto no documento de trabalho DS/2010/29 REV, relativo à aplicação desta disposição. Resulta desse documento que, no pior de todos os cenários, a taxa máxima aplicável seria de 20 % de agricultores do universo da amostra de controlo legalmente obrigatória (1 %). A alteração do entendimento da Comissão sobre esse documento de trabalho viola o princípio da confiança legítima.

67      Por último, a República Portuguesa alega que o prejuízo real para a União foi sobrestimado, sendo, portanto, desproporcionado, em violação do artigo 5.° TUE. Por um lado, segundo essa estimativa, esse prejuízo é, no mínimo, cinco vezes superior ao que deveria ter sido. Por outro, a larga maioria dos beneficiários controlados não apresenta incumprimento. Ora, partindo do princípio de que as reduções deveriam ter sido aplicadas apenas aos beneficiários da amostra de controlo (1 %), a correção financeira aplicada na decisão impugnada equivale a considerar todos os beneficiários em incumprimento e penalizados com taxas de 50 %.

68      A Comissão contesta os argumentos invocados pela República Portuguesa. Em especial, a Comissão salienta que, no Acórdão de 26 de setembro de 2018, Portugal/Comissão (T‑463/16, não publicado, EU:T:2018:606), o Tribunal Geral já analisou e julgou improcedente um fundamento semelhante apresentado pela República Portuguesa no âmbito de um processo também relativo ao controlo da condicionalidade.

69      Em resposta a uma medida de organização do processo decretada pelo Tribunal Geral, a Comissão observa que a análise do Tribunal Geral no Acórdão de 26 de setembro de 2018, Portugal/Comissão (T‑463/16, não publicado, EU:T:2018:606), foi validada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 20 de novembro de 2019, Portugal/Comissão (Correções financeiras no âmbito do FEAGA e do FEADER) (C‑737/18 P, EU:C:2019:991).

70      Em resposta à mesma medida de organização do processo e durante a audiência, a República Portuguesa alega que, no presente caso, apresenta um argumento que não foi analisado pelo Tribunal Geral nem pelo Tribunal de Justiça nos processos T‑463/16 e C‑737/18 P. Segundo este argumento, para o cálculo do risco para os fundos, a Comissão deveria ter tido em conta um máximo de 20 % dos pagamentos aos beneficiários sujeitos à condicionalidade, em conformidade com o documento de trabalho DS/2010/29 REV e com o princípio da proporcionalidade.

71      A este respeito, deve salientar‑se que, no processo que deu origem ao Acórdão de 26 de setembro de 2018, Portugal/Comissão (T‑463/16, não publicado, EU:T:2018:606), a República Portuguesa invocou um fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do artigo 31.° do Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO 2005, L 209, p. 1) (substituído pelo artigo 52.° do Regulamento n.° 1306/2013). No âmbito deste fundamento, a República Portuguesa alegava que a base de cálculo da correção aplicada não devia ser a totalidade dos beneficiários de ajudas sujeitas a condicionalidade, mas apenas os beneficiários efetivamente controlados. Em apoio desse fundamento, a República Portuguesa apresentava argumentos semelhantes aos apresentados no presente processo.

72      Em resposta a esse fundamento, o Tribunal Geral afirma que, embora seja verdade que o risco incorrido pelos fundos corresponde, em princípio, às sanções não aplicadas pelo incumprimento dos requisitos em matéria de condicionalidade e que, em princípio, esse risco está limitado à amostra de controlo conforme definida nomeadamente nos artigos 50.° e 51.° do Regulamento n.° 1122/2009, isso só é válido se o sistema de controlo dos requisitos em matéria de condicionalidade instituído pelo Estado‑Membro for eficaz. Com efeito, só um sistema como esse permite controlar o cumprimento dos requisitos por parte dos agricultores incluídos na amostra de controlo in loco e ampliar essa amostra, se necessário, no caso de os controlos terem revelado casos significativos de incumprimento (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Portugal/Comissão, T‑463/16, não publicado, EU:T:2018:606, n.° 42).

73      Em contrapartida, no caso de o sistema de controlo ser deficiente, um Estado‑Membro não pode garantir o controlo e o respeito das regras instituídas pelos Regulamentos n.os 73/2009 e 1122/2009, pelo que não lhe é possível assegurar‑se de que o risco para os fundos é limitado à amostra de controlo (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Portugal/Comissão, T‑463/16, não publicado, EU:T:2018:606, n.° 43).

74      Foi precisamente para ter em conta esta situação que a Comissão previu, nas Orientações de 2015, que o risco para os fundos se pudesse estender para além dos agricultores que foram controlados (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Portugal/Comissão, T‑463/16, não publicado, EU:T:2018:606, n.° 45).

75      Foi, nomeadamente, com esta base que o Tribunal Geral concluiu que não havia violação do princípio da proporcionalidade nem do artigo 31.° do Regulamento n.° 1290/2005.

76      Em sede de recurso, o Tribunal de Justiça confirmou que o conceito de «agricultores que tenham de ser controlados», previsto no documento AGRI‑2005‑64043 da Comissão, de 9 de junho de 2006, e retomado nas Orientações de 2015, não pode ser interpretado no sentido de apenas incluir os agricultores que foram efetivamente controlados pelas autoridades nacionais [Acórdão de 20 de novembro de 2019, Portugal/Comissão (Correções financeiras no âmbito do FEAGA e do FEADER), C‑737/18 P, EU:C:2019:991, n.° 50].

77      À luz destes elementos, a Comissão podia, justificadamente, ter em conta, no caso em apreço, o universo dos beneficiários sujeitos às regras da condicionalidade em causa, no contexto do cálculo do risco para os fundos, e não apenas os incluídos na amostra de controlo. A decisão impugnada não viola, portanto, neste ponto, o artigo 52.° do Regulamento n.° 1306/2013, nem o capítulo 4 das Orientações de 2015, nem o artigo 50.° do Regulamento n.° 1122/2009, nem o princípio da proporcionalidade.

78      As alegações específicas apresentadas pela República Portuguesa no âmbito do presente recurso, relativas ao documento de trabalho DS/2010/29 REV, não põem em causa esta análise.

79      Com efeito, o documento de trabalho DS/2010/29 REV limita‑se a precisar o modo como a amostra de controlo deve ser aumentada  pelas autoridades nacionais, em aplicação do artigo 50.° do Regulamento n.° 1122/2009.

80      Ora, como o Tribunal de Justiça recordou, o artigo 50.° do Regulamento n.° 1122/2009 não regula o cálculo da taxa de correção que a Comissão impõe aos Estados‑Membros, nomeadamente àqueles cujos sistemas de controlo são deficientes [Acórdão de 20 de novembro de 2019, Portugal/Comissão (Correções financeiras no âmbito do FEAGA e do FEADER), C‑737/18 P, EU:C:2019:991, n.° 47]. Com efeito, esta disposição define apenas o modo como as autoridades nacionais competentes devem efetuar os controlos in loco relativos à condicionalidade com base numa amostra. O n.° 1 dessa disposição estabelece que essa amostra abrange «pelo menos, 1 %» de todos os agricultores que apresentem pedidos de ajuda. O n.° 3 impõe o aumento dessa amostra quando se verifique um grau significativo de incumprimento pelos agricultores.

81      O argumento apresentado pela República Portuguesa, que denuncia, com base no documento de trabalho DS/2010/29 REV, a violação do princípio da confiança legítima e do princípio da proporcionalidade, não pode, portanto, ser acolhido.

82      Com base nas considerações que precedem, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente no seu todo.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à imprecisão técnica das Orientações de 2015, que conduziu à fixação errada de uma taxa de sanção de 10 %

83      No âmbito do terceiro fundamento, relativo a um erro de direito e à violação do princípio da proporcionalidade, a República Portuguesa denuncia a existência de certas imprecisões técnicas nas Orientações de 2015, que levaram a Comissão a determinar erradamente uma taxa de sanção de 10 % no contexto do cálculo do risco para os fundos.

84      A República Portuguesa recorda que essa taxa é fixada nas Orientações de 2015 e corresponde à média aritmética entre as sanções administrativas aplicáveis aos beneficiários em caso de negligência (reduções de 3 %, 9 %, 15 %), que é de 9 %. A taxa é elevada para 10 % nas Orientações de 2015, para ter em conta uma percentagem mínima de incumprimento deliberado, sancionado com uma redução de 20 %.

85      A República Portuguesa considera que as premissas que conduzem à aplicação de uma taxa de 10 % na condicionalidade não são proporcionais, pois não têm qualquer aderência à realidade.

86      Para fundamentar a sua afirmação, a República Portuguesa apresenta dois gráficos, elaborados com base nos dados estatísticos enviados à Comissão relativamente aos anos de 2013 a 2017.

87      O primeiro gráfico ilustra o tipo de sanções aplicadas aos incumprimentos identificados entre 2013 e 2017. Resulta desses dados que mais de 85 % dos incumprimentos foram penalizados pelas autoridades portuguesas com uma taxa de 3 %. Deles resulta igualmente que os incumprimentos reiterados, que podem implicar uma taxa de sanção de 9 % a 15 %, não excedem os 13 % e que os incumprimentos deliberados, que dão origem a sanções iguais ou superiores a uma taxa de 20 %, não representam mais de 1 % dos incumprimentos. Pela leitura destes valores, a taxa média da condicionalidade daí resultante cifra‑se abaixo dos 5 % (menos de 4,4 %) em vez dos 10 %.

88      O segundo gráfico apresentado pela República Portuguesa ilustra a tendência «linear» resultante da média aritmética aplicada pela Comissão na decisão impugnada, com base nas Orientações de 2015. Esta média, não ponderada, leva a concluir que os beneficiários controlados com incumprimentos são em igual número para cada nível de sanção (3 %, 9 %, 15 % e 20 %), o que não corresponde à realidade.

89      A República Portuguesa conclui desse facto que a taxa aplicada na decisão impugnada está sobreavaliada em mais do dobro, em violação do princípio da proporcionalidade.

90      A Comissão impugna os argumentos invocados pela República Portuguesa.

91      Em resposta a uma medida de organização do processo decretada pelo Tribunal Geral, a Comissão acrescenta que nem os gráficos nem a análise efetuada pela República Portuguesa na petição foram apresentados durante o processo administrativo. Ora, os Estados‑Membros devem comunicar à Comissão os respetivos fundamentos até à adoção da decisão o mais tardar, mas não após o encerramento do processo administrativo.

92      Em resposta à mesma medida de organização do processo, a República Portuguesa declara que da análise dos dados de base que serviram à elaboração das estatísticas de controlo da condicionalidade reportadas à Comissão as autoridades portuguesas recolheram e trataram a informação necessária que permitiu apurar uma taxa média da sanção ponderada de condicionalidade que não ultrapassa os 5 %, cujos resultados se acham expressos nos gráficos alegados na petição inicial. No entanto, os documentos que evidenciam a demonstração do apuramento dessa taxa não foram apresentados pelas autoridades portuguesas no decurso do inquérito. Contudo, a República Portuguesa considera que a Comissão podia e deveria ter solicitado aos Estados‑Membros os dados de base subjacentes à elaboração das estatísticas de controlo da condicionalidade, o que lhe permitiria determinar uma taxa de sanção média ponderada adequada à avaliação real do risco para o fundo, em vez de fundar a avaliação desse risco numa taxa de sanção resultante de uma média aritmética.

93      A esse respeito, importa recordar a natureza do processo administrativo que levou à adoção da decisão impugnada. Anteriormente à decisão final da Comissão sobre a avaliação dos montantes a excluir, o artigo 34.° do Regulamento de Execução n.° 908/2014 prevê um sistema complexo e pormenorizado que o Estado‑Membro e a Comissão devem respeitar. A comunicação, pela Comissão, dos resultados das verificações e das medidas corretivas a considerar serve de base ao processo administrativo e fixa o respetivo enquadramento. O Estado‑Membro tem a possibilidade de apresentar os seus comentários na resposta escrita e na reunião bilateral previstas naquela disposição, antes de a Comissão comunicar formalmente as suas conclusões. Em seguida, o Estado‑Membro pode ainda apresentar os seus argumentos perante o Órgão de Conciliação. Só após a análise do relatório do Órgão de Conciliação é que a Comissão decide sobre uma possível recusa de financiamento. Durante o processo administrativo, o Estado‑Membro deve dispor de todas as garantias necessárias à apresentação do seu ponto de vista. O processo administrativo é, portanto, de natureza complexa e é abrangente, garantindo, assim, que a Comissão possa tomar a decisão final com base em todas as informações disponíveis (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2008, Espanha/Comissão, T‑60/07, não publicado, EU:T:2008:485, n.° 99 e jurisprudência referida).

94      A legalidade dessa decisão deve, por conseguinte, ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (v., nesse sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Grécia/Comissão, T‑46/09, EU:T:2013:32, n.° 149 e jurisprudência referida).

95      No caso em apreço, no seu ofício de 3 de abril de 2017, a Comissão já tinha comunicado às autoridades portuguesas a sua intenção de aplicar a taxa de 10 %, em conformidade com as Orientações de 2015. No entanto, as autoridades portuguesas não contestaram essa taxa no âmbito do processo administrativo. A República Portuguesa contestou pela primeira vez essa taxa perante o Tribunal Geral, baseando‑se em elementos factuais que não foram apresentados à Comissão no âmbito do processo administrativo. Com efeito, como a República Portuguesa reconheceu, os gráficos da petição foram elaborados a partir dos dados enviados anualmente à Comissão em cumprimento do disposto no artigo 84.° do Regulamento n.° 1122/2009, e não no âmbito do procedimento anterior à adoção da decisão impugnada.

96      Nestas circunstâncias, a Comissão não pode ser censurada por ter aplicado na decisão impugnada a taxa de sanção de 10 % mencionada nas Orientações de 2015.

97      Em todo o caso, a estimativa do risco para os fundos efetuada pela República Portuguesa, avaliada com base numa taxa de sanção inferior a 5 %, não pode ser aceite, por duas razões.

98      Por um lado, essa estimativa baseia‑se nos incumprimentos constatados pelas autoridades portuguesas no âmbito da amostra de controlo prevista no artigo 50.° do Regulamento n.° 1122/2009. Ora, como foi referido na análise do segundo fundamento, no caso de o sistema de controlo ser deficiente, não é possível garantir que o risco para os fundos se limite a essa amostra.

99      Por outro lado, devido às deficiências do sistema de controlo, os dados apresentados nos gráficos não representam o nível de sanção real que deveria ter sido aplicado aos agricultores controlados no âmbito da amostra ao longo desses anos. Com efeito, como resulta da análise do primeiro fundamento, há vários casos em que as autoridades portuguesas não penalizaram um primeiro incumprimento, por razões de tolerância. Em consequência, os inspetores não conseguiram detetar casos de incumprimento reiterado que merecessem uma sanção mais elevada nem puderam aumentar o tamanho da amostra de controlo com base nos incumprimentos constatados. Do mesmo modo, certas infrações graves foram penalizadas apenas com base numa taxa de 3 %, e não de 5 %.

100    A República Portuguesa não demonstrou, portanto, que o risco para os fundos tivesse sido sobreavaliado em violação do princípio da proporcionalidade.

101    Em face do exposto, o terceiro fundamento deve improceder e, por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso no seu todo.

  Quanto às despesas

102    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

103    Tendo a República Portuguesa sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Da Silva Passos

Truchot

Sampol Pucurull

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de julho de 2020.

O Secretário

 

O Presidente

E. Coulon

 

S. Papasavvas


*      Língua do processo: português.